Artigos - Dossiê Temático

NEOLIBERALISMO, SOCIAL-LIBERALISMO E A ANTESSALA PARA OS PROCESSOS DE FASCISTIZAÇÃO NO BRASIL

NEOLIBERALISM, SOCIAL-LIBERALISM AND THE ANTEROOM TO THE PROCESSES OF FASCISTIZATION IN BRAZIL

Douglas Ribeiro Barboza
Universidade Federal Fluminense - UFF, Brasil
Ana Carolina Sampaio Ferreira
Universidade Federal Fluminense - UFF, Brasil

NEOLIBERALISMO, SOCIAL-LIBERALISMO E A ANTESSALA PARA OS PROCESSOS DE FASCISTIZAÇÃO NO BRASIL

Revista de Políticas Públicas, vol. 26, núm. 2, pp. 636-657, 2022

Universidade Federal do Maranhão

Recepción: 11 Julio 2022

Aprobación: 16 Noviembre 2022

Resumo: O artigo pretende analisar como os impactos das políticas neoliberais e o consequente aprofundamento da crise nos países latino-americanos potencializaram a consciência da frágil condição da “democracia vulgar” na região e das debilidades do incompleto e precário processo de democratização dos seus regimes políticos. A partir da pesquisa bibliográfica e análise documental fundada no método do materialismo histórico, demonstra que, na particularidade brasileira, as contradições geradas pelo receituário dos ajustes estruturais e as decisões econômicas e políticas formatadas para o seu enfrentamento (seja pela via neoliberal, ou pela via social-liberal) contribuíram objetivamente para a fermentação de um cenário de fascistização que aponta, de forma cada vez mais explícita, para uma intensificação da condição de “crepúsculo e obscuridade” dos processos políticos que aqui se efetivam.

Palavras-chave: Neoliberalismo, social-liberalismo, processos de fascistização, América Latina, Brasil.

Abstract: The article intends to analyze how the impacts of neoliberal policies and the consequent deepening of the crisis in Latin American countries have heightened awareness of the fragile condition of “vulgar democracy” in the region and the weaknesses of the incomplete and precarious process of democratization of its political regimes. Based on bibliographic research and documental analysis based on the method of historical materialism, it demonstrates that, in the Brazilian particularity, the contradictions generated by the prescription of structural adjustments and the economic and political decisions formated to face them (whether through neoliberal or through social-liberal) objectively contributed to the ferment of a scenario of fascistization that points, in an increasingly explicit way, to an intensification of the condition of “twilight and obscurity” of the political processes that take place here.

Keywords: Neoliberalism, social-liberalism, fascist processes, Latin America, Brazil.

1 INTRODUÇÃO

Nas páginas de um dos seus mais relevantes estudos, um brilhante historiador retratou o “breve século XX” como um período de decomposição do que fora construído no século anterior; um período no qual as catástrofes, incertezas e crises foram os pilares sobre os quais se edificaram sua história e suas possibilidades, deixando-nos a clareza de que se tratava “[...] de uma era de problemas de longo prazo, para os quais os países capitalistas buscaram soluções radicais, muitas vezes ouvindo teólogos seculares do livre mercado irrestrito [...]” (HOBSBAWM, 2008, p.19). Sabendo-se que o passado nunca perde o seu papel (ao contrário do que as pregações pós-modernas tentam falsear), e que os problemas de nossa época não tardaram em emergir dos escombros do anterior período que acabara de fenecer, não foi difícil (nem coincidente) para este mesmo historiador constatar, alguns anos depois, que o século XXI se iniciava “com crepúsculo e obscuridade” (HOBSBAWM, 2002, p. 448).

Em meados da década de 1970, a dinâmica capitalista assistiu ao processo de esgotamento da “onda longa expansiva” verificada nos trinta anos anteriores e à sucessiva configuração de um estágio de recessão generalizada experimentado de forma inédita pela economia capitalista mundial desde o pós-guerra e que envolveu simultaneamente todas as grandes potências imperialistas. Uma “onda longa recessiva” conformada pela queda abrupta do ritmo de crescimento econômico e das taxas de lucro (MANDEL, 1990; HUSSON, 1999). Uma das expressões inequívocas desse processo foi a desconstrução e a “crise do Welfare State”, desencadeadas pela ofensiva do capital posta em curso pela burguesia monopolista. A finalidade central era decepar as funções democrático-reguladoras inscritas no Estado Burguês pela pressão das organizações de operários e de trabalhadores, transformando o mercado no único regulador societário.

Essa ofensiva se plasmou numa estratégia política global que não se resumiu apenas no ataque aos importantes vetores sociopolíticos (dos quais a pressão organizada dos trabalhadores era o mais decisivo), através, por exemplo, da imposição de medidas legais restritivas que reduziram o poder de intervenção do movimento sindical. Concomitantemente, foram introduzidas alterações nos circuitos produtivos que deslocaram progressivamente o padrão que se consolidou nas “três décadas de ouro”, substituindo-se o modelo fordista-taylorista de acumulação e seu mecanismo de regulação sociopolítica (o keynesianismo) pela modalidade de acumulação flexível, ideologicamente legitimada pelo que se difundiu sob a designação de “neoliberalismo”[1].

Nesse sentido, o presente artigo se propõe analisar como os principais impactos das políticas neoliberais e o consequente aprofundamento da crise nos países latino-americanos potencializaram a consciência da frágil condição da “democracia vulgar”[2] na região e das debilidades do incompleto e precário processo de democratização dos regimes políticos que aqui se desenvolveram. O impacto da ideologia neoliberal que acompanha o processo de globalização afetou diretamente o desenvolvimento deste modelo de democracia latino-americano, garantindo a governabilidade filtrando e controlando as demandas sociais até níveis “tolerados” pelo sistema - estratégia esta que também foi seguida pelos governos que pautaram o social-liberalismo como pilar da efetivação de sua estratégia democrático-popular.

Considerando que a crise a qual a região atravessa está cada vez mais marcada pelas tendências econômicas e pelas decisões políticas mediante as quais se buscou enfrentar as contradições geradas pelo receituário dos ajustes estruturais, demonstraremos que, na particularidade brasileira, tais contradições e decisões econômicas e políticas contribuíram para a fermentação de um cenário de fascistização do Estado e da sociedade que aponta, de forma cada vez mais explícita, para uma intensificação da condição de “crepúsculo e obscuridade” dos processos políticos que aqui se efetivam.

2 MUNDIALIZAÇÃO FINANCEIRA, DEBILIDADE CONGÊNITA DA DEMOCRACIA E A AMÉRICA LATINA COMO “LABORATÓRIO PRIVILEGIADO” DE UMA NOVA MODA LIBERAL

Seguindo as análises de Chesnais (2000), o conjunto da acumulação passa a ser comandado pela associação entre grandes grupos industriais transnacionais (que passaram a exercer um crescente controle nos mais diferenciados setores da produção, das finanças, do comércio, dos meios de comunicação de massa e de toda uma ampla gama de serviços) e as instituições financeiras (principalmente, as instituições financeiras denominadas “não bancárias”: companhias de seguros, fundos de pensão, sociedades financeiras de investimentos coletivos e fundos mútuos). Configura-se, sob o apoio dos Estados Nacionais, um modo específico de dominação social e política do capitalismo; um modo de funcionamento ordenado em função das prioridades de um capital financeiro com fortes traços rentistas, menos preocupado com a produção de riqueza (ou, melhor, de valor e de mais valia) do que com a apropriação de uma importantíssima fração do que é criado socialmente. Um modo de funcionamento situado num quadro político e institucional de prolongamento do imperialismo e que passa a ser compreendido pelo que se convencionou designar de “mundialização do capital”.

Sob o impulso e a intervenção política ativa dos governos de Thatcher e Reagan (e também do conjunto de governos que aceitaram não resistir a eles), o poderio deste núcleo do capitalismo mundial se potencializa com o apoio das instituições surgidas dos acordos de Bretton Woods (em 1944) e que e se configuraram como os principais porta-vozes das classes dominantes em escala mundial: o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a Organização Mundial do Comércio (OMC). As formas de “adesão” impostas aos países “mais fracos” passam a exigir dos seus governos uma aplicação cada vez mais estrita não só de uma abordagem comum à liberalização, à desregulamentação, à privatização e ao desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, mas também de regras únicas, relativas à política monetária e fiscal e à relação salarial. Generaliza-se a combinação de uma política de defesa do capital de empréstimo (com taxas de juros positivas e inflação zero), com uma política de alívio da carga fiscal sobre o capital, transferindo-a para os rendimentos do trabalho (CHESNAIS, 1996, p. 23-44).

Dessa forma, a fase de mundialização financeira impulsiona a penetração da lógica mercantil em domínios cada vez mais amplos da vida humana (educação, saúde, seguridade social, cultura etc.), acarretando impactos macroeconômicos que acentuam a pobreza, a desigualdade social e a iniquidade econômica, provocando desemprego em massa e pauperização tanto em escala nacional como internacional. Na medida em que subsistem a liberalização financeira, a desregulamentação e a abertura comercial, o capital monetarizado pode efetuar grandiosos negócios (e obter lucros em tamanha proporção) mesmo quando a conjuntura econômica se plasma num quadro de recessão, de decréscimo dos consumos populares e de desemprego em massa.

Este forte componente parasitário e predatório característico de suas possibilidades de desenvolvimento assinalam um impacto negativo sobre a estabilização da democracia, confirmando as proposições de Michael Husson (2006)de que, com esta mundialização (e sua heteróclita combinação de instituições), convive uma tendência à diminuição do controle democrático, com a configuração de um Estado forte e enxuto que despreza o tipo de consenso social dos anos de crescimento, com claras tendências antidemocráticas.

O restabelecimento da lógica unilateral do capital se exprime por meio de políticas que traduzem o retorno dos blocos antioperários, antipopulares. Impulsiona-se o desmantelamento das políticas de pleno emprego e a busca sistemática de um objetivo de restabelecimento do desemprego, o abrandamento do sistema fiscal (em benefício dos mais ricos), desregulações, privatizações, juros elevados e a redução das despesas públicas sociais. Ao demolir as barreiras políticas e fiscais, a financeirização transnacionalizada contribui para uma fragilização da capacidade de intervenção dos Estados sobre o capital, suprimindo o controle em relação aos mais diferentes tipos de transferências do capital - sejam elas destinadas ao investimento ou à aplicação especulativa -, além de adotar o princípio de câmbios livres e flutuantes (HOUTART, 2001, p. 26).

O ritmo acelerado dos processos de concentração e centralização de capitais ocorrido nesta nova fase de acumulação (diretamente conectados à acentuada concentração da propriedade) teve como consequência o desenvolvimento de novas interações entre os grupos monopolistas (ancorados em organizações que se tornaram corporações megaempresariais), sob as quais um poder decisório especial passou a ser assegurado a um restrito círculo de homens (e muito mais restrito de mulheres) pertencentes ao último escalão dessas articulações. Governos e Estados passam a ser instrumentalizados para os fins estratégicos de um restrito grupo, revelando a impotência dos institutos democráticos convencionais diante do enorme poder econômico e político concentrado nas mãos dessa “nova oligarquia das megacorporações transnacionais”. Através das agências, instituições e entidades de caráter supranacional (FMI, Banco Mundial e organismos vinculados à ONU), estas megacorporações transnacionais exercem um enorme poder de pressão sobre os Estados capitalistas mais débeis, o que lhes permite impor um arco de políticas que abarca tanto as providências e medidas menos abrangentes quanto as orientações macroeconômicas - frequentemente direcionadas aos “ajustes estruturais” (NETTO, 2007, p. 157-162).

A concentração do poder econômico conduziu e está conduzindo a uma enorme concentração do poder político. Aqui, claramente, revela-se o caráter antidemocrático do capitalismo monopolista contemporâneo: ao mesmo tempo em que desqualificam a política, ladeando as instâncias representativas (parlamentos, assembléias legislativas) ou nelas fazendo sentir o peso dos seus lobbies, essas “elites orgânicas” do grande capital - empresários, executivos, analistas, cientistas, engenheiros - realizam a sua política, tomando decisões estratégicas que afetam a vida de bilhões de seres humanos, sem qualquer conhecimento ou participação destes. (NETTO, 2007, p. 158, grifos do autor).

Esse processo não foi exclusivo dos países mais desenvolvidos na lógica capitalista, pois a incidência do mesmo atingiu uma força maior sobre os Estados nacionais de capitalismo dependente, com a restrição e erosão da sua soberania e autonomia. É indubitável que a debilidade congênita da democracia política assumiu novos traços nos países latino-americanos em decorrência dos “planos de ajuste estrutural” propostos pelas agências financeiras internacionais - implementados pelos governos democraticamente eleitos - para superar os desequilíbrios macroeconômicos, financeiros e produtivos ocorridos em escala internacional desde os anos 1970.

A crise da dívida dos países latino-americanos, no início da década de 1980, gerou déficits de balança de pagamentos que tornaram inviáveis os projetos de desenvolvimento para a região, em que seus governos se dedicaram fundamentalmente a buscar saldos comerciais que pudessem diminuir esses dados (SADER, 2003). Paralelamente, a direitização do clima ideológico e político do Ocidente trouxe consigo um duplo movimento: por um lado, uma supersticiosa exaltação do mercado, esquecendo o seu passado de resultados catastróficos produzido pelo seu funcionamento autônomo. Por outro, uma recíproca satanização do Estado como causador de todos os problemas que afetaram as sociedades capitalistas (BORÓN, 1995).

Tendo como referências fundamentais as hiperinflações embutidas nesse processo, os objetivos de desenvolvimento foram substituídos pelos de estabilidade monetária. Formata-se, assim, a mola mestra no processo de semeadura das políticas neoliberais na América Latina, considerando a inflação como fonte dos problemas que geraram a estagnação econômica, a deterioração dos serviços sociais e da infraestrutura do Estado e o empobrecimento generalizado da população.

Nessas condições, a região se configurou como cenário ideal e laboratório “privilegiado” para a implementação das políticas de cunho neoliberal, com suas primeiras experiências históricas ocorrendo na Bolívia e no Chile, sob o efeito da propaganda dos governos de Reagan e Margaret Thatcher. Foi no combate à hiperinflação boliviana que Jeffrey Sachs pôde testar os modelos de estabilidade monetária que depois foram exportados para países do leste europeu. Foi com a entrega da política econômica do governo do general Augusto Pinochet, no Chile, que os chamados “Chicago Boys” descobriram o primeiro país com condições políticas favoráveis à experimentação de suas propostas de abertura econômica e de desregulação.

A diminuição dos gastos do Estado tornou-se a principal meta dos governos que desejavam superar a inflação, recomendando-se a privatização de empresas e a contenção nos gastos com o funcionalismo e com serviços sociais do Estado (educação, habitação, saúde e saneamento básico). Esses argumentos demonstraram, na sua fase inicial de aplicação, uma eficácia imediata, cujos efeitos foram rapidamente difundidos e reproduzidos pelos órgãos de divulgação internacionais e retomados localmente pela mídia e pelos quadros econômico-democráticos do grande capital.

A nova moda liberal, embasada pelo processo de "modernização" econômica do Chile e a superação da hiperinflação na Bolívia, conquistou grande aceitação. Os efeitos desses laboratórios - apoiados pelas loas reproduzidas pelos órgãos de divulgação internacionais que foram retomadas localmente pela mídia e pelos quadros econômicos-tecnocráticos do grande capital - se difundiram rapidamente. A guinada latino-americana em direção ao neoliberalismo continuou com a eleição (fraudulenta) de Salinas, em 1988, no México; seguida, em 1989, pela presidência de Carlos Menem na Argentina e pela segunda chegada ao poder de Carlos Andrés Perez na Venezuela; completada com a eleição de Fujimori, em 1990, no Peru. Uma triste coincidência entre os três últimos candidatos é que começaram sua campanha prometendo exatamente o oposto das políticas radicalmente antipopulistas que implementaram nos anos 1990.

Essa etapa do neoliberalismo - articulado com a redemocratização e acompanhado pela conversão da social-democracia a este modelo - rapidamente se difundiu na América Latina, tendo sua principal expressão na conversão neoliberal do peronismo. Menem, logo após as eleições, aplicou as políticas neoliberais na Argentina com o apoio dos maiores adversários históricos do peronismo, contrapondo sua promessa de “choque produtivo” nos moldes clássicos peronistas. Correntes como o PRI mexicano, o peronismo e a Ação Democrática na Venezuela passaram a adotar os modelos de ajuste fiscal, de estabilidade monetária, de desregulação, de privatização e de abertura das economias ao mercado internacional, com políticas recomendadas pelo FMI e pelo Banco Mundial. Outros exemplos desta conversão de forças de centro-esquerda para os modelos liberais são os governos de Carlos Andrés Peres (Venezuela), Salinas de Gortari e Ernesto Zedillo (México) e o de Fernando Henrique Cardoso (Brasil).

Na batalha do ajuste estrutural, o alvo preferido dos governos foram as políticas sociais públicas, consideradas como causa primeira do déficit público. As já precárias condições sociais da grande maioria da população se agravaram de forma crescente com as irreparáveis perdas sofridas pelas políticas sociais universais, como Previdência, Saúde, Assistência e Educação Básica. Soares (2001) indica dois traços comuns que caracterizam o perfil das políticas sociais na América Latina: o primeiro é de natureza pró-cíclica ou regressiva, tanto em relação ao gasto como ao financiamento do setor social, reduzido a mecanismos compensatórios mínimos; o segundo é o esvaziamento do orçamento dos setores sociais, com cortes em programas destinados aos segmentos de classe mais subalternizados e com menor poder de pressão, o que impede a expansão dos serviços e produz a sua saturação pelo excesso de demanda.

O elevado custo social das estratégias “maximalistas” que orientaram a implementação das reformas econômicas neoliberais, junto com a consequente redução da sindicalização e do poder de barganha dos sindicatos, corroeram as bases econômicas, organizacionais e ideológicas das classes subalternas e incidiram negativamente na sua capacidade de mobilização e participação e no apoio aos partidos políticos comprometidos com políticas sociais redistributivas. As consequências desse processo, apesar de insistentemente camufladas, não tardaram a aparecer. Reportando somente aos dois principais “campos de experiência”, percebe-se que a economia do Chile abandonou seu nível intermediário de desenvolvimento industrial, apoiado no Pacto Andino e voltou a importar maciçamente produtos industrializados. No plano social, seus índices pioraram gradativamente. Na Bolívia, o preço pago pelo controle da inflação foi o desmantelamento de sua economia mineira, desempregando dezenas de milhares de seus trabalhadores[3].

A segunda metade da década de 1990 foi marcada pelo início do esgotamento deste potencial hegemônico. Tornam-se mais evidentes as instabilidades provenientes da ampla abertura ao mercado internacional, os déficits nas balanças comerciais e de pagamento e os desequilíbrios sociais (com altas taxas de desemprego) gerados por esse processo. Intensifica-se um período de crise na região latino-americana (a mais profunda desde 1930), sendo precedido pela crise mexicana, em 1994, e refletido na crise argentina, na dolarização no Equador e em El Salvador. As políticas de ajuste fiscal que pretendiam retomar o desenvolvimento econômico e a criação de empregos deixaram de ser solução e se tornaram a causa da crise, desequilibrando econômico e financeiramente a região. Uma vez obtidos os primeiros sucessos, através de vitórias políticas e inscrições da nova correlação de forças no plano institucional, o afã neoliberal começa a perder impulso, abrindo uma nova fase de enfrentamento de uma espécie de “crise orgânica”.

A tendência mundial de generalização da pobreza e de um alarmante aumento da desigualdade econômica e social ficou mais perceptível na América Latina, sendo comprovada através de dados compilados por distintas agências nacionais e internacionais. Em análises feitas pela PNUD (1992, p. 87), comprova-se que, em 1960, a renda dos 20% mais ricos da população era trinta vezes superior à renda dos 20% mais pobres. Ao analisar os mesmos dados para o ano de 1990, constatou-se que, apesar de todos os programas de ajuda, as cifras duplicaram: a renda dos 20% mais ricos da população passou a ser 59 vezes superior à renda dos 20% mais pobres[4].

Esse fenômeno atingiu, inclusive, países como o Chile, onde, supostamente, o modelo neoliberal teria alcançado o seu êxito mais gritante. O fracasso do modelo de ajuste chileno tão elogiado pelo Banco Mundial e pelo FMI é suficientemente ilustrativo: em 1988 – quinze anos depois de ter iniciado o experimento liberal no país – a renda per capita e os salários reais ainda eram pouco superiores aos de 1973, apesar dos altos níveis de desemprego sofridos pelos trabalhadores (15% de média entre 1975 e 1985, com um pico de 30% em 1983). No biênio 1985-86, a participação dos assalariados na renda nacional era de 34,8%; quando em 1992-93 essa participação caiu para 33,4%. Entre 1970 e 1987, a porcentagem de lares abaixo da linha de pobreza aumentou de 17% para 38%, e em 1990 o consumo per capita dos chilenos era ainda inferior ao que se tinha alcançado em 1980. No primeiro turno do governo democrático, apesar da pobreza ter reduzido para 27%, essa cifra ainda era quase o dobro da que existia no início do governo de Salvador Allende (BERMÚDEZ, 1996; MELLER, 1992).

Soares (2001, p. 57) relata como a degradação dos níveis de pobreza na América Latina se torna uma questão a não ser ignorada, considerando o crescimento do percentual dos extremamente pobres ou indigentes, que atingia quase metade do total de pobres. Pouco menos da metade da população latino-americana vivia abaixo da linha de pobreza - ou seja, sobrevivia com menos de dois dólares por dia. No Brasil, o percentual da população que vivia nessas condições era de 23,5% no final da década de 1990, seguido por índices também significativos nos demais países - como, por exemplo, os 47% em Honduras, 15% no México, 26% no Panamá e 44% na Nicarágua. No período marcado pela generalização na aplicação das políticas de ajuste fiscal e de desregulação econômica, a taxa de pobreza da região aumentou de 35% em 1982 para 44% em 2002 e a taxa de indigência passou de 15% para 20% respectivamente. A crise do desemprego, iniciada em 1995, chegou a cerca de 10%, para um total de 18 milhões de pessoas[5]. As consequências desse cenário tornaram-se evidentemente observáveis:

A pobreza constituiu-se na principal causa morte da região, com aproximadamente 1 milhão de 550 mil mortes por ano. As crianças, mais vulneráveis, são as primeiras a serem afetadas: 2.000 delas morrem por dia por pobreza. Além disso, tem-se observado o agravamento da tendência à redução do peso ao nascer. As mulheres também são particularmente afetadas: atualmente, na Região, 40% das famílias são chefiadas por mulheres. Milhões de mulheres estão em situação que o “Population Crisis Committee” de Washington descreve como “uma situação de pobreza, impotência e fome”. Muitas delas, assinala a ONU (1990), pagaram grande parte da carga do ajuste [...] aumentando a produção para o consumo do lar, trabalhando horas, dormindo menos e freqüentemente comendo. (SOARES, 2001, p. 57, grifos da autora).

Os impactos sociais, políticos e econômicos dessa crise marcaram o futuro da região, enfraquecendo a legitimidade política e ideológica usufruída pelo neoliberalismo. A incapacidade das políticas neoliberais em conseguir retomar o desenvolvimento e a estabilidade política aprofundou a crise social existente, gerando uma série de crises institucionais. Enquanto nos anos de apogeu, todos os governos que se dispunham a assumir os preceitos neoliberais conseguiram se eleger e se reeleger - como aconteceu nos casos argentino (Carlos Menem) e brasileiro (Fernando Henrique Cardoso) –, com o seu “esgotamento” a situação se inverte: aqueles que assumiam e mantinham este modelo perderam rapidamente a sua legitimidade (como o caso de Fernando de la Rúa, na Argentina), ou se esgotaram (nos exemplos de Vicente Fox, no México, e de Sanchez de Losada, na Bolívia) (SADER, 2003).

Paralelamente a esse processo, a esquerda, que antes apresentava um quadro de derrota tanto pela impotência quanto pela mudança ideológica ao neoliberalismo - e que tinha como forças sobreviventes o PRD no México, o PT no Brasil e a Frente Ampla no Uruguai - passaram a ganhar força com o surgimento de novas formas de resistência, principalmente após o levante zapatista de Chiapas, no México, em 1994. As vitórias eleitorais de Hugo Chavez na Venezuela e de Lúcio Gutierrez no Equador, além da alta votação de Evo Morales na Bolívia e da Frente Ampla para as Eleições de 2004 no Uruguai, revelaram a capacidade de transformação da força do movimento popular em força político-institucional no novo período que se abria. O caso de Lula, no Brasil, se configurou não somente como resultado dessa força, mas também como produto de uma política de alianças construída durante a sua candidatura. Os triunfos eleitorais de blocos de forças que nasceram e se desenvolveram no confronto ao modelo neoliberal mostraram o crescente descontentamento social frente a este modelo, abrindo a possibilidade de uma nova tentativa de solução da esquerda (após o fracasso de 1973) para a crise hegemônica na região (SADER, 2003)[6].

Porém, entre o fracasso de um modelo e sua efetiva substituição por outro pode existir um espaço de tempo muito grande e demorado, onde se exige um estado de consciência que ainda não foi verificado na maioria das sociedades capitalistas, e que requer a existência de uma proposta política que seja socialmente percebida como uma alternativa ao status quo. Esta debilidade da esquerda e das forças de resistências latino-americanas para enfrentar a tarefa de construção da superação à era neoliberal evidenciou-se como um desafio na região, considerando que estas forças não conseguiram preencher o vazio entre o esgotamento do modelo hegemônico vigente e a capacidade de construção de alternativas ao mesmo.

Em outras palavras, mesmo apoiadas pelo descontentamento popular com as alternativas das elites, estas forças não conseguiram constituir um projeto alternativo para compor o novo bloco de poder, e muitas delas - como nos casos dos governos de Lula (Brasil) e de Lúcio Gutierrez (Equador) - demonstraram mais elementos de continuidade do que uma ruptura ao modelo hegemônico, caracterizando-se em forças que não souberam, não almejaram ou não foram capazes de superá-lo.

3 NEOLIBERALISMO E SOCIAL-LIBERALISMO NA PARTICULARIDADE BRASILEIRA: a preparação do terreno para as melhores condições de desenvoltura de um processo de fascistização

Na particularidade brasileira, a transição entre o final da década de 1980 e o início da década seguinte se formata num amplo processo regressivo pautado nos postulados do receituário neoliberal. Se as lutas sociais empenhadas na necessidade de profundas transformações no direcionamento político–econômico do país conseguiram alcançar algumas conquistas na Carta Constitucional de 1988, estas foram violentamente atacadas pelas forças da sociedade alinhadas às diretrizes das agências multilaterais encarregadas de tomar as decisões estratégicas do capital.

Passa–se a exercer uma pressão para a redefinição das funções do Estado, abolindo o seu controle sobre o movimento do capital e as condições de utilização da força de trabalho, além da retirada das suas obrigações de proteção e garantia das políticas sociais públicas para que as suas atividades no campo econômico e social pudessem ser entregues aos negócios privados. A guinada rumo a esse conjunto de (contra) reformas neoliberais - centradas fundamentalmente nas políticas de ajustes, privatização, desregulamentação e flexibilização das leis trabalhistas – inicia-se a partir de 1990, com as gestões de Fernando Collor de Mello e Itamar Franco. Collor implementa um plano de estabilização da economia por meio da adoção de políticas deflacionárias e uma série de medidas extremas (como, por exemplo, o congelamento de preços e salários, o bloqueio de poupanças, a demissão de servidores públicos e a introdução de uma nova moeda), acompanhadas de uma política monetária restrita e do fortalecimento da abertura comercial, com a adoção de medidas de liberação do câmbio e outras ações direcionadas à abertura da economia brasileira ao capital internacional. Fracassado em suas políticas de estabilização e envolvido em escândalos de corrupção, Collor sofre um impeachment no final de 1992, e seu vice “tapa buraco” Itamar Franco dá sequência ao programa de reformas liberalizantes e privatizantes, alcançando momentaneamente a estabilização econômica através do “Plano Real” (BARBOZA; ANDRADE, 2020, p. 309-316)

A consolidação das políticas neoliberais se intensifica, em forma e substância, nas duas gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995–2002). FHC incrementou a efetivação das medidas de ajuste fiscal e monetário, potencializou a abertura da economia e realizou uma intensa reestruturação do aparelho de Estado, conforme diretrizes estabelecidas pelo Plano Diretor da Reforma do Estado – PDRE (BRASIL, 1995), profundamente alinhado às formulações de Bresser Pereira, então à frente do Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE). O discurso se centrava na acusação do caráter “atrasado” e “perdulário” da constituição de 1988 e na necessidade de ultrapassar a herança tradicional, burocrática e centralizada da administração pública, considerando o esgotamento da “estratégia estatizante”.

Os efeitos para o proletariado foram nefastos. O aumento do desemprego, bem como a precarização das relações de trabalho e das condições de vida da maior parte da população criaram um solo fértil para o discurso contra os “privilégios” de servidores públicos, intimidando também operários com certa estabilidade no setor privado. Assim, segmentos importantes do movimento sindical foram colocados na defensiva e aumentou a fragmentação da classe trabalhadora. Enquanto isso, no andar de cima, ampliava–se a coesão do bloco burguês, beneficiado com o aumento da exploração da força de trabalho, a mercantilização de uma gama cada vez mais vasta de atividades e o assalto ao fundo público. (BARBOZA; ANDRADE, 2020, p. 314)

Conforme já analisado aqui, a incapacidade das políticas neoliberais postas em prática aprofundou a crise social existente e ampliou a instabilidade institucional. Pressionados pelo recrudescimento das lutas sociais antissistêmicas derivadas da crise das políticas neoliberais de primeira geração, os setores dominantes abertos à revisão do Consenso de Washington conseguiram atrair para o seu bloco de poder importantes setores de seus antagonistas, conformando um processo transformista que contribuirá para formatar a chegada do Partido dos Trabalhadores à presidência da República em 2003.

Se, durante a sua formação e desenvolvimento como partido de oposição, o PT apontava o neoliberalismo como um dos principais entraves para a melhoria das condições de vida do povo brasileiro, ao chegar ao poder apresentou uma alternativa que, na realidade, se converteu em um eficiente instrumento de renovação desta mesma ordem. A estratégia de realizar o desenvolvimento possível dentro dos marcos neoliberais e reduzir o protagonismo do capital estrangeiro e da burguesia a ele associada garantiu que, entre 2002 e 2014, a disputa política nacional fosse resumida às disputas eleitorais entre social-liberalismo e neoliberalismo ortodoxo, com a vitória do PT frente aos candidatos do PSDB garantindo a manutenção da primeira opção, sob as bases de uma estratégia democrático-popular.

Como forma de justificativa para a continuidade da ortodoxia da política econômica neoliberal, os governos petistas perpetuaram um discurso oficial de que estávamos à beira do abismo, numa espécie de “estado de emergência permanente”, que implicava (até mesmo para um Partido dos Trabalhadores) a necessidade de medidas as mais duras possíveis [...]: elevação do superávit primário para além do exigido pelo FMI; aumento potencial da já elevadíssima taxa básica de juros; redirecionamento de recursos que poderiam ser utilizados em investimentos públicos para o pagamento do serviço da dívida; privatizações de hidrelétricas, portos e rodovias; aprovação de Leis que beneficiaram fundamentalmente o Agronegócio (como a Lei de Biossegurança, que autorizou a comercialização dos transgênicos); cortes em investimentos sociais e “equilíbrio das contas públicas” através do mecanismo de Desvinculação de Receitas da União (DRU); dentre outras estratégias (BARBOZA; ANDRADE, 2020, p. 317-318)[7]

Após o golpe institucional–jurídico–parlamentar–midiático que destituiu a presidenta em 2016, abre-se um curto, porém intenso, período de restauração do neoliberalismo ortodoxo com Michel Temer (PMDB), cujo governo conseguiu aprovar uma série de medidas de caráter antipopular, ancorado no expressivo apoio político que obteve a partir da construção de uma forte base parlamentar. Dentre os ataques mais significativos, instituiu–se, logo no quarto mês de mandato, o chamado “Novo Regime Fiscal” a partir da Emenda Constitucional n. 95/2016 (BRASIL, 2016). Essa medida estabelece limitações orçamentárias para as políticas públicas durante 20 anos, na qual as despesas primárias do orçamento público ficam limitadas à variação inflacionária. Dois meses depois, efetivou-se a contrarreforma do ensino médio através da Lei 13.415/2017 (BRASIL, 2017a), a qual, segundo Frigotto (2021, n/p),

[...] liquida o sentido e o direito da educação básica, mediante os itinerários formativos onde, na prática, a maioria será encurralada para a educação técnica e profissional descaracterizadas. Serão gerações mutiladas em sua formação e despreparadas para a cidadania consciente e para o processo produtivo sob a atual base científico técnica. E esta negação nos condena a continuarmos um país gigante com pés de barro.

Outra ofensiva deste governo se conformou na aprovação da Lei 13.467/2017, da Reforma Trabalhista (BRASIL, 2017b), que alterou mais de 200 pontos da CLT. Pautada no discurso da “necessidade de geração de novos empregos”, a referida Lei, na verdade, tanto atacou fortemente as fontes de financiamento das entidades sindicais quanto também potencializou a precarização dos empregos ao facilitar a criação de novas modalidades de contratação, flexibilizar de forma radical os direitos trabalhistas, reduzir potencialmente os salários e diminuir drasticamente as margens de negociação.

Porém, os objetivos de recuperação da economia e reestabelecimento da acumulação não foram cumpridos pelo governo de Michel Temer tal como foram almejados pelos diferentes setores do capital. Os níveis trágicos que afetavam os indicadores sociais fermentaram uma forte crise econômica, política e institucional que gerou um cenário de altos níveis de desemprego, insegurança e instabilidade.

A emersão e o reforço, sob novas roupagens, dos traços mais regressistas da nossa herança histórica foi a consequência mais deletéria dessa crise. A crítica “antissistêmica” a partir do viés antipolítico, anticomunista e conservador–cristão adquiriu forças num cenário sob o qual a combinação entre ortodoxia liberal e o reforço das intervenções antidemocráticas e antipopulares foi o principal pilar que direcionou os objetivos de restabelecimento das taxas de lucratividade. No interior desse processo político, agentes internos do Poder Judiciário e do Ministério Público atuaram a serviço de uma espécie de aliança entre os interesses de grandes empresários/rentistas representantes do capital e os interesses de segmentos evangélicos neopentecostais representantes da moral religiosa. Construiu-se, assim, os “degraus” necessários para a ascensão ao Planalto do governo de extrema–direita de Jair Bolsonaro e a aplicação de um programa ultraliberal chefiado pelo seu Ministro da Economia Paulo Guedes.

A partir daí, eleva-se a um novo patamar tanto a escalada autocrática aprofundada após o golpe de 2016 (que objetivou eliminar toda e qualquer perspectiva de esquerda dos processos políticos), quanto a radicalização da pauta sócio–cultural–educacional moralista (através de um movimento reacionário que objetivava combater o comunismo e restaurar os valores sociais e familiares tradicionais, com a disseminação de práticas autoritárias e punitivistas, de ataques aos direitos humanos, de culto à violência, de discursos racistas, machistas, misóginos e lgbtfóbicos, além do negativismo e do irracionalismo).

O governo Bolsonaro é amalgamado a partir de dois eixos principais: 1) a aplicação de um programa ultraliberal que elimina progressivamente os controles políticos sobre a movimentação do capital, destrói as políticas e programas sociais voltados para as demandas populares, retira direitos trabalhistas e aniquila as já parcas restrições à depredação do meio ambiente; 2) um reordenamento do Estado Brasileiro, com claros traços de fascistização, que se desenvolve fundamentalmente a partir de algumas premissas. Por um lado, efetiva-se uma reconfiguração do formato constitucional e institucional do Executivo - através de Emendas Constitucionais, Medidas Provisórias, Decretos, leis e outros subterfúgios administrativos. Por outro, reforça-se a tutela militar sobre o governo, na eliminação do espaço político das organizações vinculadas ao mundo do trabalho e na perspectiva repressiva baseada no reforço material, institucional e ideológico da violência policial como principal mecanismo de controle dos conflitos político e social. Nestes marcos, os órgãos de controle, de informação, de repressão e de violência estatal passam a ser submetidos à retomada das práticas de mando ditatoriais (FONTES, 2019; MACIEL, 2019)

Tais características corroboram as análises de Theotônio dos Santos (2018, p. 88-90) de que “a polarização entre liberalismo e fascismo, apesar de ser real e de expressar estágios distintos do capitalismo, não é absoluta. Tampouco é absurdo pensar em um regime misto entre fascismo e liberalismo político, no qual este ou aquele aspecto predomine”, pois o fascismo não deixa de ser uma expressão extrema dos elementos constitutivos da ordem liberal capitalista, e “um Estado fascista não se diferencia do Estado liberal em sua essência, mas em sua forma, a qual é importante mas não decisiva”. Neste sentido, o amadurecimento e a capacidade de chegada ao poder de elementos que expressam tendências fascistizantes só se tornam possíveis quando estes obtêm o apoio do grande capital e se submetem à sua estratégia geral.

Nesse mesmo quadro analítico não podemos esquecer das formulações de Togliatti (1978) e Poulantzas (1972) sobre o equívoco em se considerar o fascismo como algo fixo, um esquema ou um modelo limitado às décadas de 20 e 30 do século XX, ou geograficamente confinado a duas formações sociais europeias. Para os autores, o Fascismo deve, sim, ser analisado como algo em desenvolvimento, como consequência de uma série de relações econômicas e políticas reais, resultantes de fatores reais, da situação econômica, da luta de massas.

Florestan Fernandes (1981) também sinaliza a necessidade de não se negligenciar outras formas de fascismo de menor refinamento ideológico, que se baseiam fundamentalmente na monopolização de classe do poder estatal e em uma modalidade de “totalitarismo de classe”. No cenário de desenvolvimento capitalista associado e dependente latino-americano, um dos processos políticos importantes que podem ser observados é o uso estratégico do espaço político sendo organizado e dirigido para ajustar o Estado e o governo a uma concepção nitidamente totalitária de utilização do poder, projetando-os a uma tendência intensa e permanente de fascistização em todos os níveis das funções e dos processos de decisão em que estejam envolvidos. Tais análises podem ser complementadas com as apreciações de Leandro Konder (2009) sobre a conjuntura da década de 1970, cujas reflexões já indicavam que:

As condições atuais da luta não animam o capital financeiro a correr o risco de apoiar partidos de massa, capazes de empunhar bandeiras com cruzes suásticas nas ruas: é preferível tentar manipular a maioria silenciosa, que fica discretamente em casa, entregue ao consumo da coca-cola e da televisão. Novos padrões de conduta política passam a ser inculcados sob a capa de atitudes não-políticas. As circunstâncias exigem dos fascistas que eles sejam mais prudentes e mais discretos que desejariam. Pragmaticamente, adaptam-se às exigências dos novos tempos. Mas continuam a trabalhar, infatigavelmente, preparando-se para tempos “melhores”, que lhes permitam maior desenvoltura (KONDER, 2009, p.112).

Sem dúvida, podemos afirmar que o Governo Bolsonaro, com claras tendências fascistizantes, conseguiu trazer à cena novamente (e com mais vigor e rapidez na sua efetivação) um programa político-econômico que atende aos interesses do grande capital imperialista e sua burguesia associada e dependente: a) intensificação das medidas de austeridade que subfinanciam as políticas universais de saúde, educação e assistência; b) A lei da liberdade econômica – Lei 13.874/19 (BRASIL, 2019a), apelidada de “Minirreforma trabalhista” – que, sob a camuflagem da “desburocratização”, aprofunda a precarização e os ataques contra a classe trabalhadora atuando em três eixos distintos: eliminação de direitos trabalhistas, redução da proteção à saúde e segurança do trabalhador e diminuição das garantias existentes aos créditos trabalhistas; c) a Emenda Constitucional 103/2019, da (contra)reforma previdenciária (BRASIL, 2019b), que desmantela todo o sistema de proteção social previsto na Constituição Federal de 1988 e golpeia radicalmente os principais pilares do benefício previdenciário: dificulta o acesso à aposentadoria, aumentando a idade mínima e o tempo de contribuição, enquanto reduz os ganhos dos trabalhadores, diminuindo o valor do benefício; d) a entrega do patrimônio público às empresas privadas estrangeiras, com o governo anunciando a privatização de 17 empresas públicas - dentre elas a Petrobras, a Eletrobrás, a Telebrás, os Correios e a Casa da Moeda; e) a alteração do marco regulatório do petróleo e desestruturação da sua cadeia produtiva, além da entrega do pré-sal às corporações multinacionais; f) a proposta de uma reforma administrativa contra os serviços e os servidores públicos – PEC 32/2020 (BRASIL, 2020) –, que consiste, na verdade, no desmonte do Estado na sua obrigação e responsabilidade de atendimento às necessidades básicas da população. Dentre várias alterações, a liberação e generalização da terceirização abre caminho para a privatização de amplo espectro de atividades públicas, fazendo com que os serviços públicos fundamentais (como educação, saúde, previdência, assistência social, dentre outros) deixem de ser direitos e sejam plenamente mercantilizados - inicialmente por intermédio de organizações sociais e serviços sociais autônomos, e posteriormente pela via da contratação direta do setor privado lucrativo ou mediante fornecimento de voucher.

Os custos sociais desses desajustes não tardaram a aparecer: no final de 2019 (ou seja, antes da intensificação da crise gerada pela pandemia), a precarização do trabalho já apontava níveis alarmantes: eram 12,6 milhões de pessoas desempregadas; 27,6 milhões subutilizadas e 38,4 milhões de trabalhadores na informalidade (IBGE, 2019). Por conseguinte, o cenário que tem sido fomentado no mundo do trabalho brasileiro é caracterizado por condições de trabalho cada vez mais precárias, com a desarticulação dos trabalhadores através dos vínculos informais, das jornadas de trabalhos sem regulamentação, sem entidades representativas e marcada pelo fenômeno da “pejotização”.

Quando a pandemia da COVID-19 começa a assolar o país com um vírus altamente contagioso e causador de milhares de óbitos, a real faceta autocrática do governo de Jair Bolsonaro se revela de forma mais brutal na sua combinação entre pragmatismo da ortodoxia ultraliberal e miserabilidade da razão fascista. O governo não propiciou de forma adequada o acesso à saúde e à proteção social, e a falta de efetividade das políticas públicas combinada com o negacionismo científico bolsonarista trouxe à tona um terrível cenário de retrocessos e contribuiu para ceifar a vida de várias pessoas (MATOS, 2022). Até o dia 05 de abril de 2022, aproximadamente 661 mil pessoas já tinham chegado a óbito no Brasil por Covid-19 (BRASIL, 2022); em contrapartida, estudos apontam que cerca de 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas (AGÊNCIA SENADO, 2021)[8].

Sob uma lógica predatória do capital que conduz a humanidade à barbárie, a crise sanitária agravada pela Covid-19 demonstrou todos os traços de uma pandemia de classe, raça e gênero[9]: a população negra, os povos indígenas e quilombolas, as mulheres, a comunidade LGBTQIA+, os moradores das favelas e dos bairros marginalizados das periferias foram os mais drasticamente afetados por essa crise sanitária, que fomentou o agravamento da crise econômica e social, suscitando a precarização exacerbada das condições de vida (EVANGELISTA, 2022).

Outrossim, ante o contexto de pandemia, o principal programa de assistência econômica, o Auxílio Emergencial, esteve marcado por denúncias de fraudes e falta de transparência desde o processo de cadastramento virtual. A inacessibilidade de 10 milhões de pessoas (G1 JN, 2020) e o seu ínfimo período de vigência aduziu a sua falta de êxito em sua finalidade paliativa. Não houve a idealização de uma política pública, durante a pandemia, capaz de fornecer auxílio às reais necessidades de toda população que vive no território brasileiro.

Conforme colocado por Behring (2021), o fenômeno do bolsonarismo é a manifestação de um projeto de extrema direita no Brasil, marcado por traços fascistas. Ademais, essa tendência “está deixando marcas destrutivas indeléveis e cada vez mais profundas, na medida em que o tempo segue seu curso e são implementadas suas medidas reais - formais e paralelas” (BEHRING, 2021, p. 199). Estamos ante um período histórico permeado por retrocessos éticos, morais, políticos, sociais e econômicos, cujo o governo se alicerça a partir da legitimidade de um projeto pautado no individualismo, “na deslaicização do Estado e em um menu amplo de desvalores” (BEHRING, 2021, p. 200). Sob essa perspectiva, o bolsonarismo, por meio da estética antimoderna e antiuniversal, demonstra, diariamente, o seu incansável esforço para a manutenção dos privilégios da burguesia internacional e da burguesia brasileira a ela associada. Ademais,

[...] sua condescendência com os novos esquadrões da morte, as milícias, o incentivo à violência policial como afirmação corporativa e o anticomunismo tomado como patriotismo é transformado em uma estética de antissistema [...]. Este sentido de crítica antissistema, porém reacionário, é que estabelece pontes do neofascismo com os trabalhadores empobrecidos, no Brasil e no mundo (BRANCO, 2021, n/p).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerados esses aspectos, o surgimento de novas forças sociais e políticas, assim como o fortalecimento de forças construídas anteriormente, tornam o atual contexto um momento histórico particular em que os projetos tanto de continuidade como de ruptura com o liberalismo - seja em suas vertentes “neo” ou “ultra” - se evidenciam de forma mais concreta. As particularidades entre o desempenho eleitoral da esquerda e a perda de influência sobre diferentes setores populares podem abrir um processo de debate interno sobre suas concepções políticas, mostrando que, apesar da resistência e dissidência não estarem mortas, falta-lhes ainda uma articulação sistemática e intransigente, para que não acabem colocando em risco toda a acumulação de forças geradas nas últimas décadas na oposição a este modelo.

Antonio Gramsci, em sua época, referiu-se a situações análogas e todos os perigos mórbidos que as encerram, ao alertar para os momentos de crises em que “o velho morre e o novo não pode nascer”. Nesse funéreo interregno, advertia o marxista sardo, “verificam-se os fenômenos patológicos mais variados” (GRAMSCI, 2002, p. 184). Ao voltarmos as atenções para os problemas de nosso tempo, com o emergir de toda uma espécie de fenômenos sociais, políticos e econômicos aberrantes - como o apogeu da especulação financeira em escala planetária e seus “golpes de mercado”, o pujante expandir do racismo, a explosão de fundamentalismos, o anti-intelectualismo, o robustecimento da ideologia reacionária etc. - podemos perceber a validez desta afirmação e nos atentarmos para o caráter extremamente violento e semibárbaro assumido pela luta de classes no país e a decomposição da nossa sociedade, condições estas que se assemelham àquelas que se constituíram como substrato para o surgimento do fenômeno do fascismo no seus moldes “clássicos”, nas primeiras décadas do século XX.

Considerando todos estes aspectos, podemos afirmar que o desfecho político derivado da complexa conjuntura que envolve as estratégias neoliberais iniciadas entre os anos 1990 e 2000, a experiência petista de governos de conciliação de classe, o golpe de 2016 e a ascensão do governo Bolsonaro cimentaram um conjunto de transformações estruturais que fez emergir significativas determinações na composição das forças sociais em luta no cenário brasileiro. Tais determinações nos deixa diante de um novo momento de crise e deterioração da “democracia vulgar” marcada por um processo de fascistização silencioso e dissimulado que, a depender da dinâmica da conjuntura e do patamar da correlação de forças existentes, pode derivar na instauração de uma nova fase de regimes de exceção, ou, como já nos alertara Florestan Fernandes (1981), de um novo tipo de fascismo com dimensões mais ostensivas, agressivas e dinâmicas, modificado pelas novas potencialidades e muito mais perigoso e destrutivo.

REFERÊNCIAS

ANISTIA INTERNACIONAL. Informe 2021/22: o estado de direitos humanos no mundo. Reino Unido, 2022. Disponível em: https://www.amnesty.org/en/documents/pol10/4870/2022/bp/. Acesso em: 5 abr. 2022.

AGÊNCIA SENADO. Pesquisas apontam que 400 mil mortes poderiam ser evitadas; governistas questionam. Senado notícias, Brasília, 24 Jun. 2021, Redação. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/06/24/pesquisas-apontam-que-400-mil-mortes-poderiam-ser-evitadas-governistas-questionam. Acesso em: 5 abr. 2022.

BARBOZA, D. R. A construção da democracia (vulgar) no processo da revolução burguesa no Brasil. 2014. 566 f. Tese (Doutorado em Serviço Social). Programa de Pós–Graduação em Serviço Social, Faculdade de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

BARBOZA, D. R. ANDRADE, C. As particularidades do Estado na formação social brasileira: a reiteração da via repressiva de contenção das reivindicações populares. In: BARBOZA, D. R.; BOTELHO, J. (org.). Lutas sociais e ofensiva do capital no Brasil contemporâneo: desafios e estratégias de organização da classe trabalhadora. Uberlândia: Navegando Publicações, 2020, v. 1, p. 295-331. Disponível em: https://www.editoranavegando.com/livro-lutas-sociais-e-ofensiva-do-capita acesso em: 12 abr. 2022.

BEHRING, Elaine Rossetti. Novo regime fiscal, neofascismo e ultraneoliberalismo. In: Fundo público, valor e política social. São Paulo: Cortez, 2021.

BERMÚDEZ, I. Luces y sombras de la economía chilena. Clarín (Suplemento Econômico) 23 jun. 1996.

BORÓN, A. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In: SADER, E., GENTILI, P. (orgs). Pós neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. RJ: Paz e terra, 1995. p. 63-118.

BRANCO, Jorge. O neofascismo e a estética da destruição. Brasil de Fato, 03 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.brasildefators.com.br/2021/08/03/o-neofascismo-e-a-estetica-da-destruicao. Acesso em: 28 mar. 2022.

BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE). Presidência da República, Câmara da Reforma do Estado, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, Brasília, DF: MARE, 1995. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretor-da-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf . Acesso em: 18 out. 2022.

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 95/2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF. 15 dez. 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm . Acesso em: 18 out. 2022.

BRASIL. Lei nº. 13.415/2017. Altera as Leis n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF. 16 fev. 2017a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm . Acesso em: 10 ago. 2022.

BRASIL. Lei nº 13.467/2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto–Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, nº 8.036, de 11 de maio de 1990, e nº 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF. 14 jul. 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm . Acesso em: 24 ago. de 2022.

BRASIL. Lei nº 13.874/2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado; altera as Leis nos 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 12.682, de 9 de julho de 2012, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de 2002, 8.934, de 18 de novembro 1994, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; revoga a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, a Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008, e dispositivos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF. 20 set. 2019a. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm . Acesso em: 24 de ago. de 2022.

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 103/2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF. 12 nov. 2019b. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm . Acesso em: 18 out. 2022.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional – PEC n. 32/2020. Altera disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa. Propostas legislativas – Câmara dos deputados. Poder Executivo, Brasília, DF. 03 set. 2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2262083 . Acesso em: 18 out. 2022.

BRASIL. Covid-19 Painel de Controle. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 05 abr. 2022.

CEPAL. Panorama social de América Latina. Santiago: CEPAL, 1994. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/handle/11362/1231 . Acesso em: 18 ago. 2022.

CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

CHESNAIS, F. Por trás do discurso sobre a mundialização “inevitável”. In: CARRION, R. K. M.; VIZENTINI, P. F. (orgs.). A crise do capitalismo globalizado. Porto Alegre: Editora Universidade/UFRGS, 2000.

ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Trad. B. A. Schumann; São Paulo: Boitempo, 2010.

EVANGELISTA, A. P. Negros são os que mais morrem por covid-19 e os que menos recebem vacinas no brasil. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/podcast/negros-sao-os-que-mais-morrem-por-covid-19-e-os-que-menos-recebem-vacinas-no-brasil. Acesso em: 5 abr. 2022.

FERNANDES, F. Poder e contrapoder na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

FONTES, V. O protofascismo – arranjo institucional e policialização da existência. Revista eletrônica Marxismo 21, 2019. Disponível em: https:// marxismo21.org/wp-content/uploads/2017/05/Virg%C3%ADnia-Fontes- -O-protofascismo-%E2%80%93-arranjo-institucional-e-policializa%- C3%A7%C3%A3o-da-exist%C3%AAncia.pdf . Acesso em: 18 mar. 2022.

FRIGOTTO, G. Brasil: a violência do mercado e do Estado como signos da sociabilidade. Brasil de Fato: São Paulo, 31 ago. 2021. Opinião. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/08/31/artigo-brasil-a-violencia-do-mercado-e-do-estado-como-signos-da-sociabilidade . Acesso em: 17 maio 2022.

G1 JN. Mais de 10 milhões de pessoas ainda não conseguiram receber o auxílio emergencial. Globo.com. Rio de Janeiro. 09 Jun. 2020. Rio de Janeiro. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/06/09/mais-de-10-milhoes-de-pessoas-ainda-nao-conseguiram-receber-o-auxilio-emergencial.ghtml . Acesso em: 5 abr. 2022.

GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. v.3 - Maquiavel, notas sobre o Estado e a Política. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 6 v.

HOBSBAWM, E. J. Tempos interessantes. Uma vida no século XX. S. Paulo, Cia. das Letras, 2002.

HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos: o breve século XX. 1914-1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

HOUTART, F. A mundialização das resistências e das lutas contra o neoliberalismo. In: SEOANE, J.; TADDEI, E. (orgs.). Resistências mundiais: de Seattle a Porto Alegre. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 89-98.

HUSSON, M. Miséria do capital. Lisboa, Terramar, 1999.

HUSSON, M. Mundialização: novo horizonte do capitalismo. Margem esquerda, São Paulo, n.8, p.2-12. 2006.

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Divulgação Especial. Medidas de Subutilização da Força de Trabalho no Brasil, 4º trimestre de 2019. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=destaques . Acesso em: 28 maio 2022.

KONDER, L. Introdução ao Fascismo. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

LAURELL, A. C. La política social en el proyecto neoliberal.Necessidades econômicas y realidades sócio-politicas. México: Cuadernos Medico-Sociales, no. 60, 1992.

MACIEL, D. Governo Bolsonaro, ameaça fascista e luta socialista. Revista eletrônica Marxismo 21, 2019. Disponível em: https://marxismo21.org/wp-content/uploads/2017/05/David-Maciel-Governo-Bolsonaro-amea%C3%A7a-fascista-e-luta-socialista.pdf . Acesso em: 18 maio 2022.

MANDEL, E. A crise do capital. Os fatos e sua interpretação marxista. São Paulo: UNESP/Ensaio, 1990.

MATOS, T. Negacionismo fatal: Estudo comprova impacto da falta de coordenação federal na alta mortalidade por covid no Brasil. O Dia, 22 mar. de 2022. Disponível em: https://odia.ig.com.br/mundo-e-ciencia/coronavirus/2022/03/6363055-negacionismo-fatal-estudo-comprova-impacto-da-falta-de-coordenacao-federal-na-alta-mortalidade-por-covid-no-brasil.html. Acesso em: 5 abr. 2022.

MELLER, P. Latina American Adjustment and Economic Reforms: Issues and Recent Experience.Santiago: CIEPLAN, 1992.

NETTO, J. P. Desigualdade, pobreza e Serviço Social. Revista em Pauta (Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro). São Paulo, n. 19, p. 135-170, 2007.

PAULANI, L. M. Capitalismo financeiro, estado de emergência econômico e hegemonia às avessas no Brasil. In: BRAGA, R.; OLIVEIRA, F.de; RIZEK, C. (org.). Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 109– 136.

PEÑA, F. C. de la (cord.). América Latina: crisis y globalización. México: Unam, 1993.

POULANTZAS, N. Fascismo e ditadura. Porto: Portocalense Editora, 1972.

PNUD. Desarrollo humano. Informe 1992. Santa Fe de Bogotá: Tercer Mundo Editores, 1992.

SADER, E. A vingança da história. São Paulo: Boitempo, 2003.

SANTOS, T. dos. Socialismo ou fascismo. O novo caráter da dependência e o dilema latino-americano. Florianópolis: Insular, 2018.

SOARES, L. T. R. Ajuste neoliberal e desajuste social na América Latina, Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

TOGLIATTI, P. Lições sobre o fascismo. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1978.

VILAS, C. M. Que hacemos com la pobreza? Realidade Económica, n.139, abr.1996, p. 7-10.

VUSKOVIÇ, P. Pobreza y desigualdade em America Latina. México: CEIIH-Unam, 1993.

Notas

[1] “O neoliberalismo nada mais é do que a nova estratégia do capital para recuperar sua capacidade de acumulação, consecutiva à diminuição relativa da produtividade que conduziu ao esgotamento do modelo keynesiano e às novas possibilidades de que ele passa a dispor para recolonizar as economias periféricas. Sob estas bases, ele pôde prosseguir exercendo suas pressões contra qualquer tentativa de reorganização da economia em condições diferentes das suas. A aceleração do processo de acumulação significou, assim, uma dupla ofensiva: de um lado, contra o trabalho; e, de outro, contra o Estado. E, para esse efeito, empregam-se todos os meios: econômicos, culturais, políticos, militares”. (HOUTART, 2001, p. 91-92).
[2] Sobre a construção do conceito de “democracia vulgar”, cf. Barboza (2014).
[3] A relação entre deterioração social e as políticas sociais implementadas pelo projeto neoliberal também pode ser encontrada nas análises de Laurell (1992).
[4] Para analisar outros estudos que já apontavam esse aprofundamento da pobreza e da desigualdade na região latino-americana, consultar: Vuskoviç (1993) e Vilas (1996).
[5] Fazendo um resgate dos dados apresentados em diversos trabalhos elaborados pela CEPAL (1994), pode-se destacar que, em 1960, 51% de pessoas viviam abaixo da linha de pobreza na América Latina (o equivalente a cerca de 110 milhões de pessoas). Na década de 1970 a tendência positiva se detém, registrando um ligeiro aumento até chegar a 41%. Após a erupção da crise da dívida e da colocação em prática de políticas de ajuste e de estabilização, a proporção de pobres aumenta para 43% em 1986 e para 46% em 1990.
[6] Sobre o contexto político latino-americano, ver também Peña (1993)
[7] A esse respeito, ver também Paulani (2010).
[8] De acordo com a Anistia Internacional (2022, p.76), “a testagem, o monitoramento, os medicamentos e insumos hospitalares, os leitos de internações e as unidades de terapias intensivas eram inadequados e insuficientes”.
[9] Estes dados nos remetem a pensar sobre os relatos contidos na obra escrita por Engels em 1895 sobre a situação da classe trabalhadora na Inglaterra: “Quando a epidemia deu seus primeiros sinais, uma onda de pavor envolveu a burguesia da cidade. De súbito, ela se recordou da insalubridade dos bairros pobres – e tremeu com a certeza de que cada um desses bairros miseráveis iria se constituir num foco da epidemia, a partir do qual a cólera estenderia seus tentáculos na direção das residências da classe proprietária. Rapidamente se designou uma comissão de higiene para inspecionar aqueles bairros e preparar um relatório rigoroso de suas condições ao Conselho Municipal. [...] Dadas tais [péssimas] condições [de vida], como esperar que a classe mais pobre possa ser sadia e viva mais tempo? Que mais esperar, senão uma enorme mortalidade, epidemias permanentes e um progressivo enfraquecimento físico da população operária?” (ENGELS, 2010, p. 105-106)
HTML generado a partir de XML-JATS4R por