Mesas temáticas coordenadas
Recepción: 14 Febrero 2022
Aprobación: 11 Junio 2022
Resumo: O artigo expõe leituras do pensamento de Gramsci sobre a teoria da hegemonia, com o propósito de contribuir no debate sobre a temática no contexto atual de crise da hegemonia mundial e as implicações na luta emancipatória dos subalternos e de toda humanidade. Destaca três recortes: a) hegemonia em Gramsci como processo prático-político e filosófico exercido distintamente pelas classes sociais em luta; b) constituição da hegemonia como estratégia revolucionária dos subalternos em que a formação de uma nova cultura tem centralidade; c) crise de hegemonia e filosofia da práxis, centrado na discussão da perda do consenso pela classe então hegemônica e na possibilidade de avanço do desenvolvimento do pensamento crítico dos subalternos orientado pela filosofia da práxis. Conclui com a reafirmação da tese da unificação da teoria e prática na constituição histórica dos grupos subalternos como classe hegemônica.
Palavras-chave: Hegemonia, crise de hegemonia, filosofia da práxis, emancipação dos subalternos.
Abstract: This work exposes readings on Gramsci's thought on the theory of hegemony, with the purpose of contributing to the debate about the current context of the crisis of world hegemony and the implications in the emancipatory struggle of the subalterns and of all humanity. It highlights three aspects: a) hegemony in Gramsci, a practical-political and philosophical process that is distinctly important for the social classes in struggle; b) the construction of hegemony as the subaltern's revolutionary strategy, in which forming a new culture is central; c) crisis of hegemony and philosophy of praxis, centered on the discussion of the loss of consensus by the hegemonic class and on the possibility of the advancing of the critical development of subalterns, guided by the philosophy of praxis. It concludes reaffirming the thesis of the unification of theory and practice in the hegemonic historical of the subaltern groups as the hegemonic class.
Keywords: Hegemony, crisis of hegemony, philosophy of praxis, emancipation of subalterns.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo reorganiza ideias centrais de três dos quatro trabalhos que compuseram a mesa temática com o mesmo título[1], apresentada na X Jornada Internacional de Políticas Públicas (X JOINPP/PPGPP/UFMA) realizada no ano de 2021, em São Luís/MA. Essa mesa temática, uma iniciativa do Grupo de estudo, pesquisa e debate em Serviço Social e Movimento Social (GSERMS/UFMA/Brasil), articulou-se a partir das relações do grupo no âmbito da International Gramsci Society Brasil (IGS-Brasil) e da Red Latinoamericana y Caribeña de Estudios Gramscianos, com a participação de quatro pesquisadores do pensamento de Antonio Gramsci de três países (Itália, México, Brasil), interessados com a temática: Fabio Frosini (Università Urbino/Itália)[2] Diana Fuentes (Universidad Autónoma Metropolitana/México); Ana Lole (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro/Brasil) e Marina Maciel Abreu (Universidade Federal do Maranhão/Brasil).
O conteúdo abordado, centrado em três recortes do debate desenvolvido na mesa temática, privilegia uma discussão teórica sobre elementos da teoria da hegemonia em Gramsci, sustentada na luta de classes no movimento da história. Como assinala Frosini (2021), a história para Gramsci é um sistema de forças cuja unidade é um resultado, o produto de uma estratégia bem-sucedida de construção de uma hegemonia.
Assim, discutimos dois grandes eixos histórico-conceituais: a concepção de hegemonia como processo político-prático e filosófico e como estratégia revolucionária dos subalternos; e, a concepção de crise de hegemonia e filosofia da práxis.
2 HEGEMONIA EM GRAMSCI COMO PROCESSO POLÍTICO-PRÁTICO E FILOSÓFICO
Gramsci reconstrói o conceito de hegemonia como um processo político-prático e filosófico (GRAMSCI, 1999, p.104 [CC 11, §12]) a partir de referências revolucionárias distintas e particulares, notadamente a experiência da revolução bolchevique vitoriosa em 1917 que instaura uma alternativa societária ao capitalismo – a socialista – e as experiências identificadas como formas de concreção de revolução passiva: a constituição do fascismo no âmbito de capitalismo monopolista no enfrentamento da crise econômica e moral do pós I Guerra Mundial; e o americanismo caracterizado como cultura e hegemonia do capital industrial norte-americano em sua fase monopólica. Desses processos retira lições para pensar os limites, dificuldades e singularidades da construção da hegemonia pelos subalternos no Ocidente e no Oriente. Nesses estudos demarca e particulariza as funções de hegemonia em relação às determinações históricas das classes sociais em luta: quando inclui direção intelectual e moral mais domínio político se refere ao exercício pleno da hegemonia, ou seja à supremacia da classe já detentora do poder econômico; e, em relação aos subalternos fala em hegemonia política, como direção intelectual e moral no interior da própria classe na relação com as classes aliadas, ainda na condição de explorada economicamente, portanto antes da conquista (tomada) do poder político e sua constituição com Estado.
O conceito de hegemonia traduz o domínio político e a direção intelectual e moral de uma classe sobre toda a sociedade, funções exercidas na relação orgânica entre Estado e sociedade civil, como unidade dialética. A unidade entre o Estado no sentido estrito (sociedade política) e a sociedade civil na acepção gramsciana é muito complexa. Revela-se nos escritos carcerários numa profunda crítica ao economicismo e ao liberalismo, que sustenta o conceito de Estado integral no qual “entram elementos que devem ser remetidos à noção de sociedade civil (no sentido, seria possível dizer, de que Estado = sociedade política + sociedade civil isto é, hegemonia couraçada de coerção)” (GRAMSCI, 2000b, p. 244 [CC6, §88]). A unidade dialética entre Estado e sociedade civil consubstancia a análise da relação entre “Estado e sociedade regulada” em que frente à confusão entre o conceito de Estado-classe e o conceito de sociedade regulada, Gramsci acentua que “enquanto existir Estado-classe não pode existir a sociedade regulada” (GRAMSCI, 2000b, p. 244 [CC6, §88]). Assim, desmonta qualquer interpretação na noção de hegemonia como estratégia revolucionária reduzida ao consenso e aponta para destruição do Estado burguês, em condições históricas determinadas, que supõe o uso da força na necessária ruptura, pois como bem interpreta Secco (1996, p. 86), “[...] nenhuma classe social armada e dominante cede seu poder militar e seus privilégios só por convencimento.”
Em síntese, o conceito de Estado em Gramsci, referindo-se ao Estado burguês, comporta além do aparelho de governo, também o aparelho “privado” de hegemonia ou hegemonia civil e significa “todo o complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe dirigente não só justifica e mantém seu domínio, mas consegue obter o consenso ativo dos governados [...]” (GRAMSCI, 2000b, p. 331 [CC15, §10]).
No exercício da hegemonia destacamos aqui duas das mais importantes mediações: a função política educativa dos intelectuais, em conexão aos grupos fundamentais (classes sociais fundamentais)[3], cuja “relação com o mundo da produção não é imediata, mas, ‘mediatizada’ em diversos graus, por todo o tecido social, pelo conjunto das superestruturas, do qual são precisamente ‘funcionários’” (GRAMSCI, 2000a, p. 20 [CC12, §1]); e a função dos partidos políticos no mundo moderno, ou seja, como elaboradores e difusores das novas intelectualidades integrais e universais, isto é, “o crisol da unificação de teoria e prática entendida como processo histórico real” (GRAMSCI, 1999, p. 105 [CC 11, §12). Nesse processo, coloca-se o problema da força das ideologias orgânicas na constituição da hegemonia no centro do trabalho dos intelectuais, que empresta o cimento da unificação de todo o bloco histórico. Ideologia, em Gramsci, refere-se a “uma concepção do mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas [...]” (GRAMSCI, 1999, p. 98-99 [CC11, §12).
Em relação aos partidos políticos, Gramsci considera que se deve:
[...] sublinhar a importância e significado no [...] no mundo moderno, na elaboração e difusão das concepções do mundo, na medida em que elaboram essencialmente a ética e a política adequadas a elas, isto e, em que funcionam quase como “experimentadores” históricos de tais concepções. Os partidos selecionam individualmente a massa atuante, e esta seleção opera-se simultaneamente nos campos prático e teórico, com uma relação tão mais estreita entre teoria e pratica quanto mais seja a concepção vitalmente e radicalmente inovadora e antagônica aos antigos modos de pensar [...] e compreende-se, assim, como seja necessária que a sua formação se realize através da adesão individual e não ao modo “laborista”, já que – se se trata de dirigir organicamente “toda a massa economicamente ativa” – deve-se dirigi-la não segundo velhos esquemas, mas inovando; e esta inovação só pode tornar-se de massa, em seus primeiros estágios, por intermédio de uma elite na qual a concepção implícita na atividade humana já se tenha tornado, em certa medida, consciência atual coerente e sistemática e vontade precisa e decidida. (GRAMSCI, 1999, p. 105 [CC 11, § 12]).
Esse pensador italiano destaca que os intelectuais atuam no desempenho de funções subalternas da hegemonia social e do governo político (consenso e força) que consubstanciam a formação da cultura, ou seja, através da elaboração das ideologias e sua difusão no estabelecimento de padrões de sociabilidade constitutivos de um determinado conformismo (adequação da ordem intelectual e moral às necessidades da produção e do trabalho). A atuação dos intelectuais vincula-se, portanto, às funções:
1) de consenso espontâneo dados pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce ‘historicamente’ do prestígio (e, portanto, da confiança) obtida pelo grupo dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de coerção estatal que assegura ‘legalmente’ a disciplina dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade na previsão dos movimentos de crise no comando e na direção, nos quais desaparece o consenso espontâneo. (GRAMSCI, 2000a, p. 21 [CC12, §1]).
Nesses apontamentos, podemos entender que Gramsci assinala dois planos superestruturais na fixação das gradações das funções intelectuais e das superestruturas:
[...] de baixo para cima (da base estrutural para o alto): [...] o que pode ser chamado de ‘sociedade civil’ (isto é, o conjunto de organismo designados vulgarmente como ‘privados’) e o da ‘sociedade política ou Estado’ planos que correspondem, respectivamente, à função de hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de ‘domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo ‘jurídico’. (GRAMSCI, 2000a, p. 21 [CC12, §1]).
Aqui, o nosso autor parece se referir à dimensão superestrutural da sociedade civil e não à sua redução a esse plano. Tal formulação, se tomada isoladamente, tende à interpretação de que a sociedade civil em Gramsci se restringe ao plano superestrutural e por isso contraditaria à concepção marxiana, que a situa no plano estrutural[4], ao mesmo tempo em que gera outras polêmicas e vulgarizações do conceito, sobretudo, quando a noção sobre “organismos designados vulgarmente como privados” são reduzidos a uma diversidade de associações de cunho político-ideológico das classes sociais, demarcadas de forma descolada das determinações estruturais numa relação dicotômica com o Estado, além da falsa ideia de que o debate gramsciano sobre a hegemonia raramente incorpora as empresas capitalistas que formam o aparelho econômico, como acentua a crítica de Anderson (1986).
Tais questionamentos, minimamente apontados, dentre muitos outros, reverberam negativamente nos processos político-práticos e filosóficos, notadamente se se considerar que na relação entre sociedade política e sociedade civil, Gramsci centra toda sua análise sobre os processos revolucionários (considerados na diversidade das sociedades de tipo “oriental” e “ocidental”, às quais vincula as estratégias da guerra de movimento e guerra de posição), apreendendo a sociedade civil como a base histórica do Estado de onde emana o seu conteúdo ético. Para Gramsci:
[...] todo Estado é ético na medida em que uma das suas funções mais importantes é a de educar a grande massa da população para um certo nível cultural e moral, nível (ou tipo) que corresponde às necessidades de desenvolvimento das forças produtivas e, por conseguinte, aos interesses das classes dominantes. A escola, como função educativa positiva, e os tribunais, como função educativa repressiva e negativa, são as mais importantes atividades do Estado neste sentido; mas, na realidade, tendem para este fim uma multiplicidade de outras iniciativas e de outras atividades ditas privadas que formam o aparelho da hegemonia política e cultural das classes dominantes. [...] Mas, na realidade, só o grupo social que coloca o fim do Estado e o seu próprio fim como objetivo a atingir pode criar um Estado ético, tendendo a pôr termo às divisões internas em que implica a dominação etc. e a criar um organismo social unitário técnico-moral. (GRAMSCI, 2000b, p. 284-285 [CC8, §179]).
A constituição da hegemonia pelos subalternos implica incialmente no rompimento com a concepção de mundo dominante e elaboração de uma concepção de mundo própria, como consciência de si no movimento de sua constituição como classe, que se desenvolve no âmbito das transformações estruturais e superestruturais e se materializa na formação de uma nova cultura.
Desse modo, a constituição de uma nova hegemonia significa uma luta “sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer” (GRUPPI, 1978, p. 3). A ideologia dominante, em uma determinada forma de sociabilidade, é a ideologia da classe dominante.
É por isso que se deve chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa, para além do progresso político-prático, um grande progresso filosófico, já que implica e supõe necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou o senso comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos. (GRAMSCI, 1999, p. 104 [CC11, §12).
Daí a tese gramsciana de que “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica” que “não pode ser limitada às relações especificamente ‘escolares’” (GRAMSCI, 1999, p. 399 [CC10, §44]), mas:
[...] existe em toda a sociedade no seu conjunto e em todo indivíduo com relação aos outros indivíduos, entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre governantes e governados, entre elites e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguardas e corpos de exército. Toda relação de ‘hegemonia’ e necessariamente uma relação pedagógica, que se verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo o campo internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais (GRAMSCI, 1999, p. 399 [CC10, §44]).
Liguori resume bem o pensamento gramsciano acerca da hegemonia ao explicar que “a plena explicitação da função hegemônica só ocorre quando a classe que chega ao poder se torna Estado: o Estado serve-lhe tanto para ser dirigente quanto para ser dominante” (LIGUORI, 2003, p. 181). A partir do momento em que as classes subalternas se tornam realmente hegemônicas, suscitando um novo tipo de Estado, surge a necessidade de construir uma nova ordem intelectual e moral, isto é, “um novo tipo de sociedade e, consequentemente, a exigência de elaborar os conceitos mais universais, as mais refinadas e decisivas armas ideológicas” (GRAMSCI, 1999, p. 225 [CC11, § 70]).
Mas, para uma classe exercer hegemonia dependerá de como essa classe se organizará no Estado para demarcar seu domínio e consenso. Contudo:
[...] O exercício da hegemonia assume conotações diferentes a partir do modo como os grupos sociais se relacionam e exercem suas funções com base na organização e desenvolvimento das forças materiais de produção, da organização do Estado e do papel mais ou menos coercitivo e intervencionista da sociedade política, e ainda do processo de conscientização política das classes dominadas; a hegemonia é uma relação ativa, cambiante, evidenciando os conflitos sociais, os modos de pensar e agir que se expressam na vivência política; conforme se desenvolvem e se inter-relacionam as forças em luta, tem-se o fortalecimento das relações de domínio, o equilíbrio entre coerção e consenso [...]. (SCHLESENER, 2007, p. 29-30).
É importante enfatizar que o conceito de hegemonia manifesta a dimensão contratual da política, que, para Gramsci, acontece por meio do consenso ativo e democrático. Para o pensador italiano, o desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa:
[...] a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam. Portanto, também a unidade de teoria e prática não é um dado de fato mecânico, mas um devir histórico, que tem a sua fase elementar e primitiva no sentimento de ‘distinção’, de ‘separação’, de independência quase instintiva, e progride até a aquisição real e completa de uma concepção do mundo coerente e unitária. (GRAMSCI, 1999, p. 103-104 [CC 11, § 12).
3 A CONSTITUIÇÃO DA HEGEMONIA COMO ESTRATÉGIA REVOLUCIONÁRIA DOS SUBALTERNOS
A luta das classes subalternas pela hegemonia tem centralidade nos estudos gramscianos, dada a preocupação com a elevação cultural das massas no processo de sua constituição como classe de forma autônoma contraposta à ordem do capital, na perspectiva da sua emancipação e de todas as classes, em que a conquista da hegemonia por essas classes é estratégica. Nesse processo a formação da vontade coletiva nacional-popular, ou seja, da “consciência operosa da necessidade histórica, como protagonista de um drama histórico real e efetivo” (GRAMSCI, 2000b, p. 17 [CC13, §1]), enquanto possibilidade inscrita na totalidade social” (DIAS, 1996, p. 14), é a expressão da reforma intelectual e moral no movimento de transformações estruturais e superestruturais.
É sempre bom lembrar que esta premissa gramsciana inspira-se na tese de Marx e Engels (1993) na qual:
[...] toda classe que aspira à dominação, mesmo que essa dominação, como no caso do proletariado, exija a superação de toda a antiga forma de sociedade e de dominação em geral, deve primeiro conquistar o poder político para apresentar o seu interesse como interesse geral ao qual está obrigado num primeiro momento. (MARX; ENGELS, 1993, p. 49).
Para Gramsci a “consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam” (GRAMSCI, 1999, p.103 [CC 11, § 12]).
A necessidade da unificação entre teoria e prática se vincula à história dos grupos sociais subalternos ou classes subalternas que, como acentua Gramsci, apresenta-se necessariamente desagregada e episódica, entretanto, contém a tendência de unificação como parte da sua constituição como classe no confronto com os grupos dominantes aos quais estão subordinados. O processo da unificação dos grupos subalternos é analisado no âmbito das relações orgânicas entre Estado ou sociedade política e sociedade civil, como um movimento enraizado na sociedade civil na perspectiva de transformação desses grupos em Estado. Movimento que passa necessariamente pela constituição política e formação cultural desses grupos como classe e a intervenção nas relações de força que atuam em determinado momento histórico para alterá-las, o que só pode ocorrer como movimento no âmbito da grande política ligada à fundação de um novo Estado.
Teoricamente, trata-se de um amplo e complexo processo em que um dos grupos subalternos “exercerá ou tenderá a exercer uma certa hegemonia através de um partido” (GRAMSCI, 2002, p.140 [CC25, §5]). O exercício da hegemonia é, então, referida nesse caso, à direção intelectual e moral no interior da própria classe na relação com as classes aliadas, que significa o rompimento com a ideologia dominante e a elaboração de uma concepção de mundo própria, de maneira crítica e consciente, a partir da qual as classes subalternas podem distinguir-se autonomamente em relação às demais classes e, exercer a direção no amplo movimento de transformações estruturais e superestruturais na perspectiva de tornar-se Estado na superação da ordem burguesa. Sob esse ponto de vista, a hegemonia revela-se como estratégia revolucionária na construção de uma nova sociabilidade, a socialista.
O movimento de reforma intelectual e moral como compreensão de si mesmo pelos subalternos, através de uma luta de “hegemonias” políticas, de direções contrastantes, ocorre no campo da ética e da política e estabelece o nexo orgânico entre economia, política e ideologia. Assim, a lutas dos subalternos na constituição da hegemonia, como processo revolucionário, emancipador, atravessa a totalidade das relações estruturais e superestruturais, enraizada na sociedade civil na relação orgânica com o Estado, em que se pode distinguir dois grandes processos inter-relacionados, privilegiados nesta discussão: a formação de uma nova cultura no movimento de constituição da classe como força hegemônica; e a alteração das relações de força.
Por um lado, e antes de tudo, a constituição da hegemonia pelos subalternos expressa-se na formação de uma nova cultura, que supõe a elevação cultural das massas. Coloca-se a necessidade de novas relações pedagógicas plasmadoras de novas subjetividades e padrões de conduta orientadas para o estabelecimento de um novo conformismo, ou seja, conformismo proposto pela própria classe, e por isso, orgânico e dinâmico que não somente adapta o indivíduo ao ambiente, mas o educa para dominá-lo. Graças a esse conformismo, “o automatismo converte-se em liberdade, a liberdade converte-se em responsabilidade e personalidade” (MANACORDA, 1990, p. 283). Para Gramsci:
Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas ‘originais’, significa também, e, sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las”, por assim dizer; e, portanto, transformá-las em bases de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato ‘filosófico’ bem mais importante e ‘original’ do que a descoberta, por parte de um “gênio” filosófico, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos de intelectuais. (GRAMSCI, 1999, p. 95 [CC 11, §12])).
Assim, a organicidade do pensamento e a solidez cultural só podem ocorrer se entre os intelectuais e os simples se verificar “a mesma unidade que deve existir entre a teoria e prática” (GRAMSCI, 1999, p. 100 [CC11, §12]), isto é, se os intelectuais forem os intelectuais orgânicos daquelas massas e tiverem elaborado e tornado coerentes os princípios e os problemas que aquelas massas tenham colocado com a sua atividade prática, “constituindo assim um bloco cultural e social” (GRAMSCI, 1999, p. 100 [CC11, §12]), mesmo ainda nas condições de explorada economicamente. Assim, a vinculação orgânica entre intelectual e classe social constitui a marca da necessidade histórica de unidade entre teoria e prática, “como um aspecto da questão política dos intelectuais” (GRAMSCI, 1999, p. 104 [CC11, §12]).
Nessa perspectiva, a vontade coletiva sintetiza todo um amplo movimento de reforma intelectual e moral guiado pela filosofia da práxis que por seu caráter tendencial de filosofia de massa, apresenta-se como a nova concepção de mundo que pretende tornar-se senso comum na direção de uma nova sociabilidade. Significa que “só pode apresentar-se inicialmente como atitude polêmica e crítica, como superação da maneira de pensar precedente e do pensamento concreto existente (o mundo cultural existente)” (GRAMSCI, 1999, p. 101 [CC11, §12]), isto é, como luta perpétua com as forças do retrocesso no amplo movimento das transformações estruturais e superestruturais. Nesse processo, a filosofia da práxis expressa-se:
[...] como crítica do ‘senso comum’ (e isto após basear-se sobre o senso comum para demonstrar que todos ‘são filósofos e que não se trata de introduzir ex novo uma ciência na vida intelectual de todos, mas de inovar e tornar ‘crítica’ uma atividade já existente); e, posteriormente, como crítica da filosofia dos intelectuais, que deu origem à história da filosofia e que, enquanto individual (e, de fato, ela se desenvolve essencialmente na atividade de indivíduos singulares particularmente dotados), pode ser “culminâncias” de progresso do senso comum, pelo menos do senso comum dos estratos mais cultos da sociedade e, através desses, também, do senso comum popular. (GRAMSCI, 1999, p. 101 [CC11, §12]).
Por outro lado, como luta no âmbito da grande política, a constituição da hegemonia pelos subalternos supõe a avaliação das relações de força que atuam na história de um determinado período, de forma a precisar a distinção entre os movimentos orgânicos ou estruturais e os movimentos conjunturais ou ocasionais na configuração das crises de hegemonia e evitar os erros analíticos fundados no economicismo ou no ideologismo.
Na análise das relações de força, Gramsci (2000b, p. 40 [CC13, §17]) distingue três momentos ou graus, onde assinala a importância da própria constituição da classe como força, em que aparece o desenvolvimento da solidariedade intraclasse na formação da força política, como um elemento de unidade e identidade da classe.
O primeiro momento, refere-se à “[...] uma relação de forças sociais estreitamente ligada à estrutura, objetiva, independente da vontade dos homens, que pode ser mensurada com os sistemas das ciências exatas e físicas” (GRAMSCI, 2000b, p. 40 [CC13, §17]), significa a posição de cada grupo social no desenvolvimento das forças materiais de produção e permite avaliar a realidade e a viabilidade das ideologias nascidas no terreno das contradições que se gerou durante esse desenvolvimento.
O segundo momento é o da relação das forças políticas, ou seja, reporta-se à “avaliação do grau de homogeneidade, autoconsciência e de organização alcançado pelos vários grupos sociais” (GRAMSCI, 2000b, p. 40 [CC13, §17]) comporta vários graus, que correspondem aos diversos momentos da consciência política coletiva. “O primeiro e mais elementar é o econômico-corporativo” (GRAMSCI, 2000b, p. 41 [CC13, §17]), significa um momento em que solidariedade ainda é restrita a unidade homogênea de um mesmo grupo profissional e coloca-se o dever de organizá-la. O segundo “é aquele em que se atinge a consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, mas ainda no campo meramente econômico” (GRAMSCI, 2000b, p. 41 [CC13, §17]), embora já se coloque a questão do Estado ainda no terreno da obtenção da igualdade político-jurídica. O terceiro momento “é aquele em que se adquire a consciência de que os próprios interesses corporativos, em seu desenvolvimento atual e futuro, superam o círculo corporativo, de grupo meramente econômico, e podem e devem tornar-se os interesses de outros grupos subordinados” (GRAMSCI, 2000b, p. 41 [CC13, §17]), sugere que o desenvolvimento da solidariedade adquire a perspectiva de uma classe e a questão do Estado já se coloca como um organismo próprio dessa classe com vista à sua expansão. Trata-se da expansão como força motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento de todas as energias ‘nacionais’, em que se estabelece um equilíbrio de forças, isto é, os interesses do grupo dominante ainda prevalecem, mas até um determinado ponto, em que se supera o estreito interesse econômico-corporativo. Esta é a fase mais estritamente política:
[...] que assinala a passagem nítida da estrutura para a esfera das superestruturas complexas, é a fase em que as ideologias geradas anteriormente se transformam em “partido”, entram em confrontação e lutam até que uma delas, ou pelo menos uma única combinação delas, tenda a prevalecer, se impor, a se irradiar por toda a área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, pondo todas as questões em torno das quais ferve a luta não no plano corporativo, mas no plano ‘universal’, criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados. (GRAMSCI, 2000b, p. 41 [CC13, §17]).
Criam-se então as condições para o surgimento de um novo Estado-Nação, cujas relações internas entrelaçam-se com as relações internacionais, em novas combinações originais historicamente concretas, em que pesem, a complexidade, no interior de cada Estado, “[...] de várias seções territoriais com estruturas diferentes e diferentes relações de força em todos os graus [...]” (GRAMSCI, 2000b, p. 42 [CC13, §17]).
O terceiro momento “é o das forças militares, imediatamente decisivo em cada oportunidade concreta” (GRAMSCI, 2000b, p. 43 [CC13, §17]), que também nele se podem distinguir dois graus: o militar em sentido estrito ou técnico-militar, e o político-militar, que se apresentam numa grande variedade de combinações e se relacionam à questão das crises históricas fundamentais e a mediação complexa das crises econômicas e conjunturais, em que ocorrem “[...] a transformação das relações de força, em relações políticas de força para culminar na relação militar decisiva” (GRAMSCI, 2000b, p. 44 [CC13, §17]).
A análise das relações de força no sentido da grande política, frente a uma crise de hegemonia, tem como elemento decisivo “[...] a força permanentemente organizada e há muito tempo preparada, que se pode fazer avançar quando se julga que uma situação é favorável (e só é favorável na medida em que esta força exista e seja dotada de ardor combativo)” (GRAMSCI, 2000b, p. 46 [CC13, §17]).
4 CRISE DE HEGEMONIA E FILOSOFIA DA PRÁXIS
No marxismo, a abordagem da crise e seus efeitos sobre os processos políticos têm sido um tema central tanto na análise econômica como política. Para Marx, as crises como fenômenos econômicos não podem ser interpretadas a partir de uma concepção monocausal ou unidirecional, já que sua origem estrutural se baseia na discordância entre as condições de produção de mais-valia e sua realização, já que não há uma coincidência automática entre elas que garanta sua estabilidade. Isto é o que explica por que as crises são, em última análise, consubstanciais ao modo de reprodução da vida material do capitalismo.
A leitura gramsciana da crise, por sua vez, não se concentra na análise da dimensão exclusivamente econômica, a sua abordagem prioriza a dimensão política. A crise representa a transformação das relações políticas que articulam campos de força específicos, em um momento em que o aparelho hegemônico foi fraturado. Neste sentido, é uma crise de hegemonia ou crise de autoridade, representando um momento particular de uma crise orgânica. Isto significa que a classe dominante perdeu hegemonia, dando origem a uma situação que, embora abrindo a possibilidade do surgimento de “forças obscuras representadas por homens providenciais e carismáticos”, também abre espaços através dos quais as classes subalternas podem inserir uma nova concepção do mundo.
Uma das mais célebres frases dos Cuadernos de la cárcel está relacionada à concepção gramsciana da crise: “[…] La crisis consiste precisamente en el hecho de que lo viejo muere y lo nuevo no puede nacer: en este interregno se verifican los fenómenos morbosos más variados” (GRAMSCI, 1981, p. 37 [Q 3, §34]). Esse conhecido argumento, expressa, por um lado, a leitura gramsciana da reflexão sintética exposta por Marx no Prólogo a la contribución a la crítica de la economía política de 1859, sobre o desenvolvimento social e material que explica as grandes transformações históricas e suas rupturas:
[…] Una formación social jamás perece hasta tanto no se hayan desarrollado todas las fuerzas productivas para las cuales resulta ampliamente suficiente, y jamás ocupan su lugar relaciones de producción nuevas y superiores antes de que las condiciones de existencia de las mismas no hayan sido incubadas en el seno de la propia antigua sociedad […]. (MARX, 2006, p. 67).
É por isso que, diz Marx, a humanidade só estabelece tarefas que ela pode resolver de forma prática, na medida em que elas só podem se apresentar assim porque as condições materiais para sua resolução já existem ou estão em processo de aparecer e se desenvolver. Isto pressupõe uma concepção de tempo histórico que, ao contrário de uma sequência causal unidirecional, reconhece a gestação do advento potencial de uma nova configuração das relações de produção dentro de uma formação social ainda viva que corresponde à estrutura técnica e à base material que a sustenta. Gramsci sintetiza esta sobreposição – típica de momentos de transição histórica de fenômenos de longa duração, como a passagem de um modo de produção para outro – o que lhe permite compreender tanto a continuidade quanto a fratura, e a coloca na análise de processos mais circunscritos, historicamente mais específicos de uma ordem política.
Por outro lado, para Gramsci as crises, particularmente as crises modernas, são precisamente a discordância entre o velho que persiste no tempo e aquilo que transforma a vida social para a mudança vindoura. Em sentido estrito, trata-se de um interregno no qual uma parte da velha realidade social resiste a desaparecer, mas já não é suficiente para enfrentar as novas necessidades sociais. Durante esse processo, ou seja, neste espaço de indefinição ocorrem fenômenos anômalos à vista dos momentos de estabilidade. E a sua característica definidora é que nela se opera uma crise de autoridade, o que significa que a classe dominante perdeu o consenso que lhe permitia ser dirigente, e agora se vê reduzida a ser detentora da pura força coercitiva, ou seja, agora é uma classe dominante. Isto significa que os grupos subalternos se afastaram das ideologias com as quais se identificavam e que permitiam um determinado consenso social.
Compreender o que significa a crise de hegemonia ou de autoridade e o que ela potencialmente abre ou fecha pressupõe atender à conhecida concepção ampliada do Estado desenvolvida por Gramsci, que não só implica a soma da sociedade política e da sociedade civil, mas também a relação entre ditadura e hegemonia. E enfatiza a importância política da formação da liderança moral e intelectual de um grupo governante. O Estado, como unidade orgânica entre sociedade civil e sociedade política, é um momento específico no desenvolvimento das relações político-econômicas, no qual as formas adquiridas pelas estruturas sociais são caracterizadas por um movimento contraditório em que revolução e restauração são o reflexo da luta permanente pelo domínio e consenso. O domínio próprio da sociedade política e o consenso da sociedade civil são os mecanismos que garantem a hegemonia de uma classe específica.
Entretanto, é importante assinalar que as complexas relações que definem a sociedade civil, em um nível, marcam o conflito e a luta entre grupos, especialmente entre dominantes e subalternos; em outro nível, destacam a coesão, o consenso e o propósito comum que existe entre grupos opositores. Deste ponto de vista, a sociedade civil não é um espaço de livre expressão e organização, tal como o delineara o pensamento liberal; a sociedade civil é a dimensão que os grupos sociais dirigentes conseguem a adesão e o consentimento dos grupos dominados-subalternos à sua própria posição de subordinação à autoridade dos grupos dirigentes. É por isso que o monopólio de uma classe ou de um grupo dominante é a consequência de um determinado triunfo hegemônico.
Assim, na crise de autoridade ou de hegemonia há uma ruptura entre as massas populares, na qual a fratura denota o esgotamento de um certo consenso, mas que simultaneamente impede o advento de uma nova realidade e, portanto, uma nova hegemonia não foi criada, porém, enquanto essa indefinição for experimentada, os grupos dominantes ainda estão em condições de exercer sua força que é executada como pura dominação.
No intervalo aberto pela crise, argumenta Gramsci (1999b), também é possível que as condições sejam particularmente favoráveis para uma expansão sem precedentes do pensamento crítico, do materialismo histórico, em seus termos. Que em sua versão mais radical demandaria a possibilidade de formar uma consciência crítica, a qual implica a consciência de fazer parte de uma força hegemônica, ou seja, o reconhecimento da própria participação em um grupo específico de homens e mulheres que compartilham uma certa visão crítica da realidade com uma prática política específica; esse reconhecimento é a primeira fase para uma autoconsciência, na qual a teoria e a prática são unificadas.
No curso dos acontecimentos, para as classes subalternas este pode ser o momento de estabelecer conceitos que lhes permitam compreender a realidade em seu movimento. Ou entender que o processo histórico forma uma unidade dialética entre necessidade e liberdade, na qual a ação política concreta implica uma consciência das relações sociais que mantêm a maioria submersa em passividade (PIÑÓN, 1987). Nesta unidade – entre necessidade e liberdade – a filosofia gramsciana da práxis implica uma atividade criativa em dois sentidos: o primeiro tem a ver com o fato de que a filosofia da práxis é assumida como uma concepção do mundo que modifica o modo de ser da maioria, ou seja, que é assumida pela maioria como bom senso[5] e se torna uma norma ativa de conduta que abre o caminho para a emancipação. No segundo sentido, a filosofia da praxis é criativa porque mostra que não existe uma realidade válida em si, mas que a realidade está necessariamente relacionada às pessoas que a modificam (GRAMSCI, 1986). Portanto, é uma filosofia que se baseia na ideia de que o homem é vontade concreta, é esse impulso vital que se realiza através dos meios com os quais a realidade material o confronta; mas é também uma filosofia que reivindica o ser humano como ser político, reconhecendo que sua atividade de transformar e dirigir outros homens realiza a transformação de sua própria humanidade, uma atividade na qual sua natureza humana é modificada.
É por isso que a filosofia da práxis se distingue de todo pensamento anterior, pois ao contrário do resto do pensamento teórico, ela é capaz de reconhecer o significado histórico da ação humana, bem como a ligação entre estrutura econômico-social e superestrutura ideológica – sendo esta última o terreno da liberdade e da ação política. Essa consciência é o produto de sua atividade essencialmente crítica; uma filosofia que representa o salto do senso comum, deixando para trás o acúmulo de ideias caóticas e dispersas que representa para dar lugar a um tipo de pensamento que se expressa como superação do modo de pensar anterior e do pensamento concreto existente: “[...] ante todo como crítica del ‘sentido común’ (después de haberse basado en el sentido común para demostrar que ‘todos’ son filósofos y que no se trata de introducir ex novo una ciencia en la vida individual de ‘todos’, sino de innovar y hacer ‘crítica’ una actividad ya existente)” (GRAMSCI, 1986, p. 251 [CC 11, § 12]).
Assim, a filosofia da práxis não representa uma ruptura radical com o passado, que é reconhecido por seu valor social, mas, ao contrário da filosofia da alta cultura, a filosofia da práxis constitui a superação da cultura anterior graças à unificação entre teoria e prática, entre o mundo cultural das massas e o mundo intelectual das elites, entre a filosofia superior e o senso comum.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reflexão desenvolvida neste texto permite reafirmar que as funções de hegemonia desenvolvidas pelas classes sociais em luta são constitutivas da conexão orgânica entre estrutura e superestrutura na totalidade do bloco histórico, em que, as ideologias orgânicas a uma classe hegemônica cimentam e unificam o conjunto da sociedade enquanto elemento central da ordem intelectual e moral.
Como acentua Gramsci, pode-se entender a crise atual do capitalismo neoliberal, não resultante somente da dinâmica econômica, fruto das relações contraditórias da acumulação capitalista; mas produto de um processo mais amplo, ou seja, de uma “crise orgânica” ou de uma “crise de hegemonia”.
Desse modo, a constituição de uma nova hegemonia pelos subalternos na dinâmica das transformações estruturais e superestruturais nas mediações da relação orgânica entre sociedade civil e Estado, passa necessariamente pela mudança do panorama ideológico, que só pode ser concebida como atividade prática coletiva, realizada pelo homem coletivo. Pressupõe a conquista da unidade teoria e prática, ou seja, de uma nova unidade cultural-social. Na conquista da hegemonia por um ou mais grupos subalternos, no processo da emancipação dos subalternos, como classe unificada, em que se cria um novo tipo de Estado:
[...] nasce concretamente a exigência de construir uma nova ordem intelectual e moral, isto é, um novo tipo de sociedade e, consequentemente, a exigência de elaborar os conceitos mais universais, as mais refinadas e decisivas armas ideológicas. [...] Dá-se uma forma moderna e atual ao humanismo laico tradicional, que deve ser a base ética do novo tipo de Estado. (GRAMSCI, 1999, p. 225 [CC11, §70]).
REFERÊNCIAS
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Notas