Resumo: A pesquisa objetivou compreender e analisar o contexto e as relações entre crise democrática e as interseccionalidades da exclusão educacional potencializada pela COVID-19 no Brasil. As indagações são: quais as relações estabelecidas entre democracia e educação diante da pandemia?; de que modo a crise democrática e social instaurada no Brasil, em época de pandemia, intensificou a exclusão educacional de crianças e jovens estudantes de escolas públicas? Entre as fontes, a pesquisa utiliza materiais bibliográficos e dados do Anunário Brasileito de Educação Basíca. Constata que o projeto de sociedade estabelecido pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro a partir de 2019 colocou em risco a democracia brasileira; instituiu cortes financeiros na Educação e inviabilizou políticas públicas sociais para acesso e permanência de estudantes em escolas públicas. Os mais prejudicados pelo cenário de exclusão educacional foram crianças e jovens pretos(as), pardos(as) e indígenas que vivem em famílias que recebem menos de um salário mínimo por mês, e moram nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Palavras-chave: Democracia, educação, interseccionalidade, exclusão educacional, covid-19.
Abstract: The research aimed to understand and analyze the context and relationships between the democratic crisis and the intersectionalities of educational exclusion potentialized by COVID-19 in Brazil. The questions are: what are the relationships established between democracy and education in the face of the pandemic?; How has the democratic and social crisis created in Brazil at the time of a pandemic intensified the educational exclusion of children and young students from public schools? Among the sources, bibliographic materials and data from the Brazilian Yearbook of Basic Education were used. It notes that the society project established by the President of the Republic Jair Messias Bolsonaro in 2019 put Brazilian democracy at risk; it instituted financial cuts in education and made social public policies unfeasible for students to access and stay in public schools. The most affected by the educational exclusion scenario were black, brown and indigenous children and young people who live in families that receive less than one minimum wage per month, and live in the North and Northeast regions of Brazil.
Keywords: Democracy, education, intersectionality, educational exclusion, covid-19.
Artigos - Temas livres
CRISE DEMOCRÁTICA E INTERSECCIONALIDADES DA EXCLUSÃO EDUCACIONAL POTENCIALIZADA PELA COVID-19 NO BRASIL
DEMOCRATIC CRISIS AND INTERSECTIONALITIES OF EDUCATIONAL EXCLUSION POTENTIALIZED BY COVID-19 IN BRAZIL
Recepción: 25 Julio 2022
Aprobación: 16 Noviembre 2022
Franz Kafka (2019), em apenas vinte dias, escreveu a intrigante “Metamorfose”, obra que se tornou um clássico da literatura mundial. Neste romance, Gregor, o caixeiro-viajante, amanhecera inseto. Entre o desespero e a negação da realidade, o personagem se debate e busca superar as limitações físicas a fim de manter a normalidade, a profissão e o sustendo da família. Gregor, mesmo inseto, não se via liberto de suas funções sociais, tampouco do peso oriundo das relações de trabalho e sobrevivência:
Mas o que fazer agora? O trem seguinte partia às sete horas; para alcança-lo, teria que se apressar feito louco, e as amostras ainda não estavam na mala, e ele próprio não se sentia leve e bem-disposto. E, mesmo que conseguisse pegar o trem, não deixaria de levar uma descompostura do chefe, pois o contínuo da empresa teria esperado o das cinco [...]. O sujeito era uma criatura do chefe, sem dignidade nem inteligência. (KAFKA, 2019, p. 12).
O cenário proposto por Kafka, num primeiro olhar, como uma distopia, se apresenta por confluências, e de algum modo se aproxima da complexa sociedade, da vida cotidiana, todavia, ao seguir a agonia do trabalhador, que ao acordar longe de sua normalidade, inicia uma batalha pela manutenção de suas relações de trabalho. A obra de ficção, embora em outro contexto temporal e espacial, compõe temas a serem problematizados, onde o fator primordial diante do enredo é o que Gregor, o personagem, um inseto, a todo custo quer manter a normalidade. De modo metafórico diante de uma grave pandemia de Covid 19 que assola o mundo e o Brasil desde início do ano de 2020, como manter a tranquilidade da vida cotidiana para ir ao trabalho? Parte significativa da sociedade brasileira está enfadada pelas ineficiências de um governo neoliberal. O Presidente da República (PR) Jair Messias Bolsonaro, da extrema direita, apoiado pela burguesia financeira, industrial, agrária, por militares e demais sujeitos que se deixaram alienar pelas condições imaginárias de uma normalidade desejada, porém distante da racionalidade e dos princípios que estabelecem as liberdades dos modernos, se posicionam como os melhores capacitados para a promoção de um governo um tanto quanto conservador, reacionário, fascista, homofóbico, misógino, confuso e atrapalhado.
O personagem da PR faz pouco caso sobre os problemas sociais e consequentemente se exime das responsabilidades de instituir políticas públicas sociais a partir das necessidades de setores sociais. O PR corroborou e corrobora sobremaneira para o cenário de instabilidade econômica agravada em setores diversos pela pandemia do vírus Covid-19 no Brasil. Em certos pontos a realidade do Brasil pode ser debatida a partir das agonias do personagem de Kafka: Gregor.
Tal qual Gregor acordara inseto, o mundo acordou em uma pandemia, em que, no Brasil, foi secundarizada frente às predileções do mercado capitalista, assim, desprezando a vida humana. Como se estivéssemos presos à distopia protagonizada pelo caixeiro-viajante, no início do Século XX, porém, após mais de um século de diferença, a recorrente situação de incompreensão dos contextos e necessidades de políticas sociais do PR brasileiro. A literatura de Kafka é repleta de possibilidade interpretativas, entre as quais nos interessa os temas da realidade social.
A mudança abrupta da realidade a partir da pandemia proporcionou visibilidade às desigualdades sociais mundo à fora, e no Brasil, contribuiu ainda mais para a ideia de uma polarização política, que em muitos casos sequer é compreendida, dada as condições materiais de sobrevivência da classe trabalhadora, acesso à educação libertadora e sobretudo falta de posicionamento enquanto pertencente a uma classe social – proletário (classe para si). De acordo com Cleaver (1981, p. 90) há diferenças ou distinções entre classe em si e classe para si, o certo é que “a classe operária só é realmente a classe operária quando luta contra sua existência como classe”. Essa é uma importante premissa filosófica que consta na teoria marxiana, ou seja, a passagem da classe em si, para a classe para si, é algo que corresponde à possibilidade de tomada de consciência coletiva da classe trabalhadora a respeito das contradições inerentes da sociedade capitalista como mencionou Marx (2013). O pertencimento a uma classe requer sobretudo a participação popular nos debates do parlamento para propor ações positivas diante das necessidades frente ao alarmante quadro de pobreza.
No Brasil são visíveis as carências sociais, a pobreza é tema de debates públicos e virou paisagem. De acordo com Telles (1993,2001), está estampada por todos os cantos.
Tema do debate público e alvo privilegiado do discurso político, a pobreza é e sempre foi notada, registrada e documentada. Poder-se-ia mesmo dizer que, tal como uma sombra, a pobreza acompanha a história brasileira, compondo o elenco dos problemas, impasses e também virtualidades de um país que fez e ainda faz do progresso um projeto nacional. É isso propriamente que especifica o enigma da pobreza brasileira. Pois espanta que essa pobreza persistente, conhecida, registrada e alvo do discurso político, não tenha sido suficiente para constituir uma opinião pública crítica capaz de mobilizar vontades políticas na defesa de padrões mínimos de vida para que esse país mereça ser chamado de civilizado. Sobretudo espanta que o aumento visível da pobreza no correr do anos nunca tenha sus- citado um debate público sobre a justiça e a igualdade, pondo em foco as iniquidades inscritas na trama social. (TELLES, 1993, p. 21).
No Brasil do PR Jair Bolsonaro há carências de políticas sociais em meio à crise, fomentada pelo discurso de ódio proferido com regularidade pelo estadista brasileiro em rede nacional de rádio e televisão; em sua maioria são discursos desconexos e irracionais, repletos de inverdades, ou, Fake News. A opção do PR é por disseminar falácias em canais diversos de comunicação e predominantemente em suas redes sociais.
A classe trabalhadora foi jogada ao limbo, às margens, a partir de um sistema que prima pelo lucro. Independentemente da situação em que o trabalhador brasileiro amanheça, o que importa ao sistema capitalista é a sua mão de obra, é o seu trabalho permanente, é o chão da fábrica que lhe espera. Situação particularmente parecida à de Gregor mencionada por Kafka (2019).
Nesse ponto, tal qual aos demais trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, a educação brasileira sucumbe diante dos diversos cortes de recursos financeiros. Para se ter uma ideia, o “Congresso aprova corte de 92% de recursos da Ciência: sem o dinheiro, poderá haver a perda de bolsas e a suspensão do Edital Universal do CNPq”[1]. Um prejuízo significativo para a ciência, e, consequentemente, o corte de recursos para pesquisa no âmbito da educação.
O Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, adotou a política de contenção de recursos financeiros prioritariamente em áreas sociais, daí a classe trabalhadora, que viu suas casas serem transformadas em salas de aulas em meio ao ensino remoto por causa da pandemia, não recebeu, sequer, auxílios necessários para compra e/ou financiamentos de equipamentos tecnológicos ou móveis ergonômicos.
Professores e professoras dos diversos níveis de ensino foram obrigados e obrigadas a dividirem as rotinas de trabalho com as tarefas familiares e domésticas. Deste modo, o trabalho e a vida privada se tornaram atividades inter-relacionadas, vinculadas, mesmo com os parcos e próprios recursos tecnológicos e de infraestrutura dos docentes. Aqui, a educação por meio do ensino remoto passou a ser algo corriqueiro, alunos sem merendas e transporte escolar, professoras e professores sem os aparatos tecnológicos adequados e sobretudo em precárias condições de promoverem os processos de ensino e aprendizagem.
Docentes responsáveis pela escola casa e sem financiamentos públicos assumiram os ônus da educação e viram suas aulas serem divulgadas mundo a fora, ora como exemplo, ora pelo implacável julgamento parcial, por parte da sociedade e especialmente por parlamentares, que imbuídos de desconhecimento científico e afincados na ideologia conservadora de extrema direita, machista e homofóbica do PR, se consideraram no direito de intervenção na educação, aos gritos a favor da nefasta ideologia de raça pura, são fascistas, racistas, machistas, reacionários, defensores da preguiça intelectual. Para se ter uma ideia, as infundadas denúncias estimuladas por autoridades políticas, como a Deputada filiada ao Partido Social Liberal (PSL), Ana Caroline Campagnolo com relação aos temas trabalhados por docentes ganhou repercussão. A ideia disseminada era a seguinte: em caso de aulas remotas que desagradasse os pais, estes poderiam denunciar indiscriminadamente professores e professoras de seus filhos ao Ministério Público. Situação que demostra a clara intimidação que os docentes têm sofrido ao ter suas aulas expostas pelas mídias e os julgamentos de seus trabalhos a partir da moralidade, da pátria e da família, amparados no slogan do PR: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Diante do exposto, o objetivo da investigação foi compreender e analisar o contexto e as relações entre crise democrática e as interseccionalidades da exclusão educacional potencializada pela COVID-19 no Brasil no tempo presente. As indagações são: i) quais as relações estabelecidas entre democracia e educação diante da pandemia?; ii) de que modo a crise democrática e social instaurada no Brasil em época de pandemia, intensificou a exclusão educacional de crianças e jovens estudantes de escolas públicas? A pesquisa contou com materiais bibliográficos e dados educacionais oficiais a partir de Anuários Brasileiros da Educação Básica.
A definição encontrada no dicionário de Filosofia Abbagnano (2007) para a palavra Democracia corresponde quando os livres governam:
De modo mais sistemático, em O Político, Platão distinguiu três formas de regime político: G. de um só, G. de poucos e G. de muitos; essas formas, segundo sejam regidas por leis ou desprovidas de leis, motivam respectivamente o G. régio ou tirania, a aristocracia ou oligarquia e as duas formas da democracia, a regida por leis e a demagógica (Pol., 291 d-e) [sic]. Essa classificação foi repetida por Aristóteles (Pol., III, 7, 1279 a 27), que, no entanto, alude a outra divisão, na qual as formas fundamentais seriam duas: ‘democracia, quando os livres governam, e oligarquia, quando os ricos governam e, em geral, os livres são muitos e os ricos poucos’ (Jbid., IV, 4, 1290b, I): classificação que seria simétrica a outras classificações diádicas, cuja autoria Aristóteles declara. Contudo a classificação triádica veio a ser tradicional e a ela os escritores políticos da Idade Média, do Renascimento e da Idade Moderna se referem constantemente [...] (ABBAGNANO, 2007, p. 487, grifo nosso).
O conceito de democracia é carregado de significados a partir dos contextos pelos quais foi formulado. As duas formas da democracia, seja a gerida por leis e a demagógica, compõem nossas reflexões a partir do Brasil atual, o governo legal e demagogo dos dias atuais, corresponde a ineficiência daquele que utiliza das estratégias de propagandear seus feitos e/ou ideias, mesmo que na condição de Fake News. Em suas orientações legais a democracia é algo relevante, estabelece condições para a governança, representa as liberdades de expressão e a constituição de ações políticas a partir das necessidades do povo, algo diferente da demagogia.
Já no dicionário de Política de Bobbio; Matteucci; Pasquino (1997) encontramos para o mesmo termo:
Na teoria contemporânea da Democracia confluem três grandes tradições do pensamento político: a) a teoria clássica, divulgada como teoria aristotélica, das três formas de Governo, segundo a qual a Democracia, como Governo do povo, de todos os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que gozam dos direitos de cidadania, se distingue da monarquia, como Governo de um só, e da aristocracia, como Governo de poucos; b) a teoria medieval, de origem romana, apoiada na soberania popular, na base da qual há a contraposição de uma concepção ascendente a uma concepção descendente da soberania conforme o poder supremo deriva do povo e se torna representativo ou deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior; c) a teoria moderna, conhecida como teoria de Maquiavel, nascida com o Estado moderno na forma das grandes monarquias, segundo a qual as formas históricas de Governo são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a antiga Democracia nada mais é que uma forma de república (a outra é a aristocracia), onde se origina o intercâmbio característico do período pré-revolucionário entre ideais democráticos e ideais republicanos e o Governo genuinamente popular é chamado, em vez de Democracia, de república. O problema da Democracia, das suas características, de sua importância ou desimportância é, como se vê, antigo. Tão antigo quanto a reflexão sobre as coisas da política, tendo sido reproposto e reformulado em todas as épocas. De tal maneira isto é verdade, que um exame do debate contemporâneo em torno do conceito e do valor da Democracia não pode prescindir de uma referência, ainda que rápida, à tradição (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1997, p. 319-320).
A democracia na condição da teoria moderna pode ser entendida no Brasil enquanto República, mas o modelo não carrega garantias sobre os princípios que a regulamenta. Já experimentamos uma república de chumbo, época em que os governos militares mandavam e desmandavam no Brasil. Deste modo, é complexo sintetizar o conceito de democracia na condição de uma República. O termo também carrega variações em relação à possibilidade de vínculo com a proposta Liberal ou Socialista.
Endentemos que as formas de governo sempre estiveram intimamente ligadas às relações de poder e dominação no mundo inteiro, seus modos de produção e apropriação da força de trabalho da classe trabalhadora, para o total acúmulo de riquezas de uma expressa minoria: a burguesia (industrial, agrária, financeira). Todavia, a história registrou e analisou marcantes períodos de conflitos armados, muitos em defesa do alargamento de riquezas nacionais a partir da pilhagem, da exploração, da escravização.
Na República há interesses que também variaram; são projetos de sociedade a partir de planos elaborados por organismos internacionais que visam dominar financeiramente outras nações para obtenção de maiores lucros, seja por meio de seus recursos naturais – flora, fauna, minerais ou até mesmo para contratar mão de obra sem qualificação diante do exército de reserva de mão de obra gerado pelas desigualdades sociais.
Não se pode esquecer que guerras ou conflitos também contribuíram para o possível equilíbrio entre a produção e o consumo de mercadorias de nações, daí a democracia se tornou a forma de governo mais aceitável, desde que, não saia muito caro para os interesses do mercado, representados por suas organizações, tais como o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, que regula o que se chama de democracia burguesa nos países emergentes, como o Brasil.
Nesse ponto, algumas políticas sociais são criadas a fim de manter o proletariado passivo para que possa desenvolver suas atividades laborais sem gerar transtornos para as elites. De certo modo cabe às elites apaziguar conflitos, gerar alguma tranquilidade, sem uma contrapartida que exigia muito diante do sistema capitalista altamente controlador e lucrativo; a pequena, média e grande burguesia, juntas em apoio ao Welfare State , ou seja, estado de bem estar social. Uma ideia que dissemina o ideário de igualdade entre países, principalmente a partir das economias do capitalismo avançado, instituído principalmente no pós-guerra, em 1945, como mencionou Faleiros (2006). Tudo isso sem a garantia de acesso aos direitos sociais de modo universalizado aos pobres.
Historicamente, a questão da democracia, é que: ao menor sinal de crise capitalista, ela passa a ser ameaçada, desacreditada, arruinada e as primeiras ações do Estado/Nação são os cortes de políticas sociais que garantem a dignidade humana à classe trabalhadora. Na crise do capital corta-se a assistência social ampla, principalmente no que se refere à Saúde, Educação e Segurança. Enredo bem conhecido pela América Latina em seu contexto de colonização e exploração de suas terras, processo histórico sobre apropriação de recursos naturais e matanças dos povos originários.
A causa nacional Latino-Americana é, antes de tudo, uma causa social: para que a América Latina possa nascer de novo, será preciso derrubar seus donos, país por país. Abrem-se tempos de rebelião e de mudança. Há quem acredite que o destino descansa nos joelhos dos deuses, mas na verdade é que trabalha, como um desafio candente, sobre a consciência dos homens (GALEANO, 2020, p. 346).
A causa Latino-americana, como colocada por Eduardo Galeano (2020), carrega os efeitos e consequências de um ciclo vicioso de políticas exógenas que não apenas subjugaram as culturas plurais do sul da América, mas as destruíram historicamente por meio da força física e simbólica, da instituição e disseminação do pânico, do medo, por meio da construção de um imaginário violento com a força dos dominantes, as vozes eurocêntricas e/ou norte americanas. Portanto, a história da América Latina faz parte de um enredo que se desdobra por entre acontecimentos e narrativas que envolvem culturas e políticas dominantes, sem ao menos reconhecer os outros, as alteridades.
Por aqui podemos observar a potência do Estado em legitimar o que se consolidou por meio do uso da força, se ampara pela violência, pelas guerras, algo histórico: os países situados no hemisfério Norte, muitos se colocaram ou se colocam contra as pluralidades culturais e sociais da América do Sul.
Este fio não linear remonta às causas e efeitos de todo o interesse do colonizador ocidental e sua capacidade de perpetuação por diferentes estratégias econômicas e sociais, que vão desde a força bruta, até a validação ideológica e científica amplamente aceita por determinados grupos, que chegam até os nossos currículos escolares financiados pelo próprio colonizador: é a contradição da dominação, a tragédia do dominado.
No Brasil há registros de graves situações em que a democracia foi atravancada; um dos exemplos é o golpe militar de 1964 que se estendeu até 1985, período em que a democracia foi banida das agendas políticas. Época tensa, repleta de perseguições e corte dos diretos sociais de um Brasil autoritário. Carolina Maria de Jesus (2019, p. 39), já havia alertado: “A democracia está perdendo seus adeptos. No nosso país tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticos fraquíssimos. E tudo que é fraco, um dia morre”.
Repleto de idas e vinda, os processos políticos se revelam complexo. Em 2018 um novo golpe contra a presidenta eleita Dilma Roussef do Partido dos Trabalhadores (PT), com alegações até hoje (2022) não comprovadas, e que deu posse ao vice-presidente Michel Temer do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), num ciclo político perverso conhecido no Brasil há longa data:
Desde o início da nossa breve República, se foram vários os momentos de maior normalidade política, não foram poucas as ocasiões em que a regra democrática foi descumprida e o Estado funcionou na base da exceção. Foi assim na época da República militar de Deodoro da Fonseca (1889-91) e de Floriano Peixoto (1891-94), que governaram parte de seu período presidencial sob estado de sítio. Foi também assim nos anos 1920, quando, sob a presidência de Artur Bernardes, decretou-se um estado de sítio que perdurou por quase todo o seu governo. E ainda, na ditadura do Estado Novo, que durou de 1937 a 1945, com a centralização do poder nas mãos de Getúlio Vargas e a imposição de uma nova Constituição. Não se pode esquecer, por fim, o golpe civil-militar de 1964, o qual destituiu um governo legitimamente eleito e implantou a ditadura que, com a promulgação do AI-5, em 1968, suspendeu o direito de expressão e a liberdade dos brasileiros. E talvez estejamos vivendo mais um novo capítulo dessa nossa história autoritária, com uma convincente guinada conservadora e reacionária, que surgiu das urnas no pleito de 2018 (SCHWARCZ, 2019, p. 144).
A questão, como esclarecida por Schwarcz (2019), é que a prática politica de ameaça à democracia é recorrente na História do Brasil. A quem interessa essa instabilidade democrática brasileira?
Após o segundo turno das eleições democráticas que ocorreu no dia 30 de outubro de 2022, no Brasil, Luiz Inácio da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) venceu o pleito em disputa com o PR Jair Messias Bolsonaro do Partido Liberal (PL), militar reformado. Ao todo Lula obteve 50,90%, ou seja, 60.345.999 votos, enquanto o PR ficou com 49,10%, o que corresponde ao montante de 58.206.354 votos. Os dados foram computados e disponibilizados pela Justiça Eleitoral brasileira a partir da apuração dos votos do sistema de urnas eletrônicas.
A extrema direita em desacordo com os resultados das urnas eletrônicas do pleito presidencial de outubro de 2022 no Brasil, liderada pelo Partido Liberal, amparada e financiada pelas elites, apoiada por integrantes das forças de segurança e com o coro de patriotas (sujeitos avessos a razão, alienados, disseminadores das Fake News, antidemocráticos e apoiadores do fascismo, vestidos em sua maioria de verde e amarelo), tentou a todo custo não apenas questionar os resultados das urnas, mas implementar uma ditadura fascista, um golpe contra a democracia, algo antidemocrático e inconstitucional.
Grupos de apoiadores e simpatizantes da extrema direita cometeram diversos crimes, ameaçaram e confrontaram autoridades públicas, perseguiram e atacaram integrantes de partidos políticos de esquerda, jornalistas e imprensa, lideranças de movimentos sociais e sindicais. As ameaças se estenderam a toda gente que apresentasse algo coerente aos princípios democráticos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) foi questionado e ameaçado pela extrema direita e seus grupos de apoiadores, fascistas contrários aos resultados das urnas. Os patriotas golpistas se apoderaram de símbolos pátrios (em específico, a bandeira do Brasil). As cores da bandeira brasileira, o verde e o amarelo, passaram a compor vestimentas e trajes de manifestantes patriotas, que fizeram barreiras e acampamentos em rodovias federais e estaduais, de modo a impedir a circulação de veículos de passeio, de cargas, ônibus e ambulâncias. Os autodenominados patriotas com apoio das elites e dos partidos políticos conservadores se concentraram em frente aos quarteias do exército brasileiro e de postos policiais de diversos estados e municípios, promoveram tumultos, desafiaram autoridades, enfim, causaram um verdadeiro desserviço, uma arruaça em apoio às causas antidemocráticas.
Os patriotas auxiliados pelas Fake News produzidas e disseminadas pelo PR e seus correlegionários ou apoiadores, anunciaram explicitamente o desejo golpista pela continuidade de um governo fracassado e vencido pelo voto democrático. No Brasil assistimos os atos antidemocráticos liderados pelos patriotas burgueses, alguns exemplos: em roda, cantaram o hino nacional para um pneu ao centro, empunhados com a haste da bandeira do Brasil, marcharam feito soldados com gritos de ordem e progresso em defesa do PR, em uma tentativa de reverter o pleito por meio do grito e da força, mas distante do amparo legal ou constitucional. Em ações inconstitucionais, os patriotas viraram piadas e fantoches nas redes sociais (Instagram e WhatsApp). Um deles subiu no para-choque dianteiro de um caminhão e percorreu diversos quilômetros agarrado do lado de fora da cabine, junto ao para-brisa do veículo, em um desesperado ato de apoio ao PR e total alienação. Os patriotas são analfabetos políticos como mencionou Brecht (1987), são apoiadores de regimes autoritários, e compõem a base de apoio do PR Jair Messias Bolsonaro. De 2019 para cá, criaram coragem e apareceram, demonstraram para a sociedade brasileira o quanto são violentos e o que pensam. Por sinal, pensam mal e são violentos.
Por sua vez o PR evitou reconhecer publicamente de imediato a sua derrota para o Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Após os resultados do pleito do 2º turno das eleições do dia 30 de outubro de 2022 no Brasil, o que se percebeu foi um silêncio do PR Jair Messias Bolsonaro, que se manifestou somente na tarde do dia 01 de novembro de 2022. Em breve pronunciamento de menos de 2 minutos, o derrotado Jair Messias Bolsonaro de extrema direita, agradeceu os mais de 58 milhões de votos que recebeu, e não reconheceu expressamente a sua derrota, tampouco parabenizou o novo Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva vitorioso. Coube a um dos ministros de Bolsonaro – Ciro Nogueira (Ministro da Casa Civil), fazer um reconhecimento a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, ao dizer que comandará a transição para o novo governo.
A permanente ameaça à democracia, como vista na atualidade, é recorrente; são ações organizadas a partir de direcionamentos, sejam financeiros ou políticos, carregam o viés burguês em sua gênese, são apoiados pelo capital, pela burguesia.
Os golpes na atualidade, pelo menos na realidade brasileira, têm se mostrado tão sutis devido ao respaldo dos aparelhos controladores do próprio Estado, que, não estranhamente, são naturalizados pela aprovação popular massiva alienada, tema explorado por Levitsky; Ziblat (2018) na obra: Como as democracias morrem. Dando o tom da gravidade do cenário político atual, tal qual em alguns momentos sombrios da história da humanidade.
Democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos – presidentes ou primeiros-ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder. Alguns desses líderes desmantelam a democracia rapidamente, como fez Hitler na sequência do incêndio do Reichstag em 1933 na Alemanha. Com mais frequência, porém, as democracias decaem aos poucos, em etapas que mal chegam a ser visíveis (LEVITSKY; ZIBLAT, 2018, p. 15).
Em queda desde 2018, a democracia brasileira agoniza perdas históricas de direitos trabalhistas, ataques do PR a docentes, cortes expressivos dos recursos para as Universidades e Institutos Federais, congelamento dos salários dos trabalhadores públicos sob o discurso de ódio contra a classe docente brasileira. Em cenário em que a Educação pública passou a ser a plataforma dos infundados ataques mediante as falácias do PR, indagamos sobre aquilo que o Poder Público fez para amenizar o caos da Educação brasileira, momento de pandemia em que a evasão de crianças e jovens foi crescente.
Para compreendermos esta realidade, próxima a qualquer distopia literária, é necessário nos atentarmos para as ações pós golpe de 2018 no Brasil, em que a tentativa de validar uma proposta de governabilidade altamente nociva ao processo democrático está em curso. O PR adotou a produção e proliferação de inverdades, ou Fake News para se manter na condição de Chefe do Poder Executivo.
Os criadores de notícias falsas se apropriaram e alteraram os formatos de notícias reais para respaldar, disseminar e confundir, por meio de mentiras, quem as utilizava como referências; tanto os receptores dos meios tradicionais de comunicação quanto outros. Utilizando-se de áudios e montagens de capas e reportagens de diversas revistas brasileiras, essas notícias, ao serem repassadas/disseminadas por pessoas próximas, angariam confiabilidade, sem a necessidade de checagem da veracidade das fontes. Constitui-se a história de uma verdade absoluta por meio das Fake News (MATIAS; BARROS, 2019, p. 345, grifos dos autores).
No Brasil, acompanhamos o movimento anunciado pelo PR que correspondeu ao desprestigio de produções científicas aos gritos; nessa fabricação de “barulhos” retiram-se os recursos da Educação, ao passo em que ataca publicamente a autonomia dos educadores. Contexto em que encontramos elementos constitutivos para atacar a democracia.
O PR, por meio de discursos que ao primeiro olhar parecem desprovidos de qualquer lógica intelectual, imbuída de ódio às minorias, usa linguagem simples, na verdade compõe projeto minuciosamente orquestrado para a construção de uma imagem presidencial “do povo”, mesmo que às avessas. É nesse emaranhado de ideias profusas e desconexas que os cortes financeiros são efetivados, há forte tendência ao apelo popular para a retirada das políticas sociais das pautas públicas; daí, enfatizam-se políticas econômicas para o grande negócio, a burguesia do agronegócio, industrial e financeira.
Esse cenário calamitoso é acrescido da pandemia mundial ocasionada pelo vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, que evidenciou a política capitalista e necrófila brasileira, um tanto quanto desastrosa ao restante do mundo, e que em janeiro de 2022 chegou a 620 mil mortos no Brasil. Mortes que estão diretamente associadas ao caráter negacionista da figura do PR brasileiro. Um presidente bem atrapalhado em suas ações, adepto das mentiras, produtor de Fake News, machista, autoritário e incapaz de governar o Brasil, incita a população ao descumprimento das ações orientadoras da Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio de seus discursos oficiais:
Em meio a essa realidade, o governo brasileiro de Jair Bolsonaro, além das mídias sociais, tem utilizado discursos oficiais, em cadeia nacional de rádio e televisão, para proferir suas deliberações acerca dos procedimentos que considera necessários em relação ao enfrentamento econômico e social mediante a problemática; todavia, os discursos proferidos pelo governante não denotam consonância com os documentos oficiais emitidos por alguns de seus ministérios, destacando-se os da Saúde e da Educação, e se distanciam das ações dos demais representantes mundiais e da própria OMS (2020), lançando a opinião pública ao senso comum, dissonante do aporte científico necessário para o enfrentamento da pandemia e para a construção de políticas públicas sociais (BARROS; MATIAS, 2021, p. 6).
O PR e seus ministros, de modo irresponsável, geraram atraso para o início da vacinação para a população brasileira, se comparada ao restante do mundo. Enfrentaram de modo ideológico os cientistas brasileiros, insistindo em propagandas oficiais que incentivavam a prescrição de medicamentos de eficácia não comprovada à COVID-19, com claros fins políticos; ao passo em que pesquisadores das Universidades, que diuturnamente trabalham em suas instituições na condição de agentes públicos para o alcance do êxito em suas pesquisas para combate ao vírus, eram marginalizados pela mídia oficial, ato criminoso que foi detalhadamente relatado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, em documento publicado pelo Senado Brasileiro em 2021:
Durante o ano de 2020 foi experimentado e logo abandonado na maior parte do mundo o uso da cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e outros medicamentos e suplementos do apelidado tratamento precoce. O Brasil foi exceção. Aqui, por razões que estão longe de ser científicas, o tratamento precoce continuou a ser propagandeado, incentivado e patrocinado, a despeito da ausência de evidência que tivessem qualquer eficácia medicinal (BRASIL, 2021. p. 79).
Como se não bastasse a crise diplomática que ocasionou a falta de insumos para a produção de vacinas contra as doenças ocasionadas pela Covid-19, diante de uma crise sanitária agravada pelo uso de medicamentos sem eficácia comprovada, o PR resolveu bancar o evento de comemoração à independência do Brasil, ocorrido em 7 de setembro de 2021, uma pompa com desfiles de tropas, tanques de guerra, blindados e demais aparatos de guerra para causar certa comoção nacional na assertiva de que as forças armadas são as representantes do governo brasileiro. Uma tosca ideia de ordem, de normalidade pela espada, pelo chumbo e em completo distanciamento dos preceitos da ciência. Um tiro pela culatra!
Situação de efetiva ameaça à democracia direta, uma demonstração de que podem ocorrer outros golpes, desta vez por meio das forças armadas, representadas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em uma clara demonstração de investida fascista, de intimidação para fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, local em que há em trâmite muitas ações contrárias[2] aos interesses do PR.
Jair Bolsonaro apostava na possibilidade de declarar estado de sítio, o que lhe conferiria plenos poderes, irrevogáveis, rompendo drasticamente com a democracia. Em reportagem da BBC News (2021), mencionou: “Só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”. E segue: “Não é uma pessoa no Tribunal Superior Eleitoral que vai dizer que esse processo é seguro, usando a sua caneta desmonetizar páginas que criticam esse sistema de votação”.
Foi nesse contexto de ameaças expressas pelo PR, que as atividades alusivas ao 7 de setembro aconteceram em todo o Brasil em 2021; entretanto, sem o apoio esperado dos partidos da direita e do centro, Jair Bolsonaro se viu isolado. Diante de manifestações dos ministros do STF, contrárias à pompa, apontou-se novamente a recorrente ideia de tentativa de rompimento com a democracia. Sem apoio político, e em apuros, o demagógico PR procurou o ex-presidente Michel Temer (MDB), outro golpista, para redigir, em nome do presidente, uma carta intitulada “Declaração à Nação”:
Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país. Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição. Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles. Finalmente, quero registrar e agradecer o extraordinário apoio do povo brasileiro, com quem alinho meus princípios e valores, e conduzo os destinos do nosso Brasil. DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA (G1 NEWS, 2021).
Jair Bolsonaro se viu mais uma vez enfraquecido politicamente devido a novas aberturas de investigações acerca dos financiamentos para as manifestações “populares” em seu apoio ao 7 de setembro de 2022. Detectou-se que as caravanas com participação massiva para aplaudir o PR em Brasília foram orquestradas por seus apoiadores empresários, que despenderam volumosos investimentos financeiros ainda não identificados, causando grande divergência, inclusive na base governista do presidente devido à suspeita de desvio de recursos públicos para as manifestações de ataque à democracia do país.
Tal qual a metamorfose de Kafka (2019), referenciada no início deste artigo, o tempo presente nos coloca em transformação: o Estado democrático está ruindo, resistiremos, ou amanheceremos alienados como Gregor.
Nesse ínterim, Boaventura de Sousa Santos (2020), em sua recente obra A cruel pedagogia do vírus, traz uma análise sobre a relação entre as formas de Estado e a desigualdade evidenciada e aprofundada pela crise da pandemia mundial da COVID-19 no que se refere à educação.
Santos (2020) contextualiza o agravamento entre a permanência e a evasão escolar em instituições públicas no mundo todo, onde profissionais da educação tiveram que se lançar a uma modalidade remota, distante de suas práticas educacionais até então, para ofertarem, de alguma forma, a educação pública gratuita aos filhos da classe trabalhadora.
O fato é que diante de tantos conflitos entre a vida, a morte e a fome, a Educação brasileira sofreu com a falta de políticas públicas educacionais que pudesse amparar os professores e professoras neste percurso pandêmico de incertezas e inseguranças, ao passo em que se viu os investimentos serem cortados paulatinamente, principalmente no que se refere aos recursos para Universidade, Ciência e Tecnologia. A pesquisa, o ensino e a extensão ficaram à mercê dos investimentos financeiros diante do agravamento pandêmico e do projeto ideológico.
O corte de recursos financeiros de bolsas para graduandos e pós-graduandos que integram o quadro de pesquisadores do Brasil - e que tem sofrido perdas sem precedentes - lançou sua derrocada nos primeiros meses de 2020, por meio das Portarias nº 18, nº 20 e nº 21 [...] sobre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Ministério da Economia (ME) que, seguindo as orientações do Ministério da Educação (MEC), deliberam os critérios de distribuição de bolsas para programas de pós-graduação (BARROS; MATIAS, 2021, p. 16).
Os cortes das bolsas de estudos das universidades públicas tiveram impactos negativos, inclusive, nas bolsas de pesquisadores que lidavam especificamente com pesquisas sobre a COVID-19. Problemas diversos foram ocasionados pelos cortes, o remanejamento de mais de 600 milhões de reais do orçamento que seria enviado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em muito prejudicou as pesquisas brasileiras.
Na educação básica, não houve plano de distribuição e acesso à internet, computadores, nada que se aproximasse da modalidade virtual ou remota amplamente adotada pelas redes estaduais, municipais e federais de ensino. Situação potencialmente mais grave em localidades rurais, ribeirinhas, quilombolas e indígenas de difícil acesso, em que a distorção idade série já é uma realidade latente, conforme dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica (MEC, 2020, p. 76) sobre o mapa da exclusão escolar: “É importante observar, ainda, que há diferenças regionais relevantes a serem vencidas para assegurar o cumprimento da meta de escolaridade do PNE. No Sudeste, a população de 18 a 29 anos possui pelo menos um ano de estudo a mais do que no Norte e no Nordeste”.
Para além da geografia da exclusão, dados apontam que pretos (as), pardos (as), indígenas e que vivem com menos de um salário mínimo por mês são os mais afetados. São crianças e adolescentes, principalmente entre 6 e 14 anos, que mais foram prejudicados pelos efeitos da COVID-19 no campo educacional, pelo menos é o que encontramos em estudos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) de 2021. O documento “O cenário da exclusão escolar no Brasil”, enfatiza:
A situação de vulnerabilidade em que se encontram crianças e adolescentes pobres, pretas (os), pardas (os) e indígenas, no Brasil, não é uma coincidência, não é resultado de um processo histórico que, tal como a natureza, não é previsível nem controlável, mas da manutenção de escolhas que condenam grandes parcelas da população à invisibilidade, ao abandono e ao silenciamento (UNICEF, 2021, p. 8).
Desse modo, as escolhas e intencionalidades políticas do PR do Brasil fizeram aumentar o cenário de exclusão, reiterando a interseccionalidade nesta seara, conforme previsto em dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica, desde 2019: “Na zona rural, o analfabetismo ainda chega a 17,5%. Da mesma forma, a porcentagem de analfabetos é duas vezes maior para pretos e pardos do que para brancos” (MEC, 2019, p. 81).
O cenário apontado pela UNESCO (2021) se aproxima do que foi publicado pelo Anuário Brasileiro da Educação Básica (ABEB, 2019; 2020; 2021) que apontou um alto índice de evasão e distorção idade série em localidades de difícil acesso em regiões brasileiras específicas, como Norte e Nordeste; assim, forma-se o panorama trágico e anunciado da interseccionalidade da exclusão educacional de crianças e jovens potencializado pela COVID-19 e a falta de políticas públicas de fortalecimento do acesso e permanência destes estudantes no ensino público. Vemos a fragilidade dos direitos básicos, como a Educação, aumentando a vulnerabilidade de crianças e jovens estudantes brasileiros.
Não sabemos dimensionar, por completo, efeitos globais provocados pela adoção (ainda que precária) das soluções de ensino remoto ou, principalmente, os prejuízos para as camadas mais vulneráveis da população, que sequer tiveram acesso às aulas virtuais. Porém, é consenso entre os especialistas que os danos serão profundos e duradouros. (MEC, 2021, p. 14).
Os apontamentos mencionados pelo ABEB (2019, 2020, 2021), UNICEF (2021) e UNESCO (2021) auxiliam na compreensão de questões emergentes sobre parte das realidades educacionais do tempo presente, são anunciadores de uma gestão deficitária, gerencial e neoliberal do Estado brasileiro, agravado no período pandêmico. A falta de investimentos em políticas sociais culminou com o adensamento da exclusão educacional de crianças e jovens, filhos da classe trabalhadora, que utilizam o sistema educacional público. Segundo Leher (2022, p. 81) “as medidas para atenuar as consequências da pandemia na educação se revelaram especialmente caóticas acentuando as desigualdades educacionais”.
A opção por um Estado mínimo, ausente das responsabilidades sociais foi a política adotada pelo PR Jair Messias Bolsonaro filiado ao PL, que externou a incapacidade de governança.
É preciso elaborar um plano de ação para refundar parâmetros educacionais excluídos a partir dos significativos cortes financeiros de responsabilidade do PR e sua equipe ministerial. O Brasil experimentou uma gestão atrapalhada, composta pela extrema direita que deixou expressivos danos sociais aos trabalhadores. Para inverter esse lastimável quadro é necessário construir alternativas com participação dos representantes da sociedade civil organizada, composta por diversos segmentos, por exemplo: pesquisadores integrantes de grupos, redes e observatórios de ensino, pesquisa e extensão das Instituições de Ensino Superior, representantes de movimentos sociais, sindicais e das minorias sociais (negros, indígenas, campesinos, caboclos, ribeirinhos, imigrantes, mulheres, comunidade LGBTQIA+, idosos, moradores de comunidades ou favelas, moradores de ruas e portadores de deficiências entre outros).
Importa pensar um Estado que contemple a interseccionalidade de crianças e jovens pretos (as), pardos (as), indígenas, povos e pessoas que foram mais atingidos no contexto político que produziu intencionalmente mazelas educacionais no Brasil de 2019 a 2022. O Estado neoliberal que prima pelo lucro deve e pode ser questionado. É imprescindível a criação, implementação e avaliação de políticas públicas específicas e necessárias para a educação diante dos contextos das amazônias no/do Brasil.
Por meio da Educação é possível elaborar e divulgar conhecimentos científicos que causem impactos sociais positivos. Promover processos educativos que amparem as necessidades sociais é fator preponderante. O debate em defesa da manutenção da democracia é importante para externar o quanto de autoritarismo ainda se faz presente em discursos ideológicos e/ou Fake News de governantes, como é o caso do PR brasileiro.
As constatações que trazemos dizem respeito ao eminente risco de cortes dos direitos sociais e perseguições políticas de agentes públicos como os professores, ações que acarretam graves prejuízos para a sociedade brasileira.
A democracia brasileira está em risco, conforme mostrado pelo cenário político, pelos discursos presidenciais e as propostas de governabilidade em curso desde o golpe de 2018, com a derrocada de investimento em todos os níveis da Educação e pesquisa, bem como a falta de políticas públicas para acesso e permanência dos estudantes de escolas públicas em tempos de pandemia ocasionada pela COVID-19. Tudo isso ocasiona lamentável cenário de exclusão educacional.
Diante do quadro de um Estado contrário às liberdades, avesso aos direitos sociais, afincado ao fascismo e produtor de Fake News, os estudantes mais prejudicados são crianças e jovens pretos (as), pardos (as), indígenas que vivem com menos de um salário mínimo, e moram substancialmente nas regiões Norte e Nordeste, em um panorama de reafirmação da interseccionalidade da exclusão educacional brasileira no tempo presente.
A pesquisa apresentada nos leva a compreender o contexto e as relações entre crise democrática e as interseccionalidades da exclusão educacional potencializada pela COVID-19 no Brasil e seus principais impactos para a reprodução das desigualdades sociais, econômicas e educacionais que atingem, historicamente, a classe trabalhadora.