Mesas temáticas coordenadas
Recepción: 14 Febrero 2022
Aprobación: 01 Julio 2022
Resumo: Este artigo apresenta resultados do Projeto Observatório Social e do Trabalho no Maranhão, desenvolvido no âmbito do Grupo de Avaliação e Estudo da Pobreza e de Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP), articulado ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O Observatório Social e do Trabalho objetiva promover a coordenação, a articulação e a divulgação dos estudos e pesquisas que configuram os seus dois eixos temáticos, Pobreza e Trabalho, tendo em vista subsidiar e capacitar sujeitos sociais para se apropriarem de informações necessárias aos processos de tomada de decisão e ao exercício do controle social de Políticas Públicas. O artigo está estruturado em três eixos: o primeiro apresenta a concepção e a dinâmica de funcionamento do Observatório Social e do Trabalho enquanto mecanismo de democratização e controle social das políticas públicas; o segundo e o terceiro abordam o aprofundamento, respectivamente, da precarização do trabalho e da pobreza, no Brasil e no Maranhão, no contexto pós golpe de 2016 e sobretudo durante a pandemia da COVID-19.
Palavras-chave: Observatório, democracia, trabalho, pobreza, Brasil. Maranhão.
Abstract: This artcle presents results of the Social and Labor Observatory Project in Maranhão, developed within the Framework of the Group for the Assessment and Study of Poverty and Policies Directed to Poverty (GAEPP), articulated with the Graduate Program in Public Policies (PPGPP) of the Federal University of Maranhão (UFMA). The Social and Labor Observatory aims to promote the coordination, articulation and dissemination of studies and research that configure its two thematic axes, Poverty and Work, with a view to supporting and empowering social to subjects appropriate information necessary for decision-making processes and the exercise of control public policy. The article is organized in three axes: the first presents the conception and dynamics of operation of the Social Observatory and Labor as a mechanism of democratization and social control of public policies; the second and third discuss, respectively, the precariousness of work and poverty, in Brazil and Maranhão, in the post-coup context of 2016 and especially during the COVID-19 pandemic
Keywords: Observatory, democracy, work, poverty. Brazil, Maranhão.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo compôs a Mesa Coordenada: Observatório Social e do Trabalho no Maranhão como instrumento de democratização: pobreza e trabalho em debate em meio à Pandemia da COVID-19, apresentada na X Jornada Internacional de Políticas Públicas.
O texto inicialmente desenvolve uma reflexão sobre o Observatório Social e do Trabalho enquanto mecanismo de democratização e controle social de políticas públicas, destacando fundamentos e concepções que orientam a prática de divulgação de resultados de estudos e pesquisas realizados no âmbito do Grupo de Avaliação e Estudo da Pobreza e de Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP) (Disponível em: www.gaepp.ufma.br). Em seguida, no item três, faz um resgate das determinações sócio-históricas da situação de insegurança do trabalho no Brasil e no Maranhão, com destaque aos efeitos da atual pandemia da Covid-19 sobre indicadores do mercado de trabalho brasileiro e maranhense. No quarto item, discute a Pobreza, particularmente a agudização das condições de reprodução social que têm sido vivenciadas pelos segmentos mais empobrecidos da classe trabalhadora brasileira e maranhense no âmbito da pandemia da Covid-19. O texto finaliza com algumas reflexões à guisa de conclusão.
2 O OBSERVATÓRIO SOCIAL E DO TRABALHO ENQUANTO MECANISMO DE DEMOCRATIZAÇÃO E CONTROLE SOCIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Experiências de articulação entre Movimentos Sociais e Universidades têm uma longa história, mas nestas reflexões destacamos essa articulação a partir da década de 1970, quando já se iniciavam movimentos de organização política da sociedade brasileira contra a Ditadura Militar. São incluídas na agenda pública questões direcionadas para reivindicação de demandas pela ampliação e universalização de direitos sociais e pela necessidade de transparência na aplicação do dinheiro público. Tem-se, portanto, uma conjuntura na dinâmica social que impõe o desenvolvimento de ações para o controle social sobre as Políticas Públicas por parte de segmentos organizados e subalternizados da sociedade. Abre-se, assim, espaço para instalação de observatórios sociais no contexto de Universidades em articulação com movimentos da sociedade.
Todavia, as iniciativas para criação de Observatórios Sociais de Políticas Públicas no Brasil e na América Latina só se efetivam, mais precisamente, nos anos 1990, favorecidas pela construção de processos de democratização da sociedade. Despontam, portanto, iniciativas de produção de estudos e análises de Políticas Públicas, mediante ações e articulações entre Universidades e organizações não-governamentais (PAZ, 2004), enquanto sujeitos sociais que procuram contribuir para a formulação e o controle social de Políticas Públicas, fazendo avançar a produção e divulgação de informações sobre experiências de políticas públicas desenvolvidas em nível local. Essa realidade favorece o surgimento de espaços institucionais inovadores e alternativos denominados Observatórios Sociais de Políticas Públicas. Direcionam-se para construção de conhecimento e divulgação de informações de campos temáticos de interesse para mudanças sociais. O objetivo é levar a pesquisa acadêmica para o âmbito do movimento organizado da sociedade, com a perspectiva de produzir conhecimento, deslocando-se da lógica e das necessidades do dominante para o campo do subalterno que procura se constituir enquanto sujeito capaz de formular, gerir e fazer controle social de políticas públicas.
A tendência expressa pelos Observatórios Sociais de Políticas Públicas, de iniciativa da sociedade organizada, muitos em articulação com Universidades, é incorporada, a partir dos anos 2000, por setores do poder público que passam a criar os denominados portais da transparência, enquanto mecanismos de publicização dos governos, cujo formato enfatiza a prestação de contas à sociedade. Essa é uma tendência de abrangência internacional que precisa ser entendida como uma procura de adaptação dos países ao novo ordenamento do capitalismo mundializado.
No Brasil, a construção dos portais da transparência decorre das contrarreformas do Estado e situa-se no contexto da denominada reestruturação produtiva enquanto exigência da crise fiscal do Estado e por influência do Projeto Neoliberal, assumido tardiamente pelo Brasil a partir dos anos 1990. É um contexto que coloca questões como liberalização e desregulamentação da economia que vem se arrastando até à contemporaneidade dos anos 2020, sem que os problemas do baixo crescimento econômico e do desemprego sejam equacionados. “Nesse processo de reforma, é redesenhado o formato do Estado, que de interventor (executor), passa a assumir funções mantenedoras (financiador) e reguladoras (elaboração de normas e controle).” (SILVA, 2008, p. 109). Nesse mesmo processo de contrarreforma do Estado, coloca-se também a necessidade de redução do Estado “[...] mediante a adoção de estratégias de privatização, publicização e terceirização.” (SILVA, 2008, p. 109).
É importante também se considerar que nesse contexto de reforma do Estado brasileiro “[...] a avaliação de políticas e programas sociais passa a ser requisitada como mecanismo fundamental de controle do Estado sobre os recursos que são transferidos para o terceiro setor, implementadores privilegiados de programas sociais” (SILVA, 2008, p. 109).
Portanto, é nessa conjuntura de contraposições de ações e posturas políticas do Estado, mas também da sociedade que os Observatórios Sociais, pela ótica da sociedade organizada, e os Portais de Transparência, pela ótica do Estado, são ampliados e ostentam vinculações com as políticas públicas: do lado do Estado marcados por posturas verticais de cima para baixo e em favorecimento ao capital; do lado da sociedade organizada, quer, por iniciativa própria ou em articulação com Universidades, se presencia o crescimento de Observatórios Sociais para produção e divulgação de conhecimentos voltados para o apoio e instrumentalização das lutas sociais e do controle de Políticas Públicas.
O exposto sugere que, em contraposição à ênfase que o Estado brasileiro atribui à avaliação de Políticas e Programas Sociais, utilizada como mecanismo de controle estatal das Políticas Públicas de corte social, ao mesmo Estado é exigida a prestação de contas à sociedade, por força do próprio processo de democratização. É essa contradição que leva o Estado a incorporar as experiências dos Observatórios Sociais, instituindo observatórios governamentais, em formato de portais da transparência em busca de legitimidade que impõe a transparência do Estado perante a sociedade.
Como indicam as reflexões desenvolvidas, as experiências de formação de Observatórios, quer de iniciativa de organizações da sociedade ou do Estado, situam-se, no Brasil, no processo de redemocratização do país.
Nessa conjuntura ampliam-se as instituições e as lutas sociais que colocam para as organizações da sociedade a agenda pública de demanda do controle social. Entre essas iniciativas, tem-se a criação de Conselhos Gestores de Políticas Públicas e de leis de garantia ao acesso à informação, com destaque à Constituição Federal de 1988. Tem-se também a exigência de o Estado brasileiro prestar contas à sociedade.
Por conseguinte, os Observatórios Sociais focam no acompanhamento, monitoramento e avaliação de Políticas Públicas, procurando construir conhecimentos, indicadores e informações que fundamentem o controle destas pela sociedade organizada. Visam, portanto, à ampliação do espaço público e da participação social dos cidadãos, consequentemente, contribuindo para a democratização da sociedade o que requer interlocução e pressão sobre o Estado, na busca de elevar o padrão da proteção social das populações[1].
Em resumo, entendemos que os Observatórios Sociais são instâncias de democratização da sociedade, visto que a transparência é uma premissa da democracia representativa; as informações devem ser públicas e a democracia, no dizer de Bobbio (1986), é o governo do visível, do público em público. Os Observatórios Sociais, por sua vez, contribuem para democratização, efetividade da gestão pública e a participação reivindicatória e propositiva da sociedade e o controle social de Políticas Públicas.
Particularmente o Observatório Social e do Trabalho, mantido pelo GAEPP, estrutura seu conteúdo em torno dos eixos temáticos: Pobreza e Trabalho no Maranhão, em articulação com a realidade do Nordeste e do Brasil. Essas temáticas são configuradas por três dimensões:
a) Articulação de projetos de pesquisa em desenvolvimento por pesquisadores do GAEPP; sistematização e disponibilização de informações decorrentes da implementação dos projetos;
b) Levantamento, sistematização e disponibilização de dados secundários e de estudos desenvolvidos sobre a estrutura e a dinâmica do mercado de trabalho;
c) Levantamento, sistematização e disponibilização de dados secundários e de estudos desenvolvidos sobre a temática pobreza.
Com a produção e divulgação das produções, o Observatório Social e do Trabalho tem como objetivo instituir novas bases político-acadêmicas para construção do conhecimento a partir do desenvolvimento de pesquisas sobre Políticas Públicas no campo do Trabalho e do enfrentamento à Pobreza em desenvolvimento no Estado do Maranhão, tendo em vista subsidiar e capacitar sujeitos sociais para se apropriarem de informações para subsidiar processos de tomada de decisão e exercerem controle social de Políticas Públicas no Estado.
Nesse contexto, torna-se importante não somente obter e sistematizar dados e informações que possam refletir a realidade do Estado do Maranhão, na sua contextualização com a realidade regional e nacional no que se refere, mais especificamente, à temática da pobreza e do trabalho. Igualmente é importante disponibilizar para a sociedade os resultados obtidos em estudos e pesquisas, no sentido de oferecer subsídios aos sujeitos sociais para que possam compreender a realidade; propor políticas públicas e proceder ao controle social de programas e políticas sociais. Isso tendo como horizonte a melhoria das condições de vida da população do Estado.
Mais especificamente, o Observatório Social e do Trabalho produz e veicula no site do GAEPP duas publicações de amplo alcance, denominadas Boletim do Observatório Social e do Trabalho e Cadernos de Pesquisa.
O Boletim do Observatório Social e do Trabalho (ISSN 2357-8882), de periodicidade bimensal, tem o objetivo de levantar, divulgar e sistematizar dados secundários e desenvolver estudos sobre a estrutura e a dinâmica do mercado de trabalho e sobre a situação de pobreza no Maranhão em relação com a realidade do Nordeste e do Brasil. O primeiro número do Boletim foi publicado em 2012, contando até abril de 2022 com 41 publicações.
Os Cadernos de Pesquisa(ISSN: 2357-8130), de periodicidade semestral, constituem-se em mecanismos do Observatório Social e do Trabalho para divulgação de resultados parciais e finais de pesquisas desenvolvidas por pesquisadores do GAEPP e pesquisadores convidados.
Os Cadernos de Pesquisa mantêm um Corpo Editorial composto por professores/pesquisadores de instituições universitárias nacionais e internacionais, tendo publicado o primeiro número em 2013, totalizando em abril de 2022 a publicação de 17 números.
Pelas reflexões desenvolvidas, as contribuições do Observatório Social e do Trabalho situam-se no campo da produção e socialização do conhecimento. Dessa forma, os estudos e pesquisas realizados no contexto do Observatório Social e do Trabalho vêm contribuindo para o aprofundamento e atualização do quadro teórico-conceitual referente às linhas de pesquisa que orientam os trabalhos do GAEPP: Política de Geração de Emprego e Renda; Políticas e Programas Sociais, em particular a Política de Assistência Social e a Política Pública de Transferência de Renda.
Destaca-se ainda que os estudos e pesquisas desenvolvidos pelo GAEPP, com interveniência do Observatório Social e do Trabalho, vêm contribuindo para fortalecimento da Linha de Pesquisa Políticas Sociais e Avaliação de Políticas e Programas Sociais no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFMA, sendo uma das mais demandadas no âmbito do Programa.
Enfim, o Observatório Social e do Trabalho vem contribuindo para alargar e socializar o conhecimento produzido por estudos e pesquisas realizadas no âmbito do GAEPP. Nessa perspectiva, vem procurando tornar efetivo o objetivo geral de sua sustentação: instituir novas bases político-acadêmicas para construção do conhecimento a partir do desenvolvimento de pesquisas sobre Políticas Públicas no campo do Trabalho e do enfrentamento à Pobreza.
3 A INSEGURANÇA DO TRABALHO NO BRASIL E NO MARANHÃO EM MEIO À PANDEMIA DA COVID-19
As transformações experimentadas pelo sistema capitalista mundial, a partir do final da década de 1960, no contexto de mais uma crise estrutural do capital, bem como os desdobramentos do aprofundamento de tal crise, desde 2008, ocasionaram a expansão significativa de uma tendência de precarização do trabalho, impondo a uma parcela crescente da classe trabalhadora um estado de profunda insegurança e instabilidade.
Com efeito, com o esgotamento do regime de acumulação fordista e o processo de reestruturação produtiva daí decorrente, rumo ao chamado regime de acumulação flexível (HARVEY, 2017), assistiu-se a um aumento do desemprego estrutural, ocasionado pelas inovações tecnológicas, pautadas na automação e nas novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Paralelamente, como resultado das inovações organizacionais e das novas formas de gestão e contratação da força de trabalho, direcionadas a flexibilizar o processo de trabalho e as relações de trabalho, ampliaram-se significativamente as tendências à terceirização, informalização e precarização das relações de trabalho.
Assim sendo, no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, se aprofundam as formas de superexploração da força de trabalho, em um contexto de ampliação da superpopulação relativa, de fragmentação e fragilização da organização sindical e de crescente desregulamentação das relações de trabalho.
Cumpre ressaltar que a tendência à superexploração da força de trabalho é inerente à própria lógica da acumulação capitalista, pautada na extração da mais-valia. Contudo, conforme salienta Antunes (2018), a superexploração da força de trabalho e a precarização, embora intrínsecas ao capitalismo, são tendências que ao longo do desenvolvimento histórico têm se atenuado ou intensificado, dependendo do padrão de acumulação vigente e da capacidade de resistência, organização e confrontação da classe trabalhadora.
Assim sendo, para tratar das manifestações concretas da insegurança do trabalho nas particularidades das sociedades brasileira e maranhense, cumpre ressaltar que, como parte da periferia do sistema capitalista e obedecendo à lógica do desenvolvimento desigual e combinado entre o centro e a periferia, no Brasil e, particularmente, no Maranhão, o proletariado já nasceu marcado pela condição de precariedade.
Mesmo no período de apogeu do Fordismo-Keynesianismo, no qual predominou no centro do capitalismo o estatuto do trabalho protegido, algumas especificidades de natureza econômica, política e institucional impediram a reprodução, no Brasil, do autêntico padrão fordista de relação salarial.
Ademais, a não universalização de direitos básicos, incluindo dentre estes o acesso à educação, e a ausência de uma reforma agrária, que corrigisse a tendência à concentração fundiária promovida pela industrialização, foram os principais responsáveis pelo deslocamento, para os centros urbanos, de grandes contingentes de trabalhadores com baixo nível de qualificação.
O extenso exército industrial de reserva assim constituído e a ausência de mecanismos que garantissem proteção aos desempregados - a exemplo do seguro desemprego, somente instituído em 1986 - ensejaram a segmentação do mercado de trabalho e o crescimento da informalidade. Além disso, fragilizaram o poder de organização política da classe trabalhadora, o que foi ainda reforçado pela forte repressão dos sindicatos no período da ditadura militar.
Por outro lado, o regime militar, além de negar aos trabalhadores o seu principal instrumento de luta, mediante a proibição do direito de greve, eliminou um dos poderes de representação que a legislação corporativista ainda delegava aos sindicatos, qual seja, o de defenderem os interesses das respectivas categorias como negociadores dos reajustes salariais junto ao patronato, por ocasião dos dissídios coletivos, tendo a justiça do trabalho como mediadora. Assim, as decisões referentes aos reajustes salariais foram assumidas pelo executivo mediante uma série de decretos, o que representou a passagem de um autoritarismo corporativista para um autoritarismo tecnocrático. Este, mediante uma política de arrocho salarial, favoreceu uma extraordinária concentração de renda, a qual se constituiu em si mesma em um dos pressupostos do modelo de desenvolvimento excludente e concentrador adotado no período em foco.
É verdade que a partir do final da década de 1970, assistiu-se a uma importante inflexão na trajetória do movimento sindical brasileiro, demarcada pela emergência de um novo sindicalismo, o qual desempenhou importante papel no processo de redemocratização do país e na conquista de inelutáveis direitos na esfera social e política, destacando-se dentre esses o fortalecimento das negociações coletivas.
Todavia, aos limites internos do próprio padrão brasileiro de industrialização se somaram outros, de natureza externa, representados pela crise da dívida, ao tempo em que as economias capitalistas avançadas já experimentavam um processo de reestruturação produtiva sob a hegemonia neoliberal.
Contudo, foi somente a partir do início da década de 1990 que se inaugurou no Brasil uma nova fase na economia, marcada pela ruptura do modelo de substituição de importações e por um amplo processo de reestruturação produtiva, associado às medidas de ajuste estrutural de cunho neoliberal, inspiradas no Consenso de Washington.
Dada à forma brusca e indiscriminada em que se deu a abertura da economia, as empresas brasileiras, para fazer face à crescente concorrência internacional, se viram pressionadas a promover ajustes em sua estrutura produtiva, predominantemente com base em estratégias de redução e flexibilização dos custos do trabalho, somente em certos casos associadas a mudanças internas de caráter mais sistêmico, pautadas em inovações tecnológicas e organizacionais. Além disso, o caráter indiscriminado da política de liberalização das importações induziu à eliminação de muitas empresas menos competitivas, que se mostraram incapazes de satisfazer às novas exigências de competitividade pautadas nos padrões internacionais.
O que importa destacar é que em um contexto de desaceleração da economia, favorecido por uma política macroeconômica recessiva, o processo de reestruturação produtiva, aliado às políticas neoliberais, imprimiu, na década de 1990, uma nova configuração ao mercado de trabalho brasileiro, marcada pela expansão do desemprego, da informalidade e da precarização das relações de trabalho, sobrepondo-se tais tendências aos problemas históricos e estruturais já herdados do passado.
Por outro lado, no início do século XXI, assim como grande parte dos países da América Latina, onde assumiram o poder governos progressistas, oriundos de partidos de esquerda, o Brasil, sob a presidência de Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), vivenciou uma importante inflexão em seu cenário econômico e social. Tal inflexão se expressou pela associação entre a retomada do crescimento econômico, oportunizada por um contexto internacional favorável, e a melhoria dos indicadores sociais, inclusive, aqueles relacionados ao mercado de trabalho.
Entretanto, já na segunda década de 2000, sob o comando do governo de Dilma Roussef, também do PT, e frente a um panorama internacional de acirramento da crise capitalista, pôde-se identificar uma nova inflexão na economia brasileira com reflexos negativos sobre o mercado de trabalho.
A tal contexto se sobrepôs, a partir do início de 2015, no segundo mandato da presidente Dilma Roussef, uma profunda crise política e institucional, agravada pelo avanço da Operação Lava-Jato, com visível polarização da sociedade em torno de projetos político-ideológicos distintos e forte avanço do conservadorismo. Tal crise foi ainda intensificada por uma conjuntura de deterioração acelerada das condições macroeconômicas e de ajuste fiscal.
Com efeito, cumpre ressaltar que o agravamento da crise político-institucional culminou com a aprovação pelo Congresso Nacional do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, tendo assumido o governo o Vice-Presidente da República, Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Isso representou a vitória de um projeto conservador que punha em xeque importantes avanços experimentados pelo país, sobretudo na esfera social, ao longo da primeira década de 2000.
Nesse contexto de crise, com rebatimentos negativos sobre o mercado de trabalho brasileiro, reacendeu o debate em torno da necessidade de flexibilização das relações de trabalho, culminando com a aprovação pela Câmara de Deputados e sanção pelo Presidente da República da Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, que amplia e flexibiliza ainda mais as possibilidades de terceirização e de contratação de trabalho temporário, a qual certamente imporá mudanças marcantes na estrutura do mercado de trabalho brasileiro.
Para complementar o pacote de medidas regressivas, foi aprovada pelo Congresso Nacional uma proposta de reforma trabalhista, extremamente regressiva do ponto de vista da classe trabalhadora, cuja principal orientação é o predomínio do negociado sobre o legislado em matéria de direitos trabalhistas.
Ademais, a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, e sua posse como Presidente da República, em 2019, representou o aprofundamento, no Brasil, de tendências ultraconservadoras e ultraliberais que passaram a pôr em xeque importantes conquistas civilizatórias da sociedade brasileira em todos os campos das políticas públicas.
Foi nesse cenário que, para completar o conjunto de mudanças regressivas no marco regulatório do trabalho, foi aprovada no Congresso uma proposta de reforma da Previdência que representa um ataque a importantes direitos duramente conquistados pela classe trabalhadora.
É, portanto, nesse contexto de avanço do conservadorismo nas políticas públicas, de ataque aos direitos sociais e de crescente insegurança do trabalho que o Brasil e particularmente o Maranhão, enfrentam, hoje, os efeitos nefastos da pandemia da Covid-19 sobre seus mercados de trabalho já com fortes tendências de desestruturação.
De fato, a pandemia implicou em impactos profundos no mercado de trabalho, afetando principalmente os trabalhadores com menor proteção social. No Maranhão, os efeitos foram particularmente significativos, não somente em função da queda sem precedentes da população ocupada e da população economicamente ativa, mas também pelo fato de que, diferentemente de recessões anteriores, desta vez os trabalhadores informais foram os mais atingidos.
Com base nos dados da Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020), pode-se observar que a taxa de desocupação no Maranhão se estabeleceu em 14,5% no 4º trimestre de 2020, apresentando trajetória de queda em relação aos outros três trimestres do ano e fechando em alta de 2,4 pontos percentuais (p.p) no comparativo interanual. No terceiro trimestre, o indicador estava em 16,8%, maior percentual da série histórica iniciada em 2012. Em números absolutos, a quantidade de pessoas desocupadas no Maranhão recuou em cerca de 42 mil, na passagem do terceiro trimestre para o quarto trimestre de 2020. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2020).
Na comparação entre os estados do Nordeste, o Maranhão apresentou a terceira menor taxa de desocupação. Somente o Piauí (12,0%) e o Ceará (14,4%) exibiram resultados melhores. Por sua vez, no país, a taxa avançou 2,9 p.p, tendo como referência o mesmo período do ano passado, e recuou 0,7 p.p em relação ao terceiro trimestre, alcançando, assim, 13,9% de desocupados em relação à força de trabalho. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2020).
Mesmo diante da queda no trimestre que encerra o ano, as taxas médias de desocupados para o ano de 2020, apresentadas tanto pelo Maranhão quanto pelo Brasil, se estabeleceram em patamar máximo histórico.
Apesar de indicar uma aparente retomada da ocupação, a taxa de desocupação não é o indicador que melhor reflete a evolução do trabalho durante a pandemia. Isso porque, tecnicamente, o IBGE só considera como desocupada aquela pessoa que está sem trabalho, mas busca efetivamente novas oportunidades. Como a pandemia impôs regras de distanciamento e isolamento social, muitas pessoas ficaram impossibilitadas de procurar empregos, seja pelo isolamento ou mesmo porque a atividade econômica desacelerou. Desta forma, na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2020, o total de pessoas desalentadas cresceu 19,1% no Brasil (+913 mil pessoas) e 14,1% no Maranhão (+83 mil pessoas). De acordo com a Pnad Covid/IBGE, o total de maranhenses não ocupados que não procuraram trabalho por conta da pandemia ou por falta de trabalho na localidade chegou a 1,07 milhão em maio, contingente 24,4% superior ao que seria apontado seis meses mais tarde, em novembro do mesmo ano. Isso explica por que a taxa de desocupação do estado permaneceu estável no momento mais grave da crise sanitária. Caso a força de trabalho potencial fosse considerada, o Maranhão encerraria o ano com uma taxa real[2] de desocupação de 36,7%, enquanto o país atingiria o percentual de 22,7% no indicador de desemprego real. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2020).
No que se refere ao perfil das ocupações segundo a posição e categoria do emprego, no contexto da Pandemia, os mercados de trabalho formal e informal[3] foram impactados de formas diferentes em cada um dos trimestres do ano de 2020.
Observa-se em ambas as abrangências territoriais que os mais afetados pela pandemia em um primeiro momento foram os trabalhadores informais. Na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2020, o estoque de trabalhadores informais no Brasil recuou 16,4%, enquanto que no estado a involução foi de 18,7%, implicando em taxas de informalidade em patamares reduzidos. Esse movimento expôs a maior vulnerabilidade dessa categoria.
No período seguinte, isto é, no terceiro trimestre, os mais impactados foram os trabalhadores formais. Essa inversão se deve ao fato de o trabalhador informal ser mais sensível a mudanças na conjuntura: foi o primeiro a ser impactado e o primeiro a retomar às atividades, o que pode ser verificado também no último trimestre do ano, quando a abertura de novas vagas foi impulsionada pela informalidade, em ambas as abrangências.
No Maranhão, apesar da retomada das vagas informais no quarto trimestre de 2020, o fechamento de postos com menor proteção social, desde o início da crise sanitária, continuou superando o de postos formais. Considerando o resultado líquido, das mais de 58 mil vagas perdidas desde o segundo trimestre do ano, 56 mil foram informais. Em termos de contingente, o Maranhão encerrou o ano de 2020 com um total de 1,29 milhão de trabalhadores informais, que corresponde a uma taxa de 60,3%, superior à registrada em âmbito nacional (39,5%). (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2020).
No contexto da Pandemia, a trajetória da renda da população ocupada sofreu expressiva queda após a paralisação das atividades produtivas, tratando-se da maior contração da massa de rendimentos registrada na série, tanto em âmbito estadual (-8,4%), quanto em nível nacional (-5,6%), alcançando no país, nível próximo ao exibido nos anos de recessão – R$ 210,10 bi, em 2020, contra R$ 204,75 bi, em 2016. Considerando dados da PNAD Covid, os ocupados no país receberam em junho uma massa total de remuneração efetiva 16,5% inferior a habitual, percentual idêntico ao verificado em âmbito estadual. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2020).
A forte desmobilização de trabalhadores de baixa remuneração ocorrida em um primeiro momento culminou em movimento de ampliação do rendimento médio provocado pela cessação de postos de trabalho informais. Este movimento foi se esvaindo no decorrer do ano, à medida que os trabalhadores de menor remuneração foram reinseridos na força de trabalho e os ocupados formais foram sendo desmobilizados em ritmo superior. Assim, o rendimento médio dos ocupados maranhenses encerrou o quarto trimestre de 2020 em R$ 1,39 mil, que equivale a 66% do verificado em plano nacional. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2020).
4 O APROFUNDAMENTO DA POBREZA NO BRASIL E NO MARANHÃO NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19 E GOLPE DE 2016
Cabe inicialmente dizer que reconhecemos que a pobreza sempre se fez presente nas diferentes sociedades; mesmo naquelas que alcançaram patamares mais elevados de crescimento e desenvolvimento, vemos que ela não foi extinta, no máximo foi equacionada e reduzida a índices mais aceitáveis.
No caso do Brasil, podemos dizer que o país convive com um quadro de pobreza que é histórico e que se associa a índices alarmantes de desigualdade social, resultantes de um processo de desenvolvimento concentrador e excludente, que remonta aos primórdios da formação socioeconômica do país. Desse modo, no Brasil a pobreza se configura como um produto de relações sociopolíticas históricas de caráter autoritário e com viés clientelista, determinações que têm contribuído com a conformação de um perfil societal conservador que naturaliza a questão da pobreza e da desigualdade social tão presente na realidade nacional e reitera a subalternização dos sujeitos mais empobrecidos.
Nesse sentido, é que reconhecemos que a pobreza é um fenômeno complexo e multidimensional e que se constitui em expressão direta das relações vigentes na sociedade brasileira historicamente marcada por expressões da nossa cultura conservadora e autoritária que estão intrinsicamente imbricadas na trama da nossa vida social e que repõem cotidianamente as diferenças causadoras da miséria e dos crescentes níveis de desigualdade social. Segundo Vera Telles (2013, p. 21) “[...] Seria equívoco creditar tudo isso a persistência de tradicionalismos de tempos passados, resíduos de um Brasil arcaico, pois esses termos constroem a particularidade do Brasil moderno”.
Vale lembrar também que o Brasil, ao longo do seu processo histórico, desenvolveu um padrão de intervenção estatal no campo da Proteção Social, tardio, tímido no que diz respeito à abrangência e cobertura da sua população, expressando as especificidades estruturais e conjunturais típicas do seu desenvolvimento econômico e político e as marcas da cultura política autoritária e conservadora[4] que perpassam o Estado e a sociedade de modo geral; esse padrão protetivo contribuiu pouco para a melhoria das condições de vida da maioria da população.
Ademais, os arranjos políticos institucionais que deram sustentação à ação do Estado além de não organizarem um sistema público de oferta de bens e serviços sociais amplo e inclusivo de modo que efetivasse a redistribuição da riqueza socialmente produzida e possibilitasse a satisfação das necessidades básicas do conjunto da população, também deixaram de realizar reformas estruturais importantes reforçando o caráter excludente do modelo societal brasileiro.
Nos anos de 1980 foram efetuadas amplas reformulações nas diferentes áreas das Políticas Sociais buscando alterar a forma de organização do padrão de intervenção social brasileiro e incorporando dispositivos mais inclusivos, deslocando o princípio organizativo que era fundado no mérito individual e no status ocupacional de caráter segmentador, por outro, de viés mais universalista vinculado à ideia de cidadania universal, pautada nos direitos inscritos num código de pertencimento à nação, ampliando a noção de mínimos sociais e a responsabilidade pública, portanto, a própria concepção de Proteção Social.
Entretanto, cumpre enfatizar que a conquista e ampliação de direitos é um processo histórico, socialmente construído e determinado. Sendo assim, embora subscritos em tratados que visam à universalização, sua legitimidade e concretização dependem do padrão civilizatório requerido e aceito por cada sociedade. Daí as imensas dificuldades de no caso brasileiro esse formato de proteção social se sedimentar e se ampliar.
Nesse sentido, vemos que esse processo de mudança que foi delineado e veio sendo construído desde o período constituinte, tem sido muito tensionado e até mesmo continuamente afetado em algumas de suas prerrogativas; são processos que têm impedido a sua institucionalização.
De fato, temos vivenciado o acirramento das contradições em decorrência do avanço da crise capitalista e das ideias ultraliberais que vêm sendo adotadas no país e que têm imposto às políticas públicas em geral medidas severas, sobretudo com o corte de recursos para o financiamento das ações, no campo da proteção social aos segmentos mais empobrecidos, ao mesmo tempo em que se vivencia a intensificação dos processos de precarização do trabalho com o aumento do desemprego e do subemprego provocando impactos em todos os âmbitos da vida social, incrementando as situações de empobrecimento da classe trabalhadora.
Além disso, esse processo também se faz acompanhar de medidas políticas de cunho neoliberais assumidas em maior ou menor medida pelos diversos governos brasileiros e que tem causado fortes impactos na reprodução social da classe trabalhadora. Dentre estas estão o conjunto de estratégias de caráter contra reformistas que foram formuladas e adotadas desde os anos 1990[5], e que a partir do golpe de 2016[6] foram intensificadas com a adoção de um novo Regime Fiscal que se configurou com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 55 de 2016, denominada de PEC do Teto dos Gastos Públicos que congela recursos para investimentos nas áreas sociais.
A este conjunto de determinações o país passa a agregar outras com a chegada da Pandemia da Covid-19 no início do ano de 2020, aprofundando ainda mais o quadro de crise que já estava instalado.
Partimos aqui do pressuposto de que embora a pandemia não seja a causa da crise capitalista, traz agravamentos a ela, seja pela necessidade do isolamento social, seja pela diminuição dos fluxos das trocas tanto das economias locais quanto daqueles segmentos de ponta que estão em movimentos financeiros transnacionalizados.
Do ponto de vista da pobreza brasileira, vemos que a Pandemia da Covid-19 expõe, ainda mais, as situações do empobrecimento e das desigualdades sociais preexistentes, inclusive em sua dimensão regional.
A pandemia da Covid-19 que se disseminou no Brasil no início de 2020, contribuiu para ressaltar o verdadeiro quadro de apartação social que o país vive e os níveis de fragilidade e desproteção social que vastos segmentos mais empobrecidos da classe trabalhadora enfrentam, sobretudo pela ausência de trabalho e renda digna, condição que os obriga a não cumprir em casa o isolamento social indicado pelas autoridades sanitárias se expondo aos riscos de contágio pelo vírus, na medida em que saem às ruas cotidianamente em busca de alternativas de sobrevivência.
Pode-se dizer que o aumento de pessoas empobrecidas, nesse momento, desmonta a possibilidade que vinha sendo construída antes da pandemia de um futuro mais promissor em termos de redução da pobreza. De fato, segundo dados do IBGE (2020 apud SOUSA et al., 2021), se considerada a série iniciada em 2012, já em 2019, apenas a Região Sudeste apresentou redução no percentual de pobres (pessoas com rendimento domiciliar per capita inferior a US$ 1,9), embora, de modo pouco significativo. No Nordeste, houve ampliação, sendo que no Maranhão, o estado com maior percentual de extremamente pobres no país, com 20,4% da sua população com rendimento domiciliar per capita inferior a US$ 1,9, houve um aumento de 0,5 p.p em relação a 2018 e 2,6 p.p em comparação a 2012.
A mesma situação pode ser reforçada quando trazemos dados que indicam que o maior percentual da população com rendimento per capita inferior a US$ 5,5 está no Nordeste (42,9%) e Norte (41,6%), enquanto a Região Sul possui o menor percentual de pessoas vivendo na pobreza (11,3%). Do mesmo modo também há dados que apontam que o Maranhão apresentou redução do percentual de pessoas vivendo com rendimento domiciliar per capita inferior a US$ 5,5 desde o início da série em 2012, passando de 54,7% em 2018 para 52,2% em 2019. (SOUSA et al., 2021).
De fato, no contexto da pandemia, a pobreza e a desproteção se agravaram, na medida que as medidas políticas de austeridade instauradas no país, a partir de 2016, começaram a se materializar colocando em risco direitos sociais e econômicos, no campo da segurança alimentar, saúde, educação, além de aprofundar as desigualdades de gênero e de raça/etnia. Entre as medidas do Governo, para minimizar a crise sanitária em curso e uma economia em recessão em face da redução das atividades que geram trabalho no país, foi a aprovação da Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, que instituiu o programa de transferência de renda não condicionada, denominado Auxílio Emergencial, que atingiu 80,1% das moradias mais pobres e a 85,2% daqueles com renda domiciliar per capita de até R$ 242,15 (PNAD COVID-19 apud SOUSA et al., 2021).
Em termos regionais, o Programa atingiu 60% dos domicílios na Região Norte, 58,9% do Nordeste, 41,4% do Centro Oeste, 35,9 do Sudeste e 29,7 do Sul, o que já expõe as diferenças regionais no país. E de acordo com dados do IBGE (2020 apud SOUSA et al., 2021), os rendimentos médios efetivamente recebidos pelos que acessaram o programa foram de R$ 2.154, o que corresponde a 90,6% dos rendimentos habituais (R$ 2.377). Assim, cerca de 4,1 milhões de domicílios brasileiros (6% do total) sobreviveram somente com a renda do auxílio emergencial nos meses em que foram repassadas as parcelas.
Ao ser finalizado o Auxílio Emergencial, em dezembro de 2020, justamente no momento em que se instalava uma segunda onda da pandemia, houve recrudescimento de uma dupla crise, a sanitária e o aumento das carências, particularmente nos estados mais pobres da Federação que se situam no Norte e Nordeste.
O Maranhão, segundo pesquisa do IPEA, é o terceiro com maior número de famílias que dependem do auxílio emergencial uma vez que, em face da natureza das ocupações que existem no estado, muitas pessoas perderam seus empregos durante a pandemia. (SOUSA et al., 2021).
Enfim, a crise do modelo de acumulação que vivemos e os diversos agravamentos provocados pela pandemia de Covid-19 colocam em questão a própria sociabilidade que construímos e exigem de toda a população mundial a construção de novos parâmetros, inclusive, na relação com os recursos naturais existentes no nosso planeta.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelas reflexões desenvolvidas, as contribuições do Observatório Social e do Trabalho situam-se no campo da produção e socialização do conhecimento. Dessa forma, os estudos e pesquisas realizados no contexto do Observatório Social e do Trabalho vêm contribuindo para o aprofundamento e atualização do quadro teórico-conceitual referente às linhas de pesquisa que orientam os trabalhos do GAEPP, Destaca-se, ainda, que os estudos e pesquisas desenvolvidos pelo GAEPP, com interveniência do Observatório Social e do Trabalho, vêm contribuindo para o fortalecimento da Linha de Pesquisa Políticas Sociais e Avaliação de Políticas e Programas Sociais no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFMA.
Enfim, o Observatório Social e do Trabalho vem contribuindo para alargar e socializar o conhecimento produzido por estudos e pesquisas realizados no âmbito do GAEPP. Nessa perspectiva, vem procurando tornar efetivo o objetivo geral de sua sustentação: instituir novas bases político-acadêmicas para construção do conhecimento a partir do desenvolvimento de pesquisas sobre Políticas Públicas no campo do Trabalho e do enfrentamento à Pobreza, tendo em vista subsidiar e capacitar instituições e sujeitos sociais para se apropriarem de informações para fundamentar os processos de tomada de decisão e o exercício do controle social de Políticas Públicas.
No que tange ao Eixo Temático Trabalho, as reflexões desenvolvidas permitem evidenciar que o mundo do trabalho vem experimentando um conjunto de transformações, sob a égide do atual regime de acumulação flexível - potencializado pelas novas TIC - de avanço da ideologia neoliberal e de dominância do capital financeiro, cujas consequências mais marcantes são as crescentes tendências de superexploração da força de trabalho, de informalização e de precarização das relações de trabalho.
No Brasil, e particularmente no Maranhão, tais tendências assumem uma face mais perversa, visto que se sobrepõem a um já elevado grau de informalidade e precariedade das relações de trabalho, herdado de um passado de atraso, inerente às suas condições de país e estado periféricos e decorrentes de suas particularidades históricas.
Em termos da dinâmica de comportamento no período recente, percebe-se que, após significativos avanços experimentados pelo mercado de trabalho no Brasil e no Maranhão, sobretudo na primeira década de 2000, expressos, sobretudo, na queda da taxa de desocupação, na atual conjuntura de aprofundamento da crise política e econômica, de ajuste fiscal e de crise sanitária assiste-se a uma deterioração de todos esses indicadores, mostrando-se mais nítida a partir de 2015 e manifestando-se com maior intensidade no plano estadual. E, embora se tenha observado uma elevação do número de ocupados ao longo de 2017, esse processo foi marcado pelo aumento da precarização do trabalho, sobretudo no Brasil, em um contexto de entrada em vigor da reforma trabalhista. Ademais, vale ressaltar o fato de a recuperação econômica ter se mostrado lenta, gradual e instável, tendo sido interrompida pelos impactos econômicos negativos advindos das medidas de restrição impostas pela Pandemia da Covid-19 com efeitos deletérios sobre o mercado de trabalho no Brasil e no Maranhão.
Além disso, também compartilhamos a ideia de que essa crise pandêmica, embora acentue e coloque determinantes que impactam as economias em todo o mundo, não é a responsável pela crise do modelo de acumulação capitalista.
Sendo assim, no caso brasileiro, já vivenciávamos situações de crise e instabilidade política e econômica anterior à pandemia, mas a sua instalação no país acentua as inúmeras dificuldades já presentes, algumas delas até históricas, como a pobreza e a desigualdade social.
Impõem-nos lembrar que, no nosso país, a crise econômica e os processos de redefinição adotados explicam, em parte, a questão da pobreza, haja vista que esta é estrutural ao modelo socioeconômico historicamente adotado que se reproduz associado a uma extrema concentração da riqueza e, portanto, com altas taxas de desigualdade, situação que se mantém ao longo dos vários ciclos de acumulação. Sem esquecer também da nossa condição de subalternização periférica e de inserção tardia no circuito capitalista mundial.
REFERÊNCIAS
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Notas