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UMA ABORDAGEM DAS POLÍTICAS URBANAS pacto federativo, sujeitos institucionais e desigualdades socioespaciais em São Luís, Maranhão

AN APPROACH TO URBAN POLICIES: federative pact, institutional subjects and socio-spatial inequalities in São Luís, Maranhão

Frederico Lago Burnett
Universidade Estadual do Maranhão - UEMA, Brasil
Jacilmara Santos Melo
Universidade Estadual do Maranhão - UEMA, Brasil
Jailson Silva Pinheiro
Universidade Federal do Maranhão - UFMA, Brasil
José Rui Moreira Reis
Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, Brasil

UMA ABORDAGEM DAS POLÍTICAS URBANAS pacto federativo, sujeitos institucionais e desigualdades socioespaciais em São Luís, Maranhão

Revista de Políticas Públicas, vol. 26, Esp., pp. 697-717, 2022

Universidade Federal do Maranhão

Recepción: 14 Febrero 2022

Aprobación: 31 Marzo 2022

Resumo: Considerando as políticas urbanas como decisivas na produção do espaço e a partir da atuação das gestões estadual e municipal na infraestrutura e serviços públicos de São Luís, Maranhão, este texto discute a lógica da divisão das competências urbanísticas entre os entes federados no Brasil. A partir da caracterização do Estado brasileiro, produto da modernização conservadora nacional, e do histórico recente das políticas de infraestrutura e serviços urbanos, habitação e transportes na capital maranhense, o texto constata que as políticas urbanas estaduais e municipais resultam de pacto local histórico e reproduzem os dois circuitos da economia da cidade dos países periféricos com ações públicas combinadas que garantem e aprofundam a segregação espacial, a desigualdade social e a dominação política em São Luís.

Palavras-chave: Pacto federativo, políticas do urbano, desigualdades socioespaciais, São Luís.

Abstract: Considering urban policies as decisive in the production of space and based on the performance of state and municipal administrations in the infrastructure and public services of São Luís, Maranhão, this text discusses the logic of the division of urban competences between the federated entities in Brazil. Based on the characterization of the Brazilian State, a product of national conservative modernization, and the recent history of infrastructure and urban services, housing and transport policies in the capital of Maranhão, the text finds that state and municipal urban policies result from a historic local pact and reproduce the two circuits of the city's economy in peripheral countries with combined public actions that guarantee and deepen spatial segregation, social inequality and political domination in São Luís.

Keywords: Federative pact, urban policies, socio-spatial inequalities, Sao Luís Maranhão.

1 INTRODUÇÃO

As diretrizes legais aprovadas pela Constituição Federal (CF) de 1988 e regulamentadas pelo Estatuto da Cidade (EC) em 2001 evidenciam a importância assegurada aos temas do planejamento e gestão urbana para promover o direito à cidade, “entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 2001). Entretanto, a compreensão da efetividade de tais princípios implica ir além da história e da geografia de nossas cidades, exigindo desvendar processos que, perante a cambiante realidade urbana e como resultado de forças sociais em disputa, ocorrem em escalas e arenas diferenciadas, conforme alianças e conflitos de interesses. A partir de tal premissa, este texto discute ações e relações entre os governos estadual e municipal na implementação das políticas do urbano que produzem e reproduzem o espaço da cidade de São Luís, Maranhão.

Tomando como premissa a existência de um pacto federativo que viabiliza, simultaneamente, a unidade nacional e o exercício do poder estatal em suas várias instâncias, o artigo discute as políticas do urbano, tomando como estudo de caso São Luís, capital maranhense, a partir de diferentes pesquisas dos autores. Estruturado em quatro seções, além desta introdução e das conclusões, o texto analisa as políticas dos governos estadual e municipal nos campos da infraestrutura, serviços públicos, habitação e mobilidade urbana, possibilitando desvendar lógicas de ação e convivência entre os entes federativos analisados.

Os estudos constatam a trajetória histórica de redução dos parcos investimentos públicos em programas de habitação popular e mobilidade urbana, duas grandes carências da cidade, as obras de infraestrutura e de serviços são compartilhados desigualmente: enquanto o poder estadual tem destinado volumosos recursos para requalificar as regiões de alta renda, o executivo municipal tradicionalmente divide seus investimentos em periódicas recapagens asfálticas e pequenas obras emergenciais nos bairros populares, configurando uma divisão espacial do trabalho dos entes públicos locais. Consolidando o papel secundário da política urbana da prefeitura municipal em relação ao governo estadual, os resultados apontam para o progressivo aumento das desigualdades socioespaciais na capital do Maranhão, pois a assimetria dos investimentos tem provocado o aumento da precarização dos bairros dos trabalhadores, em comparação com as regiões de moradia de alta renda, privilegiada por obras que elevam as condições cotidianas de vida e de trabalho.

2 PACTO FEDERATIVO E SUJEITOS ESTATAIS LOCAIS: a Divisão Socioespacial das Políticas do Urbano em São Luís, Maranhão

2.1 As contradições das políticas públicas no capitalismo

Se entendermos as “políticas públicas como o Estado em ação” (JOBERT; MULLER apud MARQUES, 2018, p. 16), cabe esclarecer que elas surgem modernamente com o Estado do Bem Estar Social – EBES no pós-segunda guerra, perante a crise econômica capitalista e as ameaças do projeto socialista então em vigor (KERSTENETZKY; KERSTENETZKY, 2015). Assumindo papel planejador e interventor do poder estatal (OLIVEIRA, 1998 apud REIS, 2020), o EBES será o fiador do desenvolvimento capitalista e árbitro maior dos seus conflitos com os trabalhadores. Para administrar o fundo público, “pressuposto do financiamento da acumulação do capital” e “financiamento da reprodução da força de trabalho”, foi indispensável a “sistematização de uma esfera pública” com “regras universais e pactuadas” (OLIVEIRA, 1988 apud REIS, 2020, p. 46).

Legitimado na gestão do orçamento público, o EBES passou a ser mais que “um comitê para gerir os negócios comuns de toda burguesia” (MARX; ENGELS, 1998, p. 146) e os políticos modernos se constituíram em grupos de interesses vinculados ao sistema. A reestruturação do aparelho estatal, uma “relação de poder de mando e aparato coativo” (WEBER, 2012, p. 191), capaz de responder ao desafio e consolidar a “dominação burocrática” (Ibid., Ibid., p. 198-199), levou o EBES a incorporar as classes médias urbanas (OLIVEIRA, 1990) na burocracia da administração pública positivista (BOSI, 1992). Mas, para atender a fragmentada espacialização das demandas de classe, a presença geográfica das ações estatais demandou articulações multiescalares entre o nacional, o regional e o local (SMITH,1988), levando a pactos políticos no interior de uma federação:

O termo ‘federal’ é derivado do latim foedus, que [...] significa pacto. Em essência, um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e regulada por um pacto, cujas conexões internas refletem um tipo especial de divisão de poder entre os parceiros, baseada no reconhecimento mútuo da integridade de cada um e no esforço de favorecer uma unidade especial entre eles. (ELAZAR apud GUERREIRO; BRANCO, 2011, p. 1692).

Como “alianças de classes ou frações de classes que se formam para o exercício efetivo do poder político”, os pactos são “acordos realizados entre trabalhadores e burguesia, com vistas à manutenção da ordem social e econômica”. Assim, o pacto político pressupõe a existência do pacto social, pois “reconhece que as classes sociais tendem a dividir-se por conta da disputa do poder do Estado” (GUERREIRO; BRANCO, 2011, p. 1691). Assim, fundo público, pacto político e políticas públicas estão intrinsicamente relacionados e são inerentes aos movimentos de classes e frações de classes. Analisar as políticas públicas é estar atento às metamorfoses do Estado, sem perder de vista que a análise de EBES hoje não pode desconsiderar a corrente neoliberal (REIS, 2020), que imprime ao Estado novas conformações. Estado, pactos federativos e políticas públicas não se deixam apreender por exterioridades, desvendar suas determinações exige resgatar especificidade de processos sociais em suas materialidades territoriais.

2.2 Pacto federativo e modernização conservadora no Brasil

Guerreiro e Branco, citando Bresser Pereira, apontam os três principais pactos constituídos no Brasil: o “pacto populista”, de 1930 a 1985, “uma aliança entre a burguesia industrial, os trabalhadores e a tecnoburocracia estatal”; o pacto “autoritário tecnoburocrático-capitalista” do golpe militar de 1964; e o pacto “social democrático” da “redemocratização, que interessava a todos; manutenção do capitalismo, que interessava à burguesia; moderada distribuição de renda, interesse dos trabalhadores e das esquerdas” (2011, p. 1692).

Entretanto, nenhum desses acordos tocou no pacto estrutural de constituição do capitalismo brasileiro: a “modernização conservadora”, celebrada em 1930 entre capital agrário e industrial, origem da revolução burguesa no país. O termo foi cunhado por Barrington Moore Junior ao analisar as revoluções burguesas na Alemanha e no Japão, onde “o pacto político tecido entre as elites condicionou o desenvolvimento capitalista nestes países, conduzindo-os para regimes políticos autocráticos e totalitários” (PIRES; RAMOS, 2009, p. 412)

Portanto, a Modernização Conservadora, e as Revoluções Vindas de Cima, tiveram como característica o fato de a burguesia nascida da revolução capitalista não ter forças suficientes para romper com a classe dos proprietários rurais, resultando em um pacto político entre a classe dos terratenentes e a burguesia. (PIRES; RAMOS, 2009, p. 414).

Ao ocorrer no Brasil, o pacto entre as elites preservou o poder do latifúndio, assegurando sua sobrevivência na política brasileira. Para Ignácio Rangel (2005), somente “como sócio menor” do poder agrário, então a “classe social muito mais amadurecida e segura de si, muito mais politicamente organizada”, foi possível à burguesia industrial, “tão pouco caracterizada e consciente de si mesma, ter conduzido a sociedade brasileira pelos tortuosos caminhos da industrialização” (RANGEL apud PIRES; RAMOS, 2009, p. 417).

Constituída de cima para baixo, resultado do acordo entre as elites, a revolução burguesa brasileira adotou as formas autoritárias de fazer política dos latifundiários. Do ponto de vista das cidades, a modernização conservadora provocou “forte expulsão do homem do campo para os principais centros urbanos nacionais”, pois a “transformação capitalista da unidade de exploração agrícola não aconteceu de forma homogênea entre os produtores rurais”. Devido às “crises econômicas vivenciadas pela economia brasileira, especialmente a partir dos anos 80 do século XX, o núcleo capitalista (industrial e urbano) não absorveu todo o excedente de trabalhadores expulsos da terra.” (PIRES; RAMOS, 2009, p. 417).

Para Oliveira, a relevância das classes médias nas grandes cidades do país, como “forte fração de trabalho improdutivo que são os gerentes, os gestores, os especialistas em mercadologia”, e “uma nova classe na superestrutura de classes da sociedade brasileira”, resultou em “um Estado rico que captura uma parte importante do excedente social, basicamente voltado, sob este aspecto do urbano enquanto localização, a atender demandas da classe média”. Esta situação tem “por contraste, o desatendimento, na escala mais absurda possível, das demandas das classes mais baixas na estrutura de classes da sociedade, das demandas do operariado, das demandas das classes populares em geral.” (OLIVEIRA, 1982, p. 50-51), aquilo que Santos (2018) chamou dos “dois circuitos da economia urbana”. A partir destas concepções as políticas do urbano em São Luís do Maranhão são aqui analisadas.

2.3 A política urbana do governo estadual na capital maranhense

A primeira referência pública sobre a existência de uma “divisão do trabalho” urbano em São Luís entre os governos estadual e municipal costuma surgir na mídia em períodos eleitorais, quando o protagonismo do governo estadual é utilizado para rebaixar as administrações oposicionistas da capital:

Em 30 anos de oposição na capital maranhense, nenhum prefeito fez mais pela cidade que a governadora em seus quatro mandatos. (30 anos de oposição..., 2015)

[...] o Maranhão já teve uma governadora (Roseana Sarney) que, na verdade, foi a maior prefeita que a capital do Maranhão (sic). (As mulheres que governaram São Luís..., 2016).

Na relação das grandes obras estaduais na capital, as intervenções viárias sempre se destacaram. De Newton Bello (1961-1966), que constrói a primeira ponte sobre o Rio Anil para atender o elitizado balneário do Olho d’Água, a Luís Rocha (1983-87), com a Avenida Litorânea dos terrenos mais valorizados da cidade, via urbana na capital é pauta obrigatória dos governadores. Jackson Lago (2007-2009) e Flavio Dino (2015-218/2019-2022) a ela aderiram, o primeiro incluindo a Avenida IV Centenário como contrapartida do PAC do Rio Anil; o segundo expandindo as Avenidas Litorânea e Holandeses.

A tradicional passividade dos prefeitos perante tais obras estaduais de vulto teve uma única exceção, na gestão João Castelo (2009-2012), com os Projetos do Sistema Viário e Melhorias Urbanas para São Luís (SÃO LUIS, 2012) e do Ônibus de Trânsito Rápido – BRT, ligando bairros populares ao centro da cidade. Derrotado na tentativa de reeleição, os projetos de Castelo foram ignorados pelos prefeitos seguintes, mas não pelo poder estadual: a obra da Avenida Litorânea e o projeto do BRT hoje compõem uma ambiciosa obra viária na região de alta renda, implementada como sempre pelo governo do estado. Essa renovada interferência estadual e a persistente apatia municipal indicam que a prefeitura renunciou às obras estruturantes nos bairros elitizados; mas para se dedicar a quais políticas urbanas? O tema é debatido a seguir, com base em pesquisa acadêmica que analisou a atuação da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos da Prefeitura de São Luís no período de 2013 a 2020.

3 GESTÃO MUNICIPAL E DEMANDAS URBANAS: planejamento e execução de Obras e Serviços de Infraestrutura em São Luís, Maranhão

3.1 São Luís, desigualdades socioespaciais e demandas urbanas históricas

São Luís, capital maranhense, principal município da Região Metropolitana que leva seu nome, concentra 1.108.975 habitantes, de acordo com estimativa populacional do IBGE para 2020, correspondendo a 15,59% da população do estado, com participação no Produto Interno Bruto (PIB) equivalente a 34,50% do Maranhão. Tal conjuntura socioeconômica é resultado tanto da presença de indústrias no limite territorial, muitas delas vinculadas aos negócios dos Portos do Itaqui e Ponta da Madeira que, com a Estrada de Ferro Carajás, compõem logística decisiva para as rotas de importação e exportação, articulando capital nacional e internacional (FILASSI et al., 2017).

Desde sua consolidação como porta de saída para a matriz de produtos agrícolas, no Brasil Colônia, a cidade agravou traços decorrentes de uma ocupação marcada por forte segregação socioespacial. Sua “modernização”, ocorrida último quartel do século XX, contou com vultosos investimentos federais e a decisiva atuação de sujeitos da produção do espaço, em especial promotores imobiliários e proprietários fundiários, para consolidar uma formação urbana dispersa e segregada, marcada pela desvalorização do centro histórico e a expansão da periferia urbana. Deste modo, consolidou-se um sistema de gestão urbana que priorizou (e continua a priorizar) os interesses de poucos, favorecendo as áreas valorizadas, e marginalizando áreas periféricas que, desassistidas pelo poder público, se estruturam de forma desordenada e desprovida de infraestrutura e levando São Luís a ocupar a 5° posição entre as capitais com maior proporção de domicílios em aglomerados subnormais. (IBGE, 2020).

Reflexo destas questões, verifica-se o não atendimento do direito à cidade, informação que pode ser constatada por meio dos dados coletados via Censo Demográfico do IBGE, do Atlas do Desenvolvimento Humano e do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em que se verificou que existe limitada capacidade da gestão no atendimento das demandas no território municipal. Dados de 2019 constatam que, no referente ao saneamento básico, o abastecimento de água atende 83,25% da população municipal (ATLAS, 2021), o esgotamento sanitário apenas 49,65% enquanto o sistema de coleta de lixo atende a totalidade populacional (SNIS, 2019). Quanto aos domicílios urbanos e entorno, dados do Censo de 2010 informam que o Sistema de Iluminação Pública atende a 96,06%, a pavimentação urbana a 75,41% e a drenagem superficial é inexistente para 81,81% do total de domicílios. (IBGE, 2010). Uma situação que, diante da proposta de atualização do Plano Diretor, com ampliação em mais de 40% do perímetro urbano sobre a zona rural, põe em questão a capacidade da Prefeitura em atender as imensas demandas socioespaciais acumuladas.

3.2 A SEMOSP e o atendimento das precariedades urbanas em São Luís

Ao demandar infraestrutura e serviços públicos, a produção e a reprodução do espaço urbano exige constante atendimento por parte da municipalidade, um processo que permite desvendar, através da análise dos seus investimentos para o consumo urbano coletivo, o caráter de classe do atendimento das diferentes áreas da cidade capitalista. Buscando entender a lógica recente deste atendimento em uma capital brasileira periférica, uma pesquisa acadêmica analisou a atuação da Prefeitura de São Luís entre 2013 e 2020 (BURNETT, 2020). O estudo enfocou os órgãos com atribuições legais nas políticas urbanas locais, como as Secretarias Municipais de Urbanismo e Habitação (SEMURH), Trânsito e Transporte (SMTT), Projetos Especiais (SEMPE), Obras e Serviços Públicos (Semosp) e os Instituto da Cidade, Pesquisa e Planejamento Urbano e Rural (INCID) e da Paisagem Urbana (IMPUR). Com atribuições voltadas para o planejamento e a gestão da infraestrutura e dos serviços urbanos em todo o município, atuando inclusive na zona rural, a Semosp se mostrou estratégica para possibilitar o entendimento da lógica que preside a produção da infraestrutura e dos serviços na capital.

Os dados sistematizados pela pesquisa correspondem ao período entre 2013 a 2020, duas gestões de um mesmo prefeito, permitindo compreender ao longo dos oito anos de mandato o estabelecimento de prioridades, sua efetivação e seus reflexos na cidade. Partindo das competências e obrigações constitucionais dos entes municipais no Brasil e da estrutura funcional da Prefeitura de São Luís, em seguida foram coletados dados dos Planos Plurianuais (PPA) para acesso aos orçamentos dos órgãos responsáveis pelas políticas urbanas no âmbito municipal. No campo empírico, a investigação se deu através de acompanhamento cotidiano das práticas cotidianas e realizando entrevistas com gestores e técnicos, concluindo com visitas a áreas da cidade que haviam sido objeto de diferentes intervenções do órgão.

A análise dos Planos Plurianuais identificou dez “Áreas Resultados”, eixos estratégicos que visam atuação integrada dos diferentes órgãos da gestão. Dentre as áreas identificadas, o Desenvolvimento Urbano e a Mobilidade foram aquela voltada para a atuação da Semosp, compreendendo serviços de limpeza pública e resíduos sólidos, água, esgoto e drenagem, iluminação pública, urbanização e regularização fundiária, além de transporte público, operação do trânsito e infraestrutura urbana. Uma análise comparativa dos Planos Plurianuais constatou mudanças nas prioridades de investimentos no órgão, enquanto no PPA 2014-2017 os maiores montantes de investimentos estavam direcionados aos programas de Infraestrutura Urbana, no PPA 2018-2021, as ações na Infraestrutura Urbana foram reduzidas para investir em Resíduos Sólidos, Limpeza Urbana e Iluminação Pública.

É importante destacar que, no conjunto dos órgãos da Área Resultado Desenvolvimento Urbano, a Semosp possui os programas com maiores investimentos e, através dos dados coletados via Portal da Transparência, constatou-se também que é a Secretaria com maiores percentuais, seguida da Educação e da Governadoria do Município. Ainda no que tange aos recursos orçamentários do órgão, do total das despesas efetivadas pela Prefeitura Municipal de São Luís - PMSL, a Semosp respondeu por mais de 20% dos valores gastos pelo município. No ano de 2020, este percentual alcançou 36% do total das despesas da Prefeitura, fato que pode estar associado à finalização dos oito anos da dupla gestão do Prefeito Edvaldo Holanda.

Apesar deste significativo orçamento disponível para a Secretaria, o desenvolvimento das atividades do órgão apresentava uma razoável informalidade e baixas condições no que se refere aos recursos técnicos e suportes tecnológicos. Ao acompanhar o cotidiano do desempenho das atribuições institucionais do órgão, foi apurado que os trabalhos técnicos não contam com estudos sistemáticos referentes a diagnósticos periódicos sobre a situação urbana ou avaliações técnicas e sociais dos investimentos realizados. Como exemplo, cita-se estudo sobre a qualidade da pavimentação asfáltica da cidade, periodicamente refeita e que foi objeto de pesquisa acadêmica sem qualquer consequência nas práticas internas da Semosp. A inexistência de cartografia urbana atualizada, que auxilie na gestão das áreas de expansão urbana, e os reduzidos recursos humanos, com parte significativa do quadro técnico composta por cargos comissionados, são indicativos da situação constatada.

Apesar das competências próprias do órgão, determinados serviços são realizados por meio de concessões, a mencionar o Saneamento Básico, pela Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão – CAEMA, a Iluminação Pública, sob responsabilidade da Citeluz e Citelum, e a Limpeza Urbana, a cargo da São Luís Ambiente. Na infraestrutura urbana, drenagem e outros serviços sob gestão direta da SEMOSP, algumas atividades são realizadas por empresas contratadas através de licitações públicas, com projeto, orçamento e fiscalização a cargo da Secretaria.

Um ponto importante a ser destacado são as articulações interinstitucionais do órgão, exercidas através de parcerias para realização de ações conjuntas, a mencionar aquelas com a Secretaria Municipal de Trânsito e Transporte e o Comitê de Limpeza Urbana. Porém existem também dificuldades de articulação com outras instâncias públicas, em especial com a Caema, órgão sob gestão do governo estadual e com a concessão dos serviços de saneamento básico, com impactos em algumas intervenções urbanas sob responsabilidade direta do órgão, a citar na pavimentação urbana. Cabe observar, também, que intervenções urbanas de grande impacto realizadas por órgãos estaduais, como a Secretaria de Estado de Infraestrutura (SINFRA) e as Agências Executiva Metropolitana (AGEM) e Estadual de Transporte e Mobilidade Urbana (MOB), costumam ser planejadas sem conhecimento e executadas sem parceria do governo local.

As identificadas fragilidades técnicas internas e as informais e irregulares parcerias inter e extra institucionais se expressam nas ações externas da Semosp. Apesar da longa gestão do titular do executivo municipal e do próprio secretário do órgão, a pesquisa não identificou a existência de qualquer projeto, planejado e implementado para enfrentamento das precariedades urbanas de São Luís (CUTRIM; BURNETT, 2021). Ao sabor de demandas de distintos campos da sociedade local, sejam representantes do legislativo municipal, grupos de moradores afetados pela ausência de serviços públicos, denúncias diárias da imprensa local ou demandas judiciais (LIMA, 2021), os vultosos recursos orçamentários destinados nos oito anos pesquisados à Semosp não se refletiram em qualquer mudança na situação calamitosa dos serviços públicos e na infraestrutura da capital maranhense.

3.3 O governo municipal e o atendimento das precariedades urbanas

Com base nos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária, foi levantada a distribuição do orçamento municipal para as políticas urbanas nas duas gestões do Prefeito Edvaldo Holanda (2013-2020). No período, as funções de Urbanismo, Habitação e Saneamento somaram R$ 3.624.795.854,10, 15% do total dos gastos da Prefeitura, um valor de R$ 24.428.651.686,86 (SÃO LUÍS, 2021). Comparados com as funções Administração (11,45%), Educação (15%), Previdência Social (9,42%) e Saúde (27,87%), constata-se o destaque do urbano no orçamento municipal, expressivamente maior em relação a Transportes, com 2%, ou R$ 488.894.593,95, e Gestão Ambiental, com 0,04% ou R$ 8.756.849,73.

Tabela 1
Percentual de recursos por órgãos com atribuições nas políticas urbanas em São Luís, 2013-2019.
ExercícioSEMURHSEMOSPSMTTSEMMASEPE
20130,1926,522,740,1822,01
20141,1512,642,970,1091,08
20153,0528,843,180,1912,78
20161,0813,082,380,0770,32
20171,159,532,130,0990,35
20182,1810,751,470,0660,42
20192,1113,282,310,0660,55
Total1,5812,132,330,0960,79
São Luís, 2020

Conforme o Portal da Transparência da PMSL, a divisão deste orçamento pelos órgãos municipais que atuam no urbano (Tabela 1) comprova o protagonismo da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos - SEMOSP na destinação dos recursos. Os 12,13% recebidos pelo órgão representam mais do dobro da soma das demais Secretarias afins. Mas, como e aonde são aplicados esses recursos?

Os serviços executados e as áreas atendidas pela SEMOSP entre 2013 e 2018 combinam trabalhos periódicos e serviços emergenciais na cidade. A Figura 1 espacializa as intervenções que contemplaram 12 dos 30 distritos urbanos e rurais da cidade (SÃO LUÍS, 2013). Do total de intervenções, oito (66,66%) foram em bairros populares, duas (16,66%) em bairros de alta renda e duas em áreas de moradia de classes médias baixas, indicando alta prioridade dada às áreas populares da cidade.

Intervenções realizadas pela Semosp por Distritos de São Luís
Figura 1
Intervenções realizadas pela Semosp por Distritos de São Luís
São Luís, 2018.

A especificação das obras (Tabela 2) por tipo e quantidade das obras comprova o caráter emergencial das ações nos bairros populares, onde predominam precariedades, informalidade e serviços executados pelos próprios moradores. Drenagem profunda e pavimentação de vias se destacam, junto com substituição de iluminação pública, a cargo de terceirizadas da prefeitura, e obras em praças, principalmente em bairros de classe média baixa.

Tabela 2
Intervenções por tipo e por bairros, SEMOSP, 2013-2018
Tipo de IntervençãoQuantidade de intervenções%Quantidade deBairros%
Drenagem profunda5527,503427,65
Iluminação em Led3919,502117,07
Praças5326,502923,58
Campos e Quadras168,001512,20
Pavimentação de vias3718,502419,50
TOTAL200100,00123100,00
São Luís, 2018.

Para além das desigualdades no tratamento das distintas regiões da cidade, as informações disponibilizadas pela PMSL, concentrando suas intervenções por tipo, sem maiores especificações quanto ao volume e custo das obras ou sua localização, impossibilitam que os cidadãos possam exercer controle dos recursos públicos. O padrão adotado pela municipalidade de São Luís para cumprir as exigências da Lei de Transparência é um obstáculo para a avaliação das políticas urbanas, exigindo cruzamento de informações, consultas aos órgãos e visita aos locais de intervenção. Dificuldades que, somadas ao formato do orçamento público, contribuem para o desinteresse popular em acompanhar o resultado das gestões públicas no espaço em que vivem.

4 INVESTIMENTOS EM HABITAÇÃO NO MARANHÃO: discricionariedade nos investimentos em programas habitacionais

4.1 Federação e entes subnacionais na política habitacional brasileira

O gasto público é um elemento central para a geração de bens e serviços sociais que se situam no rol das responsabilidades do Estado, compondo o núcleo central dos sistemas de proteção social modernos. Contudo, a luta pelos recursos do Fundo Público, nos diversos contextos, pode modificar profundamente as estruturas e a direção dos gastos públicos. Assim, os dados e informações sobre o montante e o destino dos gastos públicos são elementos importantes para compreensão da capacidade do Estado em implementar políticas públicas efetivas e responder aos problemas sociais.

Neste aspecto, o primeiro ponto a se destacar é que o Estado brasileiro, como um todo, investe muito pouco na questão habitacional. Conforme dados da Secretaria do Tesouro Nacional, no período de 2015 a 2018, os valores investidos em termos percentuais representam menos de 0,1% do total da despesa de todas as esferas de governo. Além disso, esses valores apresentaram uma redução em termos absolutos de R$ 5,4 bilhões para R$ 3,9 bilhões (REIS, 2020).

Quando se analisa a representatividade de cada esfera de governo nos gastos com habitação, observa-se que os municípios são os entes que têm maior participação, oscilando entre 54% e 60%. Os estados têm uma participação importante, com cerca de 40%, ao passo que a União tem menor participação, oscilando entre 1,3% e 0,5% entre 2015 e 2018. De acordo com os dados disponíveis, portanto, é possível afirmar que os gastos públicos diretos com habitação, no Brasil, são realizados em sua maior parte por estados e municípios, ainda assim, são gastos com pouca representatividade nos entes estaduais.

De maneira mais específica, ao analisar os gastos com habitação efetuados pelo estado do Maranhão, nota-se que estes são ainda menores que a média dos gastos efetuados por outros estados. No quadriênio de 2015 a 2018, enquanto a média dos gastos dos entes estaduais girou em torno de 0,26%, no estado do Maranhão esses valores foram ainda menores, e ficaram em torno de 0,11% do gasto estadual (REIS, 2020).

Uma análise estendida, do período de 2009 a 2018, evidencia que os recursos direcionados à política habitacional nunca chegaram a alcançar 1% do total dos gastos do estado do Maranhão. Além disso, os gastos nessas políticas apresentaram uma tendência de queda. Enquanto no período de 2009-2011 os valores gastos representaram 0,5% dos gastos do estado, no período 2012-2015 representaram 0,4%, e 0,1% entre 2016 e 2018. Em 2012, os gastos nessa política atingiram o montante máximo de R$ 102 milhões, frente a um gasto total estadual de R$ 10,8 bilhões, ou seja, em torno de 0,9% do gasto. Já no ano de 2015 atingiram um valor irrisório de 2,8 milhões frente a um gasto total estadual de 13,6 bilhões, o que não chegou a representar nem 0,02% dos gastos estaduais. Isso demonstra a irregularidade dos gastos, além dos baixos valores investidos nessa política (REIS, 2020).

Outro dado que corrobora a falta de prioridade dos gastos com habitação no estado do Maranhão é o percentual de execução orçamentária. A análise dos dados referentes ao período de 2009 a 2018 demonstra que a habitação é uma das funções que tem o menor percentual de execução orçamentária entre todas as funções de governo, em torno de 40%, enquanto a execução do orçamento total ficou acima de 80%. Isso quer dizer que do total de gastos autorizados no orçamento estadual para esta área apenas 40% foi efetivamente realizado.

Analisando os períodos dos Planos Plurianuais (PPAs) de maneira separada, observa-se que no período de 2009 a 2011, a função Habitação foi a que teve o menor percentual de execução do orçamento entre todas as funções com um pouco mais de 30%, ou seja, de um total de R$ 395 milhões autorizados nos orçamentos, apenas R$ 121 milhões foram efetivamente gastos. A título de comparação, os percentuais de execução orçamentária de outras áreas de políticas públicas chegaram a mais de 80%, como a saúde (80%), a educação (86%), a segurança pública (91%), e a previdência social (95%). No geral a execução do orçamento estadual neste período foi de 83%.

No período de 2012 a 2015, a função Habitação teve um percentual de execução orçamentária de 32%, ficando acima apenas da função Comércio e Serviços, que teve um percentual de execução orçamentária de 22%. Nesse período, de um total de R$ 603 milhões autorizados para área de habitação, apenas R$ 192 milhões foram efetivamente gastos, ao passo que a execução orçamentária geral do estado foi de 82%. Áreas como saúde, educação, previdência social e segurança pública tiveram níveis de execução orçamentária ainda maiores que a média do estado, variando entre 83% e 93%.

No período de 2016 a 2018 houve uma melhoria significativa no percentual de execução orçamentária da função Habitação, que superou a marca de 55%. Essa melhoria poderia ser considerada um aspecto positivo, se os valores orçados não fossem tão baixos. A aparente melhoria da execução decorre do fato de que os valores previstos inicialmente no orçamento já eram extremamente baixos, comparando-se com os outros períodos. Esse fato é notório quando se observa que entre 2009 e 2011 o valor orçado foi de 395 milhões, entre 2012 e 2015 de 603 milhões e entre 2016 e 2018 de apenas 124 milhões. Ainda assim, o percentual de execução é bem inferior à média de execução do orçamento estadual (84%) e das principais áreas de políticas públicas. De um total de R$ 124 milhões autorizados nos orçamentos deste período, apenas 69 milhões foram efetivamente gastos.

4.2 O Maranhão e os gastos com habitação popular urbana e rural

Como uma das possíveis causas para os baixos investimentos em habitação no estado do Maranhão, pode ser apontada a inexistência de fontes de recursos constantes e duradouras e de outros mecanismos institucionalizados de distribuição de recursos, diferentemente do que ocorre em outras áreas de políticas sociais, como a educação que possui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB e a saúde que possui o Sistema Único de Saúde – SUS.

No que se refere às áreas onde foram aplicados os recursos, nota-se que a prioridade foi à habitação urbana que, no período de 2009 a 2013, recebeu 99% dos recursos e, entre 2014 a 2018, recebeu 63% dos valores aplicados em habitação. Apesar do enorme déficit de moradias e das deficientes condições habitacionais no campo (MARANHÃO, 2012), em metade dos anos analisados não houve nenhuma aplicação na área de habitação rural. Os gastos com habitação na área rural só passaram a ter alguma importância a partir de 2016 e até 2017, únicos anos em que os gastos com habitação rural foram maiores que os gastos com habitação urbana. Tais gastos podem ser creditados ao programa habitacional do Plano Mais IDH, que naqueles anos atuou em 30 municípios maranhenses com os mais baixos indicadores de desenvolvimento humano do estado.

Ao se analisar o financiamento das ações em habitação no estado do Maranhão, é possível observar o baixo volume de recursos próprios do tesouro estadual investidos nesta política comparativamente em relação à relevância das operações de crédito e dos convênios com órgãos federais. Outra fonte de recursos relevante é o Fundo Maranhense de Combate a Pobreza – FUMACOP, que representou cerca de 30% das fontes de recursos, entre 2009 e 2018. Este fundo foi criado pela Lei Estadual nº 8.205 de 22 de dezembro de 2004 “com o objetivo de viabilizar à população maranhense o acesso a níveis dignos de subsistência”, conta entre suas receitas com parcela do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços – ICMS. Conforme determina a Lei de criação do FUMACOP, seus recursos devem ser aplicados em programas e ações de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros de relevante interesse social, todos dirigidos para melhoria da qualidade de vida da população.

Os dados também demonstram que as operações de crédito, os recursos decorrentes de convênios com órgãos federais e as respectivas contrapartidas foram integralmente direcionadas para ações na área urbana, enquanto as ações na área rural foram quase totalmente financiadas pelo FUMACOP. Considerando que a maior parte dos recursos na área habitacional é decorrente de convênios com órgãos federais, operações de crédito e contrapartidas a convênios, que totalizam 57,7% dos recursos do setor, infere-se que o governo estadual possui poder de investimento e discricionariedade reduzidos na condução daquela política e na definição do direcionamento/destino dos recursos. Situação que pode ser apontada como um dos fatores que contribuem para o baixo volume de recursos investidos nas políticas habitacionais, com reflexos ainda mais evidentes na área rural.

Pode-se concluir, com base nos dados disponíveis que, em primeiro lugar, os baixos investimentos direcionados para as políticas de habitação indicam que no Brasil e no Maranhão em particular, a moradia é negligenciada na sua condição de direito que deve ser garantido pelo Estado, a despeito da sua inclusão na Emenda Constitucional nº 26 de 2000. No estado do Maranhão, apesar do déficit e das condições habitacionais serem piores no campo do que nas cidades (MARANHÃO, 2012), os escassos recursos disponíveis têm sido direcionados nos últimos anos, em sua maioria, para a habitação nas áreas urbanas em detrimento da habitação nas áreas rurais. Assim, a ausência, a insuficiência e a má qualidade da habitação, particularmente no campo maranhense, continuam como uma realidade que desafia o direito à moradia.

5 TRANSPORTE COMO DIREITO SOCIAL: investimentos Públicos no Maranhão e em São Luís

5.1 Direitos Sociais e o acesso ao Fundo Público

Diferentemente dos direitos civis e políticos que têm uma natureza processual, os direitos sociais têm um caráter substantivo que interfere na economia, visto que requerem recursos financeiros e sua respectiva distribuição (SILVA, 2001). Assim, o gasto público é um elemento central para a geração de bens e serviços sociais que se situam no rol das responsabilidades do Estado, compondo o núcleo central dos sistemas de proteção social modernos. Contudo, a luta pelos recursos do fundo público nos diversos contextos pode modificar profundamente as estruturas e a direção dos gastos públicos. É relevante, portanto, conhecer o montante de recursos efetivamente gasto pelas políticas públicas, com vistas a indicar a direção da ação estatal (CASTRO; CARDOSO JR, 2005).

Antes que se analise o gasto com transporte no Estado Maranhão e no município de São Luís deve-se ponderar sobre o investimento em infraestrutura de transporte de uma maneira geral, e nesse ponto o Brasil está muito deficitário. Os investimentos privados e públicos em infraestrutura de transportes passaram de R$ 9,1 bilhões para R$ 31,6 bilhões, ou seja, cresceram três vezes e meia entre 2003 e 2010. Porém, entre 2010 e 2014 permaneceram relativamente estabilizados, com investimento médio anual de R$ 32,1 bilhões. Já no ano de 2015 foram significativamente reduzidos com investimentos totais de R$ 28,2 bilhões. As dificuldades ocorreram por conta da forte retração dos investimentos públicos federais, que caíram 37,6%, de R$ 15,7 bilhões (2014) para R$ 9,8 bilhões (2015) (CAMPOS NETO, 2016).

Ao comparar com os investimentos em infraestrutura de outros países, verifica-se que países como Rússia, Índia, China, Coreia do Sul, Vietnã, Chile e Colômbia investem em média 3,4% dos seus PIB em transportes. Seria necessário o Brasil quadruplicar seus investimentos para que atingisse uma infraestrutura adequada ao tamanho e à importância de sua economia (CAMPOS NETO, 2016).

Conforme dados do Balanço do Setor Público Nacional, os investimentos do setor público em transportes não só estão baixos como seguem reduzindo, na última década a redução foi de mais de 50%, saindo de 2,05% em 2011 para 1,01% em 2020, com relação ao total dos gastos públicos. Mesmo após 2015 essa redução contínua de 1,35% para 1,01%, esses dados levam em conta o consolidado no âmbito federal, estadual e município. Deve ser sublinhado que a subfunção Transporte Coletivo Urbano está vinculada a função urbanismo. Ainda assim, ao se verificar os gastos nesta função, observa-se que os gastos públicos tiveram uma pequena redução de 1,65% em 2011 para 1,63% em 2020, ou seja, parcialmente constante. Há um aumento entre 2016 (1,46%) e 2020 (1,63%), contudo não é possível afirmar que esse aumento foi devido a um maior investimento em transporte público urbano, haja vista que as subfunções não são informadas nos dados consolidados pela Secretaria do Tesouro Nacional – STN.

– Percentual de gasto com transporte e urbanismo no Brasil Consolidado
Figura 2
– Percentual de gasto com transporte e urbanismo no Brasil Consolidado
Brasil, 2021 (Elaboração própria.)

Analisando os gastos com transportes dos municípios a situação é ligeiramente diferente. O gasto total em 2011 foi de 2,46% e 2,50% em 2020, um crescimento modesto. Percebe-se no cenário nacional, investimentos pífios em transportes por parte dos municípios, embora tenha havido variação positiva quando comparado com estados e Governo Federal.

– Percentual médio de gastos com transporte dos três entes federados no Brasil
Figura 3
– Percentual médio de gastos com transporte dos três entes federados no Brasil
Brasil, 2021 (Elaboração própria.)

Conforme dados da Secretaria de Estado do Planejamento e Orçamento, o Maranhão saiu de um percentual de investimento em transportes de 2,79% em 2011 para 2,51% em 2020. Quando comparamos os gastos entre 2011 e 2015, observa-se um aumento de cerca de 26%, já quando se faz o recorte de 2016 a 2020 verifica-se uma queda em torno de 13%.

– Percentual médio de gastos com transporte nos estados e no Maranhão
Figura 4
– Percentual médio de gastos com transporte nos estados e no Maranhão
Maranhão, 2021 (Elaboração própria).

Logo, assim como nos demais estados a partir de 2014, no Maranhão não houve nenhum acréscimo de investimentos para inclusão do transporte como direito social. Importa notar que somente em dois anos da última década, 2012 e 2019, os gastos com transporte no Maranhão foram maiores que a média dos demais estados. Ou seja, o Maranhão tem investido menos em transporte que a média nacional, em termos percentuais.

Considerando que, conforme a Constituição Federal, compete ao município organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial no Artigo 30, Inciso V da Constituição Federal (BRASIL, 2021), a pesquisa buscou identificar os gastos realizados na cidade de São Luís, município mais populoso e capital do estado do Maranhão.

– Percentual médio de gastos com transporte nos municípios e em São LuísMA
Figura 5
– Percentual médio de gastos com transporte nos municípios e em São LuísMA
Maranhão, 2021; São Luis, 2021 (Elaboração própria.).

Os dados do município demonstram uma discrepância ainda maior. Pois, observa-se uma redução de 8,54% para 0,76% no período entre 2011 e 2020. No período de 2011 a 2014 o município de São Luís gastava mais que a média dos municípios em transportes. Já no recorte de 2016 a 2020, houve uma redução de cerca de 25%. Ou seja, a inclusão do transporte como direito social não fez com que a prefeitura de São Luís aumentasse os gastos neste setor.

Diante do exposto, conclui-se que a inclusão do transporte como direito social na Constituição Federal não implicou no aumento nos gastos com transportes no país. Em verdade, houve reduções significativas tanto no âmbito federal quanto no âmbito estadual. Quando a análise se atém ao estado do Maranhão, percebe-se uma queda paulatina quando se compara com a média dos outros estados da federação. Já no município de São Luís, constata-se uma queda ainda mais vertiginosa entre 2011 e 2020 (de 8,54% para 0,76%).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A divisão socioespacial das políticas do urbano em São Luís

Resultante de pactos entre as elites, a modernização conservadora do Brasil configurou o Estado nacional e suas formas de concepção e implementação das políticas públicas. No urbano, suas expressões espaciais resultaram no “fosso abismal” entre as classes e nos “dois circuitos da economia urbana” (SANTOS, 2018), mundos distintos conectados através de relações sistêmicas, mas isolados pelo “espaço dividido”.

Em São Luís, capital estadual periférica, as políticas do urbano resolvem estas contradições com a especificidade das relações entre poder estadual e municipal, processos de convivência política que, ao longo de períodos autoritários, impôs um “pacto urbano” ao poder local. Refratário à democratização nacional, a gestão urbana ludovicense obedece à lógica da divisão espacial das competências institucionais, forma de convivência política e manutenção da ausência de direitos urbanos. Para além dos baixos investimentos em bairros populares, as reflexões expostas confirmam a existência de uma “divisão do trabalho” entre os entes públicos locais no atendimento da população.

Enquanto as gestões estaduais têm se dedicado preferencialmente à alta renda, qualificando e valorizando suas áreas de moradia e trabalho, enquanto se omite em investir em habitação e transportes — políticas de interesse popular —, o poder municipal executa obras pontuais de infraestrutura que não resolvem as precariedades dos bairros populares. Praticando o assistencialismo fragmentado, concentrando as políticas em obras de forte materialidade, expressão de interesses eleitorais e seus retornos, o poder político conservador alimenta a reprodução capitalista do espaço e mantém suas bases sociais, que seguem alheias aos objetivos de dominação e fruto do pacto praticado pelas elites políticas.

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