Artigos - Dossiê Temático
Recepción: 24 Enero 2022
Aprobación: 16 Noviembre 2022
DOI: https://doi.org/10.18764/2178-2865.v26n2p658-672
Resumo: O tema do desenvolvimento regional é parte essencial do debate sobre a participação do Estado na vida pública, bem como sobre a qualidade dos arranjos institucionais pertencentes aos países, com suas capacidades estatais bem definidas. Este trabalho tem a incumbência de analisar o Brasil e a Argentina e as suas estratégias para o tratamento das desigualdades regionais, especialmente a partir dos anos 50 até os anos 90. Como resultados preliminares pode apontar que, no Brasil, as políticas de desenvolvimento regional visam combater a grande desigualdade existente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com mecanismos institucionais bem demarcados, especialmente com a presença ativa das superintendências regionais. No caso argentino, observa que a estratégia adotada para conter as desigualdades regionais nas províncias foi uma escolha constitucional, baseada em uma reforma no federalismo, a partir de 1994. Através desta comparação com dois países da América Latina, este trabalho tem a pretensão de colaborar com o mapeamento dos critérios adotados para a resolução dos problemas regionais específicos.
Palavras-chave: Brasil, Argentina, desenvolvimento regional, federalismo, políticas públicas de desenvolvimento.
Abstract: The theme of regional development is an essential part of the debate on state participation in public life, as well as on the quality of institutional arrangements belonging to countries, with their well-defined state capacities. This work has the task of analyzing Brazil and Argentina and their strategies for dealing with regional inequalities, especially from the 1950s to the 1990s. As preliminary results, we can point out that in Brazil, regional development policies aim to combat the great inequality existing in the North, Northeast and Center-West regions, with well-defined institutional strategies, with the active presence of regional superintendencies. In the case of Argentina, we observe that the strategy adopted to contain regional inequalities in the provinces was a constitutional choice, based on a reform in federalism from 1994 onwards. Through this comparison with two Latin American countries, this work intends to collaborate with the mapping of strategies in the resolution of specific regional problems.
Keywords: Brazil, Argentina, regional development, federalism, public development policies.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho possui a incumbência de realizar uma observação sobre o papel do Estado como indutor das políticas de desenvolvimento regional, que foram formuladas e implementadas por dois países da América Latina, que são Brasil e Argentina, com o recorte temporal estabelecido entre os anos 1950 a 1990. Consideramos dois aspectos fundamentais que envolveram os dois contextos: a crise do neoliberalismo, a qual teve muita força ao final dos anos 90 e também as dissonâncias nas trajetórias destes dois países selecionados. As desigualdades regionais de diversos países latino-americanos foram profundamente acentuadas a partir da transição do século XXI, especialmente no momento em que havia uma rearticulação dos atores políticos, em torno da construção de novas agendas, com a definição de prioridades para seus territórios. Autores como Bresser Pereira (2009), Ianoni (2009) e Vieira (2013), a partir de uma perspectiva desenvolvimentista, salientam que a reorganização dos países em torno do desenvolvimento ganha proeminência.
O Estado passa de um mero coadjuvante nos processos de desenvolvimento regional a um ator central, estimulando o desenvolvimento regional, em uma engenharia política e institucional que garante – ainda que de forma incipiente – a participação social, como forma de promover a formulação de políticas públicas, prioritariamente através da expertise burocrática, majoritariamente alocadas junto aos governos centrais. Desta forma, a questão regional adquire protagonismo como um problema de agenda governamental, mas depende, em contrapartida, tanto do jogo democrático amplo, como de questões e tensões federativas em torno da formulação e implementação de políticas regionais. As perguntas que pautam este trabalho são: quais os instrumentos utilizados pelos governos de Brasil e Argentina para as intervenções nas desigualdades regionais? Como elaboraram os diagnósticos ao longo do recorte temporal aqui proposto (1950 a 1990)?
Este trabalho se justifica porque existem dissonâncias importantes nas trajetórias dos dois países, especialmente na condução das agendas de políticas regionais, mas com pontos de convergência importantes. Estas interlocuções podem ser agrupadas em três grupos principais. O primeiro, é que podemos observar interrupções na democracia dos países elencados, especialmente com a implantação de regimes autoritários de longa duração, através dos quais houve um impacto significativo nas relações intergovernamentais entre os entes federados, pois abarcaram momentos de centralização e outros de descentralização, tanto financeira como política. Um segundo ponto que merece destaque é que Brasil e Argentina possuem grandes assimetrias regionais, tanto entre as regiões brasileiras como entre as províncias argentinas. Finalmente, um terceiro ponto a ser considerado é que entre as décadas de 50 a 90, a América Latina conviveu com o resultado das tensões produzidas pelo crescimento econômico desordenado, o que aguçou as desigualdades sociais e regionais, conforme podemos observar nos estudos de Berthell (1997).
No Brasil, é possível classificarmos o planejamento e o desenvolvimento regional a partir de algumas fases bem demarcadas. Em primeiro lugar, a partir de meados dos anos 1950, a agenda governamental previa que a superação dos gargalos de desenvolvimento regional seria superada através da criação de instituições, com legitimidade para formular e implementar políticas de desenvolvimento regional. Em um segundo momento, destoando do período anterior, as instituições do regime militar foram responsáveis por elencar medidas para a valorização da centralização política e administrativa, com prerrogativas diferentes das anteriores, caracterizada pela ampla descentralização das atividades e das competências. Uma terceira fase pode ser demarcada a partir da Constituição de 1988, responsável pelo estabelecimento de algumas prerrogativas constitucionais para as regiões com fragilidades econômicas.
A partir dessas considerações, este artigo é composto por essa apresentação, precedida por um item que trata sobre a atuação do Estado brasileiro no tratamento das assimetrias regionais, seguida de uma exposição das políticas regionais na Argentina. Na sequência, apresentamos os itens que aqui elencamos, finalizando com a conclusão.
2 A ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NAS DESIGUALDADES REGIONAIS: a opção pelas instituições
A influência do neoliberalismo sobre a agenda governamental na América Latina é bem acentuada, influenciando, concomitantemente, a agenda das políticas regionais, como sustenta autores como Pinho (2013) e Fagnani (2011). Estes autores trabalham com a hipótese de que a derrocada das políticas neoliberais foi decisiva para recolocar o debate regional em novos moldes, especialmente priorizando a garantia dos direitos fundamentais, favorecendo os mais pobres. Se, por um lado, a característica do neoliberalismo é a de esfacelar com o Estado de Bem-Estar Social, gerando desempregos e aumento da pobreza, por outro lado, especialmente em meados do século XX, observamos a vitória de governos progressistas na América Latina, responsáveis por promover a retomada do desenvolvimento regional a partir de perspectivas que priorizam a participação do Estado como indutor do planejamento das políticas públicas. Além disso, ganha protagonismo as políticas de cunho regional no final dos anos 90, em contraposição àquelas com características neoliberalizantes, típicas dos anos 80; os setores sociais marginalizados foram atendidos, especialmente com os programas de distribuição de renda, a exemplo do Programa Bolsa Família, cujo principal objetivo foi a inclusão social. Este novo rumo das políticas públicas possui como foco principal a igualdade social, aliada às políticas para os territórios e regiões específicas.
A expansão do neoliberalismo promoveu uma resistência à incorporação dos setores sociais mais vulneráveis na partilha da riqueza produzida, gerando grande concentração de renda e, consequentemente, um desequilíbrio regional sem precedentes, como ressalta Pinho (2013). Este Estado, remodelado a partir dos anos 2000 possui, em primeiro lugar, capacidades estatais para liderar a agenda de políticas públicas, com a incumbência pela formulação e implementação. Em segundo lugar, como ressaltamos anteriormente, este Estado passou a incorporar em seus objetivos a inclusão social como uma de suas metas, fator que pautou o debate sobre o desenho institucional destas políticas. Esta característica foi comum a Brasil e Argentina, os quais buscavam a reorganização de suas agendas de políticas públicas a partir de seus arranjos institucionais disponíveis e reorganizados em bases federativas; entretanto, enquanto o Brasil adotou um caminho pela via da engenharia institucional, a Argentina, em contrapartida, optou pela via constitucional a partir de reformulações no federalismo, para facilitar a promoção das políticas de desenvolvimento regional, como veremos adiante neste trabalho.
Nesse sentido, podemos elencar como marco fundamental das intervenções institucionais no Brasil, a criação das superintendências regionais, como a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO). Colombo (2014) aponta que o Brasil conviveu com um modelo de federalismo que colaborou para a não resolução das desigualdades regionais, além de aprofundar as desigualdades; esta afirmativa pode ser comprovada quando analisamos a região Nordeste, que representou um desafio de planejamento para os governos, dada a sua característica essencial, calcada nas desigualdades sociais e regionais.
Assim, a criação da SUDENE e a sua duração ao longo dos anos, especificamente entre 1959 e 2001, quando foi formalmente extinta, e posteriormente recriada em 2003, ainda é considerada um modelo de planejamento regional, especialmente por possuir como prerrogativa a reordenação do desenho das políticas regionais através de um federalismo cooperativo, capacitado para articular as pressões advindas de relações intergovernamentais competitivas e horizontais, pouco propensas a representar a identidade local das regiões mais vulneráveis. A SUDENE objetivava entre outros pontos, a superação da política e interesses oligárquicos, fortalecendo os entes subnacionais como os estados nordestinos, atores até então subjugados no processo decisório de políticas púbicas, dada a nossa tradição centralista.
A SUDENE permaneceu com seus pressupostos iniciais em funcionamento até 1964, quando, por ocasião do Golpe Militar, seus objetivos foram duramente alterados. Além de profundas alterações sociais, o novo regime promovia um redirecionamento para as políticas de desenvolvimento regional, especialmente retirando o protagonismo dos entes federativos na capacidade de formular e implementar decisões. Desta forma, a partir do regime militar, um novo enfoque para as políticas regionais foi realizado, com a centralização econômica e política, além de transformar os problemas regionais em questões secundárias na agenda nacional, que passava, naquele momento, a pautar o crescimento econômico baseado no “milagre econômico”. A SUDENE passa a ser mera coadjuvante nos processos desenvolvidos a partir de então, atuando como fiscalizadora das ações elaboradas pelos militares.
No período anterior aos militares, as instituições funcionavam como espaços privilegiados para o planejamento regional, objetivando essencialmente a superação dos dilemas sociais e regionais; a prioridade da agenda governamental passou a ser o crescimento econômico a partir da integração das regiões a um todo, nacional. A partir da nova estratégia dos militares, havia o desejo de aproveitar a potencialidade de cada região, sem priorizar as necessidades regionais isoladas. As desigualdades regionais passaram a ser secundárias, em um contexto em que a SUDENE atuou como coordenadora das ações nacionais, o que também refletia a marginalização da instituição, frente às novas condicionalidades impostas pelo contexto político. Os militares colocaram em ação os chamados Programas Especiais, responsáveis por desenvolver a agricultura, a pecuária e a irrigação do Nordeste, sem vinculação com o planejamento regional e com as questões regionais, anteriormente foco das políticas públicas.
Por fim, é importante considerar que a Constituição de 1988 impôs regras decisivas para as políticas regionais brasileiras, especialmente pela grande descentralização promovida e que favoreceu os estados e os municípios, como entes federativos com poder para implementar as políticas regionais brasileiras. A Carta de 1988 reservou três importantes prerrogativas: a primeira delas é a ênfase na superação das desigualdades regionais, expressa no Texto de maneira enfática, precedido de um maior empoderamento de estados e municípios no tocante à condução de investimentos por meio de repasses e incentivos fiscais e financeiros. A descentralização foi decisiva para dar voz a estas unidades subnacionais, anteriormente atuando apenas com papéis secundários neste processo decisório mais amplo, embora ainda enfrentem atualmente obstáculos inerentes à própria dinâmica onde tais políticas são produzidas. Segundo Bercovici (2003, p. 215):
Os problemas do planejamento do desenvolvimento regional no Brasil nos levam à necessidade de reexaminar a questão das desigualdades regionais sob outros termos. De nada adiantam as políticas agressivas de obtenção de mais recursos ou indústrias para as áreas menos desenvolvidas (levadas a cabo recentemente por vários Estados por meio da guerra fiscal), sem que haja uma política de desenvolvimento e reorientação do gasto público em todos os níveis, voltada para a melhoria das condições de vida da população. O planejamento regional precisa ser retomado sem o caráter acessório e setorial dos que o condenou. Para tanto, várias políticas públicas nacionais devem ser regionalizadas, adequando melhor os investimentos públicos e fazendo com que o planejamento regional adquira um papel essencial no planejamento nacional (BERCOVICI, 2003, p. 215).
Nesse sentido, importante considerar que a Constituição de 1988 reservou, no Artigo 159, os Fundos Regionais como instrumentos para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; a composição deste Fundo passava a ser 4% do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, para políticas públicas destas regiões. Esta garantia e prerrogativa constitucional dos Fundos consolidam o tratamento às desigualdades regionais como uma política de Estado e não de Governo, cuja característica desta última é a transitoriedade.
A partir dos anos 90, temos um momento na história das políticas regionais particularmente caracterizado pela perda do protagonismo do Estado como condutor do planejamento regional. A aproximação do Estado com o mercado, especialmente com o setor produtivo na promoção das políticas regionais, especialmente via parcerias público-privadas, forneceu um novo modelo para o tratamento das desigualdades regionais. O planejamento passou a ser conduzido não mais maximizando a superação das vulnerabilidades regionais, mas buscando o dinamismo regional e a integração. Este novo pressuposto para a condução das políticas regionais traz consigo o chamado Eixos de Integração Regional e Nacional, apoiados no desenvolvimento sustentável, receituário da ONU e do Banco Mundial, que impulsionou o movimento da ECO 1992. Estes organismos internacionais buscam oferecer diagnósticos para o combate à pobreza, via estímulo do desenvolvimento local, associada à sustentabilidade ambiental, para um equilíbrio neste desenvolvimento.
Cabe destacar que os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento faziam parte do Plano Plurianual referente aos anos de 1996 a 1999, que buscava uma integração produtiva do Brasil com o exterior, desconsiderando os gargalos de desenvolvimento de regiões específicas. Os Eixos foram idealizados no Governo Collor, cujo objetivo era o mapeamento dos pontos de fragilidade regional, os quais promoviam dificuldades para a integração do Brasil com outros países. Dando seguimento a este tipo de agenda governamental, calcada sobretudo em peças orçamentárias como os PPAs, para os anos de 2000 a 2003, novamente o desenvolvimento regional estava circunscrito a esses planos, elaborados pelo Governo Federal.
A agenda regional foi novamente alterada com a eleição do Governo Lula, cujo foco das políticas passava ser o combate à fome e à desigualdade social: entravam em cena os programas de distribuição de renda, como o Programa Bolsa Família, e alguns programas de infraestrutura, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Merece destaque também a elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), responsável por redimensionar o desenvolvimento regional a partir de uma agenda governamental elaborada com a finalidade de destacar esta área. No entanto, os programas de combate à pobreza e à miséria foram os grandes protagonistas da década de 2000, especialmente por promover a emancipação do indivíduo, substituindo o planejamento regional calcado em planos nacionais com foco nos territórios e regiões. Os orçamentos federais agora reservam para estes programas de distribuição de renda uma parcela significativa, não somente no Brasil, como na Argentina, como ressalta Vieira (2013). O enfoque governamental deixa de ser a região e passa a ser o auxílio para o indivíduo em situação de vulnerabilidade social.
Na Argentina, caminho semelhante foi traçado, a partir do chamado Asignación Universal por Hijo para Protección Social (AUHPS), uma política pública focalizada em crianças e adolescentes, com idade menor do que 18 anos, ou incapacitados sem limite de idade e que pertençam a famílias com pais desempregados ou que estejam exercendo atividades laborais informais, residentes na Argentina, segundo relatos de Vuolo (2012). Faremos, em seguida, explanações sobre o caso argentino e o tratamento do Estado para as desigualdades regionais daquele país.
3 A ARGENTINA E O DESENVOLVIMENTO REGIONAL A PARTIR DE ESCOLHAS CONSTITUCIONAIS
Se no Brasil o neoliberalismo teve um terreno fértil e que impactou as políticas de desenvolvimento, em especial, para as regionais, a Argentina, durante a década de 90, foi elogiada pelo Fundo Monetário Internacional como um modelo na América Latina a ser seguido, por possuir os pressupostos do neoliberalismo em sua forma plena. Este cenário contrasta com outro, de aumento da pobreza e da desigualdade social, conforme aponta Millán-Smitmans (2008):
En Argentina la información de la Encuesta Permanente de Hogares (EPH) está disponible desde 1974 para el Gran Buenos Aires y desde comienzos de la década de los 90 para los principales centros urbanos del país. El análisis de dicha información indica que la pobreza aumentó considerablemente durante los años 80 alcanzando un máximo del 42% en 1990. Disminuyó a comienzos de los 90 alcanzando un mínimo cercano al 19% a fines de 1993 para después ascender continuamente hasta un máximo histórico del 58% en el 2002. Con la recuperación económica la pobreza ha caído sensiblemente estimándose su valor en un 26,9% a fines del 2006. El comportamiento de Argentina contrasta con lo sucedido en la región de América Latina y el Caribe donde se estima que la pobreza se habría reducido en promedio en 3 puntos porcentuales entre principios de los 90 y fines del 2005 (MILLÁN-SMITMANS, 2008, p. 2).
A política econômica se expandia na mesma proporção em que aumentavam as desigualdades sociais e regionais, de acordo com os dados abaixo, em diferentes períodos históricos:
En Argentina el coeficiente de Gini habría aumentado de 0,324 en 1974 hasta 0,525 en el 2002. La desigualdad de ingresos aumentó considerablemente em la segunda mitad de los años 70, se mantuvo constante en la primera mitad de los 80, se aceleró durante la crisis de fines de los 80, disminuyó con la estabilidad de comienzos de los 90, pero rápidamente recuperó su tendencia alcista aumentando en 6 puntos entre 1992 y 1998, llegando este último año a un valor de 0,493. La reciente crisis agregó otros 3 puntos al aumento en la desigualdad. La participación en el ingreso del 10% más pobre de la población ha disminuido en forma sistemática desde 1992, alcanzando actualmente un valor cercano al 1,2%, mientras que el 10% más rico ha tenido un crecimiento sostenido hasta llegar a aproximadamente un 39% del total de los ingresos del país (MILLÁN-SMITMANS, 2008, p. 3).
Nesse sentido, um dos traços fundamentais da Argentina e que também é comum ao caso brasileiro, são as desigualdades observadas nas províncias argentinas, que se aproximam daquelas observadas no caso brasileiro, com relação às regiões. Problemas semelhantes, opções divergentes: a opção da Argentina foi uma tentativa de readequação federativa, ocorrido em 1994, pela via constitucional e que ficou conhecida como Coparticipação Impositiva. Porto(2004) analisou detidamente o caso argentino e afirma que a reforma foi capaz de rearticular as relações federativas estabelecidas entre o Governo Federal e as Províncias, além de promover uma rearticulação nas relações intergovernamentais, em moldes cooperativos. Com uma série de leis para amparar a partilha tributária e fiscal, os tributos foram também repartidos de maneira a beneficiar economicamente as unidades subnacionais, além de promover uma reorganização administrativa, que passava a ser dividida entre a Nação, as províncias e a cidade de Buenos Aires. Estas mudanças constitucionais promoviam uma tentativa de estabelecimento de um federalismo em moldes cooperativos, através do fomento da equidade provincial e da qualidade de vida para todos os cidadãos argentinos, independente de seu lugar de morada. Essa alteração federativa ficou conhecida como lei-convênio, segundo aponta Hernández (2008).
A partir daquele momento, a Constituição argentina também reorganizava em novos moldes a distribuição entre as entidades administrativas do país, dividido entre Nação, as províncias e a Cidade de Buenos Aires, com critérios mais claros na repartição das receitas. Os novos critérios adotados pelo federalismo argentino visavam o estabelecimento de um padrão mais cooperativo, pautado nos pressupostos da equidade, da solidariedade e da qualidade de vida e de oportunidade, equivalentes em todo o território. Merece destaque a reforma de 1973, especialmente a Ley Convenio 20.221, cujos objetivos eram:
Garantizar una mayor estabilidad de los sistemas financieros provinciales, mediante la implementación de un importante aumento de la coparticipación, a efectos de reducir la dependencia del Tesoro Nacional que se observa en la actualidad; reconocer la necesidad de un tratamiento diferencial a las provincias com menores recursos, a efectos de posibilitar a todas ellas la prestación de los servicios públicos a su cargo en niveles que garanticen la igualdad de tratamiento a todos los habitantes; obtener una simplificación del régimen que facilite el mecanismo de distribución y la actividad de los órganos de administración y control (PORTO, 2004, p. 177).
Estas alterações federativas ficaram conhecidas como leis-convênio à Constituição Federal e segundo Hernández (2008) mostrou-se uma inovação institucional importante, especialmente para reduzir a concentração de poder no executivo federal argentino. Além de rearticular o federalismo, é preciso pontuar que a cooperação foi estimulada, especialmente em torno do Presidente com os Governadores, incentivando um processo decisório pautado pela participação destes atores políticos no debate sobre a partilha de tributos, formulando acordo entre estas unidades federadas. Segundo Hernández (2008): “La incorporación del instituto de la ley-convenio a la Constitución es, para nosotros, uma trascendental reforma destinada a afianzar el federalismo de concertación, en uno de los capítulos más conflictivos de la historia argentina: la relación financiera entre Nación y províncias” (HERNÁNDEZ, 2008, p. 8).
Enquanto o Brasil promoveu as políticas de desenvolvimento regional através das instituições regionais, a Argentina promoveu esta rearticulação federativa pela via constitucional, para a resolução das assimetrias federativas. A Lei-Convênio é o exemplo desta escolha, especialmente porque se tornou uma política de Estado, “[...] que persiga la superación de los gravísimos desequilibrios que se observan entre los distritos provinciales, mediante un sistema de igualación como el canadiense, que contemple el acionar auténticamente federal del gobierno nacional y la solidaridad entre las províncias [...]” (HERNÁNDEZ, 2008, p. 9). A lei tinha como objetivo central um ajuste equitativo na partilha dos recursos financeiros e dos tributos do país.
A preocupação com os desequilíbrios regionais na Argentina tem sido recorrente no país, especialmente com os episódios recentes de descentralização, tanto fiscal como administrativa, especialmente quando houve a criação de novas províncias, cujo intuito foi rearticular o poder através da descentralização territorial, a partir da criação de novos espaços administrativos. Porém, houve um aumento dos desequilíbrios regionais, porque estes novos entes não estavam capacitados nem burocraticamente, tampouco financeiramente, para manter a autonomia, promovendo maior liberdade em relação ao Governo Central. Tal situação também pode ser observada no Brasil, especialmente com os pequenos municípios, dependentes de repasses financeiros de outros entes federativos.
Esta reforma implantada na Argentina em 1994 visava superar a desigualdade provincial do país, inovando com a transferência de poder e de recursos para as províncias; estas passaram a ter o direito de criar novas regiões, caso julgassem necessário, para facilitar a implementação de políticas e programas públicos. Além disso, as províncias também poderiam estabelecer trocas comerciais internacionais, com a participação em acordos, desde que não ferissem aqueles com enfoque nacional ou que prejudicassem os termos estabelecidos no Comércio Exterior. Esta prerrogativa denota a grande autonomia que passavam a ter essas unidades federativas argentinas a partir deste período.
Porto (2004) ressalta que a possibilidade de criação de regiões pelas províncias representava uma possibilidade de avanços para as políticas regionais, especialmente para aquelas empobrecidas e que necessitam de maior atenção por parte dos governos. Dessa forma, também se acredita que o desenvolvimento local passa a ser fomentado, especialmente para a promoção de maior autonomia para os territórios, sem a participação do governo central para tais ações. Hernández (2008) também ressalta que para “nosotros también aquí han sido acertados los criterios del constituyente y sobre ellos debe avanzarse para producir un desarrollo más justo, equilibrado e integrado del país” (HERNÁNDEZ, 2008, p. 9).
Esta inovação constitucional, organizando o federalismo em novas bases também possibilita que uma província faça parte de mais de uma região, desde que ela apresente índices sociais de vulnerabilidade. Assim, a regionalização argentina não tem uma conotação de fragmentação, mas de modernização das relações intergovernamentais, bem como para a promoção de um federalismo em moldes cooperativos.
Esta reforma Constitucional de 1994 não foi compreendida da mesma forma por todos os setores da sociedade argentina; Midón (2008) ressalta que o temor era a dependência que os entes nacionais pudessem criar em relação ao governo central, aumentando as desigualdades regionais, ao invés de diminuí-las. No entanto, entusiastas da reforma apontam que as regiões poderiam facilitar as trocas e as tomadas de decisão públicas, pela possibilidade de aproximar as províncias e a nação, para a promoção de relações cooperativas e complementares. A criação de novas regiões é uma decisão bicameral, envolvendo o Congreso de La Nación e o Senado, os quais podem aprovar ou rejeitar as novas propostas, bem como promover iniciativas de políticas diferenciadas para cada província ou região.
Esta opção argentina pela via constitucional e pela possibilidade de criação de novas regiões podem criar arranjos institucionais mais adequados para a promoção de políticas regionais mais adequadas para a população. Porém, a desconfiança com as novas medidas reside no fato de que as desigualdades regionais poderiam ser aprofundadas, desequilibrando, em contrapartida, a árdua manutenção dos checks and balances. Os dados da tabela abaixo, contendo o índice de Gini de cada província são elucidativos para a compreensão da desigualdade existente na Argentina:
Uma metodologia para indicar os níveis de desenvolvimento das províncias argentinas foi criada por Cicowiez (2004), no período correspondente de 1980 a 2001, considerando aspectos sociais como densidade populacional, educação, saúde e violência; a classificação do autor referente ao território argentino ficou assim distribuída: as províncias consideradas avançadas são aquelas dos seguintes locais: Cidade de Buenos Aires, Santa Cruz, Chubut, La Pampa, Tierra del Fuego, Neuquén, Buenos Aires e Santa Fé.
As províncias consideradas intermediárias compõem os seguintes locais: Córdoba, Rio Negro, Mendoza, Entre Rios, San Luis, Catamarca, San Juan e San Miguel de Tucumán. E, por fim, as províncias consideradas retardatárias são compostas pelos seguintes locais: La Rioja, Salta, Jujuy, Misiones, Corrientes, Santiago del Estero, Chaco e Formosa.
Diante dessas assimetrias, foi criado em 2004, o Fundo de Equidade Social, com o objetivo de diminuir as desigualdades econômicas e sociais, especialmente das províncias do Noroeste e Nordeste, incluindo os aglomerados urbanos. Este Fundo seria repartido através de um comitê integrado composto pelos Ministros da Economia e Produção, da Planificação Federal, da Inversão Pública e dos Serviços e Desenvolvimento Social da Nação e também pelas províncias de diferentes áreas geográficas do país.
Hernández (2008) possui diversas críticas a esse Fundo, especialmente pelo caráter de um convênio e não de uma lei, ele permanece vulnerável, podendo ser extinto a qualquer momento. Além disso, havia resistência a este Fundo, especialmente pelos governadores das províncias de Córdoba, Buenos Aires, Santa Fé, Corrientes, Neuquén e La Pampa.
Recentemente, para este ano de 2022, os números de pobreza e de miséria na Argentina evidenciam também as diferenças observadas entre as regiões, com oscilações significativas entre elas, conforme demonstra a tabela abaixo:
Cabe destacar que o Brasil também tem buscado reduzir as suas desigualdades regionais via planos de desenvolvimento, elaborados pelas Superintendências regionais, em 2019 e que apresentaram propostas para as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Lamentavelmente, os planos continuam paralisados no Congresso Nacional, aguardando tramitação.
4 CONCLUSÃO
Este trabalho buscou responder à questão central proposta inicialmente, que é: quais as ferramentas que Brasil e Argentina utilizaram para o tratamento de suas desigualdades regionais, a partir dos anos 50 até o final dos anos 90? Apontamos, ao longo do texto, que os países em tela possuem uma característica em comum: a grande desigualdade regional que permeia as regiões, no caso brasileiro e das províncias, no caso argentino. A partir dos anos 90, existe a percepção de uma decadência das políticas neoliberais, especialmente observadas no caso argentino e na América Latina, o que propiciou novas formas de combate às desigualdades regionais, com enfoques diferentes e estratégias diversas.
O caso argentino possui uma particularidade, que é a escolha de uma remodelação no federalismo através da chamada Lei-Convênio, que propunha relações intergovernamentais mais cooperativas, especialmente entre as províncias e o governo central, com a possibilidade de criação de novas regiões para facilitar e localizar os espaços de vulnerabilidade, que poderiam ter políticas públicas mais adequadas às suas necessidades. Neste sentido, a opção argentina foi constitucional, com alterações substantivas no desenho federativo para facilitar o desenvolvimento regional. No Brasil, em contrapartida, a partir dos anos 90 houve alterações no planejamento das políticas regionais, antes formuladas via instituições e a partir de então circunscritas a peças orçamentárias como os Planos Plurianuais do Governo Federal, com a possibilidade de reorganização da agenda governamental a partir do orçamento. Recentemente, através da SUDENE, SUDECO e SUDAM houve a retomada dos planos regionais, buscando uma retomada das instituições regionais no protagonismo da condução da agenda regional.
Seja pela via constitucional ou pela escolha institucional, como nos casos da Argentina e do Brasil, respectivamente, a retomada de uma agenda governamental para o combate às desigualdades regionais é urgente, para corrigir os efeitos deletérios de uma longa tradição neoliberal e seus impactos nocivos no território, e para conter as assimetrias regionais incrustradas nestes países, durante décadas. A ausência de tal agenda tende a agudizar os episódios de injustiças sociais e de maior desigualdade, culminando para práticas federativas mais competitivas.
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