Resumo: O artigo trata da formação dos professores de História em suas modalidades inicial e continuada. Os duros ataques a esta formação têm colocado em xeque a autonomia da universidade pública e a garantia da qualidade no ensino superior brasileiro. É urgente garantir a formação como um momento de subversão do trabalho alienado e promoção do pensamento democrático, autônomo e laico. Destaca a relevância do estágio supervisionado, assim como os desafios e as possibilidades enfrentadas para a realização deste na forma remota, como estratégia de “sobrevivência” experimentadas no período pandêmico. A estes, se alinham as reflexões sobre a formação continuada, aqui pelo viés do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), cujo público-alvo são, justamente, os professores da disciplina História, que atuam na educação básica.
Palavras-chave: Formação inicial e continuada de Professores, ensino de História, estágio Supervisionado, Prof História, subversão Pedagógica.
Abstract: The article deals with the formation of history teachers in their initial and continued modalities. The harsh attacks on this formation, has put in check the autonomy of the public university and the guarantee of quality in Brazilian higher education. It is urgent to guarantee formation as a moment of subversion of alienated work and promotion of democratic, autonomous and secular thinking. We highlight the relevance of the supervised internship, as well as the challenges and possibilities faced for the realization of this in a remote way, as a strategy of "survival" experienced in the pandemic period. To these, the reflections on continuing education are in line, here by the bias of the Professional Master in History Teaching (ProfHistória), whose target audience, are precisely the teachers of the discipline History, who work in basic education.
Keywords: Initial and continuing training of Teachers, history teaching, supervised Internship, profHistory, pedagogical Subversion.
Mesas temáticas coordenadas
IMPASSES E DESAFIOS DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DOS PROFESSORES DE HISTÓRIA
IMPASSES AND CHALLENGES OF EDUCATION POLICIES IN THE INITIAL AND CONTINUING EDUCATION OF HISTORY TEACHERS
Recepción: 14 Febrero 2022
Aprobación: 31 Marzo 2022
Este artigo se organiza a partir dos debates dos textos apresentados em Mesa Temática Coordenada da X JOINPP (2020). Trata do diálogo entre pesquisadoras do campo do Ensino de História e da Educação, buscando nestes tempos desafiadores e tenebrosos refletir sobre a formação dos professores de História em suas modalidades inicial e continuada. A formação de professores vem, na atualidade, sofrendo duros ataques, colocando em xeque a autonomia da universidade pública, assim como a garantia da qualidade no ensino superior brasileiro. É fundamental uma tomada de posição, garantindo que a formação seja um momento de subversão do trabalho alienado e promoção do pensamento democrático, autônomo e laico.
Nessa direção, o texto se encontra organizado entre as potencialidades do estágio supervisionado na formação do professor de História: olhares sobre a inserção de licenciandos na educação básica – no qual refletimos sobre o estágio supervisionado, pré-Covid-19, e os materiais produzidos pelos estagiários em sua inserção com a educação básica, seguido pelas questões da formação docente em tempos remotos: o estágio supervisionado em questão, onde pudemos travar um diálogo com o estágio supervisionado impactado pelo Covid-19, e sua materialização no ensino remoto. Por fim, a formação continuada, potencializando a subversão da ordem prescrita, através do Mestrado Profissional do ProfHistória, nos convocando a refletir por uma formação continuada em serviço, e sua subversão da ordem prescrita e esperada. Trata-se de um texto colaborativo, complementar, almejando problematizar a formação de professores, na construção de uma universidade inclusiva, laica e socialmente referenciada, que tem na sua formação inicial e continuada dos professores um dos lócus privilegiados da luta contra hegemônica.
A formação de professores tem sido um assunto presente nos debates sobre a Educação no Brasil. De tempos em tempos, a política de formação de professores no Brasil é questionada por setores da sociedade, ora colocando sob suspeita o papel da Universidade acusada de não formar adequadamente profissionais para a escola, ora responsabilizando os próprios professores, que não se veem preparados para lidar com as diversas demandas contínuas projetadas para a educação.
Nos discursos institucionais difundidos sobre essa questão, as sucessivas reformas visam qualificar a formação do professor, considerando-o como elemento fundamental nesse cenário desafiador. Um dos aspectos da política de formação de professores, desde o início do século XXI, adotada pelos Ministério da Educação e Conselho Nacional de Educação, é a explicitação da necessidade da parceria entre Escola de Educação Básica e Universidade na busca da superação das dificuldades em torno do processo de ensino e da aprendizagem dos conhecimentos necessários à formação cidadã de crianças, adolescentes e jovens matriculados em todo o território nacional.
No século XXI, a discussão das reformas em torno da formação dos professores no campo da História tem sido pautada pelo desafio de superar “a tradição academicista”, compreendida aqui por nós como privilegiamento dos conteúdos teóricos das disciplinas ensinadas no interior dos cursos de História, em detrimento à formação pedagógica. A necessidade de uma maior aproximação das universidades e escolas de educação básica, a importância de ressignificação das metodologias e práticas, assim como o diálogo com as demandas do tempo presente nos currículos, têm sido apresentadas como possibilidades para se alcançar a tão almejada qualidade social da educação brasileira, sendo reiteradas em pareceres, legislações e discursos educacionais. No caso brasileiro, as duas últimas resoluções que instituíram novas diretrizes curriculares para os cursos de formação de professores intentam redirecionar a clássica relação entre teoria e prática[1].
Temos acompanhado mudanças substanciais nos currículos de formação de professores com a inserção de uma carga horária maior destinada à prática, bem como a ressignificação do lugar dos estágios supervisionados nos cursos de licenciatura.
Transformação essa que impacta a configuração curricular, ao instituir um “lugar” e um “tempo”, indicando novos horizontes para a superação da famosa dicotomia entre a teoria e a prática na formação do professor de História.
Observa-se que, desde 2002, no campo da legislação educacional, há a tentativa de integração dos conhecimentos das áreas específicas com os pedagógicos, além da introdução de questões relacionadas à profissionalização, como uma forma de superar o denominado modelo 3+1. Pode-se afirmar que essa prescrição apresenta um efeito imediato, que é o da ampliação da carga horária destinada ao Estágio Supervisionado, bem como às práticas e metodologias de ensino.
Ainda assim, jovens professores quando ingressam na escola básica, ao se deparar com as questões de dificuldades dos alunos na compreensão do conhecimento histórico, afirmam que sua formação não os preparou para lidar com tais adversidades, conforme frisa Monteiro (2013) em suas pesquisas acerca da formação inicial docente. Por isso mesmo, uma outra questão bastante relevante que precisa ser lembrada nos processos formativos de docentes é a necessidade do enfrentamento das problemáticas oriundas no espaço escolar, ou que estão presentes nele, a exemplo dos conflitos sociais, em razão da diversidade do público que o frequenta, levando professores iniciantes ao questionamento sobre a qualidade da formação realizada.
A discussão da formação dos professores de História tem se tornado cada vez mais presente entre os professores-pesquisadores que atuam na supervisão/orientação do estágio supervisionado nos cursos em licenciatura em História o que nos permite afirmar que esse tema tem ganhado força e importância nas investigações no campo da História, uma vez que propõe pensar as conexões entre formação do historiador e do professor em tempos de crise da Humanidade e ataque às instituições democráticas.
Nesse paradigma, o Estágio Supervisionado adquire centralidade na formação de professores, situando-o a partir das questões que permeiam o cotidiano escolar e a prática dos docentes em sala de aula, em diálogo com as ferramentas conceituais produzidas e epistemologias do conhecimento produzidas no âmbito da Universidade. Ao focalizarmos os processos formativos iniciais de professores desta área de conhecimento, evidenciamos a partir da seleção de estudo de caso, em um curso de licenciatura, de uma instituição pública de ensino superior, localizada na região metropolitana do Rio de Janeiro, a importância de situações experienciadas por futuros professores no âmbito do estágio supervisionado.
Compreender o lugar dos estágios supervisionados nos currículos de licenciatura em História implica dois movimentos imprescindíveis e articulados entre si: o primeiro é que estes podem ser transformados em espaços potentes para que os licenciandos questionem a relação entre a universidade, escola e docência, e o segundo trata da revisão dos pressupostos teóricos e metodológicos que dão sentido à formação de professores, subjacente nos embates e tensionamentos políticos na clássica organização dos cursos de História no Brasil. Essa questão não é recente e nos leva a pensar nos modos e processos de configuração áreas do conhecimento de História e de Educação, materializadas em diversas tradições formativas de professores.
É a partir dos Estágios Supervisionados que os licenciandos fazem uma imersão na instituição escolar. Sobre esse ponto, algumas reflexões podem ser realizadas acerca de sua importância na formação do professor, sendo apontadas por Regina Pereira e Rosilene Pereira (2012, p.94), no trecho abaixo:
O espaço do estágio deve possibilitar uma produção de conhecimento que não se limite a simples transferência e “aplicação” de teorias ou de conteúdos, mas que seja o eixo de articulação entre teoria-prática, entre os conteúdos dos cursos de formação de professores e o conhecimento da realidade da sala de aula da escola básica.
O estágio transforma-se em um lugar privilegiado para a convergência de múltiplos saberes, oriundos da universidade, da sala de aula e do próprio campo de experiências trazidas e compartilhadas por licenciandos em situação formativa. Nessa perspectiva, a escola é entendida como uma instituição viva, que vem se tornando corresponsável pela formação do professor, ao mesmo tempo em que aponta demandas para o local de formação desse profissional.
No atual currículo da Licenciatura em História da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, quatrocentos e vinte horas deste curso estão destinadas a esses estágios, sendo ofertados em quatro componentes curriculares: I, destinado à realização de atividades no ambiente escolar, II e III voltados à observação, monitoria e práticas em turmas do Ensino Fundamental e do Médio, na disciplina de História, e o IV direcionado aos espaços educativos não formais, como Museus, Casas de Abrigo etc. Nos Estágios Supervisionados II (Fundamental II) e III (Ensino Médio) os licenciandos cumprem 60% da carga horária no espaço escolar, especificamente, na sala de aula, contando com o acompanhamento do professor da educação básica. Antes da imersão no ambiente escolar há um investimento em leituras sobre currículo, legislação escolar e materiais didáticos, visando o entendimento da especificidade da cultura escolar[2], bem como da construção do conhecimento histórico e de seus objetivos na educação básica.
Vale a pena destacar que o estágio é um componente curricular na formação de professores, tendo como ponto central a tentativa de articulação entre a teoria e a prática. É por meio do estágio supervisionado que podemos estudar os saberes pedagógicos, a socialização profissional, o uso didático de novas tecnologias digitais de informação e comunicação. Este possibilita ainda ao licenciamento o exercício da observação crítica das práticas construídas na sala de aula, reflexão crítica e reorganização das suas ações para o alcance da melhoria da educação básica. Ele é, antes de mais nada, um campo de conhecimento que se produz na interação entre os cursos de formação e o campo social. O que estamos propondo é pensar a prática como práxis, isto é, um processo de reflexão, que é desconstruído e reconstruído, levando a uma orientação da realidade escolar.
As regências dos licenciandos são atividades previstas em disciplinas destinadas à preparação profissional, apontando para questões relevantes acerca dos saberes em circulação nos cursos de licenciatura e os modos como estes são apropriados por esses licenciados. Para isso, selecionamos como fontes documentais textos prescritivos que orientam a realização do currículo do Estado do Rio de Janeiro, bem como as produções de planos de aulas, sequências didáticas, escolhas de temas etc, elaborados pelos licenciandos sob a supervisão do professor da universidade, que o acompanha nesse estágio. Como resultados parciais, destacamos a importância do aprimoramento da parceria entre os profissionais que atuam na educação básica e os professores da universidade, além da necessidade de (re)significação do lugar da prática docente nas Licenciaturas em História[3].
Em diálogo com as reflexões de Ilmar R. de Mattos (2006), defendemos que a aula de história produzida pelo licenciando é uma proposição autoral, se fazendo a partir de múltiplas influências; estas advêm do campo da experiência, das representações que este constrói do público escolar e da formação adquirida na Universidade, oriundo tanto do campo do conhecimento específico, quanto do campo da educação. A experiência da observação em turmas nas salas de aula e o convívio com os professores de educação básica, que assumem a tarefa de acolher, orientar e supervisionar tarefas no âmbito da sala de aula, também contribuem para que esse licenciando reveja posições e teça novos olhares a respeito do que é o espaço escolar, como se organiza, isto é, a partir de quais parâmetros sociais e legais, e, principalmente, a sala de aula.
Há um momento reflexivo sobre a linguagem e a comunicação. A aula do licenciando é resultado de múltiplos diálogos e apropriações realizadas por meio das leituras feitas, das escritas produzidas e das vivências no espaço da universidade e da escola e para além destes. Essas escritas são marcadas pelas conexões com a cultura escolar, a cultura escrita, a cultura profissional docente, além da cultura histórica (usos do passado). Um dilema é a adequação do que precisa ser tratado (conteúdo histórico) no tempo determinado, cronometrado pela hora/aula do currículo escolar.
Trata-se de uma construção do licenciando a partir de diálogos travados com diversos sujeitos: professor da universidade que o acompanha no estágio, professor da educação básica, e, em alguns casos, com os professores orientadores ou das disciplinas específicas do curso na universidade, ou seja, é uma apropriação de saberes durante o curso, mas não só dele, pois em alguns casos mobiliza-se saberes da experiência de vida como a seleção da memória.
As produções escritas como planos de aulas, roteiros da aula expositiva e relatórios acerca da experiência do estágio em escolas são compreendidas como apropriações das normas institucionais, mas não só elas. Ao apontar para aspectos fundamentais do cotidiano escolar, tais artefatos possibilitam ainda a reflexão dos atos do fazer docente, pois é preciso indagar sobre as maneiras concretas de escrever. São entendidas por nós como escritas ordinárias porque se referem a pessoas e práticas comuns.
Considerando o espaço da escola, como um lugar de pluralidades culturais, saberes diversos, e com base nas legislações voltadas aos cursos de licenciaturas desde o início do século XXI, podemos inferir que o alcance da melhoria da educação básica passa pela compreensão de que é necessário centrar esforços em uma formação de professores que seja mais situada socialmente, ou seja, conectada com as expectativas e as demandas sociais do tempo presente em relação ao processo de escolarização.
Como já dito anteriormente, a formação de professores tem sido um tema bastante recorrente das políticas públicas educacionais e objeto sempre presente nas pesquisas acadêmicas. No que tange à formação inicial de professores, o debate sobre o papel dos cursos de licenciatura e o perfil do professor que desejamos formar se avolumou, considerando-se o Estágio Supervisionado um lugar privilegiado para a formação da identidade profissional. Entretanto, nos últimos dois anos, um debate que já era tenso foi atropelado pelas condições de isolamento provocado pela crise mundial da saúde resultante da disseminação do novo coronavírus.
No início do período letivo de 2020, fomos surpreendidos pela suspensão das atividades presenciais nas escolas e nas universidades; o mundo parou e, naquele momento, não poderíamos acreditar que passaríamos por experiências tão dolorosas. O impedimento de funcionamento dos cursos de forma presencial impôs novas estratégias de ensino e aprendizagem virtual para os cursos superiores e novos desafios foram se revelando. A possibilidade da implementação de aulas a distância, ou ainda via remoto, colocaram em xeque a qualidade do conhecimento aprendido e a formação do público universitário.
Em meio a este cenário, analisamos uma experiência vivenciada na Prática de Ensino no curso de Licenciatura em História na UFRJ e os desafios enfrentados para a realização do Estágio Supervisionado remoto. Foram avaliadas as estratégias de “sobrevivência” experimentadas, incluindo as ações desenvolvidas neste período e seus impactos na formação dos graduandos. O acervo empírico colecionado, atividades e relatórios de estágio, foram analisados à luz de autores do campo dos estudos sobre a formação de professores, considerando a potência deste componente curricular para a constituição da identidade docente do futuro professor, assim como a articulação entre teoria e prática em uma situação de distanciamento social. O texto está organizado a partir de três questionamentos que emergiram nesse cenário.
A primeira questão: Como tornar-se professor de história na falta da escola em tempos de excepcionalidade? E assim, diante da imprevisibilidade do tempo, as inquietações se avolumavam.: como garantir uma formação minimamente de qualidade no ensino a distância? E como seria a dinâmica do Estágio nessas condições?
No caso do curso de licenciatura em História na FE da UFRJ o estágio supervisionado era realizado até então com carga-horária de 300h, distribuída regularmente em dois semestres com atividades complementares realizadas fora da escola e a inserção na escola de Estágio. Em razão da pandemia, o primeiro período remoto (denominado Período Letivo Emergencial - PLE) destinado aos alunos concluintes de curso se prolongou por mais dois semestres. Neste caso, a Prática de Ensino se estendeu e só aconteceu de forma remota, no terceiro período, apresentando uma nova configuração, sendo possível realizar institucionalmente em escolas que efetivamente apresentaram condições mínimas de funcionamento remoto de ensino, especialmente as da rede federal.
Nesse cenário, pensar no processo de ser ou se tornar professor/a, implicou em debruçar-se sobre as especificidades do trabalho de formação docente que se faz em campo nos espaços educativos, sem vivenciar a experiência no “chão” da escola. Segundo Monteiro (2002) “(...) durante as atividades de Prática de Ensino, o professor em formação vive um momento estratégico em sua vida profissional, vivenciando um verdadeiro “ritual de passagem” (MONTEIRO, 2002, p. 141). Essa experiência evoca uma reflexão sobre o lugar dos sujeitos ora como estudantes, ora como professor, revelando o impacto da experiência do estágio supervisionado em sua formação profissional.
Assim, diante da persistência do isolamento, o esforço para a superação dos problemas que se alastravam dia após dia, fomos desenhando caminhos ao longo da caminhada. A busca por atividades que despertassem o prazer pela docência sem a “presença” dos licenciandos era constante. O esforço para a produção de uma “realidade imaginada” resultou em estratégias que investiam menos em intervenções e observação da prática pedagógica e mais em criação de situações que simulassem a própria prática e/ou que estimulassem a criatividade dos estudantes e professores envolvidos neste processo.
Dentre as atividades previstas para o primeiro semestre, planejadas como horas complementares, foram incorporadas a análise de lives que abordavam temas voltados ao ensino de História, elaboração de sequências didáticas, além de pesquisa direcionada aos professores das redes de ensino da Educação básica.
A pesquisa “Espaço, sujeitos e saberes: experiências educativas na área de história no Rio de Janeiro em tempos de pandemia”, direcionada a professores de História das redes pública e privada das escolas de educação básica, visava a conhecer a “realidade” dos profissionais naquele momento inusitado; suas condições e estratégias de ensino nas diferentes redes de ensino de forma remota, suas expectativas em relação à interação com os jovens e às aprendizagens dos conteúdos da disciplina.
Para além do impacto causado pelas respostas dos docentes em relação às suas rotinas durante a quarentena, vale destacar o alcance dos licenciandos no trabalho de pesquisa propriamente dito. Se, em tempos presenciais, o trabalho dos professores da escola se configurava como um poderoso campo para a realização de pesquisas em ensino, em tempos remotos, esse cotidiano, narrado pelos docentes, se configurou como uma possibilidade de formação do licenciando como futuro professor. Assim,
A pesquisa no estágio, como método de formação dos futuros professores, se traduz, de um lado, na mobilização de pesquisas que permitam a ampliação e análise dos contextos onde os estagiários se realizam; por outro, em especial, se traduz na possibilidade de os estagiários desenvolverem posturas e habilidades de pesquisador, a partir de situações de estágio; elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo compreender e problematizar as situações que observam. (PIMENTA e LIMA, 2008, p. 46).
Nesse caso específico, em uma situação excepcional, a aproximação com a cultura escolar ocorreu através dos depoimentos dos professores. Foi possível aos licenciandos desenvolverem uma reflexão condizente com a realidade das escolas alcançadas na pesquisa, compreenderem a diversidade de situações de aprendizagem, perceberem as diferenças e as desigualdades vivenciadas em diferentes redes de ensino e, acima de tudo, analisarem os novos dados diante de uma postura investigativa.
Podemos dizer que o novo conhecimento provocou um movimento de valorização do professor na medida em que foi visto por grande parte dos licenciandos como um profissional reflexivo, sujeito de seu tempo. Constatou-se que as estratégias traçadas pelos docentes variavam de acordo com as condições de trabalho vivenciadas tanto na rede pública como na rede privada, estabelecendo-se uma grande desigualdade entre as redes, apontando-se para uma disparidade:
As duas realidades se mostram muito distintas. Na rede municipal, os alunos da EJA não possuem condições favoráveis para o estudo remoto, o que inclui equipamentos adequados, como computador e internet. (...) Na rede privada de ensino, nós pudemos observar que a adaptação do ensino para as plataformas online se deu de forma mais acelerada que no ensino público... (Entrevista Anita Mendes)
Esta constatação foi unanimidade entre os 17 trabalhos de pesquisa entregues: “As duas realidades expostas aqui clarificam que as desigualdades foram reforçadas e catalisadas com o advento da pandemia.” (Entrevista Paulo Cesar).
Decerto a experiência vivenciada pela pesquisa sobre a atuação dos professores na pandemia foi positivada pelos licenciandos e, ainda de forma incipiente, contribuíram para a reflexão sobre a identidade profissional dos estudantes, ainda que “de forma simplificada”, aproximando-se da prática pedagógica vivenciada nas escolas.
Uma segunda questão que merece destaque seria: Como aproximar-se da “realidade” da escola a partir das narrativas dos professores nas rodas de conversa? Como alternativa, organizamos no segundo semestre de estágio 8 rodas de conversa com professores das redes parceiras sobre temas variados tais como: Avaliação da aprendizagem em História, a EJA e o Ensino de História, Ensino de História e Educação Antirracista, História Local e produção do conhecimento histórico e Experiências em Ensino de História no CAP-UFRJ. Elas foram mediadas por professores da educação básica e realizadas em horário diferenciado das aulas na universidade.
As experiências narradas pelos professores possibilitaram aos estudantes perceberem uma “realidade imaginada” configurada a partir do olhar do outro. Os temas abordados, de uma forma geral, tratavam de questões caras ao ensino de história e, devido à atualidade do seu repertório, abriram as portas para a compreensão do trabalho nos bastidores dos/as professores/as.
Nóvoa (2009) aponta para a necessidade de uma formação de professores construída dentro da profissão, em contato direto com a rotina e o cotidiano da escola. Para o educador: “A formação de professores deve passar por ‘dentro’ da profissão, isto é, deve basear-se na aquisição de uma cultura profissional, concedendo aos professores mais experientes um papel central na formação dos mais jovens” (NÓVOA, 2009, p. 123).
Dessa forma, ainda que a distância da escola e dos próprios professores mediadores, o contato com a “rotina da escola” experimentada pelo outro ou outra, contribuiu para a formação docente. Aproximou os jovens universitários das práticas profissionais de professores mais experientes como comprovam as argumentações dos próprios licenciandos ao avaliarem esta etapa da experiência do Estágio Supervisionado remoto:
No tópico anterior já abordei várias das potencialidades exploradas nas oito rodas de conversa das quais participamos. Endosso, como um último benefício, o contato com diferentes professores que já estão inseridos no mercado de trabalho, atuando em diversas áreas. Foi muito bom poder ouvir as experiências dos profissionais que vivem a docência no dia a dia. Pudemos, assim, visualizar como as estratégias de ensino, as metodologias e as experiências pedagógicas em História ocorrem na prática. Ademais, conseguimos comparar a aplicação dessas diferentes vivências em Ensino de História em diversos contextos: escola particular, Colégio de Aplicação, EJA, CIEP, presídios etc., o que nos permitiu mapear de forma ampla as várias possibilidades de atuação como futuros professores de História. (Helena)
É bom reforçar que as atividades propostas como equivalentes ao Estágio Supervisionado organizadas fora do contexto escolar e de forma virtual não substituíram de modo algum as experiências vivenciadas pelos estagiários na rotina escolar. Entretanto, no momento inédito vivenciado, foi possível aproximar o estudante das experiências dos docentes colocando em destaque o protagonismo do sujeito professor em meio aos processos de mudança.
Uma terceira e última questão que destacamos:Como articular na experiência do estágio remoto a teoria e a prática?
Consideramos o Estágio Supervisionado um lugar potente para o entrelaçamento entre teoria e prática e lugar para se pensar as parcerias entre a escola e a universidade, o estágio como lócus da prática, contribuindo para fomentar reflexões múltiplas substanciadas nas pesquisas e nos debates nas disciplinas do curso. Considerado como ponto de convergência possível para amenizar o distanciamento entre teoria e prática.
Assim, a Prática de Ensino e a Didática de História podem ser consideradas como articuladoras desse movimento formativo, pois “é no âmbito do processo educativo que mais íntima se afirmar a relação entre a teoria e a prática. Essencialmente a educação é uma prática, mas uma prática intencionada pela teoria” (PIMENTA e LIMA, 2008, p. 45). Joana sintetiza esse movimento em seu relatório final de estágio:
O estágio foi uma possibilidade de pensar a minha própria formação e de entender que a docência - em muitos sentidos- extrapola as teorias, mas não se desvincula delas. Se, por um lado, as leituras feitas ao longo dos cursos de bacharelado e licenciatura não me deram todas as respostas de que precisava, por outro, foram a âncora a partir da qual pude interpretar e referenciar minha posição de professora estagiária. (Joana).
Percebemos, pela avaliação da aluna, o impacto de sua experiência ao adentrar na escola, a forma como articulou seus saberes e como se posicionou como professora. E uma vez posicionada como professora, a estudante confirma a argumentação de Tardif (2002), quando aponta os professores como sujeitos do conhecimento.
Em depoimento de uma segunda aluna em sua avaliação sobre o estágio na escola:
A experiência do estágio foi importante, pois, ainda que de forma restrita, pude ter maior contato com a atividade docente. Desse modo, pude acompanhar, a partir da perspectiva de uma futura professora, como se elabora planos de aula, planejamentos anuais, estratégias metodológicas para o ensino de história e até mesmo como lidar com questões mais polêmicas em sala de aula. Além disso, pude colocar em prática o arcabouço teórico que aprendi ao longo da minha graduação e perceber as diferenças, mas também as possibilidades de diálogo entre o meio acadêmico, a universidade e a escola. (Leila).
Nesse excerto, podemos perceber a ênfase dada pela aluna às experiências da prática profissional vivenciada em uma instituição pública, sem descartar, entretanto, o seu arcabouço teórico. Para Tardif (2002), o trabalho docente deve ser considerado um espaço da prática, específico de produção e mobilização de saberes, de teorias e conhecimentos e de saberes específicos ao ofício do professor. (TARDIF, 2002, p.119). Na avaliação acima, o estágio se configura como um espaço que permite a troca de saberes entre o estagiário, os professores da educação básica e os professores universitários.
Ao longo desse processo de conclusão da graduação e da licenciatura em História, nos encontramos em um lugar em que não nos sentimos seguros para nos definirmos como professores, mas também não nos consideramos mais “tão alunos”. E acredito que essa oportunidade de viver uma experiência docente, ainda que de maneira remota, tenha sido fundamental na nossa formação. Sem a liberdade de intervenção ao longo das aulas, o contato direto com os alunos e com o professor regente, nada disso seria possível. (Joana)
Por fim, podemos afirmar que os momentos da prática de ensino foram retratados como um entrelugar da vida profissional dos estudantes, visto por eles como um espaço de transição, mas ainda assim, não menos potente para a sua formação profissional, e que necessita avançar de forma continuada. Assim, consideramos tratar, a seguir, da síntese da pesquisa sobre o Mestrado Profissional em ensino de História - o PROFHISTÓRIA, em sua potencialidade formativa
A trajetória do mestrado profissional é marcada pela relação laboral, isto é, na ação direta com o fazer no espaço do trabalho e de suas competências técnicas. Iniciamos pelo Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) de 3 de dezembro de 1965, que versa sobre a definição dos cursos de Pós-Graduação. Neste documento é evidenciado o caráter laboral, assim como o científico do mestrado, há um destaque direto a sua relação com a formação para o ofício.
A Portaria da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) reitera em 1988 o caráter científico e profissional do mestrado, e mantém o ponto de terminalidade do mesmo. Reafirma sua feição peculiar do Mestrado profissional dirigido à formação profissional. No Art 5º, da mesma Portaria, o mestrado profissional é compreendido como um nível superior de formação para o trabalho. Observamos que permanece o mesmo caráter que exclui o trabalho como um lócus de reflexão e produção do conhecimento. Destacando o seu caráter técnico e operativo, isto é, de formação de uma mão de obra qualificada a serviço da demanda produzida pelo mercado.
Na portaria 7, de 22 de julho de 2009, indica a relação com a autogestão e financiamento do curso, dialogando com as demandas dos diferentes setores. O título concedido no Mestrado Profissionalizante possui os mesmos direitos que o Acadêmico; a distinção está no foco e na constituição das parcerias e possibilidades de produto, principalmente no caráter inovador e tecnológico.
Em 2009, o documento da área de História apresenta o seguinte quadro da pós-graduação no Brasil: demonstra que a formação na pós-graduação era marcadamente acadêmica, na área de História, com a predominância das universidades federais, mas já apontando a presença das universidades comunitárias e privadas. A distorção regional aparece bem marcante no relatório. O Sudeste possui 25 cursos, que corresponde a 49% da oferta de pós-graduação stricto sensu, gerando uma concentração de 83% no eixo Sul-Sudeste.
No documento de 2013 observamos um crescimento da oferta de Mestrado e Doutorados na área de História, mas podemos ver que as distorções de oferta no país ainda permanecem; as regiões sul e sudeste concentram 67% da oferta de cursos de pós-graduação na área de História, no Brasil.
Um destaque no relatório apresenta um alerta para a área, e uma chamada ao investimento, a afirmação de que a maioria significativa das teses e dissertações do Ensino de História foram desenvolvidas na área de Educação, apontando que existe muito trabalho a ser realizado ainda.
No relatório de 2017 observamos, na descrição dos programas, um destaque ao ProfHistória e seus 27 núcleos. O relatório ainda aponta que entre 2000 e 2017 houve um crescimento de 62% mestrados acadêmicos e 61% de doutorados e 100% de mestrados profissionais. Os números apresentados demostram que a abertura de pós-graduação stricto senso, na área de História, teve um crescimento marcado pelos dois primeiros decênios do século XXI.
Observamos como a ampliação de investimentos na Capes, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) possibilitaram com editais e fomento o processo de estruturação e consolidação da pesquisa no Brasil. O Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) propiciou a renovação e ampliação do quadro de servidores, com professores e técnicos. A ampliação do corpo docente e técnico teve como desdobramento a organização de projetos submetidos à Capes e, consequentemente, a criação de novos programas.
Podemos observar que os últimos governos secundarizaram o investimento em pesquisa, e a formação de professores, tanto a inicial como a continuada, foi duramente impactada. Programas como o PARFOR, PIBID, UAB e os Mestrados Profissionais de Ensino tiveram sua manutenção e existência impactadas. Programas vinculados à Capes e à Divisão de Educação Básica (DEB) e à Divisão de Educação a Distância (DED) ficaram sem lançamento de editais de 2016 até fevereiro de 2022. Alguns pesquisadores apontam que o país viverá um apagão de professores (FRIGOTTO, 2007), pois consideramos fundamental pensar futuramente no desdobramento que este abandono na formação de professores provocará na educação brasileira.
A CAPES lança, em 21 de outubro de 2011, a Portaria nº 209, em seu Art. 1º aprova “o Regulamento do Programa de Mestrado Profissional para Qualificação de Professores da Rede Pública da Educação Básica (PROEB), constante do Anexo a esta Portaria”. O ProfHistória é criado neste movimento.
Na regulamentação apresentada, no anexo, observamos três indícios novos:
Educação Básica;
2) A oferta de bolsas para os alunos vinculados à educação básica pública;
3) Financiamento às Instituições de Ensino Superiores vinculadas aos programas em rede.
O ProfHistória surge no bojo dessa inciativa, sendo um Programa em Rede Nacional. Em 2014 ocorreu o primeiro edital de seleção do ProfHistória, e, desta forma, a primeira turma do programa teve início em agosto de 2014. Neste momento a rede era composta por 12 instituições nos estados, a saber: Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Tocantins, entre outras; receberam o total de 152 alunos. Em sua criação atingia as três regiões do Brasil: Sudeste, Sul e Norte.
Em 2015, a rede do ProfHistória foi ampliada em 18 instituições associadas abarcando todas as regiões do país. No ano de 2016, mais precisamente no mês de agosto, houve as primeiras defesas das dissertações dos mestrandos do programa. Neste mesmo período ingressou no programa a segunda turma. Nesta segunda turma, com a rede ampliada, houve a participação dos estados do nordeste e centro-oeste do Brasil. Foram matriculados 423 alunos.
No ano de 2017 a rede novamente foi ampliada, e sua composição passou a contar a partir desta data com 27 instituições associadas. O processo seletivo ocorreu em 2018 e ofereceu 467 vagas. No ano de 2019 houve seu quarto processo seletivo, com a oferta de 482 vagas. A rede novamente ampliou e o número de instituições passou para 39; houve a entrada de 711 alunos neste processo seletivo, totalizando a matrícula de 2.235 professores da Educação Básica.
Os professores, sejam do Nível Superior ou da Educação Básica, fazem da escola e do ensinar história seu ponto de inflexão. A escola e o ensinar História são desnaturalizados e compreendido como locus de pesquisa, ação e transformação, e o ProfHistória faz deste desafio seu lugar e fonte de trabalho.
A dimensão social, política, cultural e pedagógica que o ProfHistória gera na Educação Básica brasileira ainda não é possível aferir, mas podemos afirmar sem medo de uma generalização precipitada, que ele mudou a pesquisa no Ensino de História e desafiou o campo da História a dialogar com a Educação Básica e seus múltiplos desafios.
Uma exigência é feita em todos os editais – o de ser professor da disciplina História e estar atuando na Educação Básica. O duplo vínculo é uma requisição para a efetivação da matrícula do aluno no programa. Esta cláusula de barreira nos editais impacta o perfil dos alunos, e, assim, se diferenciando, dos programas acadêmicos.
O lugar de fala do pesquisador/aluno é o que muitos têm nomeado de “o chão da escola”, esta materialidade cria um duplo desassossego – ele faz o professor orientador ser convocado a dialogar com a Educação Básica, e faz reverberar as vozes que durante muito tempo foram silenciadas na academia e na pesquisa em História
Os professores/alunos também são profundamente desafiados, muitos retornam à academia depois de mais de duas décadas de exercício da profissão, e ocupam o lugar de aluno e pesquisador do Ensino de História. O duplo lugar que o mestrado profissional proporciona, em geral provoca questionamentos sobre a realidade que eles trabalham. A sala de aula deixa de ser o lugar de uma cultura tradicional, com profundas marcas do patriarcado racista e passa a ser o espaço de reflexão. Reflexão que tem gerado centenas de trabalhos que potencializam um ensino mais engajado e potencialmente revolucionário.
No período de 2014 a 2021 foram produzidas por 745 professores, dissertações que têm como eixo central o Ensino de História, potencializando possibilidades revolucionárias para o ensinar.
O investimento promovido entre os anos de 2000 e 2015 na pós-graduação brasileira modificou o perfil da pesquisa na área de História e tem sofrido fortes ataques atualmente; a desoneração que é implementada no repasse de fomento da Capes, do CNPq, do FINEP e das Universidades fragiliza e reduz o potencial transformador que é produzida por professores da Educação Básica, no nosso foco de análise que a área de História possui.
O ProfHistória produz pesquisas que potencializam uma práxis consciente, seja na Educação Básica como na Superior, pois viabiliza um diálogo entre os dois níveis da Educação brasileira. As dissertações materializam um trabalho coletivo e cooperativo, promovendo uma maior qualidade real da educação e da pesquisa produzida com a escola, não sobre ela, fato que durante muito tempo marcou a produção acadêmica. Silenciando vozes potentes que fazem a educação ter um potencial revolucionário.
Essa liga, criada entre escola-universidade, acaba por tecer potentes diálogos formativos. Aqui o mestrado profissional abrange tanto sua previsão legal como elemento disparador da formação para o trabalho, com um forte apelo laboral e tecnicista, quanto também sua potencialidade de produção para o campo do Ensino de História e seu público-alvo – professores da disciplina de História da Educação Básica. O ponto de inflexão está posto. A subversão do caráter tecnicista, também. A escola e o ensinar História são desnaturalizados e compreendidos como lócus de pesquisa, ação e transformação, e o ProfHistória faz deste desafio seu lugar e fonte de trabalho. A práxis se estabelece. Subverte.
A luta pela manutenção do ProfHistória, assim como outros programas que foram criados e potencializaram o trabalho coletivo entre a Educação Básica e Superior, é uma ação contra a barbárie.
Tratando do objetivo da nossa discussão, que é garantir a provocativa e o debate sobre a importância formativa do estágio nos cursos de formação inicial de professores de História, e problematizando o seu lugar em um Curso de Licenciatura em História, destacamos algumas considerações, dentre elas, a produção/preparação de aulas e atividades, a imersão no espaço escolar, e a possibilidade de produzir outras formas de pensar o ensino de história no fazer docente. Ainda, ao considerar esse fazer em excepcionalidade pandêmica, trata-se de despertar os desafios político-pedagógicos que a formação inicial nos apresenta. Na mesma direção, os desafios de uma formação continuada podem ser considerados.
Os processos de autonomia e autoria podem ser vislumbrados para o exercício da profissão, em como se ensina-aprende história no âmbito da escolarização. A regência ou aula é uma das etapas/atividades do estágio em escolas que tem por objetivo proporcionar ao licenciando aprendizagens quanto à seleção de conteúdos, organização de um roteiro para a exposição didática, possibilitando que o mesmo compreenda que o trabalho docente envolve diversas ações: que vão desde o planejamento com o estabelecimento dos objetivos a serem alcançados em relação às informações históricas, formas de atingi-lo, seleção de temas e suas problematizações por meio da metodologia selecionada, materiais didáticos até o processo avaliativo. Em uma aula de História, ainda que os licenciandos não se deem conta da complexidade dessa operação, muitas ações são realizadas como o recorte do tema, a abordagem e a adequação do discurso para o público escolar.
A aula é compreendida como experimentos do fazer docente, uma espécie de vivência do "estar professor" em uma sala de aula. As regências dos licenciandos são atividades previstas em disciplinas destinadas à preparação profissional, apontam para questões relevantes acerca dos saberes em circulação nos cursos de licenciatura e os modos como estes são apropriados por esses licenciados.
Da mesma forma, a formação inicial e profissionalização dos professores diante das adversidades provocadas pelo isolamento social nos tempos de pandemia, tratam, em face desse caos, da configuração de estratégias possíveis de “sobrevivência” na escola e na universidade. Se por um lado, em razão do ineditismo do momento, novas estratégias e recursos foram acionados para a realização do componente curricular em tela, por outro lado, os problemas e as dificuldades inerentes ao próprio processo de formação em tempos presenciais se acentuaram, tais como a acessibilidade às aulas do curso, a desigualdade social, o desemprego, o agravamento da doença entre outras. Se por um lado se fez necessário recorrer aos novos recursos e metodologias, por outro, vale acrescentar que todas as estratégias possíveis mobilizadas pelos professores na universidade e nas escolas da educação básica foram ancoradas em experiências já vivenciadas na educação presencial.
Assim, as reflexões provocadas por essas experiências sobre o processo de aprendizagem, sobre suas limitações e possibilidades, trouxeram à tona antigas preocupações sustentadas pelos modelos dos cursos em vigor, a saber: a possibilidade de uma aproximação com a realidade das escolas, seja através dos depoimentos dos professores/as, seja através da inserção dos alunos no estágio supervisionado na escola. A experiência contribuiu para o processo de identificação dos estudantes com a docência assim como possibilitou a reflexão sobre o trabalho docente na interação da teoria com a prática. Ficam indícios do quanto é profícua tal análise para a construção de um currículo mais crítico e favorável aos diferentes grupos sociais formadores da sociedade brasileira.
O mestrado profissional, como os documentos nos apresenta, tem como elemento disparador a formação para o trabalho, com um forte apelo laboral e tecnicista. A questão que pode se apresentar para algumas pessoas é: O que faz então a área de História, Ciências Humanas, em 2013 incentivar a criação de um programa em rede de mestrado profissional em Ensino de História?
Destaco que dois indícios nos fazem tecer possíveis conclusões:
2. A vinculação ao PROEB que define o público-alvo, isto é, os professores da disciplina História na Educação Básica.
Os dois indícios, nos fazem crer, em uma subversão consciente deste caráter tecnicista dos mestrados profissionais. Os professores, sejam do Nível Superior ou da Educação Básica, fazem da escola e do ensinar história seu ponto de inflexão fazendo deste desafio seu lugar e fonte de trabalho.
Neste sentido a subversão produzida pela rede do ProfHistória nos faz esperançar o amanhã. Cada turma que se inicia, cada dissertação defendida é uma ação coletiva e cooperativa de produção intelectual de conhecimento, fortalecimento da pesquisa e promoção de uma realidade outra mais inclusiva, numa perspectiva de uma educação continuada que compartilhe com a inicial e vice-versa, num contínuo e dialógico espaço de construção de conhecimentos mais amplos e libertários.