Resumo: O presente artigo traz ao debate político-acadêmico os avanços da direita no país, as configurações do bolsonarismo, a crise sociossanitária provocada pela pandemia da Covid 19 e os respectivos impactos no Sistema de Proteção Social brasileiro. Contextualiza a dinâmica da relação proteção e desproteção Social e seus agravamentos advindos do desmonte dos sistemas públicos estatais e da política de morte no contexto da pandemia, em termos da gestão da proteção social no âmbito da Política Nacional de Assistência Social. Apresenta e discute dados empíricos de indicadores relacionados ao acesso e oferta de serviços, programas e benefícios socioassistenciais, na perspectiva de contribuir para as diretrizes e gestão de políticas públicas de proteção social visando o enfrentamento à Covid-19. Analisa a questão da des(centralidade) da política de assistência social no contexto da pandemia da covid-19.
Palavras-chave: Brasil, bolsonarismo, crise Sociossanitária, proteção social, SUAS/PNAS.
Abstract: The present article brings to the political-academic debate the advances of the right in the country, the configurations of Bolsonarism, the socio-sanitary crisis caused by the Covid 19 pandemic and the respective impacts on the Brazilian Social Protection System. It contextualizes the dynamics of the relationship between social protection and unprotection and its aggravations arising from the dismantling of state public systems and the policy of death in the context of the pandemic, in terms of the management of social protection within the scope of the National Social Assistance Policy. It presents and discusses empirical data on indicators related to the access and offer of services, programs and social assistance benefits, with a view to contributing to the guidelines and management of public social protection policies aimed at fighting Covid-19. It analyzes the issue of (centrality) of social assistance policy in the context of the covid-19 pandemic.
Keywords: Brazil, bolsonarismo, social health crisis, social protection, SUAS/PNAS.
Mesas temáticas coordenadas
BOLSONARISMO E A POLÍTICA DE MORTE as repercussões da crise econômica e sociossanitária no sistema de proteção social brasileiro
BOLSONARISMO AND THE POLICY OF DEATH: the repercussions of the economic and socio-sanitary crisis on the Brazilian social protection system
Recepción: 14 Febrero 2022
Aprobación: 22 Abril 2022
O presente artigo objetiva contribuir no debate acerca da complexidade das Políticas de Proteção Social no Brasil, de modo especial, nas reflexões e experiências da Política Pública de Assistência Social, no contexto da ofensiva ultraliberal conservadora, sob a égide do bolsonarismo. Configura-se, originalmente, como uma síntese do conteúdo abordado na Mesa Temática BRASIL 2021: bolsonarismo e as repercussões da crise sociossanitária no sistema de proteção social, apresentada no âmbito da X Jornada Internacional de Políticas Públicas, realizada pelo PPGPP/UFMA, em agosto de 2021.
Este artigo fundamenta-se nas experiências de estudos e pesquisas realizadas por quatro (04) docentes/pesquisadoras vinculados aos grupos de pesquisas que envolvem três Programas de Pós-Graduação das seguintes Instituições de Ensino Superior: Universidade Federal da Paraíba, Pontifícia Universidade Católica/PUCPR e Universidade Federal do Maranhão.
A análise aqui apresentada orienta-se pela compreensão de que o desmonte da proteção social integra um processo de aprofundamento da pobreza e das desigualdades sociais. Perpassa, portanto, pelas questões, dilemas e desafios que envolvem a implementação de uma Política Pública, que busca assegurar direitos no âmbito de um movimento conservador sustentado em preceitos fundamentalistas que postulam a redução da intervenção do Estado na proteção social, ancorado nas determinações da acumulação do sistema capitalista no atual contexto de crise econômica e sociossanitária agravada pela pandemia da Covid 19.
A partir dessa perspectiva, o presente texto está organizado da seguinte forma:
Num primeiro momento, é abordado o avanço e a configuração das novas direitas no mundo e no Brasil, a adoção do ultraneoliberalismo a expressar a configuração do bolsonarismo no país, compreendido como ápice do golpe 16.
Em seguida, é analisada a dinâmica da relação proteção e desproteção Social no país e seus agravamentos advindos da desestruturação dos sistemas públicos estatais e o retorno ao passado de meritocracia e darwinismo social
Na sequência, é analisada a questão da des(centralidade) da Política de Assistência Social no contexto da pandemia da covid-19, numa conjuntura de agravamento da fome, da pobreza e das desigualdades sociais no país, e, consequentemente, de aumento da demanda pelos serviços e benefícios socioassistenciais.
Ademais, dando continuidade, são apresentados e analisados dados empíricos de indicadores relacionados ao acesso e oferta de serviços, programas e benefícios socioassistenciais, na perspectiva de contribuir para as diretrizes e gestão de políticas públicas de proteção social visando o enfrentamento à Covid-19, nessa conjuntura de desmantelamento da proteção social no país.
E, por fim, são tecidas as últimas ponderações a respeito das questões levantadas acerca da Política de Assistência Social, tendo em vista a (des)proteção social em voga no país.
A ascensão das novas direitas, especificamente das direitas denominadas radicais, vem ocorrendo em nível mundial, desde a metade da década de 70 do século 20, como bem enfatiza Dibai (2020).
No que diz respeito às causas dessa ascensão em distintas partes do mundo, a literatura indica distintas explicações para essa ocorrência, ao tempo em que afirma que as novas direitas constituem um fenômeno multifacetado, complexo, a assumir diferentes denominações, configurações, significados, características fundantes e diversificadas explicações teóricas.
A esse respeito, Dibai (2020) enfatiza que os grupos de novas direitas possuem distintas configurações ao redor do mundo, a depender das especificidades das regiões ou países onde vêm atuando. E que, contudo, para além das particularidades, apresentam similitudes diversas, convergências, mesmo quando adotados em contextos, economias e culturas distintas (DIBAI,2020).
Cêpeda (2021), por sua vez, argumenta que os campos políticos – direita e esquerda- são flexíveis no sentido de que se organizam conforme as mudanças históricas e conjunturais. Nesse sentido, fundamenta-se na tese de Bobbio(1995) que aborda a disparidade como algo constitutivo da direita e da esquerda, que se alternam entre defesa e rejeição da igualdade e defesa ou recusa da liberdade. Nesse sentido, em cada momento histórico relevante, tais como, protagonismo eleitoral, chegada ao poder do Estado – ocorre um deslocamento dos atores e das agendas no campo político.
A autora destaca, ainda, que além das alterações cronológicas, os campos de direita e esquerda adquirem especificidades resultantes das configurações ou das conjunturas nacionais.
A partir dessa concepção, no que diz respeito à emergência e motivações da nova direita no Brasil, Cêpeda (2021) sustenta a tese de que o antipetismo constitui-se o eixo estruturante da Nova Direita, sendo que o antipetismo ultrapassaria os limites da configuração da rejeição ao Partido dos Trabalhadores e de seus respectivos governos, configurando-se como uma oposição genérica aos valores do campo progressista (esquerda) na política nacional.
Assim, associa o surgimento da Nova Direita no país ao resultado eleitoral de 2002 e a consequente chegada de Lula à Presidência da República em 2003, sendo que a partir de então, o campo da direita teria se articulado para enfrentar a situação de proeminência da esquerda e a implementação de políticas públicas segundo o projeto político e a visão de mundo que fundamentava o campo opositor. O antipetismo seria, então, o elemento central que agregaria grupos dispersos e heterogêneos, configurando-se como uma Nova Direita.
A esse respeito, Rocha (2019) também demarca o surgimento da Nova Direita a partir do segundo mandato do Governo Lula, entre 2006 e 2010. Enfatiza que esse surgimento está relacionado aos impactos negativos provocados pelo escândalo do Mensalão, originando o Movimento Endireita Brasil (MEB). Constituído majoritariamente por jovens advogados contra o PT, o grupo reivindicava o impeachment de Lula, o que não teria vigorado, conforme argumento do historiador Rodrigo Neves (2019) - em decorrência da exitosa situação econômica que o país possuía à época.
Valle (2021) destaca que nos primeiros anos de 2010 houve mudanças significativas nas pautas da esquerda, relacionadas, principalmente a questões relativas a mulheres, LGBTQIA+ e negros. Ademais, ocorreu uma expansão dos movimentos feministas, LGBTQIA+ e de pretos e pardos, com manifestações e reinvindicações, expressas muitas vezes, através de uma estética e uma comunicação disruptiva, numa linguagem particular dos contrapúblicos, sendo que tais práticas e movimentos foram sendo associados à esquerda, ocasionando uma polarização cada vez mais acentuada entre grupos de esquerda e de direita.
Configurou-se, ainda, uma polarização pautada também nas questões morais e na suposta preservação dos valores familiares e cristãos, através de uma ampla difusão pelos grupos de direita de que o país estaria submetido a uma deterioração dos valores morais e dos bons costumes. E de que, essa deterioração moral seria provocada pela esquerda, que passou a ser apontada como adversária dos valores cristãos.
Valle (2021) ressalta, ainda, que essa dualidade, centrada nas pautas morais, ganhou força a partir da adesão de figuras religiosas expressivas, que passaram a difundi-la aos seus fiéis e seguidores, configurando uma oposição social e política ao PT.
Consoante Rocha (2019), naquele contexto, paulatinamente, os militantes dos contrapúblicos digitais passaram a utilizar estratégias para alcance de um público mais amplo, tais como, a utilização de linguagem agressiva contra a esquerda, assim como, mais popular, informal e descontraída na defesa do capitalismo de livre mercado. E ainda, de forma concomitante, iniciaram várias manifestações públicas mais amplas a partir de 2011, que culminaram com a ocupação das ruas em 13 de junho de 2013 e com a campanha pró-impeachment de Dilma Roussef, no período de 2014 a 2016.
Naquele momento desfavorável à esquerda, Valle (201) destaca a Operação Lava Jato como elemento importante para aumentar a estigmatização do PT, tendo em vista que apesar de atingir vários partidos e políticos, atacou frontalmente os governos petistas. Consequentemente, perante a opinião pública a figura do partido ficou associada à corrupção, o que correspondia às críticas morais realizadas por alguns segmentos religiosos, ampliando, assim, consideravelmente a rejeição ao PT e à esquerda.
Carvalho (2019) sustenta que, no percurso da crise brasileira contemporânea, ocorre uma ascensão das direitas/extrema-direitas, a assumir distintas formações, configurando-se, portanto, como direitas no plural que se intercruzam na conjuntura política no país, nos últimos cinco anos.
Conforme a autora, as direitas possuem uma peculiar e complexa composição, qual seja: direita militante, fundamentada ideologicamente no neoliberalismo e ultraneoliberalismo, defendidos veementemente na produção de Olavo de Carvalho com a utilização de discursos doutrinários, apoiados numa linguagem vulgar e grosseira, num discurso de ódio e de desqualificação da esquerda, a disseminar-se, fortemente, nos espaços virtuais: direita religiosa, fundamentada no fundamentalismo de igrejas pentecostais e neopentecostais, a adotar pregações e práticas de boa moral e bons costumes, numa suposta batalha para resgatar o país, perdido em meio à adoção de hábitos mundanos, que esvaziariam a moral e os bons costumes e os valores da família tradicional; direita militarista, apoiada no discurso da ordem, da disciplina e de apoio ao ideário da Ditadura Militar ocorrida no país; direita fundada na batalha ideológica anticorrupção. (CARVALHO, 2019)
A configuração dessas direitas no país resultariam no Golpe 16, que, como bem enfatizam Araújo: Carvalho (2021), instaura um novo tempo na história do país, demarcando o início do atual ciclo autoritário-conservador, de ataque aos princípios democráticos, revestido, contudo, de uma aparência de legalidade e de democracia.
O avanço do autoritarismo e da arquitetura de desmanche da democracia no país, expresso no Golpe 16, atinge o ápice com a eleição de um governo de extrema-direita – o de Jair Messias Bolsonaro, indicando um efetivo avanço das novas direita(s). (ARAÚJO; CARVALHO,2021).
Conforme explicita Carvalho (2019), o bolsonarismo, para além da figura grotesca de Jair Bolsonaro, constitui-se um fenômeno sociopolítico oriundo da convergência de forças constitutivas da extrema-direita no Brasil, ao final da segunda década do século XXI. A rigor, configura uma articulação sociopolítica de extrema-direita, que congrega ultraneoliberalismo dependente, militarismo patriótico e autoritário, somado ao justicialismo da violência e reacionarismo político-cultural, amparado num moralismo religioso.
Araújo: Carvalho (2020) ressaltam, que no que diz respeito à adoção do ultra neoliberalismo, constitui-se num tipo rentista neoextrativista, expresso num aprofundamento da agenda de ajustes do Governo Temer, a implantar as políticas de ajuste fiscal, implicando, na prática, em privatizações, cortes de gastos públicos e contrarreformas, visando uma suposta “desoneração da economia”.
Assim, no Brasil atual, os direitos conquistados pela classe trabalhadora e inseridos na Carta Constitucional vêm sendo submetidos aos ajustes fiscais, no contexto de crise do capital, o que provoca o acirramento da pobreza e a configuração de uma “nova” pobreza no país, que emerge e acentua-se com a pandemia da Covid 19.
E ainda, de forma trágica e bárbara, em meio a tantos colapsos, o Brasil vivencia a pandemia da Covid 19 somado ao Governo Bolsonaro, constituindo um contexto de desmonte dos diretos sociais e trabalhistas e de desfinanciamento das políticas públicas, particularmente de saúde, previdência e assistência social, ocasionando um desmantelamento da Seguridade Social no país.
A análise sobre a trajetória das políticas públicas no Brasil, especialmente as sociais, permite a identificação de processos tardios e inconsistentes, produzidos em períodos de autoritarismo e de ideologias desenvolvimentistas. O que se identifica no histórico de formulação de políticas públicas, é a combinação predominante de disciplina e moralização da pobreza; controle de improdutivos e incapacitados; ineficiência, frágil alcance social, com sobreposição de competências e processos de descontinuidades, aspectos funcionais e reprodutores da própria desigualdade (SILVEIRA; COLIN, 2018; SILVEIRA et al, 2021).
Os sistemas públicos estatais, particularmente o Sistema Único de Saúde, o Sistema Único de Assistência Social e a Educação, comandados pela Constituição Federal de 1988 são conquistas engendradas nas lutas sociais por direitos, e, do ponto de vista político e institucional, se distanciam de concepções meritocráticas e residuais em políticas públicas. Tendo em vista as revisões constitucionais e as legislações decorrentes, tais sistemas deveriam estar em franco processo de universalização, integração e territorialização, com coordenação nacional e pacto interfederativo, o que implica recurso público, orçamento ordinário suficiente para os planejamentos sistemáticos.
A análise das políticas governamentais em âmbito federal permite identificar a retomada de perspectivas eugenistas, de visões racistas, aliadas às narrativas lgbtqiafóbicas, machistas, misóginas e autoritárias. Não se trata de uma questão apenas ideológica ou de um projeto político em disputa, já que é possível observar a retomada de propostas que se materializam em paradigmas segregadores, disciplinadores, em instituições que preservam seu papel colonizador de formas de ser, crer e pensar. Algumas evidências podem ser destacadas : políticas voltadas ao controle disciplinar e conservador das famílias pobres; redução de espaços de participação por meio do Decreto 9.759/19; a defesa de práticas de higiene social; o incentivo irrestrito às comunidades terapêuticas centradas na lógica proibicionista e patologizante em detrimento da atenção psicossocial e comunitária; o desmonte da rede de saúde pública e de dispositivos como consultório de rua; a proposta de uma educação domiciliar ao tempo em que mais de 5 milhões de crianças estão fora da escola, o desmonte dos sistemas públicos; a exclusão das pessoas com deficiência da educação; a edição da Portaria nº 457/2021, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, com objetivo de modificar Política Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3); o lançamento do Auxílio Brasil; o desmonte dos sistemas públicos, entre outras medidas.
O contexto de pandemia exige, na contramão do que está posto, definições do Estado que priorizem a proteção à vida, com garantia de condições objetivas para o atingimento das medidas de contingência. No caso do Brasil as políticas essenciais para o enfrentamento da emergência e calamidade seguem não sendo prioridades embora sejam efetivamente essenciais para a maioria da população. O governo federal tem desestruturado o pacto federativo mediante o desfinanciamento e a proposição de outras medidas neoliberais, como as propostas de Emendas Constitucionais nº 32/21, nº 23/21 e a de n º 188/2019. São iniciativas governamentais que reduzem o Estado e comprometem a continuidade dos serviços sociais públicos no Brasil. [1]
Outro exemplo emblemático é o Auxílio Brasil, um programa que recupera a concepção eugênica, moralizante e meritocrática de políticas públicas, assim como o Criança Feliz. Mas neste caso outros aspectos devem ser considerados tendo em vista os retrocessos na estruturação de sistemas públicos estatais, já que condicionou o programa a uma agenda de renegociação de precatórios, além de romper com a lógica de integração federativo, além de trazer diversas inseguranças e excluir aproximadamente 20 milhões de pessoas em relação à cobertura do Auxílio Emergencial.
O governo federal optou pela responsabilização individual e moralização dos pobres, ainda que as provisões sejam locais e devam ser compartilhadas no âmbito do pacto federativo, tendo em vista, inclusive, as corresponsabilidades definidas. A compra de vagas nas creches e a indefinição do controle das organizações a serem credenciadas desconsideram a estruturação do sistema público de ensino, o direito à educação como responsabilidade do Estado, o a estruturação do Vínculo SUAS após a reorganização normativo-jurídica da filantropia no Brasil, expressando um retrocesso, ainda maior, quanto à especificidade das políticas setoriais, com retorno dos programas para pobres em detrimento de um sistema universal, democrático e integralizado de proteção social.
Além das alterações conceituais, da compra de vagas para as creches, desconsiderado o direito à educação, da indução ao endividamento das famílias, da instituição de auxílios vinculados ao mérito e ao esforço individual de jovens, ficou definido, por meio de outra MP (nº 1045/21), a instituição do Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Tal programa prevê que o jovem deve se submeter a uma condição de indignidade, pois estabelece uma nova modalidade de precarização do trabalho, sem proteção.
É possível afirmar que mesmo no contexto de agravamento das expressões da questão social o governo federal vem operando políticas ultraneoliberais que retiram direitos, reduzem significativamente o fundo público para as políticas socais e aceleram a agenda de privatizações e políticas econômicas que favorecem setores que lucram com a concentração de renda.
As políticas governamentais operadas a partir de 2016, em âmbito nacional, aprofundam o neoliberalismo, com flagrante redução do papel protetivo do Estado Democrático de Direito, o que tem resultado no agravamento das desigualdades e evidencia violações sistemáticas em direitos humanos praticadas pelo governo federal. Uma das medidas que exemplificam tal tendência é a Emenda Constitucional nº 95/2016 que congelou os gastos sociais por 20 (a antiga PEC da morte)
O que se constata é o nexo entre as ações do Estado de exceção em comunidades periféricas e a ausência efetiva de políticas protetivas em tempos de COVID-19, dadas as ausências do Estado, as ações que buscam inviabilizar o cumprimento das medidas sanitárias de isolamento e afastamento social, com provisões e serviços que viabilizem, especialmente, o acesso à saúde, às seguranças de renda, à moradia e habitabilidade, à acolhida para pessoas com direitos violados.
É possível afirmar que a retirada de direitos, o desfinanciamento e a desestruturação dos sistemas estatais e a definição de barreiras excludentes, como é o caso do acesso ao Auxílio Emergencial via aplicativo, são formas de políticas de morte, de governo de morte. Trata-se de uma compreensão que tem como parâmetro a crítica decolonial ao capitalismo-colonial-patriarcal, que se volta, especialmente no caso do Brasil, ao interesse de eliminar vidas consideradas fora do padrão hegemônico, viabilizar o acesso ao fundo público pelo capital, potencializando manutenção da lucratividade, da produtividade, do trabalho explorado e precarizado, da concentração de renda, diante da grave desproteção social (SILVEIRA et al, 2021).
São diversas as evidências do uso de uso de tecnologias governamentais que violam direitos. O Brasil vive um estado de genocídio das populações que estão em condição mais desigual, comprovando-se, de modo cruel, o quanto a pandemia afeta desproporcionalmente a sociedade. Percebe-se que a morosidade na garantia de políticas públicas indispensáveis e essenciais no enfrentamento da Covid-19, por parte do governo federal, além da inviabilização de uma renda básica, impactam, de modo perverso, na população mais vulnerável para os efeitos opressores das políticas de morte.
Para o delineamento desse texto, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), ocupou sua centralidade na perspectiva de elucidar o debate da crise sociossanitária vigente e seus impactos no sistema de proteção social brasileiro, à luz da observação do Estado da Paraíba, construída em escala municipal para os seus 223 municípios. Essa visibilidade dá-se a partir de uma coletânea de indicadores em suas expressões territoriais, sensíveis a desigualdades de acesso a ativos de proteção social, aqui traduzidos em programas, serviços e benefícios socioassistenciais no enfrentamento da Covid-19, o que resultou no escopo de um desenho de Matriz conceitual multidimensional formada por dimensões e subdimensões, as quais são representadas por um conjunto de indicadores mensuráveis. Assim, o delineamento investigativo partiu das seguintes premissas:
A crise sociossanitária e humanitária em curso tem produzido um agravamento da questão social, especialmente no tocante às desigualdades de acesso aos serviços e benefícios mediados pelas políticas públicas de proteção social. Faz-se necessário, portanto, o desenvolvimento de estudos que elucidem indicadores de proteção social e mediações que contribuam para o fortalecimento dos sistemas de proteção social brasileiro, especialmente o Sistema Único de Saúde -SUS, e, em seus desdobramentos o Sistema Único de Assistência Social - SUAS, como integrantes fundantes do tripé da Seguridade Social Brasileira;
Os impactos sociossanitários incidem, também, sobre os processos de produção de conhecimento e na formação de pesquisadores em múltiplas dimensões e áreas de conhecimento científico, diante das necessidades (im)postas pela pandemia de riscos e vulnerabilidades, diante das demandas de respostas à população, à cidadania plena. Isto, por sua vez, emerge novas demandas à produção de conhecimento, novos redirecionamentos de objetos e modelagens de estudos, inclusive em relação ao processo de formação de pesquisadores nos âmbitos da graduação e pós-graduação, tendo em vista o redirecionamento de políticas públicas sociais que atendam às novas e velhas necessidades diante dos riscos do direito à vida, em múltiplas escalas - local, regional e global.
O estudo, em sua completude, concentrou sua atenção no modelo brasileiro de Seguridade Social – particularmente a partir dos Sistemas Únicos de Saúde (SUS) e de Assistência Social (SUAS) – e suas relações e configurações, com expressão nos territórios de vivência, no estado da Paraíba. Em particular, busca localizar e caracterizar as famílias e grupos para os quais as desigualdades de acesso em relação à saúde e em relação a sua cidadania plena, são às velhas novas expressões das desigualdades, agora agravadas para o enfrentamento da crise sociossanitária.
A realização desta investigação contou com a parceria interinstitucional de uma rede acadêmica e colaborativa entre pesquisadores e instituições do Estado da Paraíba e do Estado de São Paulo, sobretudo de pesquisadores vinculados à Universidade Federal da Paraíba, através do Núcleo de Estudos em Políticas Públicas – NEPPS (http://www.cchla.ufpb.br/nepps/), vinculado ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social e do .aboratório de .nvestigação em .istemas .ocioambientais (LiSS) da área de Observação da Terra (OBT) alocados no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE-SJC/SP). Agregaram-se, ainda, parceiros da Vigilância em Saúde da Secretaria da Saúde do Estado da Paraíba (SES), da Vigilância Socioassitencial e de Diretoria do CadÚnico da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba- SEDH/PB.
Partimos da compreensão que a proteção social ampliada é uma estratégia fundamental para a sobrevivência da população. A relevância deste estudo imprimiu conteúdos que fortaleceram a construção de um indicador para a oferta discricionária e diferenciada dos serviços e benefícios por uma rede de proteção social ampliada, pela combinação dos serviços do SUS e do SUAS. Na perspectiva de fortalecer a construção do Indicador de Equidade, reitera-se, contudo, não se tratar de um processo de validação de ou não do Indicador, mas, sobretudo, da importância de avaliar a aplicação de métodos multifatoriais e diferenciados para assertividade e efetividade das políticas de proteção social – a fim de cunhar equidade entre as diferenças socioterritoriais postas no enfrentamento da pandemia.
O território do estado da Paraíba é absolutamente marcado pela presença de municípios de pequeno porte, 86,54% com até 50 mil habitantes, segundo a classificação do IBGE/2010. Além disso, conta com terras indígenas demarcadas, além de povos originários e tradicionais vivendo em territórios de fortes interesses e espaços de tensões. Estas características socioespaciais são fundamentais para aplicação de respostas de proteção da sua identidade e cultura, objetos do desenvolvimento sustentável na sua integralidade.
A Matriz de Indicadores de Proteção Social do SUAS/PB (Figura 1), configura-se a partir de uma base de dados composta por um painel de indicadores e variáveis, como resposta ou ativo oriundo diretamente do acesso das seguranças de renda, de acolhida e de oferta de serviços para a população do território. Esse processo culminou na construção de um Índice de Proteção Social Ampliado (IPSA – COVID-19) organizado em três dimensões:
I. Segurança de Renda na Pandemia - representada por um conjunto de indicadores que se tornaram imperativos ao estudo de impactos sociossanitários para a população mais vulnerável ao enfretamento à Covid-19, sobretudo, no que concerne à segurança de renda, tendo como principal ativo que impactou positivamente as famílias e a população de baixa renda o Auxílio Emergencial (AE), definido como uma renda básica em função da pandemia pelo novo coronavírus de âmbito nacional. Previsto na Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, e que foi regulamentada pelo Decreto nº 10.316, de 7 de abril de 2020, estabeleceu medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus -Covid-19 (BRASIL, 2020);
II. Oferta de Serviços de Proteção Social no território – refere-se aos serviços públicos da rede socioassitencial e da rede de organizações sociais privadas presentes no território. Esta dimensão também abriga os espaços de controle social, como os Conselhos municipais de representação participativos. A escolha pela inclusão desses ativos, procurou traduzir a musculatura social presente nos territórios em função de respostas sociais já instaladas;
III. Presença de povos tradicionais e específicos no território - esta dimensão abriga os povos originários e traduz a sua complexidade de mensuração por vias oficiais e, por conseguinte, a direção para que SUAS, como também o SUS, assumam para si esta agenda e publicizem modus operandi de ação no território com e para os povos originários, tradicionais e especiais com atitudes preventivas, proativas e integralizadas. Embora com baixo valor instrumental para composição do IPSA final do SUAS, essa dimensão traz elementos fundamentais para a vigilância socioassistencial e o trabalho no território propriamente dito. Trata-se, pois, da geolocalização dos agrupamentos prioritários para atenção socioassistencial e, por extensão, proteção social ampliada.
Conforme observado na Figura 1, a Matriz de Indicadores de Proteção Social do SUAS configura-se com 3 dimensões, 12 subdimensões e 32 indicadores. Destes indicadores, apenas oito fazem parte do IPSA – COVID-19 e os demais (24 indicadores) são composições específicas do SUAS que expressam indicadores compostos de suas dimensões. As subdimensões e indicadores selecionados para composição final do Índice de Proteção Social Ampliado (IPSA – COVID-19), seguindo os critérios apresentados anteriormente, são os seguintes:
§ Subdimensão: segurança de renda pela condição de acesso ao auxílio emergencial
i) Taxa de beneficiários PBF (por hab)
ii) Taxa de cadastrados no CadÚnico (por hab)
iii) Taxa de beneficiários EXTRACAD (por hab)
§ Subdimensão: segurança de renda pela cobertura no território
i) Taxa do Auxílio Emergencial concedido (R$/por hab)
ii) Taxa do BPC concedido (R$/por hab)
iii) Taxa de BPC no território
§ Subdimensão: serviços públicos de proteção social do suas - básica e especial
i) Taxa bruta da presença de serviços da PSB (por hab)
ii) Taxa bruta da presença de serviços da PSB (por hab).
O significado e representatividade dos indicadores “auxiliares” na gestão do SUAS vêm atender demandas relacionadas à gestão do CadÚnico e da Vigilância Socioassistencial vinculadas à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Humano do Estado da Paraíba, parceira nesse estudo. Além de dar visibilidade destes na atenção, no acesso e na oferta de serviços e benefícios, tanto através de criação de subíndices em subdimensões como por meio de representações em mapas temáticos e dinâmicos que apresente as expressões da presença desses segmentos e grupos no espaço cartográfico da região de estudo, permite uma leitura e aprimoramento para a gestão da política pública de proteção social nesses territórios de vivência.
A grave crise sanitária da COVID-19 ocorre em meio ao sucateamento das políticas públicas, notadamente daquelas que compõem a Seguridade Social brasileira: Saúde, Assistência Social e Previdência Social. Conforme enfatizam Carvalho e Araújo (2020), o Brasil vivencia duas pandemias, que se entrelaçam e confluem de modo perverso: a da COVID-19 e a do governo Bolsonaro que desconsidera a Seguridade Social brasileira, inscrita enquanto Sistema na Constituição Federal Brasileira de 1988.
Como consequência do desmonte, expresso em uma agenda governamental que não tem centralidade na proteção social, o Brasil enfrenta dilemas no processo de implementação das políticas públicas, com os sistemas públicos em processo de desestruturação como o SUAS.
Com a pandemia, desafios são enfrentados para garantir o atendimento à população, pela Política de Assistência Social no país, principalmente em decorrência dos ataques sucessivos sofridos por essa Política, na contemporaneidade, cujo cenário contraditoriamente aponta para sua necessidade e relevância.
O contexto específico da pandemia da COVID-19 impõe ao trabalho na Assistência Social desafios para manter o atendimento à população. Logo, a reorganização do trabalho deveria considerar as normas sanitárias para reduzir o risco de transmissão do vírus nas unidades, com adoção de medidas que garantissem o atendimento individualizado; suspensão de atividades grupais; instituição do trabalho home office para trabalhadoras/es pertencentes ao grupo de risco; disponibilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) aos trabalhadores e usuários; manutenção dos serviços de acolhimento institucional; instituição de medidas de proteção à população em situação de rua; restrição de visitas domiciliares; organização do atendimento remoto; agendamento de atividades presenciais; organização de trabalho com revezamento de equipes, dentre outras medidas.
Embora seja compreensível e necessária a instituição de tais medidas, conforme destaca Araújo, Carneiro e Carvalho (2021, p. 9):
[...] há que se considerar a inviabilidade de sua adoção, sobretudo pelos trabalhadores e trabalhadoras do SUAS, incluindo-se as/os assistentes sociais, que trabalham em muitos municípios brasileiros, principalmente de porte I, que em geral têm maior dependência do cofinanciamento federal e que têm padecido sobremaneira com o desfinanciamento, desvalorização dos/as trabalhadores/as do SUAS e desconsideração da existência de instâncias de controle social.
De todo modo, diante desse cenário, Estados e Municípios são requisitados a manter a proteção social à população já atendida pela Assistência Social e a garantir proteção aos segmentos mais vulnerabilizados.
Isso significa que os trabalhadores/as do SUAS encontram-se diante de demandas, que vão desde a necessidade de proteção social básica até a especial de alta complexidade, sem ter a garantia das condições necessárias para efetivo atendimento, nem tampouco para salvaguardar suas próprias vidas. Dessa forma, se por um lado, a essencialidade da Assistência Social é reconhecida, por outro, a incapacidade da rede socioassistencial em garantir proteção social fica exposta no contexto pandêmico, sobretudo como consequência direta do desmonte dessa Política (CARNEIRO, 2020b).
Estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB), intitulado A pandemia de Covid-19 e os profissionais da assistência social no Brasil (2021), apresenta informações acerca do exercício profissional no SUAS, no contexto da pandemia. A pesquisa contou com a participação de 439 trabalhadoras/es da Assistência Social de todas as regiões brasileiras, mediante respostas à Survey Online. Os resultados mostraram que 90,66% dos profissionais entrevistados têm medo de contrair o coronavírus, ou seja, vivenciam sentimentos de medo e insegurança, mais de 87% dos/as trabalhadores/as não se sentem preparados/as ou não souberam responder se estão preparados/as para atuar neste contexto pandêmico; 61,50% não receberam EPI’s e 87,02% não receberam treinamento para lidar com a pandemia. (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2021).
No que concerne aos impactos da crise no trabalho realizado nas unidades de referência do SUAS, a pesquisa identificou que 74,26% dos participantes mencionaram que a pandemia afetou o trabalho. Dentre as principais mudanças apontaram: atendimento a distância, trabalho em escala/revezamento, aumento do volume de trabalho, redução/suspensão dos atendimentos presenciais e mudança na relação com os usuários do serviço. Sobre a utilização de EPIs, o estudo constatou que um percentual reduzido, 6,4% dos participantes confirmaram a utilização desses equipamentos e a adoção de cuidados de prevenção à COVID-19 no ambiente de trabalho (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2021).
Nesse contexto, destacam-se ainda os desafios inerentes à implementação do Auxílio Emergencial, instituído para enfrentamento do desemprego e para atendimento dos trabalhadores informais, que tiveram suas atividades inviabilizadas com a pandemia. A relação do Auxílio Emergencial com a Assistência Social não é estabelecida no processo de sua formulação. Entretanto, na dinâmica de implementação do Auxílio a participação dessa Política foi requerida, de modo a ensejar alterações no trabalho desenvolvido nas unidades do SUAS, em virtude do aumento das demandas por encaminhamentos, orientações, realizados pelas/os trabalhadoras/es das unidades de referência. (CARNEIRO, 2020a).
Outro desafio surgido com a pandemia que impacta a dinâmica de trabalho, no âmbito do SUAS, diz respeito à ampliação das demandas por Benefícios Eventuais, o que tem sido constatado pelo fato da “[...] demanda bater diretamente nas Secretarias Municipais de Assistência Social e na porta dos gestores públicos.” (VIEIRA, 2020b, p. 4). No Estado do Maranhão, o Mapeamento realizado pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (SEDES) apontou o aumento da demanda e identificou os Benefícios Eventuais mais concedidos, em atendimento às situações emergenciais: o Auxílio Alimentação, o Auxílio Funeral, o Aluguel Social e o Auxílio Natalidade. Embora haja a possibilidade de utilização de parte dos recursos extraordinários recebidos, pelos municípios, na concessão de benefícios eventuais, conforme ponderam Carneiro e Carvalho (2020, p. 16) “[...] o aumento exponencial da demanda no contexto da COVID-19, exige uma ampla mobilização da gestão e dos trabalhadores para responder a essa demanda que se expressa nos municípios, solo concreto de implementação do SUAS”.
No âmbito dessa discussão é necessário considerar que a pandemia desvela fragilidades carregadas pela Assistência Social, nos últimos anos. Esse entendimento é ratificado por Mossicleia Mendes da Silva (2020, p. 65), ao afirmar que as “[...] políticas protetivas não se estruturam do dia para a noite e que paliativos não resolvem as fragilidades que o SUAS vem carregando”. A constatação é de que a pandemia evidencia e recrudesce o processo de desestruturação do SUAS, empreendido pelo atual governo. Isso porque expõe problemas que vinham atingindo e impactam fortemente, na atualidade, o exercício profissional daqueles que atuam na rede socioassistencial, tais como: incompletude das equipes de referência, alta rotatividade profissional, ausência/insuficiência de concurso público, contratações precarizadas, sobrecarga de trabalho, descontinuidade das ações, inadequação das unidades, rigidez para aplicação dos recursos, dentre outros. (SILVA, 2019).
As considerações evidenciam os limites para a garantia da Política de Assistência Social, no Brasil, sobretudo no contexto da pandemia da COVID-19, momento em que há o recrudescimento das expressões da questão social. Dentre os desafios estão: garantir o cumprimento do Pacto Federativo, pelas esferas de governo, especialmente pela esfera federal, visto a exigência de uma intervenção pública compartilhada, efetivar o investimento público necessário para o atendimento das demandas apresentadas, proteção às/aos trabalhadoras/es do SUAS, assim como para oferta sistemática de serviços e implementação de programas e benefícios.
É sabido que sob o capitalismo os tempos sempre são de resistência e luta, todavia, neste contexto, há o aumento da tensão social pela insegurança intensificada com a pandemia que não encontra acalento no atual governo. No que se refere à Política de Assistência Social a resistência e enfrentamento ao desmonte são fundamentais, sobretudo em um contexto pandêmico, constituindo-se em expressões de embates pela democracia e defesa de direitos. Nesta perspectiva, diversos sujeitos sociais estão em mobilização permanente, em várias localidades do país, para resistir ao processo de desestruturação do SUAS, a exemplo do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (CONGEMAS), Fórum Nacional de Secretários/as de Estado de Assistência Social (FONSEAS), Fóruns de Usuários e de Trabalhadores/as do SUAS, Conselhos nacional, estaduais e municipais de Assistência Social, Coalizão Direitos Valem Mais e Frentes nacional e estaduais em Defesa do SUAS. Instâncias que demandam providências, como a urgente revogação da EC nº 95/2016 e Portaria nº 2362/2019 pelo efeito destruidor que causa sobre o SUAS, para que esse Sistema não entre em colapso e possa garantir proteção social a todos quantos dele necessitem.
Nas últimas décadas temos visto um considerável aumento dos grupos de direitas em âmbito mundial, com distintas composições e configurações. No Brasil, particularmente nos últimos anos, houve a ascensão de complexos e multifacetados grupos de direita, que se caracterizam por uma peculiar composição, que de forma geral envolve grupos ultraliberais e conservadores de diferentes ordens, fundamentados em preceitos econômicos, políticos, culturais, éticos e religiosos.
Nesse contexto, a eleição de Bolsonaro configura-se como o cume do golpe 16 e ainda, como expressão maior do avanço e da configuração das direitas no país atual.
Num país devastado pelo aprofundamento do neoliberalismo dependente, fundado no modelo rentista neoextrativista, com estabelecimento de teto de gastos e drásticos cortes no financiamento das políticas sociais através da implementação da Emenda Constitucional nº 95/16 e do desmantelamento dos direitos sociais e trabalhistas, soma-se a isso a pandemia da Covid 19.
A grave crise sanitária provocada pela Covid 19 ocorre num momento de profundo sucateamento das políticas de saúde, previdência e assistência social; ao tempo em que há um aumento do desemprego, do subemprego, da pobreza, da fome, da quantidade de pessoas em situação de rua, das diversas formas de violência. Vivenciamos, então, um estado de barbárie, dado que se amplia a demanda por proteção social e de forma concomitante ocorre um desmantelamento da Proteção Social no país.
Nesse contexto, cabe ressaltar que os sistemas protetivos brasileiro - SUS e SUAS, apesar das investidas do projeto neoliberal de desmonte, configurou-se como o salvo conduto para a população brasileira, especialmente o SUS, demarcado e visibilizado pela pandemia. Os impactos da crise e pós-crise sinalizam desafios ainda maiores a construir, especialmente para o SUAS, que vem sofrendo ataques de desmonte no CADÚNICO, retrocessos no financiamento da gestão da proteção social, entre outros. O contexto de uma crise prolongada e que deixa à margem famílias inteiras, principalmente aquelas que vivem em aglomerados urbanos e que não dispõem de uma fonte de renda fixa.
Nesse sentido, reafirmamos a necessidade de mobilização e luta, frente aos desafios, limites, dificuldades e retrocessos que marcam a realidade nacional na conjuntura atual; e mediante a necessidade de garantia da manutenção da proteção social no país a ser garantida pelo Estado, de preservação da vida e superação da barbárie ora vivenciada no país.
É necessário, pois, avançar na luta pela garantia de direitos no âmbito da proteção social, sem desconsiderar, contudo, que essa defesa deve estar articulada às lutas mais amplas da classe trabalhadora por direitos e democracia no Brasil, por uma Seguridade Social universal e pública, por sistemas estatais permanentes e abrangentes. Tais lutas têm como horizonte uma sociedade humanamente livre e diversa, ecologicamente sustentável, socialmente justa e igualitária.