Resumo: O artigo tem como objetivo apresentar alguns aspectos da parceria entre a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) para o desenvolvimento de pesquisa sobre formação e trabalho do assistente social no Norte e Sul do Brasil, no âmbito do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia. É um ensaio elaborado por meio de fontes bibliográficas e documentais, apoiando-se nas observações realizadas durante o processo de cooperação acadêmica. Como resultados, apresenta os antecedentes históricos do Procad-Amazônia, a pesquisa que está sendo desenvolvida, as especificidades dos programas parceiros do projeto em questão e a indissociabilidade entre formação e trabalho no Serviço Social
Palavras-chave: Serviço Social, formação, trabalho, Procad-Amazônia.
Abstract: The article aims to present some aspects of the partnership between the Federal University of Amazonas (UFAM), the Federal University of Pará (UFPA) and the Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul (PUCRS) for the development of research on training and work of social workers in the north and south of Brazil, within the scope of the National Program for Academic Cooperation in the Amazon. It is an essay prepared through bibliographic and documentary sources, based on observations made during the academic cooperation process. As a result, the historical background of Procad-Amazônia, the research being developed, the specificities of the partner programs of the project in question and the inseparability between training and work in the social work are presented.
Keywords: Social Service, training, work, Procad-Amazônia.
Mesas temáticas coordenadas
FORMAÇÃO E TRABALHO EM SERVIÇO SOCIAL NO NORTE E SUL DO BRASIL experiência no Procad-Amazônia1
TRAINING AND WORK IN SOCIAL WORK IN THE NORTH AND SOUTH OF BRAZIL: experience in Procad-Amazonia
Recepción: 11 Noviembre 2021
Aprobación: 30 Mayo 2022
O artigo apresenta a experiência de cooperação acadêmica realizada no âmbito do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (Procad), sendo este o Procad Amazônia, edital da CAPES nº 21/2018. Esta vivência de cooperação interinstitucional tornou-se possível, a partir da aprovação do Projeto de pesquisa intitulado “A Formação e o Trabalho Profissional do Assistente Social: aproximações e particularidades entre Norte e Sul do Brasil”, por meio da parceria entre os Programas de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e da Universidade Federal do Pará (UFPA), a qual teve início em outubro de 2018 e tem previsão de término em 2023.
O Procad vem se consolidando como importante instrumento de fortalecimento dos Programas de Pós-Graduação e de qualificação da formação profissional de nível superior no Brasil. A experiência a ser relatada neste artigo ratifica este entendimento, tendo em vista que nesses anos de desenvolvimento do projeto já é possível verificar resultados exitosos de fortalecimento da produção de conhecimento e de troca de saberes entre os programas de pós-graduação em Serviço Social das Instituições de Ensino Superior (IES) envolvidas na cooperação acadêmica.
Para a construção deste artigo, que se constitui como um ensaio, foi realizado levantamento bibliográfico e documental sobre a temática e, também, teve como suporte as observações das pesquisadoras (autoras) durante o desenvolvimento da experiência de cooperação acadêmica que vem sendo realizada desde 2018.
Assim, a estrutura do desenvolvimento deste artigo está composta de três partes. Na primeira será apresentada uma breve abordagem dos aspectos históricos que condicionaram a criação do Procad Amazônia, destacando os objetivos do programa e as estratégias voltadas para a busca de redução das disparidades regionais na pós-graduação brasileira, situando as especificidades da pesquisa sobre Formação e Trabalho do Assistente Social.
Na segunda parte é apresentada uma discussão sobre a Pós-graduação brasileira situando a área de Serviço Social, além de apresentar algumas particularidades dos Programas de Pós-graduação das IES parceiras do projeto Procad-Amazônia que é o foco deste artigo.
Na terceira parte são abordados alguns apontamentos sobre a indissociabilidade entre formação e trabalho no serviço social, enquanto debate realizado no âmbito deste projeto de cooperação acadêmica. Por fim, nas considerações finais busca-se demonstrar que a parceria estabelecida tem sido extremamente rica para todos os envolvidos em termos de troca de conhecimentos, saberes e cultura.
Antes de entrar especificamente na abordagem da cooperação entre a UFAM (proponente do projeto/coordenação geral), PUCRS (instituição associada 1) e UFPA (instituição associada 2) no âmbito do Procad Amazônia é necessário situar os antecedentes históricos do referido programa.
O Procad tem sido implementado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) desde o ano 2000 (ano do primeiro edital), com o objetivo de promover a qualificação do corpo docente do ensino superior mediante o desenvolvimento de projetos de pesquisas de forma integrada e cooperativa. A intenção institucional foi elevar os níveis de qualidade da pós-graduação brasileira de forma mais equilibrada, visando a redução das disparidades regionais (BRASIL, 2005a). As assimetrias regionais na pós-graduação brasileira são vistas como resultantes do processo de desenvolvimento da pós-graduação no país, que se iniciou de modo bastante fragmentado e isolado (GOMES; ROCHA NETO, 2011).
Por essa razão, as assimetrias regionais constituem-se como uma temática que sempre foi alvo dos Planos Nacionais de Pós-graduação (PNPG), pois quando se analisa o I PNPG (1975-1979), II PNPG (1982-1985) e III PNPG (1986-1989) é possível constatar que “a preocupação com as disparidades regionais na pós-graduação não deixou de ser enfatizada pela referida política” (MOURA; ROCHA NETO, 2015, p.721). A análise histórica dos Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG) no Brasil revela que a política de pós-graduação teve como foco inicial a capacitação dos docentes das universidades e, posteriormente, a busca de melhoria do sistema de pós-graduação sem perder de vista a preocupação com a redução das disparidades regionais. É possível verificar que o III Plano Nacional de Pós-Graduação visou incentivar a formação de redes cooperativas de pesquisa, com vistas a fomentar estratégias para “estimular formas de cooperação entre programas de pós-graduação, incluindo intercâmbio de pesquisadores e estudantes, uso comum de equipamentos e realização de pesquisa interdisciplinar e/ou multi-institucional” (BRASIL, 2005b, p. 210).
Dentre as diretrizes e orientações do Plano Nacional da Pós-Graduação (PNPG 2005-2010) destaca-se também o incentivo à redução das disparidades regionais na pós-graduação por meio da criação de programas para melhoria da qualidade da pós-graduação de modo geral (BRASIL, 2005a). E sob essa orientação o “Programa Acelera Amazônia foi criado, em 2006, no âmbito da linha de ação voltada à redução das assimetrias regionais. Nessa linha foi instituído o subprograma Procad-Amazônia” (MOURA, 2016, p. 24). Desse modo, verifica-se que a criação do referido programa esteve vinculada ao objetivo de redução das assimetrias com foco na região Amazônica brasileira.
Portanto, o Procad é uma importante estratégia para a implementação das diretrizes previstas na Política Nacional de Pós-Graduação, que buscam a consolidação do sistema de Pós-Graduação por meio da melhoria do desempenho e do fortalecimento da produção de conhecimento científico em nível nacional. Assim, o Procad estimula:
[...] a formação de parcerias entre instituições com programas de excelência com outras ainda em evolução para criação de novos programas, por meio da realização de missões de estudo, pesquisa e docência e estágio pós-doutoral, possibilitando a interação entre as equipes e consolidando as redes de cooperação (GOMES; ROCHA NETO, 2011, p. 48).
Observa-se que o Procad é um programa que estimula o uso compartilhado da infraestrutura das instituições de ensino superior, assim como de seus recursos humanos, visando criar condições que estimulem o desenvolvimento de projetos de pesquisa em rede, buscando o fortalecimento da produção de conhecimentos e da formação em nível de pós-graduação.
Assim, os programas de pós-graduação que são avaliados pela CAPES com nota igual ou superior a 5 (considerados consolidados), associam-se a outros programas avaliados com notas 3 e 4 (cursos novos ou em fase de consolidação) para o desenvolvimento de projetos de cooperação em pesquisa e mobilidade acadêmica (BRASIL, 2005a).
A cooperação interinstitucional estabelecida entre os programas de pós-graduação em Serviço Social (PPGSS) da UFAM, da UFPA e da PUCRS, sob a coordenação geral do primeiro programa, visa empreender a troca de conhecimentos, fortalecendo em especial os programas avaliados com nota 3 (UFAM) e nota 4 (UFPA) pela Capes no quadriênio de 2013 a 2016, em interface com um programa consolidado e avaliado com nota 6 (PUCRS).
O principal desafio deste projeto é promover o fortalecimento dos Programas de pós-graduação parceiros, por meio de intercâmbios, mobilidades docentes e discentes, incluindo também como objetivo a realização de processos de investigação conjunta. No caso do projeto em tela, os programas parceiros elegeram como temática de pesquisa a “Formação e o Trabalho do Assistente Social”, para conhecer as aproximações e as particularidades da formação e do trabalho profissional em duas regiões em pontos extremos do nosso país: Norte e Sul.
Este projeto de pesquisa tem como objetivo buscar a ampliação e consolidação da reflexão teórico-metodológica sobre a formação e o trabalho do assistente social. Deste modo, o estudo tem a seguinte questão norteadora central de pesquisa: Quais são as aproximações (aspectos universais) e as particularidades que conformam a formação e o trabalho profissional do assistente social em dois estados da região norte que compõem a Amazônia (Amazonas e Pará) e um estado da região Sul (Rio grande do Sul) do Brasil?. No sentido de responder a questão central da pesquisa foi necessário o desdobramento da investigação a partir das seguintes questões específicas: 1) Quais são as repercussões do contexto nacional de retração de direitos na formação e no trabalho profissional do assistente social?; 2) Quais são as orientações que dão direção à formação e ao trabalho profissional do assistente social no Brasil?; 3) Como se caracteriza e o que particulariza o trabalho do assistente social nos estados foco da pesquisa?; 4) Como e em que condições o trabalho do assistente social tem sido materializado nos estados pesquisados?; 5) Quais são as demandas e as competências requisitadas a essa profissão no tempo presente nos estados de abrangência da pesquisa?; 6) Como a formação, em nível de graduação e pós-graduação, tem respondido às requisições demandadas aos assistentes sociais pelo mercado e pela sociedade nos estados foco da pesquisa?.
Na atualidade, novos desafios se colocam nos mais variados espaços sócio-ocupacionais onde se inserem os assistentes sociais, e exigem o fortalecimento de algumas competências para dar conta de processos universais, bem como de outras competências que viabilizem o desvendamento das múltiplas determinações da questão social[2], no sentido de subsidiar o planejamento de intervenções que também contemplem as particularidades dos processos sociais. Nessa direção, o objeto de estudo da pesquisa deste projeto procad-Amazônia pretende problematizar aspectos universais e particulares que condicionam e caracterizam o trabalho do assistente social nas regiões norte (Amazônia) e sul do país e, também, analisar como a formação vem se conformando para dar conta desses desafios e contradições sociais expressas na realidade.
Analisar e refletir sobre a experiência da formação pós-graduada em Serviço Social dos Programas de Pós-graduação que integram o projeto de cooperação acadêmica em foco neste artigo, conduziu, incialmente, a efetuar breves considerações acerca da criação da pós-graduação no contexto brasileiro.
Assim, a pós-graduação, no Brasil, só pode ser entendida no contexto das transformações econômicas, políticas, sociais e culturais, em particular, na década de 1960, a partir das novas e antigas determinações que caracterizam a expansão do capitalismo mundial que estabelece uma determinada relação excludente e subordinada dos países da América Latina, que se constituiu o solo histórico sobre o qual ela se ergue e a lógica que a justifica (GUERRA, 2011).
Depreende-se, então, que a pós-graduação em Serviço Social deve ser compreendida no movimento histórico de avanços e retrocessos da política educacional brasileira e, em especial, nas orientações desta para a pós-graduação. Assim:
O Serviço Social alcança sua maioridade acadêmica, inscrevendo-se como área de conhecimento em meados dos anos de 1970, quando então emerge e se estrutura a Pós-Graduação no Brasil. Antes disso, há uma longa trajetória histórica profissional orientada por um projeto de formação acadêmica tradicional e de produção de conhecimentos que priorizava a dimensão técnica-operativa, com base no positivismo e no funcionalismo, herdeiros do legado do Serviço Social estadunidense, conforme está expresso nas publicações que marcaram os anos de 1940 até 1960. Este projeto de formação de base tradicional só será questionado nos idos de 1965 a 1975 com o protagonismo do Movimento de Reconceituação latino-americano; este inaugurou, com suas referências críticas, o debate teórico e o incentivo à qualificação acadêmica e à pesquisa, expressando a primeira articulação em torno de um projeto de formação profissional crítico (ABEPSS, 2015, p.2).
Constata-se significativos avanços do Serviço Social brasileiro a partir dos anos de 1980, no que concerne à formação profissional em nível de pós-graduação e de graduação. Na atualidade, o Serviço Social é uma profissão e uma área de conhecimento, cuja formação no Brasil é de nível superior e exige, portanto, a Graduação e o registro no Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) para o exercício profissional e dispõe de uma Pós-Graduação potente e pujante, apesar de jovem, que alimenta com a produção de bens simbólicos as bases para a formação e o trabalho profissional. O Brasil é o primeiro país na América Latina que implanta doutorado em Serviço Social e a profissão é regulamentada no país como profissão liberal, pela Lei 8.662/93 e dispõe de um Código de Ética Profissional (CFESS, 1993) o que não ocorre em todos os países latino-americanos.
O projeto de cooperação acadêmica (Procad-Amazônia) em análise neste artigo envolve instituições de ensino situadas em duas regiões do país (Norte e Sul). Assim, é preciso destacar, ainda que de forma breve, o processo histórico que instituiu a formação de pós-graduação em Serviço Social nos programas parceiros.
O programa de Pós-graduação em Serviço social e Sustentabilidade na Amazônia (PPGSS) da UFAM está localizado na cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, tendo sido criado em 2007, a partir dos desafios impostos para o desenvolvimento socioeconômico, tecnológico e sustentável do estado do Amazonas. É no contexto da realidade amazônica que se inscreve a proposta pedagógica do programa, cuja criação é decorrente do necessário investimento na formação de recursos humanos com competência técnica e científica para propor e implementar políticas públicas que sejam coerentes com o contexto regional amazônico.
A Região amazônica possui dimensões continentais, riquezas naturais e humano-sociais inestimáveis, mas, paradoxalmente, altos índices de pobreza e desigualdades sociais. Historicamente foi se constituindo em espaço de processo de expropriação de riquezas naturais e socioculturais, aos quais se juntaram outros na contemporaneidade, todos produzindo graves impactos sociais, econômicos, políticos e ambientais sobre a população da Amazônia.
Segundo Pinheiro, Andrade e Cunha (2020), o PPGSS da UFAM tem como temática transversal à sua Área de Concentração[3], a discussão sobre a sustentabilidade socioambiental, ao considerar que o estado do Amazonas é o maior estado da Região Norte, localizado no coração da Amazônia brasileira. Segundo as referidas autoras, a particularidade da proposta do programa encontra-se assentada nas temáticas relativas às expressões da questão social na Amazônia, evidenciando as questões socioambientais, o que o “diferencia da Região Sul e Sudeste, mas que, indubitavelmente, não o distancia da área do Serviço Social brasileiro em seus preceitos éticos e políticos de defesa da democracia, direitos sociais e ampliação da cidadania” (p.234-235). Desta forma, o PPGSS (UFAM) abrange estudos em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia, nos quais a Sustentabilidade Socioambiental[4] se constitui como questão transversal no processo formativo e nos estudos e pesquisas implementados no mencionado programa.
O PPGSS da UFPA está localizado na cidade de Belém, capital do estado do Pará, e teve início com a instituição, no ano de 1996, do curso de Mestrado Acadêmico em Serviço Social, vinculado ao Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). Hoje oferece tanto curso de mestrado quanto também de doutorado, sendo este último desde 2018. A criação deste programa teve a perspectiva de atender as necessidades da Região amazônica de fortalecimento de uma massa crítica de intelectuais na área de Serviço Social, capaz de desenvolver estudos e pesquisas, interpretar e responder às expressões multifacetadas da questão social (SILVA etal., 2020)
O objetivo do referido programa é formar pesquisadores e docentes de alto nível para intervenção qualificada nas diversas expressões nacionais e regionais da questão social e contribuir para a formação de massa crítica na Região. Por essa razão, tem como área de concentração “Serviço Social, Trabalho e Políticas Sociais” que estuda e pesquisa a centralidade do trabalho e suas diferentes formas de organização e gestão; o processo de consolidação do modo de produção capitalista e a questão social; as matrizes das principais teorias sociais (clássicas e contemporâneas); as diferentes perspectivas teóricas de Estado e de políticas sociais; a configuração do Estado burguês e a relação com as políticas sociais, com ênfase na articulação de classe, raça, etnia, geração e sexualidades (SILVA, etal. 2020)
O PPGSS da PUCRS encontra-se instalado na cidade de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, na Escola de Humanidades, e dispõe de Cursos de Mestrado e Doutorado, sendo que o primeiro iniciou suas atividades em 1977 e o segundo em 1998. A proposta pedagógica desse programa tem por finalidade produzir conhecimentos na área de Serviço Social sobre “as diversas expressões da questão social em suas mais variadas manifestações de desigualdades e resistências bem como formar recursos humanos de alta qualificação cuja centralidade da produção se direcione para essa finalidade ou com ela dialogue” (PUCRS, s.d.).
Assim, o PPGSS da PUCRS tem como área de Concentração: Serviço Social, Políticas e Processos Sociais. Essa área se desdobra em 4 linhas de pesquisa, quais são: 1) Serviço Social, Direitos Humanos, Desigualdades e Resistências; 2) Serviço Social, Ensino e Formação; 3) Serviço Social, Seguridade Social e Políticas Sociais e 4) Serviço Social, Trabalho e Processos Sociais.
Observa-se que no âmbito do Procad-Amazônia, o programa da PUCRS é o mais antigo e o consolidado junto à área de Serviço Social na CAPES, mantendo sua avaliação com a nota 6.
O pioneirismo do curso de mestrado da PUCRS é evidente, seguido, quase duas décadas depois, pelo início do curso de mestrado da UFPA. O curso de doutorado também se deu da mesma forma pelas duas universidades (PUCRS em 1998 e UFPA em 2017). Nesse intervalo, teve início o curso de mestrado da UFAM, em 2007, sendo que o programa ainda não conta com o curso de doutorado (BORDIN et. al., 2021, p. 68).
Nesta condição de programa consolidado, o PPGSS-PUCRS aceitou o desafio de participar como parceiro do PPGSS/UFAM e PPGSS/UFPA nesta cooperação acadêmica no Procad Amazônia. E quando se olha para as similitudes e diferenças dos programas verifica-se que “os programas de pós-graduação (PPGs) do Amazonas e do Pará possuem a categoria trabalho na sua área de concentração, com o curso da UFAM contemplando as categorias políticas públicas e sustentabilidade e, o curso da UFPA, políticas sociais” (BORDIN et. ali, 2021, p. 68). Já o programa da PUCRS abrange de modo diferenciado a categoria processos sociais. Contudo, todos os programas se concentram no Serviço Social.
Nessas breves considerações efetuadas acerca dos programas que integram o projeto de cooperação acadêmica, procurou-se identificar as particularidades dos seus processos de criação e suas áreas de concentração. Essas particularidades de dois programas situados em diferentes estados na região amazônica e um estado no Sul do país têm possibilitado uma rica troca de saberes e culturas com impacto positivo na produção de conhecimentos, que vem sendo realizada no âmbito do projeto, cujas ações realizadas até o momento presente têm sido exitosas e já surtiram resultados muito significativos, apesar dos limites impostos pela pandemia da covid-19.
O Serviço Social é uma área complexa, ainda muito jovem, com pouco mais de 80 anos, se comparada, a outras, milenares, que com ela dividem trabalhos interdisciplinares. O Serviço Social foi reconhecido como área de conhecimento pela CAPES há pouco mais de 15 anos. Nossa maturidade intelectual fruta de uma organização como categoria mais crítica e da criação de Pós-Graduação na área, na América Latina e no Brasil, tem cerca de 50 anos.
É sabido que a área profissional de Serviço Social surgiu com o desenvolvimento do capitalismo e, por alguns anos, ela contribuiu com o seu crescimento, buscando controlar e adaptar a classe trabalhadora, mesmo que abrigando movimentos na sua contramão ou preocupados em constituir as bases para profissionalizar o trabalho nos espaços sócio-ocupacionais. Os caminhos da área foram permeados, por muito tempo, por fortes relações com a igreja, o assistencialismo e o voluntarismo.
O reconhecimento como profissão, ou seja, como trabalhadores e trabalhadoras foi materializado também há pouco tempo, cerca de 40 anos. É importante ressaltar que, as ciências duras tendem a recusar que as profissões sejam áreas de conhecimento, mas o Serviço Social se assume como tal e sem dúvida produz valiosos conhecimentos e, ainda, se ousa em assinalar a perspectiva interventiva, como uma particularidade que nos caracteriza.
É indubitável que a área forma para o trabalho e para os espaços construídos nos diferentes âmbitos do trabalho e na relação com áreas diversas, o que tem contribuído para a formação e a constituição da identidade profissional do/a assistente social. Logo, não há como dissociar um processo do outro, formação e trabalho caminham juntos. Embora as fragmentações sejam uma característica do modo de produção capitalista, por uma questão de método e de uma visão que se orienta pela totalidade, na área primamos por não isolar, reconhecendo que as interconexões necessárias lhes alteram o sentido.
Essas características são muito caras para o Serviço Social, na medida em que subsidiam o trabalho profissional numa perspectiva marxiana. A teoria marxiana tem o trabalho como categoria ontológica central e o reconhece como elemento chave na produção do valor, mas, como contraponto, é a partir do trabalho que ocorre a captura dos processos de trabalho e dos trabalhadores via alienação e estranhamento, problemática essa formulada por Marx em diversas obras, mas em especial na obra O Capital (1989). Ademais, a teoria marxiana tem a prática como critério de verdade, porque reconhece que os processos transformadores precisam ultrapassar o plano da análise e do discurso e serem passíveis de materialização. Nesse sentido Marx (2007) não fala de qualquer prática, mas de uma prática com direção social definida e instruída pela teoria, logo uma práxis ou teoria em ação.
A aproximação aos fundamentos marxianos e marxistas nos auxiliaram a reconhecer nosso lugar no mundo, a identificar o objeto de trabalho como fruto das refrações de uma contradição e a discernir os rebatimentos entre os interesses em disputa na relação entre capital e trabalho intrínsecos ao modo de produção capitalista, uma contradição que se expressa através de desigualdades, mas também de resistências. Por fim, essa aproximação almeja contribuir para transformação desses processos sociais, o que não se faz sem análise crítica, fundamentada pela teoria e por um método que vá à raiz do conjunto de determinações que conformam essa realidade social contraditória. Para tanto, as cadeias de mediações no Serviço Social precisam ter a transversalidade da pesquisa e da ética para que se solidifiquem (PRATES, 2003).
A partir da aproximação com a teoria marxiana foi possível construir importantes valores coletivos numa relação com a sociedade do nosso tempo; e assumir compromissos e bandeiras de luta pautados em diretrizes críticas para a formação e para o trabalho profissional no âmbito da Graduação e orientações para a formação de recursos humanos de alto nível, professores e pesquisadores na Pós-Graduação.
Mas esse conjunto de avanços, que são muitos e construídos em tempos adversos, ainda precisam ser capilarizados de modo mais efetivo com o coletivo profissional e este é um dos grandes desafios, especialmente em tempos de precarização do ensino e do trabalho, em tempos de negacionismo e desvalorização da Ciência e do pensamento crítico.
O Serviço Social segue com marcas larvares do conservadorismo em nosso corpo profissional, ainda não superadas, que ressurgem em momentos de retrocesso como o que vivemos hoje. Assim, são exemplos desses retrocessos no seio da profissão a defesa de um serviço social clínico, tecnicista e fragmentado, limitado aos interesses do mercado, de caráter conservador e mantenedor da ordem vigente. Como bem ressalta Lefebvre (1968, p. 56) “As ideologias constituem mediações entre a práxis e a consciência (isto é, a linguagem). Mediação que pode também servir de anteparo, obstáculo e bloquear a consciência”.
O que somos enquanto profissionais de Serviço Social, como e em que direção trabalhamos, numa conjuntura de acentuado conservadorismo, por si só já nos impõe muitos desafios. Soma-se a isso a marca do feminino que continua sendo predominante em nosso corpo profissional, numa sociedade machista, o fato do assistente Social trabalhar majoritariamente com sujeitos subalternizados, invisibilizados, discriminados, estigmatizados, interditados, numa sociedade que não os reconhece e os reduz a números.
Assim, neste projeto do Procad-Amazônia, os programas parceiros ratificam a posição de um Serviço Social crítico, que defende um projeto ético-político que reconhece a diversidade humana e tem a clareza de que o capitalismo produz riqueza para poucos e pobreza para muitos, ou seja, que quanto mais amplia-se a produção capitalista, em igual proporção cresce o desemprego, a pobreza, o sobretrabalho, a desvalorização da força de trabalho, o que Marx (1989) muito bem explicitou através da Lei Geral de Acumulação Capitalista. Em razão de tudo isso, a profissão almeja superar esse modo de produção e deseja a instauração de novas formas de sociabilidade humana, sem o domínio de uma classe sobre a outra. A visão messiânica de que, como categoria, poderíamos fazer essa transformação foi superada, hoje reconhecemos que somos parte da classe trabalhadora e que essa é uma tarefa de toda a classe.
As estratégias para manter a força e a hegemonia desse projeto, com base em argumentos consistentes e o desvendamento das ideologias que nos capturam cotidianamente, é outro grande desafio. Este projeto precisa ser introjetado na formação e materializado no trabalho profissional. Do mesmo modo, precisa ser reiterado sistematicamente pela formação permanente e avaliadas as formas como vem sendo mediado no cotidiano profissional.
A Pós-Graduação pode e deve adensar os argumentos e reflexões, com base em dados de pesquisa, subsidiando formação e trabalho para disputar as narrativas e trabalhar processos sociais emancipatórios, aqueles que instigam participação, organização, consciência, mobilização, como contraponto aos processos subalternizadores que acomodam, subjugam, destituem, interditam. E nesse sentido a mediação das linguagens, das formas de comunicação por redes, pela arte, pelo cinema, pela expressão de grupos periféricos precisam ser apropriadas e articuladas na formação e no trabalho, como estratégias inovadoras e potentes (PRATES, 2016).
Avalia-se que a Pós-Graduação ainda se preocupa pouco em debater as demandas da Graduação, no sentido de atender aquilo que precisa ser aprofundado, tanto em termos de conteúdo, de novas demandas postas pela sociedade, de novas pressões advindas do sobretrabalho e das novas formas sutis de alienação e estranhamento, como em termos de processos pedagógicos alternativos e contra-hegemônicos. Debater e enfrentar os desmontes dos direitos, e do ensino superior em particular, assim como a sua desqualificação progressiva, é absolutamente necessário, porque é preciso formar profissionais críticos, com cadeias de mediações solidamente constituídas e que possam ser enriquecidas pela sistemática articulação teórico-prática orientada pela totalidade e suas contradições, pelo movimento sistemático entre universal e particular, pela análise de conjuntura, pelo reconhecimento de que é preciso ir à história para entender o presente. É preciso formar profissionais que pronunciem o mundo, como diz Paulo Freire (1987), com firmeza e sensibilidade e que sejam propositivos.
Entende-se que o debate acerca do mundo do trabalho e as contradições entre suas formas concretas e abstratas precisam ser trazidas para a formação, além disso o compromisso com a formação permanente precisa viabilizar que as unidades de ensino levem os debates realizados na academia às bases profissionais que, por sua vez, precisam reconhecer a formação permanente como um compromisso dos/as trabalhadores para com a sociedade. Serviços de qualidade requerem formações permanentes da parte de qualquer profissão. Uma perspectiva efetivamente dialético-materialista e histórica reconhece que esses dois processos concretos e permeados de contradições se realimentam e, portanto, não podem ser dicotomizados sem gerar prejuízo para ambos, formação e trabalho.
Os fundamentos dessa profissão são essenciais nesse sentido, eles precisam ser adensados na Pós-Graduação e mediados com a Graduação, assim como o método e como o sistemático debate acerca das políticas públicas e dos processos sociais, que também precisam ser reconhecidos como espaços contraditórios, nem romantizados, nem demonizados, mas entendidos como necessários numa sociedade historicamente tão desigual. Mas para isso, a inserção dos profissionais de Serviço Social no âmbito das políticas sociais não pode se restringir ao mero procedimentalismo, à mera reprodução mecânica do já produzido, ao cumprimento de normativas estabelecidas e orientações técnicas, subsumidas no gerencialismo. É preciso que os profissionais contribuam com a crítica construtiva de políticas e processos para que não reiterem a desproteção, os estigmas e as interdições.
Nessa direção é preciso que os direitos humanos perpassem todos esses processos e espaços, no sentido ético profundo de recusa da desigualdade, de busca por um patamar de dignidade humana materializável, não abstrata, o que inclui acesso, reconhecimento, respeito e a garantia das seguranças que compõem a proteção social, bem como o reconhecimento das particularidades de gênero, étnico-raciais, de ciclo vital e de classe social.
Hoje, nos marcos de um governo conservador, fundamentalista e de ultradireita, como o de Bolsonaro, que preside o Brasil desde janeiro de 2019, todos esses valores são rechaçados, e eles não ameaçam só o projeto ético político do Serviço Social; essa recusa se espraia na vida de todos e todas, em todas as áreas: recusa de liberdade de pensamento, recusa da diversidade, recusa de educação, de saúde, de trabalho, recusa de organização política, recusa de participação e de democracia, portanto ameaçam a nossa sociabilidade em uma sociedade democrática.
Marx (2011) diz que as crises são intrínsecas ao capitalismo, que elas surgem para retirar direitos e intensificar o trabalho, e mais, diz que durante as crises o capitalismo mostra sua face mais cruel, mais selvagem, o descarte da mercadoria força de trabalho. Durante as crises, quando a população deveria ter mais proteção social do estado, os primeiros recursos que são subtraídos são das políticas que compõem a seguridade.
O Brasil é o país com mais mortes no mundo pela Covid-19, apenas atrás dos EUA. A Índia, cuja população é 6 vezes maior do que a brasileira, tem número de mortes menor que do Brasil, com cerca de 424 mil. A pandemia que já ceifou no mundo mais de 4 milhões de vidas, e no Brasil 558 mil (GAZETA DO POVO, 2021). No Brasil, há um Sistema Único de Saúde capilarizado em todo o território nacional, porém sucateado há algumas décadas e, mais ainda, pela Emenda Constitucional no. 95[5]. Entretanto, se os brasileiros não tivessem o Sistema único de Saúde (SUS) os agravos seriam ainda muito maiores, o SUS é um patrimônio nosso, mas a saúde é também um nicho de mercado que o capital almeja.
O Coronavírus, apesar do SUS, tem no Brasil um terreno fértil para a sua reprodução, diante de um governo negacionista, irresponsável, para o qual o lucro se sobrepõe à vida e à preservação da natureza. A covid-19 encontra grandes contingentes populacionais vivendo em habitações precárias que impede o isolamento social; eles estão sem condições de saneamento, sem emprego, sem alimentação e com pouco acesso à informação. Desocultar esses processos, dar visibilidade a suas conexões, subsidiar, com dados, os movimentos sociais que lutam pela vida, são desafios que precisam ser respondidos por nossas pesquisas, pela formação e pelo trabalho profissional.
Durante a pandemia foram vivenciados medos e perdas, que agudizam mais ainda as desigualdades, em que mulheres, negros e indígenas foram mais expostos ao contágio devido à situação de desproteção que estão sujeitos, à ocupação de postos de trabalho que os obriga a se expor mais. Este debate tem sido feito pela área, assim como o debate sobre a precarização do trabalho e do ensino. A pandemia impôs um ritmo brutal de trabalho que faz com que os sujeitos adoeçam, ampliou a desregulamentação do tempo de trabalho que se estende de modo invisível e não pago. Impõe novas formas de comunicação que talvez perdurem no pós-pandemia, uma vez que se mostraram mais baratas ao capitalista.
Os dados mostram o agravamento das desigualdades. O desalento no país chega a níveis exorbitantes, mais de 5 milhões segundo o IBGE (2021), somando-se aos 14,6 milhões de desempregados que engrossam as fileiras dos 13,5 milhões que vivem na miséria. Esse processo avassalador atinge sobremaneira aos jovens, pois a brutal queda no número de participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) mostra a sua descrença nas possibilidades de qualificação ou de trabalho. Assim, verificou-se que foram apenas 3,1 milhões de inscritos no ENEM em 2021, índice mais baixo dos últimos 16 anos. O exame chegou a ter 8,7 milhões de inscritos em 2014 (O GLOBO, 2021).
Na mesma direção, o relatório do Unicef mostra que, em novembro de 2020, havia cerca de 1,5 milhão de jovens de 15 a 17 anos sem qualquer tipo de acesso à educação no Brasil (UNICEF, 2021).
Na atualidade, fala-se em plataformização dos serviços, em alternativas híbridas de trabalho, o que significa não só a ampliação do trabalho precário, mas a redução e a extinção de postos de trabalho. Esses debates precisam ser realizados pela pós-graduação, as sequelas da pandemia também precisam ser equacionadas, novos agravos dela decorrentes precisam ser investigados. A redução do trabalho assalariado tem impacto importante no financiamento da previdência, por essa razão é preciso buscar formas de garantir a segurança na velhice, enfim, é necessário enfrentar como sociedade e como sujeitos, que trabalham e produzem conhecimentos, o desafio de buscar estratégias coletivas para fortalecer a formação e o trabalho do/a assistente social, tema deste projeto Procad-Amazônia.
O artigo buscou pontuar alguns elementos que dão visibilidade à indissociabilidade entre trabalho e formação. Por essa razão, abordou nos marcos dessa breve totalização provisória, os elementos mais relevantes para essa afirmação. A própria opção da categoria profissional, após a intenção de ruptura, pelos fundamentos do materialismo dialético e histórico como referencial que dá base para a delimitação do objeto de trabalho profissional e o modo como se apreende a realidade, ressalta a interconexão entre os processos, na contramão da fragmentação que caracteriza os referenciais utilizados pela perspectiva neoliberal. O reconhecimento da processualidade ou da historicidade como parte do movimento do real também leva a categoria a constatar a necessidade de uma formação permanente, o que amplia ainda mais essa relação necessária entre formação e trabalho.
As diretrizes construídas coletivamente pela categoria, capitaneadas pela ABEPSS no documento de 1996, passam a fundamentar a formação e também direcionam o trabalho, sem que haja uma cisão entre os processos. A consciência de que formamos para o trabalho e que a categoria trabalho tem centralidade na formação, assim como o compromisso ético com a formação permanente, deve orientar os trabalhadores da área e impedir a dicotomização entre formação e trabalho.
O contexto de crise e acirramento da questão social, agravado pela pandemia da Covid-19, reforçam ainda mais a necessidade de formação de profissionais assistentes sociais, professores e pesquisadores com capacidade reflexiva, crítica e propositiva.
Conforme informações disponíveis no site do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), existe no Brasil cerca de 200.00 assistentes sociais inscritos nos 27 Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS) distribuídos pelo país. O último levantamento realizado pelo CFESS em 2005 revelou que ainda se trata de uma profissão exercida majoritariamente por mulheres, com o índice superior a 90% de pessoas do sexo feminino (CFESS, 2021). É preciso assinalar que esta é uma herança histórica decorrente das especificidades da gênese da profissão de serviço social no Brasil, fato este já apontado por vários autores, como por exemplo, Iamamoto (2007); Lourenço (2017); Raichelis (2018) entre outros.
O assistente social, compreendido como trabalhador assalariado, enfrenta um ponto de tensão situado entre as demandas do empregador, que o contrata com determinada finalidade e paga o seu salário, e as demandas do usuário, que busca o serviço com objetivo de suprir alguma necessidade. É nesse espaço de tensão e conflito que o trabalho profissional encontra limites e, nesse sentido, os pilares do projeto ético-político contribuem para fundamentar e inspirar as ações. Em tempos de avanço do conservadorismo, o trabalho profissional do assistente social encontra-se no fio da navalha, situando-se, de um lado, o projeto profissional arrojado que busca a construção de uma sociedade justa e democrática e, de outro, uma conjuntura fortemente marcada pelo recuo da proteção social em decorrência das políticas de contrarreformas do Estado.
A trajetória histórica da profissão de serviço social no Brasil, ao longo dos seus mais de 80 anos, revela um delineamento muito interessante, sobretudo se considerarmos as últimas três décadas quando ocorreu uma reviravolta quanto ao posicionamento sociopolítico da profissão. Nesse período de mudança, merece menção a aprovação da Lei de regulamentação da Profissão em 1993 (Lei 8.662 de 07/06/1993), a instituição do Código de ética profissional também em 1993 e a elaboração das Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) para os cursos de Serviço Social.
Ainda hoje, mesmo passadas algumas décadas, esse tripé é considerado a coluna cervical do projeto ético-político do serviço social brasileiro e também o substrato do trabalho e da formação crítica. Mas, em tempos de grandes ondas de conservadorismo, como temos vivenciado tão explicitamente, é necessário observar as consequências desse fenômeno tanto para a formação quanto para o trabalho na área de serviço social. Contudo, é preciso lembrar que não é uma novidade que o tradicionalismo conservador busque colocar suas garras na área de serviço social. Esta profissão luta historicamente contra o conservadorismo. Boschetti (2015) aponta que, mesmo no momento de construção do projeto ético-político, a luta contra as forças conservadoras também já se fazia presente.
É imprescindível registrar, como forma de nos fortalecer para os enfrentamentos impostos pelo tempo presente, que nem sempre o serviço social brasileiro se opôs às tendências conservadoras. Na origem, como bem demarcam Iamamoto e Carvalho (2001), na obra clássica da área intitulada Relações Sociais e Serviço Social no Brasil, “o serviço social surge como um dos mecanismos utilizados pelas classes dominantes como meio de exercício de seu poder na sociedade” (p. 19). A forte ligação com os setores mais abastados da sociedade e também com a Igreja católica perdura tranquilamente desde o surgimento das primeiras escolas de serviço social na década de 1930 até meados dos anos de 1960. Até aquele momento o trabalho profissional estava ancorado na doutrina social da Igreja, mais especificamente, nas ações de caridade.
A expansão do serviço social como profissão, em solo brasileiro, ocorre concomitante ao florescimento de ideias questionadoras sobre o trabalho profissional do assistente social que vinha sendo realizado desde sua origem, mais especificamente sobre as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. Nesse processo, toma corpo um movimento de renovação da profissão, caracterizado por Netto (2001) como uma redefinição sem precedentes no que concerne aos referenciais teóricos, culturais e ideológicos do serviço social brasileiro.
O Serviço Social brasileiro, impulsionado pelo Movimento de Reconceituacão, conseguiu transmutar suas bases ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa em um processo gradual que aconteceu ao longo das décadas de 1970, 1980 e 1990, e resultou na edificação do que denominamos atualmente de projeto ético-político. Este alicerce é o grande responsável pela ruptura com a hegemonia de uma formação e um trabalho pautados em práticas conservadoras, de base positivista, com destaque para o assistencialismo e seu fundamento liberal. Como bem destacam Teixeira e Braz (2009), todo e qualquer projeto profissional tem uma dimensão classista e, consequentemente, uma direção social. Nesse sentido, referindo-se ao projeto profissional vigente, os autores avaliam que “não há dúvidas de que o projeto ético-político do Serviço Social brasileiro está vinculado a um projeto de transformação da sociedade.” (p. 189). É preciso salientar ainda que a área tem clareza de que o compromisso de transformação da sociedade vai muito além do que uma categoria profissional pode fazer, mas, por outro, há o reconhecimento de que esse posicionamento é basilar para a formação e para o trabalho na perspectiva crítica.
Na visão de Iamamoto (2007), o projeto ético-político do serviço social em vigor cumpre um papel fundamental no que diz respeito ao posicionamento profissional e à afirmação da autonomia no cotidiano de trabalho, na mesma medida em que também ilumina o trabalho em suas dimensões teórico-metodológica e técnico-operativa. Nas palavras da autora, “este respaldo político-profissional mostra-se, no cotidiano, como uma importante estratégia de alargamento da relativa autonomia do assistente social, contra a alienação do trabalho assalariado” (p. 422). É essa perspectiva crítica do trabalho profissional e da direção social do projeto ético político do serviço social brasileiro tem fundamentado o debate e a pesquisa sobre a formação e o trabalho no âmbito deste projeto Procad-Amazônia.
Os anos de 2019, 2020 e 2021 foram intensos e repletos de desafios trazidos pelo processo de execução do projeto no contexto de pandemia da Covid-19 a partir de março de 2020. A intensidade do trabalho pode ser mensurada pelos seguintes resultados realizados de maneira conjunta entre os Programas envolvidos (UFAM, UFPA e PUCRS): 1) Produção bibliográfica por meio da publicação de oito livros; 2) Realização de eventos nacionais, sendo primeiro Encontro Nacional de Trabalho Interdisciplinar e Saúde (I ENTIS), de modo presencial em 2019, e no formato remoto o II ENTIS em 2021; e 3) Realização de três Seminários Online sobre Formação e Trabalho Profissional, sendo o primeiro em 2020 e os outros dois em 2021.
Por fim, destaca-se que o debate sobre o tema da formação e do trabalho profissional do Assistente Social no âmbito do nosso projeto no Procad Amazônia esteve sempre presente, tanto na produção bibliográfica quanto nos eventos realizados. Destaca-se, nessa discussão, que foi necessária a mediação com o Estado e as políticas públicas, visando um processo de análise mais substantivo sobre o Serviço Social, debate este que é de fundamental importância para a área também em âmbito nacional, haja vista a requisição desse profissional pela sociedade nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais.