Resumo: Este artigo reflete criticamente sobre a experiência da pesquisa em um contexto internacional a partir de um processo de cooperação envolvendo equipes da Universidade Federal do Espírito Santo, da Universidade de Coventry, da Universidade Robert Gordon e da Universidade de Havana. Nosso objetivo é explorar o processo de colaboração na pesquisa envolvendo pesquisadoras e pesquisadores das áreas de Serviço Social, Economia e Educação, descrevendo conquistas, desafios, barreiras vivenciadas, bem como as estratégias construídas ao longo dos últimos 10 anos. Em termos metodológicos utilizamos a revisão argumentativa da literatura apoiada na reflexão crítica das experiências dos autores e nos documentos, textos, debates construídos pela equipe.
Palavras-chave: Cooperação internacional, serviço social, pesquisa colaborativa.
Abstract: This article critically reflects on the research experience in an international context based on a cooperation process involving teams from the Federal University of Espírito Santo, the University of Coventry, the Robert Gordon University and the University of Havana. Our objective is to explore the process of collaboration in research involving researchers in the areas of Social Work, Economics and Education, describing achievements, challenges, barriers experienced, as well as the strategies built over the last 10 years. In methodological terms, we used the argumentative literature review supported by the critical reflection of the authors' experiences and in the documents, texts, debates constructed by the team.
Keywords: International cooperation, social service, collaborative research.
Artigos - Temas livres
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL reflexões sobre uma experiência de 10 anos
INTERNATIONAL COOPERATION:reflections on a 10-year experience
Recepción: 27 Mayo 2022
Aprobación: 01 Noviembre 2022
Este artigo reflete criticamente sobre a experiência da pesquisa em um contexto internacional a partir de um processo de cooperação envolvendo equipes da Universidade Federal do Espírito Santo, da Universidade de Coventry, da Universidade Robert Gordon e da Universidade de Havana. Nosso objetivo é explorar o processo de colaboração na pesquisa envolvendo pesquisadoras e pesquisadores das áreas de Serviço Social, Economia e Educação, descrevendo conquistas, desafios, barreiras vivenciadas, bem como as estratégias construídas ao longo dos últimos 10 anos.
Entendemos que a cooperação internacional de pesquisa envolve pesquisadores de diferentes países, cooperando em projetos, que envolvem atividades tais como: discussão de ideias, apresentação em conferências, preparação de propostas para submissão a agências de pesquisa visando a captação de financiamento, condução de pesquisas conjuntas, e/ou escrita de publicações acadêmicas conjuntas entre pesquisadores (BOND; MARÍN; BEDENLIER, 2020).
A cooperação internacional é amplamente defendida dentro de planos estratégicos das universidades e cada vez mais por associações profissionais em grande parte do mundo, visto que permite a compreensão de questões globais e desde uma perspectiva internacional (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 2001).
A questão orientadora deste artigo foi: como estruturar e sustentar uma rede de pesquisa em Pós-Graduação em nível internacional? Tinhamos claro que criar uma rede de pesquisa trazia em si o desafio de manter-se ativa ao longo dos anos. E a experiência concreta nos apontava para inúmeras equipes que vão se dissolvendo no decorrer dos anos. E isso se circunscreve a diferentes aspectos - desde questões relacionais, à falta de financiamento ou priorizações institucionais de determinados temas de pesquisa (e de parceiros), entre outros.
Em termos metodológicos utilizamos a revisão argumentativa da literatura apoiada na reflexão crítica das experiências dos autores e nos documentos, textos, debates construídos pela equipe.
O tema aqui debatido - a cooperação internacional - é recorrente na literatra mundial (KWIEK, 2021; FRAME, J.D. CARPENTER, 1979; PRATES, CARRARO, 2018). Caniglia et al. (2017), em um estudo de revisão de 46 colaborações internacionais, publicada entre 1994-2016, além de identificarem como um dos desafios para efetivar a cooperação internacional a política institucional, tanto ao nível nacional como internacional, também apontaram os desafios interculturais, como hábitos culturais e barreiras linguísticas, bem como hábitos de estudos/pesquisa. Em relação ao primeiro aspecto, na Universidade Federal do Espírito Santo as parcerias internacionais são orientadas por interesse comum no tema de pesquisa, interesse em mobilidade (de estudantes e docentes), uso ou compartilhamento de infraestrutura de pesquisa de ponta, financiamento internacional e experiência prévia de colaboração (UFES, 2021), que é sempre um desafio para jovens pesquisadores/as. Quanto aos hábitos de estudos/pesquisa, a diversidade de autores utilizados pelas/os pesquisadores de diferentes países em uma revisão de literatura é uma questão. Memo recorrendo a autores de lingua hispânica e inglesa, nossa interlocução se dá majoritariamente a autores de língua portuguesa.
Assim, esse processo de colaboração é sempre desafiador, com dificuldades de financiamento, complexidades de linguagem e problemas metodológicos (GARDNER et al., 2012; LOMBE et al., 2013). Grande parte da disseminação desses estudos muitas vezes envolve a socialização dos resultados do trabalho conjunto, ao invés de descrever o processo de colaboração. Ter estabelecido uma equipe de pesquisa internacional não garante resultados de pesquisa bem-sucedidos (MCCALLIN, 2001), sublinhando, assim, a importância de compreender criticamente o processo de pesquisa.
Além disso, é mister entender a internacionalização “[...] como dimensão integrante da educação superior em nível de pós-graduação no Brasil (e no mundo) [...] estabelecida a partir de acordos de cooperação e intercâmbios internacionais, com base na solidariedade, no respeito às diversidades culturais, no reconhecimento, apoio e benefício mútuo, e em parceria e aliança entre as partes envolvidas” (PRATES; CARRARO, 2018, p. 3). Além disso, a internacionalização pode “[...] agregar esforços na luta comum para enfrentar as desigualdades vinculadas à internacionalização da economia, da política e da cultura no cenário mundial” (IAMAMOTO, 2008, p. 454).
O texto que se segue foi estruturado em três seções. Inicialmente, destacamos o processo em seu início e as principais questões que emergem, envolvendo múltiplas dimensões na interação entre parceiros que vão se conhecendo no processo de trabalho. Aqui, apresentamos três dimensões que se destacam: a) tempos e relações de trabalho que guardam particularidades entre Brasil, Cuba e Reino Unido; b) o estranhamento entre pesquisadores; c) financiamento por editais internacionais. Ainda nessa seção, refletiremos sobre as dificuldades em torno das barreiras linguísticas que surgem no contexto da cooperação internacional. Diferentes códigos linguísticos (inglês, espanhol e português), diferentes referenciais teóricos que circundam as ciências sociais, bem como significados das palavras que desafiam as/os pesquisadoras/es inseridos nesse processo. Ou seja, as/os pesquisadoras/es refletem seus países e realidades acadêmicas em experiências de vidas profissional e de pesquisa diferentes de cada outro.
Como um caleidoscópio, as/os pesquisadores da Grande Área de ciências sociais aplicadas (onde Serviço Social e Economia se inscrevem na árvore do conhecimento no Brasil) são constantemente instados a ter que explicar os conceitos e categorias utilizadas. “O que queres dizer com isso” compõe uma miríade de possibilidades de compreensão.
Em seguida, exploramos as dificuldades e as conquistas no processo de pesquisa. Aqui destacamos as publicações em língua estrangeira e os desafios ali presentes quando essas publicações envolvem pesquisadores cuja língua materna não é o inglês.
Por fim, refletimos sobre o momento atual, as pressões por captação de recursos e publicações, e as projeções para o futuro.
De acordo com Contel e Lima (2009), a natureza universal do conhecimento e a tradição de cooperação acadêmica remontam à Antiguidade. Estes elementos, associados no início da Era Moderna, contribuíram para conferir um caráter internacional à universidade. E, ainda, há que se considerar, de maneira geral, que a prática da Internacionalização na educação superior está associada a políticas desenvolvidas no âmbito dos estados nacionais.
Apesar de ser um fenômeno anterior à universidade seria impossível assegurar que as motivações que orientaram a implantação de programas de cooperação internacional na dinâmica de funcionamento das universidades permaneceram inalteradas no tempo. Muito embora a universidade tenha adotado contornos nacionais, ao ser subordinada aos interesses de cada Estado-Nação (Século XIX), ela não anulou sua dimensão universal à medida que os governos nacionais institucionalizaram políticas de cooperação internacional com a implantação de programas de intercâmbio (CONTEL; LIMA, 2009, p. 2).
No contexto atual, se por um lado os planos estratégicos da universidade e as iniciativas profissionais incentivam e exigem cada vez mais a colaboração internacional (NADKARNI, 2013; YUNONG; XIONG, 2012), por outro, o foco se dá direcionado a áreas e temas demadados pelo mercado (KIM, 2009). E, nesse sentido, em termos nacionais e internacionais, há barreiras em relação ao financiamento de propostas da área de Serviço Social[1] (Ribeiro et al., 2020).
Assim, é frequentemente encorajada uma abordagem que promova o cumprimento de metas quantitativas para a produção acadêmica, com indicadores centrados em ponderação de periódicos e citações (ENGWALL, 2008; Scholten et al., 2021). No entanto, profissionalmente, estávamos cientes de que muitos profissionais de Serviço Social ao redor do mundo têm acesso limitado a revistas internacionais (tal como vemos no Brasil). E ainda, debates de temas de interesse nacional, ao ser publicado em língua inglesa, limitam o acesso a esse conhecimento de uma parcela da população sem entendimento dessa língua.
Instigadas por um fato concreto da realidade - a inserção das autoras/es em pesquisas colaborativas internacionais - nos deparamos com desafios que iam desde compreender teoricamente o objeto de pesquisa e os/as parceiros/as até questões de linguagem entre sujeitos falantes de diferentes línguas.
Aqui usualmente comparecem questões: o que se quer pesquisar [quem e como se decide]? Quem são as/os parceiras/os? O que pensam sobre o objeto? O que esses termos querem dizer?
Nesse processo é central a identificação do tema / escopo / de pesquisa e possíveis parceiros. O propósito da pesquisa deve ser suficientemente amplo (que possa criar pontes com possíveis outros investigadores) e ao mesmo tempo específico (escopo da pesquisa). Orientar o propósito e o escopo da pesquisa é muito importante, pois garante o alcance de resultados relevantes para todas as partes.
Mas, em seu princípio, as redes internacionais trazem propostas já fechadas com o convite – “queres entrar”? - e, com isso vamos aprendendo os limites e os contornos dos editais de agências de financiamento no exterior. Nesses editais, prevalecem a perspectiva de uma relação assimétrica entre centro e periferia na troca de conhecimentos. Após 10 anos, aprendemos juntos a antecipar e buscar editais e a propor temáticas aos parceiros no exterior. Aprendemos com o Conselho Britânico que ter um projeto aprovado traz um maior incentivo ao financiamento de outros projetos com as mesmas parcerias.
Concordamos com Marx (1985, p. 271) quando afirma que “[...] toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas [...]”. Logo, estávamos diante de algo que precisava ser desvelado. Aí nos perguntamos: o que temos diante de nós e não podemos entendê-lo diretamente? Ou seja, perpassando as questões linguísticas [visto que a língua oficial na pesquisa era o inglês], havia outras dimensões que precisávamos capturar na análise.
O início da cooperação se deu em colaboração em um projeto transnacional financiado pela União Europeia (em 2012), tendo sido recomendado um ao outro por um colega em comum. Ou seja, o início do trabalho nem sempre ocorre com colegas que conhecemos e partilhamos ideias similares. Da equipe inicial de 10 diferentes países, optamos por manter a parceria com parceiros britânicos, expandindo o trabalho quer com a inclusão de novas universidades, quer com a inclusão de novos parceiros na Ufes. Ao longo dos anos, construímos uma rede que envolve Coventry, Warwick University, University of Keele, Robert Gordon University, Staffordshire University e vários parceiros europeus na Finlândia, Alemanha, Itália, Alemanha, Letônia e também na Ásia (Índia) e na América Central (Cuba).
A rede de pesquisa se urde lentamente e envolve múltiplas dimensões em uma interação entre parceiros que vão se conhecendo no processo de trabalho. Nesse processo de trabalho iremos aqui ressaltar três dimensões que se destacam:
a) tempos e relações de trabalho que guardam particularidades entre Brasil, Cuba e Reino Unido.
b) No Brasil, podemos afirmar que as ações de cooperação internacional na educação superior sempre estiveram atreladas, de alguma forma, à atuação estatal e à existência de universidades e institutos públicos de pesquisa (CONTEL; LIMA, 2009). Ainda que diferentes governos tenham dado rumos distintos às políticas de educação superior, é fato que o fomento às ações de cooperação internacional desenvolveu-se como parte das políticas públicas estatais. Não obstante, sublinhar o papel do Estado brasileiro no desenvolvimento de tais políticas é ainda mais relevante por ser este um estado-nação que assume posição particular frente à divisão internacional do trabalho, isto é, como parte do desenvolvimento capitalista em âmbito global.
A pujança da produção científica [alcançada pelo Brasil e reconhecida internacionalmente] é profundamente contrastante com a debilidade da inovação [tecnológica] - o que é uma expressão do capitalismo dependente. Diante das cadeias produtivas de baixa intensidade tecnológica, os governos Cardoso, Lula da Silva e Dilma Roussef elegeram as universidades como alvo das políticas que tentam atribuir à universidade o que o setor produtivo não desenvolve. A conversão das universidades no principal lócus de P&D [Pesquisa e Desenvolvimento], por meio da Lei de Inovação Tecnológica e do Novo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, produz grandes alterações em toda a política científica e tecnológica (LEHER, 2018, p. 191).
Em síntese, para que a análise dos desafios e tendências da internacionalização da educação superior no Brasil seja mais consistente, parece-nos incontornável uma compreensão razoável quanto ao papel que o Estado assume na forma particular de capitalismo que aqui se formou.
E, se esta assertiva deve ser considerada como ponto de partida, devemos ainda presumir que a participação de pesquisadores/as de outros países, numa mesma equipe, implica que cada qual conheça também os elementos estruturantes e particulares que fundamentam os sistemas de educação superior e as políticas de fomento à internacionalização dos países que fazem parte. Enfim, com esses fundamentos podemos avançar a uma reflexão mais universalizada, para discutir com parceiros estrangeiros uma perspectiva comum de cooperação internacional. Note-se que o tema tomado para análise é o próprio objeto da ação de internacionalização em curso, o que denota desafios em dimensões distintas, porém totalmente conectadas.
Por isso, não podemos desconsiderar, aqui, aspectos relacionados às condições das instituições envolvidas serem públicas e privadas. A UFES, por ser uma universidade pública, mantida e financiada pelo governo, apresenta como missão “[...] garantir a formação humana, acadêmica e profissional com excelência, por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, com a produção de avanços científicos, tecnológicos, educacionais, culturais, sociais e de inovação, e a promoção dos direitos e da inclusão social” (UFES, 2021, sem paginação). Grande parte das instituições de ensino superior do mundo estão voltadas para assegurar a excelência na formação humana, acadêmica e profissional, entretanto, no Brasil, as universidades públicas também têm um forte apelo para com o compromisso de promover os direitos e a inclusão social daqueles que têm sido marginalizados, por questões econômicas, sociais e culturais, fazendo valer o tripé no qual as instituições públicas de ensino superior no Brasil estão fundadas: ensino-pesquisa-extensão. Isso significa, para nós, pesquisadores, uma grande carga de trabalho voltada não apenas para a pesquisa, mas também para o ensino e a extensão, além ainda da gestão acadêmica que é assumida por alguns professores.
Outro ponto a ser considerado diz respeito às condições do trabalho docente, no que se refere aos fatores tecnológicos, que implicam na infraestrutura de internet disponível assim como equipamentos e acesso a softwares e repositórios de pesquisa.
Entretanto, as particularidades das universidades e países apontadas aqui são, em grande parte, superadas no envolvimento e compromisso do grupo para com o trabalho cooperativo, que implica atividades coletivas.
b) o estranhamento entre pesquisadores que vão se conhecendo:
Esse é um processo crucial, à medida que, junto com aspectos teórico-metodológicos, outros também se colocam: o processo de tomada de decisão no interior do grupo, a viabilidade e cumprimento das tarefas designadas, o desafio da escrita em língua estrangeira (seja esse texto em português - de difícil compreensão para parceiros que só dominam a língua mãe [inglesa ou espanhola] -, seja em inglês - que impõe os limites da proficiênca da língua inglesa - para as equipes brasileira e cubana).
Só quem ousa e se aventura em pesquisa interinstitucional e internacional sabe das dificuldades de toda ordem que se enfrenta - desde ausência de financiamento às agendas que, a cada dia, estão assoberbadas de atividades e compromissos.
c) financiamento por editais internacionais:
Para as áreas de pesquisa no campo das ciências sociais aplicadas o financiamento das pesquisas vem sofrendo sucessivos cortes no aporte de pesquisas.O acesso a editais internacionais usualmente requer experiência prévia da equipe e os valores nem sempre são alocados facilmente à equipe brasileira por questões técnicas e contábeis das instituições públicas.
A experiência da equipe foi construída por editais nacionais e internacionais. O acesso a financiamento é central para a realização das pesquisas e a organização do trabalho da rede de pesquisa. Entre os editais internacionais, destacamos:
a) financiados pelo Conselho Britânico, Confap/Fapes -
As oportunidades proporcionadas pelo financiamento do British Council (2TV e Universities of the World Projects) aumentam o alcance do nosso impacto; oferta de bolsa de estudos a jovens pesquisadores e a produção de conhecimento.
Isso também proporcionou a primeira oportunidade para o Brasil e o Reino Unido trabalharem juntos e, após a euforia imediata de vencer a candidatura da União Europeia, a atenção se voltou para as preocupações imediatas com relação à linguagem, cultura de pesquisa, além das perspectivas epistemológicas, metodológicas e ontológicas. Consequentemente, buscamos em nossas equipes ir além de nossas perspectivas nacionais e compromissos institucionais para desenvolver um compromisso com a equipe e com nossos colaboradores de pesquisa.
Esse processo geralmente envolve discussões sobre a questão e os conceitos de pesquisa, exigindo uma exploração da linguagem, abordagem teórica e realidades pessoais e profissionais. Spolander, Garcia e Penalva (2016) destacam isso - é preciso explorar as circunstâncias históricas, sociais, econômicas e psicológicas dos colaboradores que levam ao processo da equipe compartilhar seu conhecimento combinando, por exemplo, os desafios do capitalismo e austeridade no Reino Unido e economias emergentes, como o Brasil. O processo de engajamento colaborativo, muitas vezes, também envolve um processo semelhante à sequência de desenvolvimento original de Tuckman (1965) em pequenos grupos que resulta no coletivo de pesquisadores prosseguir através de estágios de desenvolvimento e coesão do grupo, como o estágio de normatização e o estágio de tempestade como parte do processo de colaboração. Isso ajuda a estabelecer valores de grupo e regras básicas de trabalho em equipe e construção colaborativa de conhecimento.
Assim, a importância de compartilhar e consolidar a compreensão, o conhecimento e as perspectivas individuais e da equipe co-criados possibilita a criação de artefatos que podem ser compartilhados e disseminados tanto dentro quanto para um público mais amplo. Isso sublinha a importância de se desenvolver uma equipe de redação bem-sucedida, permitindo que a equipe examine conceitos e metodologias de forma transdisciplinar e crie novos conhecimentos e entendimentos. Temos procurado apoiar, encorajar e desafiar ideias de forma a explorar os tópicos de forma profunda e crítica. Isso resultou nos últimos 2 anos em capítulos publicados em dois livros editados (em português e inglês) e seis artigos em periódicos em inglês com fator de impacto, envolvendo pesquisadores implicados nessa parceria. Mas, também, outro benefício desse processo compartilhado foi o suporte para a equipe publicar em inglês, português e espanhol. O processo de compartilhamento de liderança por meio de negociação mútua e colaboração tem apoiado o reconhecimento dos pontos fortes de pesquisadores individuais e as perspectivas únicas que uma colaboração, embora desafiadora, pode trazer para a pesquisa.
A colaboração tem sido bem-sucedida, pois compartilhamos interesses de pesquisa e um debate saudável. Somos capazes de nos comunicar de maneira respeitosa e frequente, usando os períodos de escrita, proposta e desenvolvimento de artefatos para construir uma compreensão compartilhada de vocabulários, epistemologias, ontologias e práticas semelhantes ou diferentes. As ricas práticas que trocamos nos ajudam a explorar o envolvimento intercultural, a experiência dos pesquisadores, servidores e alunos no Ensino Superior, práticas de internacionalização e descolonização, e práticas de aprendizagem através das fronteiras transnacionais e transdisciplinares, bem como caminhos para compreender e enfrentar os desafios globais. Focamos, em particular, nas desigualdades da experiência de aprendizagem entre hierarquias de renda e divisões culturais, tanto reais quanto imaginárias.
b) editais nacionais e regionais - o papel do CNPq, Capes e Fapes.
Destacamos aqui o papel central das agências nacionais. O edital Capes PrInt (Programa Institucional de Internacionalização), implementado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), possibilitou a inclusão do grupo de pesquisadores em proposta que recebe aporte financeiro e permite intercâmbio de estudantes e professores. Entretanto, o contexto de destruição da agência que está em curso no governo Bolsonaro vem inviabilizando o uso dos recursos em bolsas para viagens ao exterior. Outro aspecto que chama a atenção é o relatório da agência intitulado “Retrospectiva: CAPES em 2021: programas internacionais assegurados” (CAPES, 2021) que sequer aborda uma linha sobre o Capes PrInt.
A Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa(Confap) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) também ofertam editais que possibilitam aporte de recursos fundamentais para algumas das ações propostas.
Uma característica comum aos editais das agências de fomento à pesquisa é a não inclusão de Cuba como possível parceiro. Assim, pesquisar com parceiros cubanas/os é uma ação política que independe de recursos financeiros para tal; tem sido um compromisso ético-político do grupo de pesquisadores.
Para jovens pesquisadores, o insucesso na submissão de um artigo traz frustração. Na relação com pesquisadores de Universidades do Reino Unido descobrimos que a tomada de decisão sobre o que escrever deve ser antecedido ou concomitante à decisão a qual periódico possível determinado paper se destinaria.
Ao escrever o artigo num processo coletivo e, ao final, decidir a qual periódico submeter, esse processo trazia uma armadilha - a não adequação do texto à linha editorial do periódico, como podemos observar abaixo em algumas respostas recebidas de periódicos após a submissão de artigos:
“Our policy is to reduce the workload of our referees and turn-around times for authors. All papers are scrutinised by a small panel of associate editors. If papers are considered to fall substantially outside our usual publication standards or remit, we no longer send the paper for review. I regret to inform you that your paper has been through the scrutiny panel and has not been sent for review. I apologise for the disappointment this has caused”.
Neste caso, a experiência concreta mostrou que a revista não evidenciou aos autores o que denominou “texto fora dos padrões da revista”. A negativa nem sempre é compreensível e pode representar a expressão da pressão sobre pesquisadores por publicar por um lado, e as altas taxas de reprovação dos periódicos, por outro. A taxa de rejeiçáo de revistas melhor avaliadas variam entre 80-85% (e alguns jornais registram taxas superiores entre 90-95% (KHADILKAR, 2018).
Essas altas taxas de rejeição requerem outros elementos para compreensão. Entre meados da década de 1990, as grandes editoras comerciais (Reed-Elsevier, Wiley-Blackwell, Springer, and Taylor & Francis) respondiam por percentuais entre 15% produção. Esses percentuais aumentaram para entre 66% em 2013[2] (LARIVIÈRE, HAUSTEIN, MONGEON, 2015).
Lyman e Chodorow (1998, p. 89) nos advertiam ainda no final do século passado “[...] a publicação de periódicos tornou-se comercializada e algumas partes da literatura científica e técnica estão agora sendo monopolizadas por conglomerados editoriais multinacionais”.
Outro aspecto é a pressão por publicar. Editage Insight (2013) estimava que cerca de 3 milhões de artigos eram submetidos a periódicos a cada ano. Em decorrência do volume de submissões, os periódicos utilizam políticas de triagem antes de enviá-los para revisão completa por pares. Em geral, os aspectos analisados são: se o artigo encaixa no escopo do periódico; se o texto apresenta qualidade na escrita e metodológica e, por fim, se o texto segue as instruções aos autores quanto à formatação (EDITAGE INSIGHT, 2013).
Nesse primeiro nível de análise aprendemos que há periódicos que rejeitam um texto apenas 10 minutos após submissão (sem qualquer análise prévia, além de possível pareamento entre palavras-chave e os principais descritores do periódico).
Ou ainda, menos de 7 minutos após submissão, a decisão editorial foi emitida com o seguinte teor:
“Thank you for submitting your manuscript to [...]. After careful evaluation, I regret to inform you that your manuscript does not fit within the scope of the journal, which focuses on prevention of mental disorders, and I must therefore reject it”.
Quando superávamos essa primeira barreira, descobrimos outra que nos chamou a atenção: o texto com temática externa ao país de origem do periódico e com autores com nomes que denotavam serem oriundos do exterior geravam críticas recorrentes quanto à qualidade linguística do texto.
“This is the third time I am recommending this article to be professionally copy-edited. It has not been copy-edited. It is still very difficult, at times impossible, to understand what the authors want to convey”.
Esse exemplo acima aponta 2 aspectos: primeiro, o texto foi 80% reescrito, mas o parecer permanece indicando problemas ortográficos, não considerando, em nenhum momento, a presença de autores cuja língua mãe era o inglês.
“The English language needs some editing [...] Those tiny mistakes will distract readers attention”.
Tal tendência pode ser explicada pela presença de temática sobre a realidade social brasileira.
Mas esse problema também se fez presente quando o artigo foi aceito:
.In this article, writing style and presentation will need careful attention. We recognise that there could be an issue of translation from a different language, and we feel the article could be made more stronger by attending to smoothing any language inelegancies. We would encourage you to ensure that your phrasings and wordings can be understood, possibly by having your paper proofread by a proficient writer or/and a native speaker to attend to writing style and presentation”.
O parecer acima claramente evidencia a assertiva de que as análises partiram da premissa de que os/as autores/as seriam estrangeiros e não nativos da língua inglesa. Essa razão - estilo da escrita - está entre as principais razões para a rejeição de artigos, segundo os sites da Elsevier e Wiley.
Por fim, é mister pensar que o processo de submissão de um artigo pode ser de forma gratuita ou por pagamento de taxas por pesquisadores. Na página da Taylor e Francis, a possibilidade de aceleração da publicação do artigo está associado ao pagamento de taxas (ver figura abaixo).
Mas a página da Taylor e Francis também traz outro aspecto importante: Os avaliadores que emitirem seus pareceres entre 3-5 semanas receberão um incentivo de de US$150 após finalizada a emissão do parecer.
Há ainda outros aspectos a considerar. Um artigo produz um conhecimento que precisa ser conhecido. O acesso a muitos dos artigos publicados em língua inglesa só ocorre via cobrança de taxas exorbitantes, principalmente para nós, brasileiros/as, visto a desvalorização da moeda local (Real) frente ao dólar e ao euro. Isso restringe drasticamente o compartilhamento de resultados e torna proibitivamente caro para o público ler o que aparece em suas páginas. A Elsevier relatou receitas de cerca de US $ 3,2 bilhões dos quais 36% foram lucros (COOK, 2012). Outra alternativa exorbitante é o pagamento pelo autor de acesso aberto de seus artigos abertos para todos os leitores, e, nesse caso, o pagamento de uma taxa em moeda estrangeira (na Revista Nature, por exemplo, o valor é de 9 500 euros, ou cerca de 58 mil reais) (ESTEVES, 2020).
Uma questão colocada é “[...] será que a preferência dos pesquisadores por periódicos por assinatura seria mantida se os custos fossem pagos pelo autor, ao invés do leitor?” (WHITFIELD, 2012). Entretanto, a questão que se apresenta aqui é o custo presente e a que esse custo responde - o lucro que as grandes companhias editoriais podem alcançar ante a pressão por publicar.
A indústria editorial acadêmica chega a mais de US $ 19 bilhões, o que a posiciona entre a indústria da música e a indústria do cinema (BURANYI, 2017). O mercado é amplamente dominado por cinco grandes editoras (Elsevier, Black & Wiley, Taylor & Francis, Springer Nature e SAGE), sendo que a Elsevier é a maior, com aproximadamente 16% do mercado total e mais de 3.000 periódicos acadêmicos e uma margem de lucro próxima a 40%, que é maior do que a de empresas como Microsoft, Google e Coca Cola, e a curva está apontando para cima (BURANYI, 2017; PAGE, 2019).
Concordamos com Phil Baty (editor responsável pelo levantamento da Times Higher Education), que a questão não é aumentarmos o número de publicações, mas “[..] focar em estudos de alto impacto” (VEJA, 2014, sem paginação). Acrescentaríamos que esses estudos de alto impacto são expressos também pelo acesso de leitores aos seus textos.
Um artigo publicado na Qualitative Social Work Journal, da Sage journals (com acesso livre por conta da temática e sem cobrança de taxa para publicação) teve, entre março de 2021 e janeiro de 2022, 1098 acessos[3] e foi citado 2 vezes. Outro artigo, publicado em abril de 2021 na Globalization, Education and Societies (Taylor e Francis, sem cobrança de taxas para publicação e o acesso aberto ao artigo foi assegurado por assinatura da Universidade inglesa) teve 1.283 leitores até janeiro de 2022.
Assim, nesse percurso, aprendemos que a rejeição de um artigo pode ter múltiplos significados nem sempre compreensíveis a uma primeira análise, via de regra centrada no texto em si mesmo, e não nos múltiplos fatores que comparecem nesse processo.
Partimos aqui da premissa da importância da estruturação de uma rede internacional de pesquisa. A formação em uma perspectiva internacional nos possibilita articular conhecimentos, estranhar algumas práticas, conhecer outras experiências, autores e análises e socializar conhecimentos acumulados expressos para além de expressão numérica dos textos publicados.
A articulação do conhecimento, que a participação das/os autores desse artigo nessa rede de pesquisa possibilitou, nos indicam tanto os conhecimentos acumulados quanto a necessidade da estruturação de novos rumos.
O debate, a reflexão crítica e as inúmeras descobertas vão se alinhanhando, refletindo sobre questões por meio de lentes críticas que podem não ser atraentes para os acadêmicos em busca das métricas de desempenho de uma universidade neoliberal moderna. Entretanto, não podemos nos esquecer também (e contraditoriamente) que essas métricas comparecem quando os colegas estrangeiros necessitam da anuência institucional para manutenção dessas parcerias. Nesses 10 anos, poucos artigos foram efetivamente publicados (7), 4 submetidos e capítulos de livro foram escritos e livros estão em processo de organização. Mas, também, a experiência do debate sistemático não se expressa em números. Para se ter uma ideia, – um texto foi urdido ao longo de dois anos de escrita, debate, reescrita e submissão.
Entretanto, para manter uma rede de pesquisa, é mister financiamento. Nossos próximos passos como equipe são continuar a buscar financiamento para pesquisa e trabalhar juntos para criar oportunidades, a fim de fortalecer e manter nosso compromisso mútuo e desenvolver modelos críticos de pesquisa internacional. Procuramos, portanto, garantir que os membros desse processo de pesquisa formem uma comunidade que transcenda as disciplinas profissionais individuais. No entanto, conforme indicado anteriormente, mesmo para uma equipe bem-sucedida, continuamos enfrentando desafios para obter financiamento, por exemplo, para assegurar a participação de Cuba, mas, também entendemos que devido às sanções em andamento dos Estados Unidos sua inclusão é mais desafiadora e reflete uma decisão política do grupo, por sua singularidade e importância de sua voz na colaboração internacional em pesquisas.
Um exemplo dessa dificuldade pode ser dada pelo edital Capacity Building in Higher Education de 2022 (da União Europeia), que lista o Caribe (e consequentemente Cuba como possível parceiro). Entretanto, apenas dois projetos (1 por linha de pesquisa, à exceção da linha 3 que não será contemplado) será aprovado, contra 14 projetos (se os parceiros incluírem a América Latina) ou 45 se incluir países da África Subsariana (UNIÃO EUROPÉIA, 2021).
Ou seja, ratificamos, ao fim, que é muito importante pensar em diferentes formas de desenvolver pesquisas associadas ao aporte de financiamento das agências nacionais e internacionais. E, a equipe precisa desenvolver estratégias de continuidade de suas pesquisas e cooperações de forma longitudinal, construindo e envolvendo cada vez mais, um maior número de pesquisadores, preferencialmente jovens, para inseri-los no processo de colaboração internacional, visto que nesse processo, há predominantemente, pesquisadores senior. A escolha pelos jovens pesquisadores expressa o compromisso com a inserção e a experiência para condução dessas cooperações no fututo.