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ATEMPORALIDADE DO TRABALHO, VIOLÊNCIA DO CAPITAL E A AMPLIAÇÃO DAS JORNADAS DE TRABALHO

THE TIMELESSNESS OF WORK, VIOLENCE OF CAPITAL AND THE EXPANSION OF WORKING HOURS

Cândida da Costa
Univeridade Federal do Maranhão - UFMA, Brasil
Carlos Roberto Horta
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Brasil
Sadi Dal Rosso
Universidade de Brasília - UnB, Brasil

ATEMPORALIDADE DO TRABALHO, VIOLÊNCIA DO CAPITAL E A AMPLIAÇÃO DAS JORNADAS DE TRABALHO

Revista de Políticas Públicas, vol. 26, Esp., pp. 176-195, 2022

Universidade Federal do Maranhão

Recepción: 14 Febrero 2022

Aprobación: 27 Abril 2022

Resumo: O trabalho como fenômeno atemporal. Trabalho e criatividade. O trabalho sob ataque do capital. O novo mundo do trabalho e as formas de resistência de trabalhadores e trabalhadoras. Destacam-se as mudanças enfrentadas pelo mundo do trabalho frente às formas de flexibilização e precarização introduzidas pelo modelo de globalização em curso no mundo. Apresentam-se as estatísticas que evidenciam o crescimento do desemprego no Brasil na última década. Analisam-se as modalidades de trabalho introduzidas pela legislação trabalhista que cria o trabalhador sem direitos, ampliando ainda mais a precarização do trabalho e a desproteção social dos trabalhadores. Desenvolvem-se reflexões sobre mudanças que trouxeram para a dominação do capital sobre o trabalho não apenas a modernização tecnológica característica do neoliberalismo, mas também as opções impostas à classe trabalhadora no contexto dessas mudanças. Intenta-se apresentar um olhar diferenciado para a relação empírica existente entre escolaridade e trabalho, tendo como objeto as jornadas de trabalho, por exprimirem de forma singular a manifestação social do trabalho. Diante de tantas transformações, o nível de instrução se desvencilhou da velha narrativa de segurança e se impregnou com o trabalho flexível. Frente ao aumento da participação da população com nível superior no mercado de trabalho, observa-se que, num cenário de redução das jornadas de trabalho, esse nível de instrução começa a avançar de maneira tímida para as jornadas extensas, embora se concentre nas jornadas de tempo integral. Outro fenômeno observado foi o comportamento inverso presente na relação entre arrefecimento econômico e concentração da população em jornadas de tempo integral.

Palavras-chave: Atemporalidade do trabalho, capital financeiro, jornada de trabalho.

Abstract: Work as a timeless phenomenon. Work and creativity. Labor under attack by capital. The new world of work and the forms of resistance of male and female workers. It highlights the changes faced by the world of work in face of the forms of flexibilization and precariousness introduced by the globalization model in course in the world. The statistics that show the growth of unemployment in Brazil in the last decade are presented. The work modalities introduced by the labor legislation that create the worker without rights are analyzed, widening the precariousness of work and the social lack of workers’ protection. Reflections are developed on changes that brought to the domination of capital over labor not only the technological modernization characteristic of neoliberalism, but also the options that were imposed to the working class in the context of these changes. It intends to present a different look at the existing empirical relationship between schooling and work, having as object the working hours, as they express in a unique way the social manifestation of work. In face of so many transformations, the level of education got rid of the old security narrative and became impregnated with flexible work. Before the increase in the participation of the population with higher education in the labor market, one observes that, in a scenary of reduction in working hours, this level of education begins to move timidly towards long hours, although it is concentrated on full-time hours. Another phenomenon observed was the inverse behavior present in the relationship between the economic downturn and the concentration of the population in full-time hours.

Keywords: Timelessness of work, Financial capital, Working journey.

1 INTRODUÇÃO

O debate acerca do lugar do trabalho no mundo não é novo. Entretanto, nas três últimas décadas, tem sido recolocado em novas bases, a ponto de suscitar questionamentos sobre a sua centralidade.

Neste artigo, pretende-se abordar a nova dinâmica em desenvolvimento no mundo do trabalho, a violência do capital sobre o trabalho e ampliação das jornadas de trabalho. Tal abordagem parte da definição conceitual do trabalho, do mundo do trabalho para dirigir-se às transformações em curso no mundo do trabalho.

Historicamente, a violência do capital sobre o trabalho se manifesta pela proibição das greves, prisões de líderes, além da construção de políticas que desvalorizam o trabalho e trazem o aumento do desemprego. Este, que tanto cresceu nas economias capitalistas desde o final do século XX se explica por “escolhas” desde a clara opção por ele, no âmbito da formulação de políticas econômicas, passando pela questão das inovações tecnológicas, da automação e da reestruturação empresarial, até as contradições no campo do capital, tanto produtivo, quanto das suas relações com o capital especulativo, atualmente hegemônico.

As mudanças verificadas no processo produtivo e também na reestruturação das empresas, no contexto de recessão econômica, provocaram forte precarização do trabalho, viabilizando propostas de desregulamentação e de flexibilização, abrindo espaço para a defesa da privatização, processos que estão relacionados com a desindustrialização, a qual, por sua vez, está envolvida com um crescimento explosivo do mercado informal.

No Brasil, esta situação se repete, agravada pelas condições típicas de país do terceiro mundo, onde o poder de interferir na formulação de políticas está sempre mais concentrado nos pontos mais altos da escala social. Independentemente do fato de que, há já algum tempo, a maioria das pesquisas de opinião aponta o desemprego como o maior problema do país nos dias de hoje, é imperativo discutir profundamente a questão, sob todos os aspectos que com ela tenham relação.

Há concepções presentes no senso comum que, por estarem tão envolvidas com os nossos códigos do cotidiano, perdem a sua visibilidade como fatores integrantes de um contexto favorável ao desemprego. Concepções voltadas para uma visão administrativa do mundo do trabalho, numa perspectiva empresarial, dificultam as possíveis soluções para o problema do desemprego, e passam como portadoras de uma pretensa neutralidade, que vai desaguar em visões conformistas com relação ao desemprego e às suas consequências sociais.

O tema educação no Brasil, sozinho, é capaz de alimentar até no leitor mais desinteressado diversas inquietações, que vão desde a qualidade até o papel social da escola. Buscando somar ainda mais ao debate, este artigo também tem como objetivo colocar em contraposição à educação, uma de suas principais bases de sustentação, a questão do trabalho, analisado pela ótica da jornada, nível de instrução e posição na ocupação.

2 O TRABALHO E O SEU ESTATUTO

Neste item, aborda-se o conceito e o significado do trabalho a partir da visão de visão de Karl Marx, na qual o trabalho aparece como a atividade produtora do homem em relação transformadora com a natureza ao mesmo tempo em que denuncia o seu aviltamento na sociedade capitalista, que o converteu em uma mercadoria a ser comprada e negociada no mercado. Este conjunto de ideias facilita o entendimento sobre a construção do sentido do trabalho no mundo e sobre as escolhas feitas pela sociedade quanto à sua organização social.

2.1 Marx e a dimensão criativa do trabalho

O trabalho, em Marx, aparece em dimensão positiva: ele é resultado da criação humana. Percebe-se, na análise marxista, uma compreensão universal e atemporal sobre o trabalho.

Sua análise leva à diferenciação de vários momentos por que passa a constituição do ser humano: num primeiro plano, a atividade humana volta-se à produção dos meios que permitam a subsistência; depois, para a satisfação de novas necessidades surgidas no ato primeiro; para tanto, faz-se necessário o estabelecimento de relações com os outros homens, ou seja, relações sociais - essa relação, portanto, é dupla: natural e social; finalmente, forma-se uma consciência relativa à sua ação social.

Fica claro assim que, para satisfazer suas necessidades, o homem atua transformando a natureza, através do trabalho, da atividade produtiva. Mas, ao realizar sua atividade produtiva, os homens não a fazem de forma isolada, mas associados em grupos, do que resulta que a atividade produtiva é sempre uma produção social. Na produção de bens materiais, os homens utilizam meios de produção (ferramentas, máquinas) e os produtos do seu trabalho são valores de uso, bens capazes de satisfazer necessidades humanas.

No prefácio à Contribuição Para a Crítica da Economia Política, Marx afirma:

Na produção social de sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral (MARX, 1996, p. 301).

A abordagem do processo de trabalho deve ser compreendida como parte inicial da análise do processo de produção a ser empreendida em duas direções: primeiro, as forças produtivas, entendidas como a totalidade dos meios de produção e das forças de trabalho da sociedade, que expressam o modo de apropriação da natureza pelo homem, o grau de domínio técnico do homem sobre a natureza; segundo, as relações de produção, que expressam as relações entre os homens no processo da produção social e na distribuição dos produtos do trabalho.

O parâmetro que nos mostra o quanto as forças produtivas estão desenvolvidas é a divisão social do trabalho. Contraditoriamente, ela gera também uma distribuição desigual do trabalho e dos seus produtos (ENGELS; MARX,1999, p. 45-6).

O capitalismo, portanto, configura-se como o modo de produção no qual o capital, sob suas diferentes formas, é o principal meio de produção. Embora o capital possa tomar a forma de dinheiro ou de crédito para a compra da força de trabalho e elementos necessários à produção, o que caracteriza fundamentalmente o capitalismo como modo de produção é a propriedade privada do capital nas mãos de uma única classe, a classe dos capitalistas.

A materialização do modo de produção capitalista promove uma completa inversão na relação do homem com o trabalho e com o produto do seu trabalho. De relação natural e ligada à satisfação de suas necessidades, o trabalho passa a instrumento de acumulação e dominação do homem sobre o homem. E a mercadoria, enquanto forma assumida pelo produto do trabalho e pelo próprio trabalho, aparece como totalmente estranha ao seu produtor.

Essa alienação é diretamente relacionada por Marx à divisão social do trabalho:

[...] desde que os homens se encontram numa sociedade natural e também que há uma cisão entre o interesse particular e o interesse comum, desde que, por conseguinte, a atividade não voluntariamente, mas de modo natural, a própria ação do homem converte-se num poder estranho e a ele oposto, que o subjuga ao invés de ser por ele dominado (MARX; ENGELS, 1999, p.47).

Marx, portanto, confere centralidade ao trabalho na construção da sociabilidade humana e condena a exploração dos trabalhadores pelo capital. Ele demonstra como a divisão social do trabalho mutila os trabalhadores. Para este autor, o trabalho e a política estão associados e a síntese de sua conclusão sobre esta associação encontra-se na ideia de revolução.

3 A GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA E AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO

A partir dos anos 60, novos elementos passam a marcar o cenário internacional, com destaque para as relações comerciais, inovações tecnológicas e papel do Estado. O que estava subjacente às mudanças que se convencionou nomear como globalização da economia, era o engendramento de um novo processo societário, fundado no questionamento ao socialismo e na tentativa de entronizar o capitalismo como a única alternativa possível.

A globalização da economia envolve as seguintes mudanças: a eliminação de barreiras comerciais entre os países, ou seja, internacionalização dos mercados; a redefinição das prioridades de investimento, com uma brutal transferência de capitais da esfera produtiva para a esfera financeira; a organização de blocos econômicos regionais; a adoção de novas formas de produção e gestão da força de trabalho; a redefinição do papel do Estado, com vistas à redução do seu papel na esfera da economia.

Jameson (2000, p.17-28), questionando as interpretações sobre a globalização que a tem colocado como irreversível, apresenta uma densa e original abordagem sobre o fenômeno da globalização, centrando-a em cinco eixos:

3.2 As novas relações capital/trabalho e a precarização das relações de trabalho

Em um cenário de globalização da economia, o papel do trabalho no mundo tem sofrido várias mudanças, expressas principalmente nas novas formas de contratação. Uma sanha selvagem se abate sobre o trabalho: em tempos de competitividade, a palavra de ordem passa a ser a redução de custos e, na maioria das vezes, os capitalistas têm associado redução de custos à redução do custo-trabalho, via retirada de direitos trabalhistas e precarização das relações de trabalho.

O trabalho está sendo destroçado sem que nada o substitua. A trama de sociabilidade na qual se assentaria o trabalho – a incitação a trabalhar – está sendo questionada pela eliminação crescente de postos de trabalho.

Esta tem sido uma das consequências mais drásticas de um processo de globalização que tenta se afirmar, aprofundando desigualdades entre nações, desconhecendo culturas e potencialidades locais.

O processo de precarização das relações no Brasil faz parte de uma opção de inserção subordinada do país na globalização da economia e se insere em uma cultura de extrema informalização do trabalho. Nesse contexto, a eliminação de postos de trabalho, a introdução de contrato temporário na legislação trabalhista, a modernização conservadora presente na reestruturação produtiva são as evidências de que os custos da globalização econômica recaíram sobre os trabalhadores.

As políticas econômicas adotadas no país agravaram ainda mais a situação do mercado de trabalho, diante da pandemia da Covid-19, que se alastra desde 2020. A referida pandemia teve um impacto profundo no mercado de trabalho, afetando principalmente os trabalhadores com menor proteção social e baixa escolaridade (FGV, 2000). Mercado de trabalho já marcado pela redução do trabalho industrial, ampliação do trabalho no setor serviços e precarização das relações de trabalho. A maioria dos novos empregos e/ou postos de trabalho criados é contingencial.

4 OS NÚMEROS DO DESEMPREGO NO BRASIL

No ano de 2021, o desemprego continuou se ampliando no Brasil. Considerando os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), divulgada em julho/2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a qual incluiu 489 mil novos desempregados nas estatísticas, existem 14,761 milhões de trabalhadores desocupados. Na análise, que abrange o trimestre de fevereiro a abril de 2021, o índice de desemprego se mantém em 14,7%, o maior desde o início da série histórica do IBGE, em 2012.

Tabela 1:
Taxa de desocupação - Brasil - 2012/2021
Taxa de desocupação - Brasil - 2012/2021
IBGE. Pesquisa nacional por amostra de Domicílios Contínua.

Há uma perda contínua de emprego dos brasileiros desde abril de 2020: foram 3,3 milhões de pessoas que perderam seus empregos, segundo os dados da Pnad/IBGE. O total do pessoal desocupado, no trimestre de fevereiro até abril, ficou em 48,5%, e se mantém abaixo dos 50% desde o trimestre divulgado em maio do ano passado, indicando que menos da metade da população apta ao trabalho está sem emprego no Brasil.

Por outro lado, o crescimento da taxa de desemprego vem alcançando os trabalhadores informais - sem nenhum tipo de vínculo de trabalho ou CNPJ, que também ocupam espaço cada vez maior na força de trabalho, e correspondem a 39,8% - 34,2 milhões de pessoas, segundo o IBGE.

O aumento do desemprego pressiona os trabalhadores a aceitar atividades precárias, sem garantias trabalhistas e até de subemprego.

5 IMPACTOS DA VIOLÊNCIA DO CAPITAL SOBRE A SOCIABILIDADE DOS TRABALHADORES

O fato de o desemprego ser visto com tanta naturalidade termina por fortalecer as condições de sua permanência e do conformismo diante de suas consequências, em termos de perda da qualidade da vida, da dignidade dos trabalhadores e até da sua cidadania. É também nesse sentido que Dejours (1999, p.37-40) tematiza o sofrimento por que passam os trabalhadores hoje – tanto os que estão dentro quanto os que estão fora do mercado de trabalho - dado o aviltamento das instâncias de exercício de cidadania, expresso, sobretudo na crescente fragilidade das organizações sindicais. Essas organizações foram levadas a privilegiar as reivindicações salariais em detrimento das reivindicações qualitativas, no tocante às condições de trabalho e ao significado do trabalho. Trata-se de um dos fatores que reforçam uma cultura contemporânea de tolerância com respeito à injustiça social, onde o desemprego institucionalizado é cada vez mais reforçado pelas teses neoliberais de mercado livre e flexibilização do trabalho, constituindo um fator de encolhimento da cidadania do trabalhador.

Este encolhimento da cidadania tem prosseguimento com a transferência maciça para o setor informal. Ao tentar se estabelecer na economia informal, o desempregado perde substancialmente na sua cidadania e na sua dignidade, pois aqui são maiores as dificuldades para que ele se constitua como sujeito coletivo, através, por exemplo, de uma vida sindical organizada. Uma vida associativa institucionalizada é importante para se obter um lugar no sistema, para se obterem direitos e condições satisfatórias para o exercício de seu trabalho. Numa realidade em que a taxa de informalidade no mercado de trabalho sobe para 40%, segundo o IBGE isto chega a ser preocupante. Entre 86,7 milhões de pessoas ocupadas, 34,7 milhões eram informais (publicado em 30/07/2021, por Agência Brasil).

Conforme mostra Braverman (1977), a transformação da humanidade trabalhadora em uma “força de trabalho”, em “fator de produção”, como instrumento do capital, é um processo incessante e interminável. A condição é repugnante para as vítimas, seja qual for o seu salário, porque viola as condições humanas do trabalho; e uma vez que os trabalhadores não são destruídos como seres humanos, mas simplesmente utilizados de modos inumanos, suas faculdades críticas, inteligentes e conceituais permanecem sempre, em algum grau, uma ameaça ao capital, por mais enfraquecidas ou diminuídas que sejam.

O conformismo da sociedade e o acatamento das explicações dadas pelo discurso oficial, como “o desemprego existe no mundo inteiro “irão alimentar a lógica da destruição de postos de trabalho e da precarização dos direitos dos trabalhadores. Apontar uma causa para o desemprego, no momento em que ele atinge proporções mais do que preocupantes, seria não ver as inúmeras relações que existem entre fenômenos de natureza política, econômica, cultural e tecnológica. As inovações tecnológicas, particularmente, foram responsáveis pela perda dos postos de trabalho, em diferentes setores da economia.

Sobre as implicações da evolução tecnológica, Singer (1988), em análise sobre o desemprego e a reorganização econômica mundial, parte da tese segundo a qual atravessamos, atualmente, uma Terceira Revolução Industrial, que, como as anteriores, estaria trazendo um aumento de produtividade mediante desemprego tecnológico combinado com o desaparecimento de postos de trabalho, a qual se diferencia pela crescente descentralização do capital.

A questão que aqui se coloca é a de que, longe de se tratar apenas de uma reorganização dos processos econômicos, o desemprego ganha um caráter institucionalizado. Como parte do problema do agravamento da injustiça social, o desemprego torna-se uma questão banalizada numa cultura mais ou menos consensual de conformismo diante dessas transformações econômicas, comprometendo a atuação responsável dos Estados Democráticos, no tocante ao problema da inclusão de uma parcela significativa da sociedade. Um exemplo desta desresponsabilização do Estado quanto à distribuição mais equitativa dos recursos sociais, e consequentemente do poder, reside nas políticas neoliberais.

Essas políticas não só privilegiaram o aumento excessivo da concentração de renda como também trouxeram um grande prejuízo para o desenvolvimento da cidadania dos trabalhadores, atestado nas crescentes perdas de direitos adquiridos no processo mesmo de desenvolvimento da democracia. Para falar de algumas das situações que estariam na origem da atual crise do emprego, poderíamos nos reportar à experiência inglesa de fins da década de 70 em diante, quando se começa a colocar em prática o conjunto de medidas típicas da proposta neoliberal, onde está claramente perceptível o projeto político de se criarem taxas elevadas de desemprego, como parte de uma estratégia. Há, no projeto em questão, um planejamento estratégico voltado para o desmantelamento das lutas sociais que davam ao cenário sociopolítico a indispensável componente de tensão e equilíbrio de forças que, por sua vez, justificaram a presença de políticas sociais vindas de um Estado que assumia a sua responsabilidade para com o equilíbrio social.

Observados a partir do conjunto de políticas implementadas pelos governos neoliberais, que foram, aos poucos, substituindo os projetos ligados à política do bem-estar-social, os altos índices de desemprego mostram, sem qualquer máscara, seu conteúdo enquanto resultado de uma decisão política, da escolha de um objetivo integrante do conjunto de políticas econômicas neoliberais.

No caso do Reino Unido, são emblemáticas as ações do governo neoliberal de Thatcher: “Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, reprimiram [greves impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais” (ANDERSON, 1995, p.12). Ainda no caso inglês: “Estas mudanças foram acompanhadas por uma retórica que visava anular a legitimidade dos sindicatos como instituições sociais. No pior dos casos, eles eram “o inimigo entre nós”. (MCILROY, 1998, p.45).

As perdas da cidadania, dentro desse processo, evidentemente seriam mais desastrosas nos países onde ela já era precária, valendo o mesmo para a ideia da flexibilização. No caso da América Latina, na maioria dos países, foram colocadas em práticas as políticas voltadas para a “[...] flexibilização de um mercado de trabalho já bastante flexibilizado e heterogêneo ou uma simples harmonização por baixo, ou seja, tomando-se como parâmetros os países de menores salários, produtividade, participação sindical, etc (POCHMANN, 1999, p.29).

A expressão “onda neoliberal”, quando falamos de cultura, expressa bem a sua carga de significado enquanto transformação, enquanto mudança nos valores, nas práticas, no conteúdo das relações. Foram bastante visíveis, no senso comum, a perda de espaço das ideias e práticas mais solidárias, do sentimento de uma subjetividade política coletiva e o crescimento de atitudes e práticas mais individualistas e competitivas.

As novas concepções sobre o mundo do trabalho envolvem uma fragmentação dos projetos pessoais, uma aceleração da vida e uma impregnação do cotidiano com elementos ligados a uma postura mais competitiva, correspondendo a uma nova forma de organizar o tempo de trabalho. Palavras como flexibilidade escondem, às vezes, todo um processo de desestruturação que atinge em cheio o cotidiano das pessoas. Os valores familiares, por exemplo, estão em contradição com o sistema econômico, que promove o crescimento do individualismo competitivo, em detrimento da solidariedade familiar. A nova organização da economia e do trabalho pressiona fortemente pela desestruturação familiar. Segundo Thurow (1997, p.58) na realidade norte-americana, “a família de classe média, onde só um ganhava, está extinta” “as mudanças no capitalismo estão tornando família e mercado cada vez menos compatíveis. Afirma, ainda, que a cultura de consumo do “eu” expulsa a cultura de investimento no “nós”.

É de se esperar, também, que as mentalidades formadas nesse tipo de clima cultural possam encarar também com mais naturalidade a violência:

[...] a injustiça estrutural do mundo está enraizada no sistema de valores promovido por uma poderosa cultura moderna de impacto mundial... Esse conceito reducionista penetra as mentes dos dirigentes de nossos países, passa pelo comportamento da classe média e chega até os últimos redutos das comunidades populares, indígenas e camponesas, acabando com a solidariedade e liberando a violência. (O Neoliberalismo na América Latina - Carta dos Superiores provinciais da Companhia de Jesus da América Latina – Documento de Trabalho,1997, p.19-20).

Voltando ao tema da flexibilização, podemos observar que ela também inclui um processo de redefinição da consciência em direção a um consenso pouco elucidado quanto aos conteúdos dos novos processos de trabalho. O termo flexibilização remonta a algumas teorias liberais difundidas no século XIX na Inglaterra, sendo mais explicitamente referido por John Stuart Mill, em seu “Princípios da Economia Política”. Nesse texto, ele caracteriza o mercado como um “teatro da vida” e seus protagonistas como atores de improvisação (SENNETT, 1999, p.54). Tal improvisação nada mais seria que a capacidade de adaptação a mudanças. Nesse sentido, o mercado exigiria de seus protagonistas um comportamento cada vez mais flexível. E mais, seria justamente essa flexibilização um dos componentes fundamentais para o alcance da liberdade pessoal.

É a partir dessa cultura da renovação permanente que as empresas elaboram seus meios e controle do processo de trabalho, como mecanismo para cumprir bem o seu papel de atriz de inovações nos palcos do mercado. Esta “ideologia administrativa” consiste num programa camuflado para demitir pessoas, impulsionando o aumento de produtividade com cada vez menos trabalhadores.

No âmbito da cultura, cresce a naturalidade com que as pessoas vão aceitando a escalada dos índices de desemprego, reforçada pela crise dos valores mais coletivistas e solidários, que prepara permanentemente terreno para a consolidação de uma “legitimidade” para o desemprego. O que se desenha na esfera do senso comum corresponde, então, a uma verdadeira rede de referências, convicções, interesses que avançam ou não, dentro de um processo de construção de hegemonia e de luta pela hegemonia, tendo, na expansão do modo neoliberal de pensar, uma direção comum que se sustenta em uma correlação dinâmica entre os diversos nós da rede.

Tudo isso traz, por outro lado, a necessidade de que as entidades, instituições, espaços de trabalho e produção de conhecimento, de formação, de discursos competentes, etc., como a Universidade, possam atuar no senso comum, pois sempre estão atuando, em correspondência com a correlação de forças presente na sociedade em cada época, mas que possam atuar de forma a criar e consolidar espaços em que as classes trabalhadoras também possam contar com elas. Mesmo porque, à medida que o Estado reduz o seu próprio tamanho, para realizar a proposta neoliberal, torna-se necessário que entidades da sociedade civil, que não se identificam com o ideário dominante, também disputem espaço e hegemonia na esfera do senso comum. Assim, caberia ao mundo do trabalho desenvolver iniciativas que criem espaços para uma política em que a produção de conhecimento, de novas formas de organização do trabalho, possa ter clareza de sua desvinculação com a hegemonia neoliberal, como alternativa a todo esse processo destrutivo.

Para a sociedade como um todo, as consequências de tanta precarização podem ser desastrosas: “A consequência é que, quanto maior for o número de relações de trabalho ‘desregulamentadas’ e ‘flexibilizadas’, tanto mais rapidamente a sociedade de trabalho se transforma em sociedade de risco” (BECK, 2000, p. 6).

6 ESCOLARIDADE E JORNADAS DE TRABALHO: Brasil e Distrito Federal

As jornadas de tempo integral (40 a 44 horas semanais de trabalho) atingiam cerca de 50% da população que trabalha em diversos setores de atividade em 2019 (tabela1), e embora as atividades ligadas à educação e administração pública tenham sido mal definidas, ocorreu uma pequena elevação na jornada média de 2012 a 2019, visto que essas atividades aumentaram sua participação nas jornadas de tempo integral.

Tabela 2
Percentual da população ocupada em jornadas de tempo integral por grupamentos de atividade principal do empreendimento do trabalho principal da semana de referência para pessoas de 14 anos ou mais de idade.
Grupamento de atividade 40 a 44 H (%)Jornada Média
2012201920122019
Construção54,1361,2341,6339,47
Indústria geral52,4265,4041,5040,54
Outros Serviços27,2736,8636,6636,24
Atividades Agrárias*27,5836,2738,9637,80
Serviços domésticos25,8837,0734,6732,71
Comércio e reparação**34,5551,2743,5341,61
Atividades mal definidas33,4242,3234,7037,88
Alojamento e alimentação17,9735,3244,6740,31
Transporte e armazenagem e correio32,7647,3346,2543,86
Educação, saúde humana e serviços sociais43,0252,6035,3435,76
Administração pública, defesa e seguridade social52,6164,8137,6938,61
Informação, comunicação e atividades financeiras***50,5960,0540,1539,89
IBGE: PNADC/A elaboração própria. * Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura. ** Reparação de veículos automotores e motocicletas. *** Inclui imobiliárias, profissionais e administrativas.

Embora lento, o processo de redução das jornadas laborais é influenciado pelo nível de escolaridade da população ativa da seguinte maneira: quanto mais elevado o nível de escolaridade, mais elevada a proporção de pessoas que trabalham em jornadas de tempo integral, jornadas de 40 a 44 horas semanais. Em 2012, 52% da população ocupada com nível superior estavam em jornadas de tempo integral; em 2019, sobe para 57%. Quanto à proporção da população com “médio completo” era de 43% em 2012 e 54% em 2019. Finalmente, a proporção na categoria "sem ou baixa instrução" era de 33% em 2012 e de 44% em 2019.

A população de mais elevada escolaridade foge tanto do trabalho em jornadas excessivamente longas (45 horas semanais e mais), quanto em jornadas insuficientes, nas quais alcançar rendimento para uma vida digna é difícil.

Examinando as horas pelos três grupos tempo integral, excessivas e insuficientes, destacamos que o Distrito Federal tem sistematicamente uma proporção maior de sua população ativa nas jornadas de tempo integral, processo que se conserva durante os oito anos estudados.

Assim como existe esta peculiaridade de uma significativa proporção da população ativa do Distrito Federal que labuta em jornadas de tempo integral, da mesma maneira esperamos que o grau de escolaridade também apresente seu efeito. Em 2012, no Distrito Federal, 60,59% das pessoas com ensino superior completo labutavam em jornadas de tempo integral. Em 2019, esta porcentagem avança para 62,35%.

As jornadas de tempo integral das pessoas ativas com "ensino médio" apresentam a proporção de 42,79% em 2012 e 53,14% em 2019, também indicando que as pessoas ativas com ensino médio completo procuram se afastar tanto das jornadas excessivas quanto das jornadas insuficientes.

Em relação à distribuição das jornadas, como o Distrito Federal tem uma proporção maior de pessoas com "escolaridade superior" em jornadas que chamamos de tempo integral do que o valor agregado do Brasil, situação essa que não é exclusiva do Distrito Federal, mas extensiva às grandes metrópoles brasileiras.

Encontramos informações na distribuição das jornadas laborais que sugerem, ainda que tenuemente, dois fenômenos relacionados às crises econômica e da pandemia, ambas em curso. Primeiro, que indica uma possível relação inversa entre Produto Interno Bruto e as jornadas de tempo integral. Segundo, causado pelo avanço da pandemia que foi a concentração nas jornadas de tempo integral tanto no Brasil quanto no Distrito federal e pequenas oscilações nas jornadas de tempo excessivo.

6.1 Jornadas Médias

Uma das formas mais utilizadas para observar mudanças nas jornadas de trabalho é a redução desse universo com as jornadas médias, que de maneira geral fornecem uma boa referência de tendências e modificações para o conjunto da unidade geográfica ou grupo social estudado.

Um forte indicativo para análise das médias de horas de trabalho semanais é que no Brasil elas passam de 40,30 horas semanais em 2012 para 39,07 em 2019, e no Distrito Federal passa de 40,01 para 39,38 horas semanais dispendidas por toda a população ocupada.

Diante dessas modificações podemos constatar um processo de redução das jornadas de trabalho, além de uma clara inversão no panorama geral, uma vez que o Distrito Federal apresentava uma média inferior ao Brasil em 2012, e passa a apresentar uma média de horas mais elevada em 2019, ou seja, teve uma redução mais lenta do que a do Brasil.

Quando observamos as jornadas médias de acordo com o nível de instrução (tabela 4), percebemos que no ano de 2012, no Brasil, a população com nível superior tinha a menor jornada média e a população com nível médio possuía a maior jornada observada; o mesmo se repetia na capital com a exceção de que a maior jornada observada era da população com nível fundamental completo.

Tabela 3
Média de horas por ano, região e nível de instrução.
Nível de Instrução20122019
BrasilDistrito federalBrasilDistrito Federal
Sem ou baixa instrução39,8041,1037,8039,88
Fundamental Completo40,7041,5238,8939,24
Médio Completo 41,2940,0240,0739,76
Superior Completo 38,5138,4638,8138,81
IBGE: PNADC/A, elaboração própria.

Embora seja observável um processo de redução nas jornadas médias, quando levamos em consideração o nível de instrução, diagnosticamos uma redução nas jornadas médias para todos os níveis com exceção do nível superior tanto no Brasil quando no Distrito Federal.

Houve uma elevação de 0,30 horas no Brasil e de 0,35 no Distrito Federal nas jornadas médias semanais para população com nível superior, elevação essa que indica que houve um aumento de 18 minutos por semana no Brasil e de 21 minutos no Distrito Federal. Ou seja, em 2019 os indivíduos com nível superior trabalhavam 15,60 horas a mais por ano no Brasil e 18,20 horas no Distrito Federal.

Quando levamos em consideração a posição na ocupação (tabela 5) é possível observar que as maiores médias independentemente do nível de instrução em ambas as regiões são observadas para os empregadores, e as menores jornadas no Brasil foram exercidas pelos trabalhadores familiares auxiliares, tanto em 2012 quanto em 2019. No Distrito Federal apenas o trabalhador por conta própria com nível superior mantém a jornada reduzida nos dois anos, assim como o trabalhador familiar auxiliar sem instrução ou com nível médio.

Quando observamos os trabalhadores familiares auxiliares, temos grandes elevações nas jornadas médias em todos os níveis de instrução no Distrito Federal, em especial para aqueles com nível de instrução fundamental completo que contava em 2012 com 5,33 horas e em 2019 com 56,00 horas, elevação essa sustentada pela redução massiva no número de pessoas ocupadas. E os sem ou com baixa instrução sobem de 17,50 para 23,40 horas semanais em 2019.

Tabela 4
Média de horas por ano, região, nível de instrução e posição na ocupação
Posição na OcupaçãoSem ou baixa instruçãoFundamental CompletoMédio Completo Superior Completo
20122019201220192012201920122019
Brasil
Empregado 40,9538,6141,3139,6341,4140,5037,9638,75
Empregador48,6846,0050,7146,4748,7747,0345,1745,47
Conta própria38,9336,9139,6737,7439,6637,9037,8536,15
Trabalhador familiar auxiliar28,6828,6528,7127,2632,5330,7633,3830,58
Distrito Federal
Empregado 41,8141,0341,6139,4740,1440,1038,5939,03
Empregador50,6045,5651,2942,6549,3843,8344,4745,13
Conta própria38,6737,0240,7337,7037,0137,3433,9534,18
Trabalhador familiar auxiliar17,5023,705,3356,0015,3232,9936,2736,36
IBGE: PNADC/A, elaboração própria.

Seguindo o processo de redução das jornadas com exceção dos trabalhadores familiares auxiliares no Distrito Federal citados acima, as jornadas se elevam para os trabalhadores por conta própria com ensino médio completo em 2019 no Distrito Federal. Os trabalhadores com nível superior completo sofrem com elevações nas jornadas médias de trabalho em todas as posições no Distrito Federal em 2019 e se elevam no Brasil apenas para os empregados e empregadores.

7 JORNADAS DE TRABALHO POR AGRUPAMENTOS DE HORAS

Segundo Lee, McCahn e Messenger (2009) e Dal Rosso (2017) nas últimas décadas houve um processo de redução das jornadas extensas e uma maior concentração em direção às jornadas integrais. Processo esse que também pode ser observado no Brasil e no Distrito Federal com relação a 2012 e 2019 com suas peculiaridades (Tabela 6), pois o processo de convergência vai de 2012 até 2016 tanto no Brasil quanto no Distrito Federal, depois desse período, embora as jornadas integrais sejam majoritárias, começam a decrescer, fenômenos esse que podem ser entendidos como uma expansão do mundo das horas flexíveis.

Diante desse processo de convergência podemos afirmar que ambas as regiões apresentam um comportamento similar, porém com um descompasso de um ano. Como observado no processo de convergência das jornadas integrais, a proporção das jornadas de tempo excessivo começa a expandir no Distrito federal no ano de 2016 e no Brasil no ano seguinte, processo esse que segue em alta até o ano de 2019 nas duas regiões.

Tabela 5
Percentual de pessoas ocupadas por agrupamentos de jornadas, ano no Brasil e no Distrito Federal.
JornadasAno
20122013201420152016201720182019
Insuficientes (39 horas ou menos)
Brasil27,5027,2327,1927,3325,5426,6727,1327,10
Distrito Federal26,3325,6627,2324,5619,7823,8226,4925,18
Integrais (40 a 44 horas)
Brasil39,9542,0143,6745,9053,4552,8251,8951,46
Distrito Federal45,4248,1747,4752,7367,3962,3053,9355,07
Excessivas (45 horas e +)
Brasil32,5530,7629,1426,7721,0120,5120,9821,44
Distrito Federal28,2526,1725,2922,7112,8313,8719,5819,74
IBGE: PNADC/A, elaboração própria.

Outra face desse processo de convergência é o fato de que as jornadas integrais se disseminam para maior parcela da população ocupada a partir de 2015, no Distrito Federal e 2016 no Brasil (tabela 6), fenômeno que é descrito no território brasileiro por Dal Rosso (2017) como uma adequação tardia às determinações constitucionais de 1988.

As jornadas de tempo insuficientes interrompem seu processo de queda em 2017 nas duas regiões no ano de 2018 e segue se expandindo no Brasil até 2019 e até 2018 no Distrito Federal. Este processo de ruptura também foi observado nas jornadas de tempo integral, que seguiu decrescendo no Brasil até 2019 e no Distrito Federal até 2018.

Quando levamos em consideração a distribuição das jornadas e o nível de instrução (tabela 7), que é o aspecto principal observado neste artigo, percebemos que embora as jornadas integrais tenham aumentado sua proporção em 2019 com relação a 2012, elas só atingiam em 2012 mais da metade da população ocupada apenas para os indivíduos com nível superior tanto no Brasil quanto no Distrito Federal, e em 2019 apenas com nível superior ou médio completo.

Tabela 6
Proporção da população ocupada por ano, escolaridade e agrupamento de jornadas no Brasil e no Distrito Federal
Nível de InstruçãoInsuficientesIntegraisExtraordinárias
201220192012201920122019
Brasil
Sem ou baixa instrução31,6232,9532,8843,7935,4923,26
Fundamental Completo27,2528,3235,7647,6836,9924,00
Médio Completo 23,3123,1943,6154,7233,0822,09
Superior Completo 28,5426,6552,3557,2419,1116,11
Distrito Federal
Sem ou baixa instrução24,0424,8136,7647,4939,1927,71
Fundamental Completo25,4429,9134,3047,8340,2622,26
Médio Completo 27,7624,5842,7953,1429,4522,28
Superior Completo 26,4324,6260,5962,3512,9813,03
IBGE: PNADC/A, elaboração própria. Obs: Percentuais por nível de instrução distribuídos horizontalmente.

As jornadas insuficientes se expandem em ambas as regiões para população sem ou com baixa instrução e com fundamental incompleto. Ao passo que as jornadas integrais se expandem para todos os níveis de instrução, e as jornadas de tempo excessivo sofreram com uma queda significativa nas duas regiões e em todos os níveis de escolaridade, com exceção da população com nível superior no Distrito Federal.

8 RESULTADOS E ANÁLISES

A relação do nível de escolaridade com a duração da jornada de trabalho é pouco estudada pela literatura. O principal texto que estuda a "duração do trabalho em todo o mundo" (LEE; MCCAHN;MESSENGER, 2009) publicado pela organização internacional do trabalho (OIT) não contém um estudo da relação entre jornada e escolaridade.

Na literatura internacional, a elevação do nível de escolaridade é relacionada à teoria do capital humano (BECKER, 1964, 1965; SCHULTZ, 1963). A teoria do capital humano tem a ver com nível de escolarização, com conhecimento alocado, com cultura. Nosso artigo trabalha com as categorias de escolaridade e jornadas, mas não da maneira como a Escola de Chicago defende que as diferenças internacionais do desenvolvimento entre países seriam explicadas pelos investimentos em escolarização da população, em capital humano, ficando de lado fatores como a dependência entre nações, entre centro e periferia.

Podemos afirmar também que o processo de convergência para as jornadas de tempo integral embora lento para alguns níveis de instrução, é um movimento inegável. As jornadas de tempo insuficiente crescem bem lentamente para população com nível de instrução menos elevado, e as jornadas de tempo excessivo vêm sendo suprimidas ao longo do tempo, e só se elevaram para a população nível superior completo na capital. Quando olhamos as médias observamos que essa mesma população sofreu com elevações em todas as posições na ocupação no Distrito Federal e só se elevam no Brasil para os empregados e os empregadores.

Com relação à convergência das jornadas para as jornadas de trabalho de tempo integral tanto no país quanto na capital demonstraram uma adequação tardia a esse padrão, fator esse já explicitado por Dal Rosso (2017), porém, desde sua promulgação na constituição foram necessários 28 anos para que atingisse mais da metade da população ocupada no país, e já vem demonstrando um lento processo de queda após reformas trabalhistas ocorridas no país após o ano de 2017.

As informações estatísticas parecem apontar para um fato que, se concretizado, representaria uma reversão quanto à distribuição das horas de trabalho por nível de escolaridade. Há um sinal no Distrito Federal de que a população ocupada com escolaridade superior estaria voltando a jornadas muito longas (12,98% em 2012, 13,03% em 2019). A análise das horas médias também aponta para um tênue aumento da carga horária laboral na escolaridade de ensino superior. É ainda uma base estatística muito limitada, mas começa a aparecer o fenômeno do alongamento das horas laborais também na população ocupada com escolaridade superior.

9 CONCLUSÃO

Da mesma forma que outros tipos de ataque foram desferidos contra os direitos e organizações dos trabalhadores, é de se esperar que o processo de globalização não seja irreversível: como um produto da ação humana, de escolhas, pode ser reorientado, revisto, enfrentado.

Fazendo referência ao objeto específico ao qual se deu destaque, “o lugar do trabalho nas sociedades contemporâneas”, sua característica atemporal e universal, mais do que nunca é necessário este enfoque. Pois, na vaga da onda neoliberal, serviços foram privatizados, patrimônios públicos foram eliminados, postos de trabalho estão sendo progressivamente extintos e os Estados nacionais vêm sendo questionados. Movimento esse com consequências drásticas para as populações que, destituídas de seus empregos, trabalhando sob regime precário ou informal, têm sentido no cotidiano a redução dos direitos de cidadania.

O questionamento do trabalho, provocando atomização, atinge em cheio a sociabilidade dos trabalhadores, esgarçando sua identidade e dificultando o sentido de pertença a um coletivo.

É preciso ressaltar, entretanto, que mesmo diante da financeirização do capital, da transnacionalização, da desmaterialização da moeda, do questionamento do trabalho via redução de sua importância, materializada na precarização, na eliminação de postos de trabalho, o lugar da invenção permanece aberto assim como o da resistência coletiva. Combater a precarização do trabalho e ativar iniciativas de solidariedade podem ser pontos de partida viáveis na construção de um novo lugar para o trabalho.

Sobre a ampliação das jornadas de trabalho, o artigo examinou a questão da distribuição das horas laborais por nível de escolaridade. Tal relação é afetada por força da dupla crise de pandemia sanitária da economia, que tende a concentrar ainda mais a presença da população ocupada nas jornadas de tempo integral.

Tanto no conjunto do país, aqui expresso como Brasil, e para o Distrito Federal, tornou-se nítida a posição privilegiada da população ativa com nível superior durante todo o período analisado (2012-2019) contando com jornadas mais afáveis e participando em maior peso nas jornadas integrais, a saber com carga de 40 a 44 horas semanais de trabalho.

O aumento da disponibilidade de indivíduos com escolarização mais elevada na população fez com que os indivíduos com nível superior começassem a adentrar no tenebroso submundo das jornadas flexíveis e da elevação das jornadas médias semanais, com um pequeno aumento na participação nas jornadas de tempo excessivo e elevando, ainda que de forma tímida, a média da jornada semanal.

No processo de redução das jornadas, apenas a população com nível superior aumentou sua presença nas jornadas de tempo excessivo.

Quanto maior o nível de instrução, menor tende a ser a presença nas jornadas de trabalho flexível, diante de um contexto de redução das jornadas médias, extensão das jornadas de tempo integral e desaceleração nas jornadas de tempo excessivo. Apesar de o grau de instrução constituir um fator fundamental para determinação das formas de inserção dos indivíduos na esfera do trabalho, ele intrinsecamente não é capaz de livrar os trabalhadores da face brutal da precarização ocasionada pelo trabalho flexível, permeando da ausência até elevada presença de instrução.

REFERÊNCIAS

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PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 14,6% e taxa de subutilização é de 29,3% no trimestre encerrado em maio. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/31254-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-14-6-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-29-3-no-trimestre-encerrado-em-maio. Acesso em: 30 jul. 2021

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SENNETT, Richard. A corrosão do caráter. Rio/São Paulo: Record, 1999.

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