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SERVIÇO SOCIAL, POLÍTICAS DE SAÚDE, TERRITÓRIOS E VULNERABILIDADE SOCIAL EM TEMPOS DE PANDEMIA
SOCIAL WORK, HEALTH POLICIES, TERRITORIES AND SOCIAL VULNERABILITY IN PANDEMIC TIMES
Revista de Políticas Públicas, vol. 26, Esp., pp. 623-640, 2022
Universidade Federal do Maranhão

Mesas temáticas coordenadas


Recepción: 12 Febrero 2022

Aprobación: 17 Junio 2022

Resumo: O artigo apresenta a discussão tecida na Mesa Temática Coordenada de pesquisas em curso no Brasil e no Chile, enfatizando os desafios do campo da saúde e do social como locus atravessado por múltiplas formas de poder, conhecimento e tecnologias. A análise se ancora na literatura especializada visando aprofundar a perspectiva de análise da pandemia da Covid-19 e de sua relação de interdependência e interpenetração recíproca entre a dimensão nacional e internacional da saúde pública. Enfatiza o desafio do enfrentamento da vulnerabilidade social agravada pela pandemia, os obstáculos do financiamento das políticas sociais, aprofundando as questões relacionadas à dinâmica do cuidado, à instrumentalidade, e ao conhecimento acumulado sobre o campo da saúde na interface com o campo das políticas sociais no enfrentamento das múltiplas formas de desigualdade social em diferentes contextos nacionais.

Palavras-chave: pandemia, saúde pública, política pública.

Abstract: The article presents the discussion at the Coordinated Thematic Table of ongoing research in Brazil and Chile, emphasizing the challenges of the health field and the social field as a place crossed by multiple forms of power, knowledge and technologies. The analysis is anchored in the specialized literature to deepen the perspective of analysis of the Covid-19 pandemic and its relationship of interdependence and reciprocal interpenetration between the national and international dimensions of public health. It emphasizes the challenge of facing social vulnerability aggravated by dynamics of the pandemic, the obstacles to the financing of social policies, deepening the issues related to the dynamics of care, the instrumentality, and the accumulated knowledge about the field of health in the interface with the field of social policies in facing the multiple forms of social inequality in different national contexts.

Keywords: pandemic, public health, public policy.

1 INTRODUÇÃO

O artigo toma como objeto de análise os múltiplos desafios decorrentes da pandemia causada pelo novo coronavírus que desencadeou um contexto de elevada incerteza quanto à capacidade do Estado, dos sistemas de saúde e das políticas públicas de responderem com medidas pertinentes e adequadas às múltiplas necessidades exigidas para o enfrentamento desse agravo à saúde no que tange à configuração atual das crises, que combina a crise estrutural do capital, a crise sanitária, econômica, política e social que se amplia no contexto pandêmico.

Torna-se importante destacar que a escolha do marco temporal remete à dinâmica do enfrentamento da pandemia no espaço territorial do Brasil e do Chile, com vistas a apreender a configuração desse agravo à saúde em territórios específicos numa etapa de ampliação dos riscos sanitários, da desigualdade e da vulnerabilidade social decorrentes da pandemia da Covid-19 nestes países, dando centralidade à dinâmica da manifestação da doença, de óbitos e de sequelas dela decorrentes e a instauração de fluxos de atenção à saúde e das políticas de proteção social no período pandêmico.

As políticas sociais são fundamentais diante do cenário pandêmico aqui apresentado, contudo há que se destacar que essas políticas são atravessadas por contradições e conflitos, produto de interesses antagônicos. Assim, há que se destacar que o cenário contemporâneo, “marcado pelas múltiplas complexidades da questão social tem no fortalecimento da intersetorialidade das políticas sociais um dos grandes desafios a ser enfrentado” (ARAÚJO; JOAZEIRO, 2019, p. 35).

A proposta da Mesa Temática Coordenada[1] ora analisada coloca no centro da prática do conhecimento o arcabouço conceitual do Serviço Social e sua inserção nas políticas sociais e de saúde em territórios marcados por inúmeras expressões de vulnerabilidade social em tempos de pandemia. A análise incide sobre a produção das autoras sobre a dinâmica dos agravos à saúde decorrentes da Covid-19 nos espaços sociais das sociedades supramencionadas, marcadas pelas especificidades e particularidades sócio-históricas que as constituem, correlacionadas com seus sistemas de saúde atravessados pelas múltiplas dimensões desse campo de intervenção e de conhecimento que se constitui um locus atravessado por formas de poder, saber e de intenso uso de tecnologia construída em diferentes contextos históricos (JOAZEIRO, 2015, 2018, 2020, 2022; ITURRIETA, 2020, 2021, 2022; ARAÚJO; 2021; ARAÚJO; JOAZEIRO, 2020; JOAZEIRO; ARAÚJO, 2022).

As tensões presentes nesse tempo da história repercutem nos diversificados espaços sociais da sociedade, cuja análise remete a um campo tenso onde estão presentes relações de forças que pressionam de forma continuada a esfera da economia, da política, do trabalho com múltiplas implicações na relação tênue entre a vida e a morte. Gramsci (2012), ao referir-se à centralidade que o conceito de relações de força tem em sua perspectiva de análise, enfatiza que o “problema das relações entre estrutura e superestrutura que deve ser posto com exatidão e resolvido para que se possa chegar a uma justa análise das forças que atuam na história de um determinado período [para] determinar a relação entre elas” (GRAMSCI, 2012, p. 36).

O estudo se ancora na perspectiva analítica de que os “riscos e vulnerabilidades não decorrem de responsabilidade individual, mas de um conjunto de desigualdades estruturais, socioeconômicas e políticas e da ausência de proteção social” (PNAS, 2004, p. 4). Torna-se importante assinalar que utilizamos o conceito de território na perspectiva de Santos (2006), ou seja, como “o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações de sua existência” (op. cit., p. 13), ou seja, na perspectiva de Koga, será empreendida “uma análise territorial para além da cartografia” (2011, p. 22).

A relação entre necessidade de saúde e necessidades humanas (PEREIRA, 2011) e políticas públicas requer adentrar no universo dos conceitos com os quais a política intervém e aqueles que ela almeja transformar; nesse sentido, ao pensar a dinâmica da Covid-19 na sua interface com o campo do social é necessário pensar que a política intervém pautada nas necessidades humanas e necessidades em saúde na sua relação particular e específica com e no território vivido. Joazeiro e Mariosa (2015, p. 185) assinalam, ainda, que “a compreensão das múltiplas dimensões da realidade social pressupõe a necessidade de uma leitura na perspectiva da totalidade”, a qual se constitui uma categoria ontológica e teórico-metodológica que está em constante movimento.

Cumpre destacar que as categorias na perspectiva de Lukács (1979) são “formas de ser, determinações da existência, elementos estruturais de complexos relativamente totais, reais, dinâmicos, cujas inter-relações dinâmicas dão lugar a complexos cada vez mais abrangentes, em sentido tanto extensivo quanto intensivo” (op. cit., p. 28), ou seja, as categorias não são apenas lógicas, elas são ontológicas porque não são apenas explicações do real, mas formas de conceber o real. São formas de relacionar-se com o real, buscando nesse sentido, a compreensão de suas singularidades e de suas particularidades enquanto partes de uma totalidade.

No cotidiano dos territóriosdase nas políticas públicas gestores, profissionais e universidades têm sido interpelados por desafios que exigem reconstruir os sentidos, ao mesmo tempo, que se veem desafiados a imprimir novas sistemáticas no trabalho, sendo demandado construir novos conhecimentos que precisam ser analisados sob a égide de uma nova perspectiva analítica, uma vez que estamos diante do imperativo ético de buscar compreender o processo sócio- histórico em curso, os sentidos da intervenção no âmbito das políticas públicas e, portanto, ressignificar a própria intervenção e a formação no âmbito do Serviço Social em diferentes contextos.

2 PANDEMIA, VULNERABILIDADE SOCIAL E POLÍTICAS SOCIAIS

A dimensão da crise sanitária no Brasil e no mundo, em razão da pandemia da Covid-19, tem se constituído num cenário de preocupação “não apenas pelo avanço do vírus, mas pela dificuldade de adoção de medidas simples de cuidado em saúde, principalmente, aquelas relacionadas à prevenção e ao combate à doença” (PALÁCIO, TAKENAMI, 2021, p. 11). Soma-se a esse contexto, a instabilidade na manutenção das políticas públicas e sociais diante do contexto de crise estrutural do capital, que tem marcado e fragilizado a dimensão universal das políticas sociais.

Nesse sentido, a combinação da crise estrutural do capital (MENDES; CARNUT, 2020) com os efeitos adversos da pandemia tem exigido dos Estados Nacionais a adoção de ações imediatas. Um olhar atento à dinâmica da vida nas cidades tem revelado que “grupos sociais historicamente submetidos a processos de vulnerabilização sofrem em intensidade desproporcional os efeitos adversos e a desatenção das medidas adotadas para o enfrentamento à crise” (PIRES, 2020, p. 78), uma vez que a distribuição desigual desses efeitos e os déficits de atenção e de cobertura sobre o território e suas populações atingem de forma diferenciada amplos segmentos de população. A gestão da crise é hoje uma decisão que envolve inúmeros sujeitos cuja ação tem relações de interdependência e de interpenetração recíproca (JOAZEIRO, 2022, p. 10) diante das múltiplas complexidades, desafios e fragilidades que requisitam a realização de uma rigorosa ascese da estrutura e da conjuntura, levando em consideração as articulações, tensões e potencialidades presentes na realidade.

A discussão sobre as especificidades da dinâmica da pandemia, os desafios postos aos sistemas de saúde e às políticas sociais no enfrentamento dos riscos e das vulnerabilidades presentes em diferentes contextos nacionais e internacionais, repropõem a necessidade de uma densa e continuada reflexão e análise dos desafios postos nesse processo de enfrentamento da pandemia e a contínua decifração das expressões da questão social (IAMAMOTO, 2015) visando a construção de reservas de alternativas em defesa da vida e da cidadania.

Inúmeros países em diferentes continentes inserem-se na dinâmica perversa entre as próprias configurações históricas e a realidade multifacetada que se apresenta na atualidade. Nesse contexto, tem sido fundamental buscar compreender as configurações, particularidades e singularidades da dinâmica dos agravos à saúde decorrentes da Covid-19 no âmbito dos sistemas de saúde nos territórios, uma vez que um grande contingente de população está submetido a diferenciados níveis de risco de contágio e de disseminação desse agravo à saúde, o que torna relevante apreender a dinâmica desses riscos e sua materialização nos territórios das cidades de variados portes populacionais e de diversificada composição da rede de atenção à saúde.

O tempo da pandemia implica profundas alterações na dinâmica da vida social, na sociabilidade primária e secundária, com forte impacto na vida produtiva e nas relações sociais, os profissionais das diversas políticas, especialmente, no âmbito da política de saúde e da assistência social, precisam se situar no interior desse processo dinâmico da atenção à saúde da população usuária que busca orientação, atendimento, intervenção e proteção nos diversos serviços de saúde e socioassistenciais.

Esse debate coloca, como imperativo epistemológico e ético a necessidade de pensar o lugar do Estado e a relação Estado/sociedade civil na conjuntura atual, ao mesmo tempo que torna importante buscar apreender o lugar das políticas sociais enquanto “processo e resultado de relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado e sociedade civil, no âmbito do conflito e luta de classes” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 36) que são inerentes à dinâmica do capitalismo. Pires (2020, p. 8) afirma que “os segmentos sociais vulnerabilizados tendem a possuir menores capacidades de absorção dos variados impactos que as medidas de enfrentamento à crise podem provocar em suas vidas”, o requer de quem intervém buscar compreender as configurações, particularidades e singularidades desse agravo à saúde no âmbito do trabalho, da formação profissional e nos territórios.

No campo da saúde, considerada a complexidade das necessidades em saúde, a heterogeneidade de suas demandas e a premência de tomadas de decisões respaldadas em conhecimentos vários, nas relações de poder e no uso de tecnologias oriundas de diversos campos conceituais e tecnológicos, torna indispensável que os profissionais das diversas políticas públicas possam compreender o lugar que eles próprio[s] ocupa[m] na cadeia que liga seu[s] destino[s] aos que decidem e vivem o cotidiano (SCHWARTZ, 2000; JOAZEIRO, 2002).

A Política de Saúde, a exemplo da Política de Assistência Social no Brasil, “se configura, necessariamente, na perspectiva socioterritorial [...] cujas intervenções se dão essencialmente nas capilaridades dos territórios" (PNAS, 2004, p. 14). Nesse sentido, torna-se importante assinalar que na esfera do “social” está presente a necessidade de apreender a relação e a articulação entre os conceitos de necessidade humana, de necessidade mínima e básica e o conceito de necessidades de saúde, uma vez que essas necessidades se constituem num dos fundamentos da busca da população usuária pelos serviços de saúde e pelas políticas sociais públicas ou não.

No entanto, para compreender o conceito de necessidades é necessário que façamos uma reflexão sobre os termos “mínimos sociais” e “necessidades humanas básicas”, pois apesar de parecerem conceitos próximos, esses termos possuem sentidos diferentes. Assinala Pereira (2011, p. 26) que enquanto “ o mínimo pressupõe supressão e cortes do atendimento [...] o básico requer investimentos sociais de qualidade para preparar o terreno a partir do qual maiores atendimentos podem ser prestados e otimizados”.

Pereira (2006) afirma que “se não houvesse necessidades percebidas e socialmente compartilhadas, não existiriam políticas, direitos, normas protetoras, trabalho e tantas outras respostas resultantes da práxis humana” uma vez que é por seu intermédio que “tanto a natureza quanto a sociedade (e os próprios atores sociais) são transformados” (PEREIRA, p. 68). Nessa perspectiva, as políticas públicas podem ser vistas como mecanismos pelos quais o Estado atua sobre as demandas que emergem por intermédio da sociedade civil e das classes sociais em disputa, o que requer o fortalecimento do Sistema de Proteção Social. Ancoramo-nos no conceito de sistemas de proteção social de Di Giovanni (1998, p. 10) o qual assinala que esse sistema se constitui “nas formas – às vezes mais, às vezes menos institucionalizadas – que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros”.

[...] tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doença, o infortúnio ou as privações. Incluo nesse conceito também tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição de bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto de bens culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a integração, sob várias formas, na vida social. Incluo ainda, os princípios reguladores e as normas que, com o intuito de proteção, fazem parte da vida das coletividades (DI GIOVANNI, 1998, p. 10).

O cotidiano da vida das populações vulneráveis envolve mútuas e múltiplas situações de fragilidade pessoal e/ou social associadas às expressões da questão social, ampliadas pelas dimensões culturais, econômicas, políticas e territoriais, que estão acentuadas pelas grandes dificuldades relacionadas à inserção, à participação social e ao sustento de si e de suas famílias. Essas experiências, segundo Farias e Leite (2021, p. 4-5) “são marcadas pelas dificuldades de acesso a bens sociais necessários para a própria manutenção da vida, individual e coletiva, limitando a vivência de atividades significativas para si e para o seu grupo de pertencimento”.

Nesta perspectiva, pensar a formação e o trabalho no campo do social pressupõe adensar a análise da dinâmica desse agravo na sua relação direta com a multiplicidade de aspectos que se tornam mais evidentes em situações limites, como as impostas pelo contexto da pandemia da Covid-19, nas quais vidas precárias, dentro de uma política de desigualdade, ficam ainda mais passíveis à morte, e a opressão em eminência. Cumpre destacar que, para tornar visíveis essas necessidades, é requerido de quem intervém a decifração da realidade social e a compreensão entre a razão de ser e de conhecer da profissão. Assinala Guerra (2014) que,

[…] razão de ser e razão de conhecer a/da profissão constituem-se em dois momentos de um mesmo movimento que se materializa na intervenção profissional do assistente social. A primeira, estreitamente vinculada às condições que marcaram a institucionalização da profissão e àquelas sob as quais a intervenção vem se processando; a segunda, entendida como uma postura sistemática e coerente de compreensão da profissão, dos processos sociais, das demandas e requisições que lhe são postas historicamente, das políticas sociais, das racionalidades (GUERRA, 2014, p. 269).

Nesse sentido, a compreensão dessas dimensões possibilita expressar a capacidade de um aprofundamento centrado em conhecimentos densos e específicos, que permitem enriquecer suas análises e justificar as escolhas indispensáveis para uma intervenção, e para uma consistente leitura capaz de decifrar a realidade e de construir reservas de alternativas. Nesse meio, é requerido de quem intervém o acesso a conhecimento de inúmeras coisas que importam conhecer para poder se situar nesse espaço de trabalho, intervenção, assistência e formação. Schwartz (2000) afirma que há uma imprevisibilidade sempre presente nas transformações futuras do espaço social frente ao trabalho. Essa característica de imprevisibilidade dá-se porque a atividade está diante sempre de “reservas de alternativas” que podem dar origem a diversas realidades, isto porque na atividade se abrem caminhos que possibilitam a transformação social, tanto no que diz respeito às populações concernidas, mas também na relação com a sociedade como um todo.

Nesta perspectiva, a formação e o trabalho no campo do social em tempos de pandemia, tem requerido de quem intervém a apreensão da dinâmica complexa dos agravos à saúde da Covid-19 de forma a reconhecer as mudanças no arcabouço conceitual, legal, normativo e interventivo na dinâmica assistencial diante dos desafios postos à atenção à população em tempos de pandemia. Requer ainda o aprofundamento de questões relativas ao cuidado, à instrumentalidade, ao conhecimento acumulado sobre a temática, a educação permanente e o estabelecimento de comunicação visando a sensibilização e o envolvimento das políticas públicas.

O desafio de enfrentar a complexidade da dinâmica desse agravo à saúde remete a uma dupla convocação, indispensável ao processo de intervir na vida das pessoas em situações complexas, que requisita do protagonista do trabalho no campo da saúde e no campo do social, que seja capaz de convocar e [re]questionar “os conhecimentos epistêmicos e disciplinares, ao mesmo tempo que, requisita, reconstrói saberes nascidos da atividade concreta de trabalho, indispensáveis para consolidar uma trama protetiva intra, inter e extra institucional” (JOAZEIRO, 2018, p. 177).

A dinâmica ora instaurada explicita que há um imperativo ético que nos convoca enquanto sujeitos partícipes do processo de intervenção nas políticas de enfrentamento da Covid-19, cuja construção de um trabalho coletivo, sinérgico, rigoroso e partilhado terá um papel fundamental diante da gravidade dos riscos que se colocam no cenário política e da condução do enfrentamento do quadro sanitário decorrente da Covid-19, que muitas vezes, acarretam riscos iminentes à vida e a cidadania.

3 VOCAÇÃO PROFISSIONAL E AUTOESQUECIMENTO

No contexto da Covid-19, caracterizada por incertezas diante de algo desconhecido e onipresente, como o SARS-CoV-2, o significado do trabalho profissional na intervenção social no campo da saúde foi reposicionado como o exercício de uma vocação necessária e urgente para a população e, portanto, como um componente central da vida pessoal e social deste profissional. Entretanto, nos contextos neoliberais, como acontece em vários países da América Latina, a vocação profissional é permanentemente tensa pela forma centralizada e universalista com que as políticas públicas são concebidas no país, o que tem sido especialmente relevante entre aqueles que trabalham na intervenção social no campo da saúde, uma vez que tais políticas não escapam a estas características.

O centralismo que lhes está subjacente semeia dúvidas sobre sua relevância, já que são concebidos de acordo com a imagem dos estratos branco, urbano e socioeconômico baixo (PODESTÁ, 2011), com muitas dessas políticas vetando explicitamente a possibilidade de redesenhar de acordo com os contextos locais, ou então esse trabalho profissional é permitido, mas não é reconhecido, nem materialmente nem simbolicamente, para aqueles que o realizaram. Isto, juntamente com a mercantilização na implementação de políticas públicas e suas repercussões prejudiciais sobre a população são preocupações profissionais comuns, que, juntamente com a evidência do acesso desigual à saúde e à pobreza, têm sido expostas no contexto da Covid-19, levando aqueles que trabalham no campo da intervenção social em saúde a se concentrarem em se entregar o máximo possível à população.

Isso levou aqueles que trabalham no campo da intervenção social em saúde a concentrar ao máximo seus esforços para aliviar os efeitos da Covid-19 sobre a população, mesmo que isto tenha significado uma espécie de "autoabandono" no sentido de que ser profissional de saúde no contexto da SARS-CoV-2 assume proporções épicas, o que, baseado em sua vocação, significa que estas pessoas se veem mais como profissionais do que como trabalhadores assalariados e, portanto, seus direitos trabalhistas ocupam o segundo lugar. Este aspecto se soma ao fato de que, no imaginário coletivo, o status social atribuído a ser um profissional permanece em vigor, sendo expresso como a ideologia meritocrática da classe média, de onde emerge a maioria daqueles que escolheram estas profissões, nas quais o anseio por estabilidade econômica e mobilidade ocupacional permanece associado ao ensino superior.

Para tais configurações de subjetividade profissional contribuiria a ideia de vocação, que está dentro dos componentes subjetivos do conceito de profissão, onde as noções de vocatio e occupatio que uma pessoa tem são centrais. Vocatio "é o elemento interno, que vê a profissão como um destino marcado a partir das profundezas da pessoa ou do conjunto de disposições e capacidades, como uma realidade potencial" (GÓMEZ, 1998, p. 314). Occupatio, por outro lado, considera a profissão como o que uma pessoa faz externamente e de fato faz (GÓMEZ, 1998).

A vocação teria componentes, referindo-se às possibilidades vitais como aptidões, facilidade, prazer na atividade e intencionalidade, uma vez que a vocação é "algo por algo". É assim que a vocação situaria uma pessoa não só diante de si mesma, mas também diante dos outros, pois "a profissão não só dá origem a um hábito [...] mas algo mais, a uma maneira de lidar com a realidade, uma maneira de conhecer a realidade e uma maneira de se situar diante da realidade" (GÓMEZ, 1998, p. 316).

Guiado por um senso de vocação, o trabalho profissional daqueles que trabalham na área da saúde a partir do Trabalho Social, Psicologia e Psicopedagogia tem sido central para conter os efeitos sociais e emocionais causados pela expansão da Covid-19 em nossas sociedades, nas quais as consequências socioemocionais negativas sobre a população têm sido particularmente relevantes, dado o exílio e o imperativo de felicidade que regem a vida cotidiana permeada pelo neoliberalismo dominante, e do qual os profissionais de intervenção social no campo da saúde não estão isentos, dado que nas sociedades neoliberais "a felicidade é o que dita a organização do mundo" (AHMED, 2019, p. 22), porque está simbolizado nos ideais coletivos de saúde, riqueza, conforto, corpo, prestígio, beleza, todos os talismãs do supremo bem-estar, (BRUCKNER, 2012). Ser feliz torna-se uma meta ou um fim em si mesmo e, em última instância, um imperativo (AHMED, 2009).

A presença da Covid-19 em nossas sociedades, os riscos à saúde que implica os confinamentos maciços e prolongados e a deterioração das condições materiais de existência de muitas famílias, exacerbam a ideia da felicidade como um bem desejável que, por sua vez, leva a um anseio por uma síntese sublime entre o sucesso profissional, amoroso, moral, familiar e amigável, com o qual obteremos, como recompensa, a satisfação perfeita (BRUCKNER, 2012). Consequentemente, o desejo de felicidade se traduz em uma política de ilusão, que exige que vivamos de acordo com esta propensão, com a convicção de que o destino de cada pessoa e as possibilidades de melhorar sua existência lhe pertencem, portanto, “na medida em que o que causa felicidade é promovido, para todas as pessoas bem integradas em suas sociedades, a própria felicidade se torna um dever” (AHMED, 2019, p. 29). Neste sentido, aqueles que trabalham no campo da intervenção social na saúde têm o imperativo não só de alcançar sua própria felicidade, mas também de aumentar a felicidade das pessoas que são alvo de seu trabalho profissional.

Este imperativo está de acordo com sua "vocação interior", ou seja, com sua vocação profissional e, portanto, em um contexto social e de saúde como o atual, eles se concentram em empregar todos os seus dispositivos profissionais para alcançar sua própria felicidade através do dever bem-feito em coerência com sua vocação, e para aliviar os problemas sociais e de saúde experimentados pelas populações-alvo de seu trabalho profissional. No entanto, como já assinalamos acima, isto está em uma encruzilhada com a forma como as políticas de saúde são concebidas, permeada pelo neoliberalismo que se espalhou pelo continente.

Várias investigações realizadas no contexto da Covid-19, no Chile, com profissionais de Trabalho Social, Psicologia e Psicopedagogia que trabalham na área da saúde, mostram que, ao contrário dos postulados de Bauman (2004), este tipo de profissional, independentemente de suas profissões e idade, é guiado pela ética do trabalho e não pela estética do consumo. O orgulho, significado ou objetivo do trabalho e a manutenção da relação afetiva entre o profissional e sua atividade de trabalho permanecem em vigor. Neste contexto, a dedicação ao trabalho ainda é um parâmetro para determinar o prestígio e a posição social que se julga merecer, mesmo quando se sente que é inferior a de outros tipos de profissionais.

Por outro lado, o valor do trabalho para este tipo de profissional continua sendo intrínseco como sentido da vida, que está associado a critérios imateriais de qualidade de vida ligados à satisfação profissional pelas conquistas alcançadas na prática profissional; pelos vínculos afetivos com aqueles a quem seu trabalho é destinado; pelo reconhecimento que podem receber por suas intervenções; e pelas possibilidades de viver novas experiências que lhes permitam aumentar seu desenvolvimento profissional, o que é coerente com os novos significados do trabalho humano. Enquanto isso, como o valor do trabalho para este tipo de profissional é intrínseco, eles mantêm a ideia de exercer uma profissão para a vida, como algo desejável e até mesmo identificável. Assim, para este tipo de profissional, o trabalho continua a desempenhar um papel diário como eixo de inclusão social e parte do sentido da vida pessoal.

No entanto, e dado que as profissões são construções sociais e como tal são moldadas em um contexto cultural, político, social e econômico, seria possível manter, após desenvolver a análise dos dados empíricos destas investigações, que os profissionais de intervenção social em saúde se assumem mais como profissionais do que como trabalhadores assalariados, uma vez que, como pessoas meritocráticas, alcançaram o ideal coletivo de serem profissionais universitários qualificados e, portanto, com maior prestígio social do que seus pares não-universitários. Isto levaria ao fato de que entre este tipo de profissionais não existe a ideia de serem trabalhadores assalariados que fazem parte de um sistema capitalista de produção, embora muitos deles expressem contradições diárias neste sentido (ITURRIETA, 2021).

De outra perspectiva, dado o papel das profissões nos estados neoliberais, suas subjetividades, e, portanto, suas ações profissionais, são permeadas pela ideia de contribuir para consolidar o bem-estar privado de alguns indivíduos, inclusive o seu próprio, mesmo quando suas definições de trabalho precário excluem os conteúdos referentes à seguridade social no campo da saúde e do envelhecimento. Em última análise, isto aparece como uma naturalização - embora não em todos, na maioria dos casos - da precariedade da mão de obra representada pelo tipo de contrato de honorários que é comum em países com sistemas neoliberais, onde a implementação de políticas de intervenção social em saúde é terceirizada.

Além disso, em suas subjetividades, a ideia de vocatio é inescapável como componente gravitante de suas definições profissionais, o que se sobreporia à possibilidade de autodefinição como trabalhadores assalariados pertencentes à classe trabalhadora. Assim, os dados empíricos obtidos a partir das pesquisas acima mencionadas alertam para a necessidade de prestar atenção à formação universitária em carreiras ligadas à intervenção social, dada a despolitização que pode ser observada nos discursos profissionais no contexto da Covid-19, cujas histórias de vida foram livremente estruturadas por seus protagonistas, sem qualquer tipo de diretrizes de entrevista, exceto por suas subjetividades diante da intervenção social direta, exibem poucas passagens crítico-sociais, exceto aquelas relacionadas ao centralismo, focalização e fragmentação com as quais as políticas públicas são concebidas. Assim, há uma necessidade urgente de enfatizar e contextualizar social e politicamente o conceito de vocatio com o qual as futuras gerações de profissionais no campo das Ciências Sociais estão sendo formadas.

O sentido de discutir vocação está relacionado a garantir que aqueles que trabalham neste campo sejam capazes de assumir-se como trabalhadores assalariados com plenos direitos trabalhistas, sem que suas vocações escondam as precárias condições de trabalho que vivem por trás de um manto de felicidade socialmente imposta nas sociedades neoliberais, cuja meritocracia deve ser permanentemente questionada. Da mesma forma, há uma necessidade urgente de discutir, durante a formação profissional, os imperativos de felicidade que hoje permeiam as realidades de nossos países, e as formas pelas quais isso esconde a precariedade vivida diariamente por aqueles que são testemunhas oculares da escassez vivida por milhares de pessoas em nossos países, que, disfarçadas de mérito e esforço individual, escondem sacrifícios de saúde mental e vida emocional em torno de famílias e amizades.

4 SERVIÇO SOCIAL, FORMAÇÃO E DESAFIOS DA E NA ATUALIDADE

O Serviço Social é uma profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, que tem como objeto de sua intervenção a questão social, aqui compreendida como “o conjunto multifacetado das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado” (IAMAMOTO, 2015, p. 177). Nessa perspectiva, a formação profissional do e no Serviço Social,

[...] não pode ser vista apenas a partir da demanda já estabelecida socialmente: ela tem a função de, a partir de um distanciamento crítico-analítico do panorama ocupacional, apontar as possibilidades teórico-práticas da profissão apresentadas pela própria realidade (IAMAMOTO, 2015, p. 192).

No Projeto ético político do Serviço Social no Brasil, foi necessário superar “a tricotomia história/teoria/método [...] que por sua vez logrou a superação da visão tradicional do Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade” (GUERRA, 2018, p. 27), consagrando uma nova direção assumida nas Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) de 1996. Yazbek (2018, p. 47-48) enfatiza que esses fundamentos são constituídos por múltiplas dimensões, sendo que, “na atualidade, eles se expressam na abordagem histórico-crítica fundada na teoria social marxiana” na perspectiva de ruptura com o pensamento conservador dando densidade às análises e ao arcabouço teórico e conceitual da profissão.

Assim, o Serviço Social no decorrer de sua história foi construindo seu corpus conceitual e axiológico, tendo gradualmente se afastado do paradigma da caridade e construindo um arcabouço teórico e interventivo capaz de compreender os desafios dessa [re]configuração em uma sociedade em contínuo processo de mudança.

Cumpre destacar que a formação do Serviço Social adotou uma nova perspectiva analítica e conceitual na matriz curricular com base nas Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social de 1996 (ABEPSS), alterando a organização do currículo com base em disciplinas, para uma proposta estruturada em consonância com os Núcleos de Fundamentos da Formação Profissional do Serviço Social: Núcleo de Fundamentos da Vida Social, Núcleo de Fundamentos da Realidade Brasileira e Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional.

Esses Núcleos expressam “níveis distintos de abstração de análise requeridos para o deslizamento do Serviço Social na sociedade brasileira, sendo, neste sentido, complementares e indissociáveis entre si” (CARDOSO et al., 1997, p. 154). Nessa perspectiva, a formação deve ser “situada nas entranhas das reais e concretas contradições que marcam a conjuntura atual, as quais cada vez mais são escamoteadas pela ideologia dominante e deslocadas do centro para a periferia” (GUERRA, 2018, p. 26). Ao mesmo tempo que deve incorporar a política social pública ou não, como uma estratégia indispensável para o enfrentamento da desigualdade da sociedade de classes no capitalismo, além de valorizar a perspectiva marxiana da totalidade do ser social.

Na atualidade tem sido requerido da profissão [re]conhecer “a diversidade de propostas em disputa na arena do Serviço Social, o desafio é manter com garra a luta pela hegemonia no Serviço Social como profissão e como disciplina científica” (IAMAMOTO, 2019, p. 456), principalmente, considerando que na atual conjuntura tem sido fortalecido um “projeto ultraliberal conservador e obscurantista, de estímulo ao ódio de classe e aos grupos sociais historicamente excluídos de acessos a bens, serviços públicos e direitos” (YAZBEK; RAICHELIS; SANT’ANA, 2020, p. 207).

Nesse sentido, pensar a formação requer a compreensão desse processo e de sua [re]configuração no denso tecido da história que continuamente é atravessado por profundas transformações em suas dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais, ou seja, significa que o estudante, em seu processo de formação deverá, gradualmente, ser capaz de transitar da dimensão do imediato para o emergente “pois entende-se que o Serviço Social não atua apenas sobre a realidade, mas atua na realidade” (IAMAMOTO, 2015, p. 55, destaques da autora).

Cumpre destacar que há uma tendência histórica que precisa ser enfrentada na profissão, que consiste no fato de permanecer na esfera do que Guerra (2014) denomina como o imediato, ou seja, está relacionado às ações as quais o profissional é interpelado cotidianamente “no aqui e agora da atividade de trabalho” (JOAZEIRO, 2018). Na perspectiva analítica de Guerra (2014, p. 267) “para atuar “no nível do imediato, a ação profissional pode limitar-se à manipulação de variáveis do contexto empírico”, o que requer desse profissional ser capaz de construir categorias analíticas que permitam balizar a aproximação e a leitura do cotidiano no exercício profissional, aproximando-se da dimensão de análise do emergente.

Assinala Guerra (2014) que “o fenômeno ‘emergente’ contempla a necessidade de [re]conhecer os processos que se insinuam, que se encontram latentes aos fenômenos, ou ‘aquilo que salta, que manifesta, que sai do estado em que estava (GUERRA, 2014, p. 268). Nesse sentido , a formação profissional do Serviço Social tem requerido de quem intervém, que seja capaz de desenvolver uma perspectiva que incorpore o emergenteda e na profissão, uma vez que para realizar uma análise aprofundada, que coadune as dimensões estruturais e as conjunturais dessas [re]configurações é requerido de quem as realiza que se ancore em orientações teóricas capazes de captá-los não somente em suas particularidades, mas em suas múltiplas determinações, enquanto momentos de uma totalidade, indispensáveis para uma aproximação da atividade real do trabalho. Requer ainda, compreender a “indissociabilidade de conhecimentos e saberes, que se constituem um dos princípios que fundamentam a formação profissional do assistente social e sua articulação no cotidiano do trabalho” (ARAÚJO; JOAZEIRO, 2020, p. 168).

Ao mesmo tempo que tem requisitado do estudante em processo de formação, apreender a dinâmica “conjuntural e a correlação de forças manifesta ou oculta” (GUERRA, 2014, p. 268) uma vez que “as ações profissionais tendem não apenas a realizar o atendimento da necessidade imediata, como ainda a se vincular aos projetos sociais das classes que mediatiza” (op. cit, p. 268). A vivência cotidiana desse processo implica a necessidade do [re]conhecimento das múltiplas especificidades e continuidades da questão social, materializadas na vida concreta das populações, sem perder de vista, as múltiplas questões relativas à estrutura sócia histórica.

Essa direção social definida numa perspectiva teleológica tem sido marcada por múltiplos e mútuos desafios postos à formação a partir das transformações que estão em curso, marcadas por retrocessos nas políticas públicas e sociais, que se tornam mais perversos no contexto da crise sanitária causada pela pandemia da Covid-19 e de suas variantes.

Cumpre destacar que o campo da saúde é um espaço social marcado por tensões constitutivas, nele está presente “o uso intenso de tecnologia, relações de poder, a presença de saberes múltiplos, além dos desafios de constituir coletivos com qualidades sinérgicas” (JOAZEIRO, 2018, p. 120). Esse espaço de formação e de atenção à saúde, exige de quem nele intervém, que se situem no tempo e na história, e que possa ir ao encontro da experiência nesse campo e nas demais políticas sociais públicas, cuja experiência concreta demanda,

[...] um entrecruzamento [...] um permanente retrabalho mútuo de saberes, em dois níveis simultâneos: entre os diversos saberes acadêmicos que estão presentes na formação do(a)s estudante(s) e entre os saberes que o exercício profissional acumula na sua relação com o usuário (JOAZEIRO, 2018, p. 22).

Essa perspectiva de análise exige do protagonista da atividade de trabalho, seja ele o profissional ou o estudante em processo de formação, que se situem no tempo e na história, cuja experiência concreta demanda o premente desafio de potencializar a dimensão de indissociabilidade existente entre a formação acadêmica e o exercício profissional. Dessa forma, é indispensável assinalar a importância no âmbito da graduação, desse processo de aproximação do discente, visando ampliar as condições para uma formação crítica, ética e com base numa perspectiva de totalidade, marcada por uma visão teleológica que fortaleça a profissão.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise intentaremos articular os marcos conceituais e legais de natureza geral, com a apreensão da dinâmica assistencial das políticas sociais inseridas nos territórios dos dois países, com ênfase na apreensão da dinâmica do agravo à saúde nos territórios e da sistemática assistencial estabelecida em contextos nacionais diferenciados. Nesse contexto de elevadas incertezas e de crises, está em curso a tendência de ampliação das características nefastas no que tange à ampliação da vulnerabilidade social, a perda de direitos, e a redução do financiamento das políticas sociais. Neste tempo pandêmico, em especial convivemos com o enfraquecimento dos sistemas de saúde que estão sob a égide da perda da dimensão universal das políticas públicas, dentre elas a saúde e da seguridade social, com ênfase na fragilização dos sistemas de proteção social em diferentes contextos nacionais.

A conjugação destas dimensões, em última instância, tem tido fortes implicações para a dinâmica da sobrevivência de significativos contingentes de população, especialmente, para a classe-que vive-do-trabalho (ANTUNES, 2015, p. 82, destaques do autor), que também se constitui a população usuária dos serviços destas políticas sociais. Esse contexto impõe sérios obstáculos aos sistemas de saúde, ao mesmo tempo que expõe os limites relativos à ampliação da desigualdade social, revelando de modo inelutável as diferenças no acesso à proteção social. Torna-se importante assinalar que o cenário pandêmico evidencia os efeitos adversos da vulnerabilidade de acesso, agravada pela presença de grandes contingentes de população marcados pela desigualdade social e territorial. A questão do território, suas potências e fragilidades marca de modo inelutável o estudo, uma vez que ao pensar o trabalho na saúde, se colocam em questão aspectos da estrutura e da conjuntura, para as quais a apreensão dos múltiplos aspectos do território tem uma importância capital.

Esse contexto, atravessado por dimensões históricas, societais e legais tem implicações no modo de viver, de pensar, de compreender e de intervir no campo da saúde e no campo do “social”, e requer de quem intervém nesses espaços sociais o desafio de continuamente [re]convocar conhecimentos amealhados ao longo da sua própria trajetória profissional e de vida, assim como remete à necessidade de apreender como a configuração dessas mudanças vai sendo tecida no decorrer do tempo.

Nesta perspectiva de análise, enfatizamos a relevância de análises socioterritoriais para a compreensão do lugar que a intervenção da e na política de saúde e nas políticas sociais diversas tem tentado ocupar no processo de enfrentamento da pandemia da Covid-19, contudo o contexto de regressão de direitos tem colocado em risco a defesa da vida, o acesso a direitos, a democracia e a proteção social, daí a importância de, em tempos sombrios, fazer da ciência um espaço de construção de caminhos e de reservas de alternativas.

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Notas

[1] Realizada na X Jornada Internacional de Políticas Públicas, JOINPP (2021), com uso de tecnologia remota em decorrência das medidas sanitárias decorrente da pandemia da Covid-19.


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