Artigos - Dossiê Temático

AMAZÔNIA SOB ATAQUE: estado de coisas inconstitucional ambiental

AMAZON UNDER ATTACK: state of unconstitutional environmental things

Paulo Rodrigo de Miranda
Ministério Público Federal, Brasil
Valéria Ribas do Nascimento
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Brasil

AMAZÔNIA SOB ATAQUE: estado de coisas inconstitucional ambiental

Revista de Políticas Públicas, vol. 27, núm. 1, pp. 87-105, 2023

Universidade Federal do Maranhão

Recepción: 31 Octubre 2022

Aprobación: 31 Marzo 2023

Resumo: O trabalho visa analisar a configuração do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) na seara ambiental diante da ineficiência estatal no combate ao desmatamento na região amazônica. Tem como objetivos: i) abordar a dimensão ecológica do princípio da dignidade da pessoa humana e a importância da biodiversidade; ii) apresentar os desafios relacionados ao desmatamento da Amazônia e as políticas públicas de proteção ao meio ambiente, e iii) analisar os impactos decorrentes das condutas da gestão ambiental do governo federal dentro de uma perspectiva da configuração do ECI. Através de uma abordagem dedutiva e pesquisas bibliográfica e jurisprudencial, conclui pela necessidade de intervenção do Poder Judiciário no intuito de criar mecanismos estruturantes mínimos para permitir o combate e a fiscalização por parte da sociedade na gestão de uma das maiores biodiversidades do mundo.

Palavras-chave: Biodiversidade, estado de coisas inconstitucional ambiental, desmatamento na região amazônica, ineficiência estatal.

Abstract: The paper aims to analyze the configuration of the State of Unconstitutional Things (ECI) in the environmental field in the face of state inefficiency in combating deforestation in the Amazon region. Its objectives are: i) to approach the ecological dimension of the principle of human dignity and the importance of biodiversity; ii) to present the challenges related to deforestation in the Amazon and the public policies for environmental protection, and iii) to analyze the impacts resulting from the federal government's environmental management conducts within a perspective of the ECI configuration. Through a deductive approach and bibliographic and jurisprudential research, it is concluded that there is a need for the Judiciary to intervene in order to create minimum structuring mechanisms to allow society to combat and monitor the management of one of the greatest biodiversities in the world.

Keywords: Biodiversity, unconstitutional environmental state of affairs, deforestation in the Amazon region, state inefficiency.

1 INTRODUÇÃO

Em setembro de 2020, o Parque Estadual Encontro das Águas, localizado na região de Porto Jofre, na cidade de Poconé/MT, conhecido por deter rico bioma e a maior concentração de onças-pintadas do mundo, teve 85% de seus hectares devastados pelo fogo (SOARES, 2020). O Brasil vive uma das piores crises ambientais dos últimos 10 (dez) anos, sofrendo severas agressões ao seu bioma na região do Pantanal e da Amazônia, através de queimadas criminosas e desmatamento que aceleram o ponto de ruptura para dar início ao processo de savanização na região.

Cerca de 20% do território da Amazônica já foi desmatado (ABRAMOVAY, 2019) e, conforme aponta o climatologista Carlos Nobre, o país está muito perto do tippingpoint da savanização da Amazônia, tal fator é preponderante se o aquecimento na região passar de 4ºC, o que permitirá a mudança do bioma para a savana, sendo que esse processo fica muito próximo de acontecer quando o desmatamento passar de 20% na Bacia Amazônica como um todo (DAMASIO, 2019).

Enquanto a maioria dos países do mundo tomam medidas para frear o aquecimento global[1], inclusive a China[2] que tem se apresentado como uma nova potência econômica, o Brasil retrocede apostando unicamente no processo de reprimarização fortemente apoiado por uma bancada ruralista do Congresso Nacional. Para agravar a situação, a atual gestão do Poder Executivo federal, principal responsável por promover políticas públicas voltadas à proteção e combate de desmatamento na região amazônica, revela-se totalmente desinteressada na pauta ambiental, além de ser acusada de promover um verdadeiro desmonte planejado das estruturas estatais voltadas ao combate das queimadas e desmatamento na região amazônica.

Através de uma abordagem dedutiva e com base em referências bibliográficas e jurisprudenciais, pretende-se identificar ideias que permitam os contornos necessários para o enfrentamento da atual crise ambiental agravada pelo desinteresse estatal em dar efetividade às disposições constitucionais que consagram a tutela ambiental e a biodiversidade presente na região amazônica.

O presente texto está dividido nas seguintes seções: na primeira, abordar-se-á a desconstrução do conhecimento para uma compreensão da dimensão ecológica do princípio da dignidade da pessoa humana e a relevância da biodiversidade; na segunda, propõe-se a análise dos desafios relacionados ao desmatamento da Amazônia e as políticas públicas de proteção ao meio ambiente, dando maior relevância à Política Nacional sobre Mudança do Clima, e; na terceira, buscar-se-á investigar os impactos decorrentes das condutas comissivas e omissivas da atual gestão ambiental do governo federal e a configuração do Estado de Coisas Inconstitucional ambiental.

2 A DIMENSÃO ECOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O PAPEL DA BIODIVERSIDADE

A crise ambiental tem, como uma das principais causas, o modelo de vida humana que surgiu após a Revolução Industrial, desenvolvido dentro de uma perspectiva econômica embasada no paradigma mecanicista e antropocêntrico, que compreende a natureza apenas como fonte de recursos para satisfazer as necessidades humanas (DINNEBIER; SENA; 2017). A substituição da concepção holística da natureza por uma abordagem antropocêntrica baseada na metáfora do mundo máquina resultou na visão do uso da ciência para dominar e controlar a natureza (CAPRA; MATTEI; 2018).

Nessa concepção científica, a interferência humana gerou a denominada crise ecológica, traduzida pelo desmatamento desenfreado e destruição sistemática da biodiversidade, ocasionando a extinção de diversas espécies de plantas e animais e o esgotamento dos recursos essenciais à manutenção da vida no Planeta. Contudo, isso deriva de uma crise da relação do homem com a natureza, uma crise de representação da natureza, na qual a humanidade não consegue mais discernir o que a liga ao que tem vida, à natureza (OST, 1995).

A destruição dos ecossistemas e o esgotamento dos recursos estão sendo suficientes para provocar uma mudança na era geológica do planeta conforme o químico Paul Crutzen denominou a Era do Antropoceno. O físico Paulo Artaxo (2014), professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), assinala que o planeta está numa era em que os seres humanos se tornaram uma força geofísica, capaz de mudar questões críticas na Terra.

A capacidade de autorregulação e resiliência dos limites referentes às mudanças climáticas e à integridade da biodiversidade estão em situação tão crítica que demandam medidas urgentes para sua estabilização, cujo processo poderá demorar décadas (ARTAXO, 2014). Com efeito, Sarlet e Fenterseifer (2019) ponderam que diante desse alerta impõe-se o recuo da intervenção humana em tais subsistemas planetários, os quais estão inter-relacionados e ditam a sustentabilidade e capacidade de resiliência em escala planetária.

Na busca da superação da compreensão da natureza como objeto, embasada numa visão antropocêntrica e mecânica, Capra (1996) defende a denominada ecologia profunda (ou visão ecológica), como um novo paradigma que concebe que a compreensão do mundo não pode ser entendida de forma isolada, mas como um todo integrado. Neste sentido, Capra (1996, p. 16) pondera que a percepção ecológica profunda “reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos)”.

Seguindo essa concepção holística e contrapondo-se à dicotomia cartesiana entre ser humano e natureza, Sarlet e Fenterseifer (2019) passaram a adotar denominado “paradigma constitucional ecocêntrico”, tendo, como norte, a premissa da integridade ecológica. Os referidos autores (2019) ao abordarem que a compreensão da dimensão ecológica do princípio da dignidade da pessoa humana consiste na necessidade de redimensionamento da relação entre o ser humano e a natureza a partir de um marco jurídico ecocêntrico, asseveram que a defesa dos direitos da natureza é, em última instância, a defesa da própria vida, da dignidade e dos direitos fundamentais do ser humano.

Para Sarlet e Fenterseifer (2019), a integridade ecológica tem sido abordada como princípio nuclear do Direito Ambiental, traduzindo-se na ideia de “sistema” que está na base da compreensão do equilíbrio ecológico e da natureza como um todo. Portanto, “é, em última instância, a manutenção da integridade dos ecossistemas e do ecossistema planetário em escala global que expressa tal conceito, com o propósito de assegurar a proteção dos fundamentos naturais de sustentação da vida humana e não humana no Planeta Terra” (SARLET; FENTERSEIFER; 2019, sp).

Dentro dessa concepção, Junges (2010) pondera que a biodiversidade tem um papel ecológico fundamental para os processos de regulação dos ecossistemas naturais e globalmente da biosfera, representando um importante mecanismo para a sobrevivência da humanidade. Ademais, essa nova percepção de proteção da natureza com uma visão da integridade ecológica (visão ecocêntrica) permite a incorporação de fatores socioeconômicos e culturais à questão da conservação, dentro de um entendimento que as populações humanas possuem papel essencial nos ecossistemas (ARAÚJO; SILVA, 2015).

O Brasil, além de possuir uma riqueza inigualável em biodiversidade, é um dos países de maior diversidade cultural, sendo que existem, no país, mais de 500 áreas indígenas reconhecidas pelo Estado, habitadas por cerca de 200 sociedades indígenas culturalmente diferenciadas (DIEGUES, 2000). Por essa razão, Abramovay (2019, sp) reforça que os “ganhos privados decorrentes das atividades econômicas voltadas à valorização da biodiversidade têm o potencial de gerar processos virtuosos de inovação descentralizada e de benefícios para as comunidades tradicionais da Amazônia”.

Neste sentido, Abramovay (2019), ao assinar a conquista democrática representada pelo conjunto de áreas protegidas da Amazônia, destaca três resultados positivos ao Brasil quanto à adoção desse mecanismo de proteção: i) as áreas protegidas estão na base do fortalecimento das comunidade de povos originários, revelando-se locais propícios à manutenção da cultura material e imaterial das populações tradicionais da Amazônia, o que é de suma importância para a manutenção da biodiversidade; ii) esses territórios mantêm a condição do Brasil como detentor da maior biodiversidade do planeta, o que permitiria a articulação de políticas globais voltadas a remunerar nossa prestação de serviços ambientais, tal como o Fundo Amazônia que seria apenas um exemplo que pode ser seguido, e iii) esses territórios não só oferecem produtos e possibilidades de geração de renda para a manutenção das pessoas que dependem deles, mas têm um imenso potencial para a geração de inovação.

Contudo, embora o Brasil possua toda essa riqueza na região amazônica, o país vive uma das piores crises ambientais, delineada por uma corrida em busca de terras por grileiros, e, como consequência, o estímulo de atividades econômicas ilegais que envolvem a exploração de madeira e minério. Por sua vez, a principal forma de subsídio das políticas de proteção ambiental da região era garantida por instrumentos consagrados na Política Nacional de Mudanças do Clima (PNMC), tal como o “Fundo Clima” e o “Fundo Amazônia”, que se encontram paralisados pela atual gestão do governo, o que permite a reação em cadeia predatória da região.

3 DESAFIOS RELACIONADOS AO DESMATAMENTO DA AMAZÔNIA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE

Em 2019, o desmatamento na Amazônia cresceu 50%, conforme os dados do Deter[3] (sistema rápido de alertas do Inpe)[4], sendo que o número de queimadas na região foi 145% superior ao registrado no mesmo período de 2018 (GREENPEACE BRASIL, 2019). A situação foi agravada em agosto de 2019, devido ao “dia do fogo”, quando produtores rurais da região Norte do país iniciaram movimento orquestrado para incendiar áreas de florestas (MACHADO, 2019).

O atual cenário de desmatamento da região amazônica é reforçado pela atuação parlamentar e pela gestão do Poder Executivo, especialmente quando fomentam a aquisição de direitos fundiários historicamente vinculados ao desmatamento tal como ocorreu com a edição da Lei 13.465/2017 (BRITO et al, 2019) e com a edição da recente “MP da grilagem” (Medida Provisória nº 910 de 2019).

A pesquisa realizada no estudo intitulado “Estímulo à apropriação de terras e desmatamento na Amazônia brasileira” conclui que a política fundiária estabelecida pela Lei 13.465/2017 representa uma perda de receita de US$ 32 bilhões, equivalente a 7% do PIB brasileiro em 2018 (BRITO et al, 2019). Por sua vez, a Nota Técnica nº 1/2020/PFDC/MPF[5] da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão reforça que esse cenário de perda de receita só tende a aumentar com a edição da “MP da grilagem”, além de constituir verdadeiro estímulo a novas ilegalidades ao continuar validando crimes ambientais e fundiários.

Desse modo, evidencia-se uma verdadeira corrida em busca de terras na Amazônia que é feita por grileiros, especializados em invadir e especular no intuito de buscar, posteriormente, a reinvindicação de direitos fundiários. O problema da grilagem é responsável por significativa parte do desmatamento ilegal. Neste sentido, segundo o IPAM (2019)[6], 35% do desmatamento na Amazônia ocorrido entre agosto de 2018 e julho de 2019 foi decorrente de grilagem de terras.

Conforme esclarece Abramovay (2019, sp) “o crescimento econômico e o bem-estar das populações que vivem na Amazônia não dependem do desmatamento[7]”. Ademais, através de diversos estudos científicos apontados em sua obra, Abramovay demonstra que a área desmatada na Amazônia destina-se a pastagens de baixíssima produtividade, com menos de uma cabeça de gado por hectare e que, entre 2007 a 2016, o desmatamento médio de 7.410 km² por ano teve como resultado o acréscimo de 0,013% ao PIB brasileiro.

Por esses motivos, segundo Abramovay (2019), permitir que as áreas da região amazônica sejam desmatadas traz dois imensos prejuízos ao Brasil: i) perda de serviços ecossistêmicos ligados ao ciclo da água, à captação do carbono e à biodiversidade (que diretamente influenciam outras regiões do país), e ii) incentivo da continuidade da prática de métodos ilegais e violentos de apropriação de terras públicas na região, mantendo a cadeia de criminalidade envolvendo a grilagem e atividades econômicas ilegais, tal como exploração de madeira e minério, com a consequente agressão aos povos tradicionais.

Diferentemente da atual gestão ambiental, “a redução do desmatamento no Brasil entre 2004 e 2012 é considerada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas como a maior contribuição já oferecida por um país ao combate contra o aquecimento global” (ABRAMOVAY, 2019, sp). Tal contribuição apenas foi possível diante da compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a proteção do sistema climático através da implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) materializada pela Lei 12.187/09. Essa constatação foi exposta nas reuniões realizadas através da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal, na qual restou registrado que a eficácia do PNMC, nesses 10 anos, esteve diretamente ligada à eficácia de políticas de redução do desmatamento (BRASIL, 2019).

A Lei da PNMC evidencia uma verdadeira política de desenvolvimento que tem como um dos principais instrumentos financeiros, o Fundo Nacional para Mudança do Clima (FNMC ou Fundo Clima). O Fundo Clima constitui um instrumento imprescindível para viabilizar o cumprimento das metas brasileiras assumidas internacionalmente. Embora um estudo[8] sobre o Fundo Clima, realizado em 2016, tenha identificado diversas lacunas e deficiências desde a sua criação, o FNMC tem um histórico de boas realizações e poderia ser objeto de aperfeiçoamento em suas estratégias (BRASIL, 2019). Outra fonte importante de recursos para a implementação da PNMC, especialmente para fins de redução das taxas de desmatamento, é o Fundo Amazônia (FA).

Ademais, conforme destacou a CMA do Senado Federal, o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDm) assumiu importante papel na redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE). O Plano, criado em 2004, visava reduzir, de forma contínua e consistente, o desmatamento e criar as condições para estabelecer-se um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal, o que efetivamente deu-se através de três eixos: i) ordenamento territorial e fundiário; ii) monitoramento e controle ambiental e iii) fomento a atividades produtivas sustentáveis (BRASIL, 2019).

Diante da efetiva implementação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDm), a taxa de desmatamento da Amazônia teve uma redução de mais de 70% em 14 anos, sendo que a taxa anual de 2004 era 27.772km², enquanto que em 2018 estava em 7.900km² (embora em tendência de crescimento desde 2015) conforme demonstram as medidas do Projeto Prodes (Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal), de responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)[9].

Em dezembro de 2015, o Brasil firmou o Acordo de Paris da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do clima, que tem como objetivo manter o aumento da temperatura global no máximo em 1,5º. O Brasil consta dentre os países que ratificaram o acordo, que entrou em vigor em 4 de novembro de 2016 (NOBRE, 2016).

O referido acordo tem como cerne um instrumento denominado Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, sigla em inglês), que cada parte deve preparar, comunicar e manter o detalhamento das contribuições que pretende alcançar (BRASIL, 2019). O Brasil comprometeu-se, em seu NDC, reduzir emissões de gases de efeito estufa em 37% em 2025 e tem, como meta indicativa, a redução de 43% para 2030 (BRASIL, 2019). Dentre as medidas adicionais que o Brasil pretenderia adotar para alcançar as metas estipuladas no NDC[10], destacam-se: i) fortalecer políticas e medidas com vistas a alcançar, na Amazônia brasileira, o desmatamento ilegal zero até 2030 e a compensação das emissões de gases de efeito de estufa provenientes da supressão legal da vegetação até 2030; ii) restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030, para múltiplos usos e iii) fortalecer o Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC) como a principal estratégia para o desenvolvimento sustentável na agricultura, inclusive por meio da restauração adicional de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030.

Como se evidencia do NDC, o Brasil teria assumido o compromisso de alcançar o desmatamento ilegal zero até 2030, o que, no entendimento de Abramovay (2019), seria uma contribuição fundamental global na luta contra as mudanças climáticas e não exigiria nenhuma tecnologia complexa ou sacrifício no bem-estar do país, diferentemente de outros países, como EUA e a China, que enfrentam desafios complexos para descarbonizar suas matrizes energéticas. Ademais, conforme um estudo realizado pelo Instituto Escolhas (LEITÃO; VASCONCELLOS; 2017), são irrisórios os prejuízos econômicos decorrentes do fim do desmatamento na Amazônia, sendo que eventual paralização em todo o Brasil de qualquer tipo de desmatamento (legal ou ilegal) ensejaria um impacto mínimo na economia do país, consistente na redução de apenas 0,62% do PIB acumulado entre 2016 e 2030.

Contudo, em que pese o Estado esteja vinculado aos deveres de proteção ambiental, o Poder Público, em nítida violação do princípio da vedação do retrocesso ecológico (socioambiental), vem praticando atos comissivos e omissivos que representam verdadeira desarticulação dos principais mecanismos responsáveis pela efetivação da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Ademais, a região amazônica encontra-se sob constante ataque, o que configuraria um verdadeiro Estado de Coisas Inconstitucional ambiental.

4 AMAZÔNIA SOB ATAQUE: configuração do estado de coisas inconstitucional ambiental

Na contramão dos compromissos internacionais firmados pelo Brasil (em especial, o importantíssimo Acordo de Paris), desde o início da atual gestão da Presidência da República, o Poder Executivo Federal instalou, dentro da administração, uma desastrosa política ambiental que revela descaso, omissão e irresponsabilidade do governo na defesa e preservação do meio ambiente[11].

Esse conjunto de ações e omissões implementados na gestão do Presidente Jair Bolsonaro pode ser extraído de diversos processos judiciais e de controle de constitucionalidade ajuizados durante o ano de 2020[12], que resume uma atuação estatal que potencializa a atuação de grupos criminosos na região amazônica, em especial a atuação de grilagem, atividades econômicas ilegais, como a exploração de madeira e minério, agressões aos povos tradicionais e ações de agricultores oportunistas.

Dentre os atos comissivos e omissivos imputados ao governo federal nas diversas ações judiciais ajuizadas no período de 2020[13], despontam-se como relevantes: i) enfraquecimento da participação da sociedade civil, através da alteração da composição do CONAMA (por meio do Decreto nº 9806/2019[14]) e desestruturação dos órgãos de transparência; ii) desestruturação orçamentária, administrativa e fiscalizatória que compõe a estrutura da PNMC[15]; iii) omissão quanto ao efetivo combate dos incêndios e desmatamentos no Pantanal e da Amazônia[16].

4.1 Enfraquecimento da participação da sociedade civil e desestruturação dos órgãos de transparência

Em maio de 2019, através do Decreto nº 9.806/2019, o Poder Executivo Federal alterou a composição do Plenário do Conama, praticamente retirando o controle social sobre as políticas públicas ambientais. Este novo regramento teve nítido propósito de desarticular e enfraquecer a participação da sociedade civil no Conama, ao criar óbices à participação de entidades ambientalistas, escolhidas democraticamente e com maior força e capacidade de articulação política e técnica (SARLET; FENSTERSEIFER; 2020c).

Em face do ocorrido, em setembro de 2019, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a ADPF nº 623 apontando a inconstitucionalidade do Decreto 9.806/2019. Conforme destacou o MPF, a norma que reduziu o número de assentos no Conama, os quais eram destinados a entidades da sociedade civil, resultou em profunda disparidade representativa em relação aos demais setores sociais representados no órgão, especialmente tendo em vista que sofreu redução de mais de 80% (de 22 para 4 vagas).

Para o órgão ministerial, essas alterações no funcionamento do Conama causaram lesão aos preceitos fundamentais consubstanciados nos princípios da participação popular direta (art. 1º, parágrafo único, CF); da proibição do retrocesso institucional (que decorre dos direitos insculpidos no art. 1º, caput e inciso III; art. 5º, inciso XXXVI e § 1º; e art. 60, § 4º, IV, todos da CF); no direito à igualdade (art. 5º, inciso I) e no direito à proteção do meio ambiente (art. 225, CF). Ademais, Sarlet e Fensterseifer (2020c) assinalam que diante da natureza multidisciplinar da temática ecológica, é indispensável a existência de um diálogo e cooperação com outras áreas do conhecimento para a consolidação do marco normativo regulatório, o que acaba sendo vulnerabilizado pela atual composição do Conama.

Por sua vez, na Ação de Improbidade Administrativa (AIA) nº 1037665-52.2020.4.01.3400[17], o MPF imputa ao Ministro do Meio Ambiente outras condutas ímprobas que reforçam o enfraquecimento da participação da sociedade civil e a desestruturação dos órgãos de transparência, tais como: a) diminuição da representatividade social em conselhos; b) retirada de informações com mapas de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade na Internet; c) interferências na divulgação de dados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE e d) restrição indevida da comunicação institucional.

Portanto, além de reduzir a participação da sociedade no âmbito do CONAMA, provocando um verdadeiro esvaziamento do caráter democrático e participativo do referido conselho, houve uma conduta negacionista por parte do governo federal em relação aos dados oficiais do INPE, no intuito de desqualificar os sistemas oficiais de monitoramento[18]. Aliado a isso, importantes autarquias como o IBAMA e o ICMBio tiveram suprimidas suas possibilidades de dialogar com a sociedade por meio de veículos de imprensa e contas em mídias sociais, centralizando-se eventuais divulgações ao Ministério do Meio Ambiente (BRAGANÇA, 2019). Tal orientação, inclusive consignada expressamente na Nota Técnica nº 1/2020 da Comissão de Ética do IBAMA[19], teve intuito de intimidar os servidores e criar uma verdadeira “lei da mordaça”.

Da análise conjunta dos atos praticados pelo Ministro do Meio Ambiente em detrimento da transparência pública, constata-se a legitimação de uma verdadeira lei do silêncio a ser implementada nos corredores do Planalto, o que é reforçado pelo próprio Chefe do Executivo em suas diversas manifestações públicas que mitigam a gravidade do avanço do desmatamento e os riscos inerentes à degradação de um dos maiores biomas do Planeta (região amazônica).

4.2 Desestruturação orçamentária e fiscalizatória

Em dezembro de 2019 houve a publicação da avaliação da Política Nacional sobre Mudança do Clima através da Comissão do Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal. No referido relatório, o Senador Fabiano Contarato apontou para a verificação de uma ruptura na política climática brasileira, com paralisia de toda a estrutura de governança sobre mudança do clima, bem como a descontinuidade na implementação dos instrumentos de política, tais como os importantes mecanismos financeiros “Fundo Clima” e “Fundo Amazônia” (BRASIL, 2019).

A governança do “Fundo Clima” deveria ser coordenada pelo Comitê Gestor do Fundo, o qual praticamente não registrou nenhuma deliberação no ano de 2019. No documento da Comissão de Meio Ambiente, restou consignada a inoperância da PNMC na atual gestão, bem como o enfraquecimento da participação da sociedade civil no comitê gestor (tal como ocorreu com o CONAMA). Ademais, no referido relatório, restou assinalado também que a extinta Secretaria de Mudança do Clima e Florestas (SMCF) era constituída pelo Departamento de Florestas e de Combate ao Desmatamento (DFCD) e, portanto, com a extinção da SMCF, houve, como consequência, a extinção da DFCD, unidade responsável pela coordenação de políticas entre vários órgãos governamentais no combate ao desmatamento.

Conforme apontou o MPF, na inicial da AIA nº 1037665-52.2020.4.01.3400, a extinção da Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas revelou o total desinteresse da atual gestão em dar continuidade à Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), porquanto houve o desfazimento de uma estrutura organizacional sem qualquer redimensionamento ou justificativa para o ato, o que apenas reforçaria a intenção da gestão federal em esvaziar a capacidade de formulação e condução de políticas voltadas ao combate a mudanças climáticas.

Por sua vez, na ADPF 708/DF ficou demonstrada a existência de vultosos recursos em caixa (quantia que ultrapassava o valor de 500 milhões de reais), com a rubrica específica de financiar ações voltadas à mitigação das emergências climáticas, represados no orçamento da União devida a omissão do ente em criar condições administrativas que viabilizassem o uso regular dos valores, especialmente diante da inexistência de deliberações do comitê gestor e da inexistência de um plano anual de aplicação dos recursos.

Desse modo, é possível observar que o Ministério do Meio Ambiente praticamente promoveu uma desestruturação dos processos de participação democrática de gestão do Fundo Clima, bem como optou, de forma consciente e por questões ideológicas, contingenciar quase a totalidade do orçamento previsto e já disponibilizado para o fundo, o que, sem dúvida, representa uma nítida violação da União quanto às obrigações assumidas perante o Acordo de Paris de 2015, cujas metas foram incorporadas internamente por meio da Política Nacional de Mudanças do Clima (Lei 12.187/09).

Além disso, conforme constou no relatório da CMA do Senado Federal (2019), o governo federal desqualificou a cooperação internacional existente entre o Brasil, Noruega e Alemanha, ao paralisar o Fundo Amazônia desde janeiro de 2019. O Fundo Amazônia constituía uma importante fonte de recursos não orçamentários que financiava cerca de 60% dos projetos e ações nas três esferas federativas voltadas à gestão pública das florestas e o combate ao desmatamento na Amazônia, além de ser uma significativa fonte de complementação ao orçamento do Ibama[20], especialmente para ações de fiscalização ambiental, e para apoiar o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).

Por fim, o MPF[21] imputa ao Ministro do Meio Ambiente condutas voltadas a aniquilar a dimensão procedimental quanto à atuação fiscalizatória dos órgãos responsáveis por tal atribuição, em flagrante desrespeito ao caráter técnico e especial das funções estabelecidas por lei. Na inicial da AIA nº 1037665-52.2020.4.01.3400 há o relato que o Ministro do Meio Ambiente teria atuado de forma sistemática para inviabilizar a atuação de servidores de carreira, inclusive por meio de incentivos à perseguição e à desqualificação de seus procedimentos. Em suma, o órgão ministerial aponta: a) desmonte da fiscalização ambiental[22]; b) alteração do registro de frequência e burocratização das atividades; c) nomeações de chefias: mora e ausência de critérios técnicos; d) exonerações de servidores com desvio de finalidade e e) colocação dos servidores em risco em atividades de campo.

4.3 Configuração do Estado de Coisas Inconstitucional

O “estado de coisas inconstitucional” foi uma teoria desenvolvida através do amadurecimento de diversas decisões proferidas no seio da Corte Constitucional Colombiana, sendo trabalhada, no Brasil, pelo professor da UERJ Carlos Alexandre de Azevedo Campos, e objeto da ADPF nº 347/DF, ajuizada pelo Partido Socialista e Liberdade (PSOL), em razão da crise estrutural encontrada no sistema penitenciário brasileiro.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu expressamente a existência do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) no sistema penitenciário brasileiro, em razão das graves, generalizadas e sistemáticas violações aos direitos fundamentais diante da reiterada inércia estatal (CUNHA JÚNIOR, 2015). A decretação do ECI pelo STF implicou a determinação de medidas estruturais flexíveis a serem manejadas e monitoradas pela Corte, com o auxílio dos demais poderes (MAGALHÃES, 2019).

O estado de coisas inconstitucional pode ser constatado quando delineado um contexto de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela incapacidade reiterada das autoridades públicas em modificar determinadas conjunturas (FERNANDES, 2017). Diante dessas falhas, apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público, mediante a atuação de uma pluralidade de autoridades, podem reverter essa situação inconstitucional (FERNANDES, 2017).

Conforme Carlos Alexandre de Azevedo Campos (2015) pondera, a Suprema Corte consagra-se legitimada a interferir na formulação e implementação de políticas públicas em razão da gravidade excepcional configurada pela inércia continuada pelas autoridades públicas. Para o referido autor (2015), a configuração do ECI exige a constatação de vulneração massiva e generalizada de direitos fundamentais, que tal fato decorra de uma omissão das autoridades em todos os âmbitos, demonstrando uma “falha estatal estrutural” e que a superação dessa violação pressuponha a adoção de medidas complexas por uma pluralidade de órgãos. Diante dessa falha estrutural, uma decisão do STF reconhecendo o ECI desponta como um ato apto a promover o diálogo entre os Poderes da República, e a própria sociedade, de modo a catalisar ações políticas e públicas, na adoção de processos de formulação e implementação de soluções necessárias (BRASIL, 2016).

O atual estado de deterioração do planeta coloca a ecologia como problema social a ser observado seriamente pelo Estado (OST François, p. 103). Ademais, a obrigação estatal decorrente do art. 225 da Constituição Federal impõe um dever de atuação multifuncional por parte do Estado, de modo que existe uma obrigação do Estado em prestar proteção ao meio ambiente, impedir que terceiros o degradem e uma função negativa de abstenção quanto à própria degradação por parte do ente estatal (KRELL, 2017).

A obrigatoriedade de uma resposta efetiva por parte do Estado também decorre do princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente (ou insuficiente). Nesse raciocínio, Sarmento e Souza Neto (2016) consideram que é papel do Estado atuar positivamente para proteger e promover direitos e objetivos comunitários e que essa omissão em prol dos direitos fundamentais ofende a ordem jurídica e a Constituição. Diante desse dever de proteção ou imperativo de tutela, o princípio da proporcionalidade pode ser manejado para controlar a observância pelo Estado desse dever de proteção (SARMENTO; SOUZA NETO; 2016).

Por essas razões, Sarlet e Fensterseifer (2020b) assinalam que a não atuação ou atuação insuficiente do Estado no tocante a medidas legislativas e administrativas voltadas ao combate à degradação do meio ambiente pode ensejar até mesmo a responsabilidade ao ente estatal. Portanto, cabe ao Estado assegurar o mínimo existencial ecológico, que atua como uma espécie de garantia do núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente.

Neste sentido, Sarlet e Fensterseifer (2020a) sublinham que o poder-dever do Poder Judiciário no sentido de controlar as ações e omissões dos demais poderes quando estiver em risco o mínimo existencial ecológico, o que estaria configurado na atual gestão do governo federal em três pontos: i) riscos irreversíveis de savanização da Amazônia (estimado entre 20-25% em relação à perda da sua vegetação original); ii) afetação dos processos ecológicos essenciais (tal como a integridade do sistema climático) e iii) proteção de espécies de flora e de fauna ameaçados de extinção.

Ademais, a atuação do STF como ator proativo de uma co-governança ecológica tem importante relevância no contexto de sua função contramajoritária, no intuito de resguardar interesses e direitos fundamentais de minorias e grupos sociais vulneráveis, como é o caso dos povos indígenas, das crianças e adolescentes e das futuras gerações humanas (SARLET; FENSTERSEIFER; 2020a).

Em recente voto proferido pela ministra Cármen Lúcia, na ADPF nº 760 e ADO 54, que tratam de atos omissivos e comissivos da União em relação à execução do plano de prevenção ao desmatamento na Amazônia, houve expressa manifestação no que diz respeito à configuração de um estado de coisas inconstitucional quanto ao desmatamento na região amazônica, diante da constatação de um quadro de violação sistemática ao meio ambiente a partir da ineficiência estatal na implementação de políticas públicas na tutela ambiental.

Nesse ponto, a ministra Cármen Lúcia assim consignou em seu voto: “as políticas públicas ambientais atualmente adotadas revelam-se insuficientes e ineficientes, portanto, constitucionalmente inválidas, para atender o comando constitucional de preservação do meio ambiente e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (BRASIL, 2022, p. 155). Em seguida, a ministra do STF concluiu que diante da insuficiência das justificativas apresentadas pelos órgãos responsáveis pelo combate ao desmatamento da Amazônia, deveria ser reconhecido o estado de coisas inconstitucional. Após o voto de Cármen Lúcia, o ministro André Mendonça, pediu vista aos processos, sob a justificativa que em razão de ter sido sorteado relator das ADPF’s 743 e 746, seria imprescindível aprofundar o tema. Com o pedido de vista, a ADPF nº 760 e a ADO 54 ficaram suspensos.

Na ADPF nº 743, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade, há pedido expresso para o reconhecimento de coisas inconstitucionais da gestão ambiental brasileira e ao final, além de outras medidas, postula-se a criação de uma “sala de situação” para subsidiar a tomada de decisões dos gestores e a ação das equipes locais, além de monitorar, de modo transparente e público, a atuação administrativa para o controle dos focos de incêndio no Pantanal e na Amazônia. No mesmo sentido, na ADPF nº 746, ajuizada pelo Partidos dos Trabalhadores (PT), há o requerimento ao STF para que a Suprema Corte crie uma “comissão multidisciplinar” composta por diversos especialistas pertencentes às entidades da sociedade civil e das universidades (com ampla representatividade) para fins de servir como um observatório das medidas a serem implementadas ao combate ao desmatamento na região amazônica.

Portanto, evidencia-se que nas ADPF’s 743 e 746, sob a relatoria do ministro André Mendonça, busca-se o retorno de uma maior participação da sociedade civil e de maior transparência na gestão ambiental, em contraposição ao obscurecimento criado pelo atual governo em relação aos atos administrativos efetivamente empregados em prol da tutela da região amazônica.

No mesmo sentido, Sarlet e Fensterseifer (2020a) sugerem que uma forma possivelmente mais eficaz de atuação do Poder Judiciário nesses casos de grande impacto e transversalidade seria o emprego de decisões que impõem medidas estruturais, em especial a instalação de um “Comitê de Emergência” composto por autoridades públicas, entidades científicas e representantes de entidades ambientalistas e dos povos indígenas, e da área jurídica (PGR, Defensoria Pública da União), a fim de acompanharem e prestarem informações acerca do cumprimento das medidas judiciais.

5 CONCLUSÃO

As condutas e omissões praticadas pelo atual governo federal revelam a ineficiência estatal quanto à efetiva tutela do meio ambiente na região amazônica. O retrato dos processos judiciais[23] ajuizados no ano de 2020 em face da atual crise ambiental brasileira evidencia um conjunto de ações, omissões, práticas e discursos do governo federal que nitidamente busca prejudicar, de forma concreta e imediata, a proteção dos ecossistemas e da biodiversidade existente no Brasil, em especial na região amazônica.

Ademais, a efetivação das políticas públicas voltadas ao combate do desmatamento revela-se fragilizada, porquanto paralisados os principais mecanismos e instrumentos financeiros de fomento garantidos pela PNMC, tal como o “Fundo Clima” e o “Fundo Amazônia”. Com efeito, a gestão ambiental desatende critérios mínimos estabelecidos pelas diretrizes constitucionais, além de causar graves riscos ambientais e induzir irreversíveis consequências danosas à natureza e à sociedade brasileira.

Assim, pode-se afirmar que estariam presentes os requisitos para configuração de um Estado de Coisas Inconstitucional na seara ambiental, especialmente considerando a vulneração massiva e generalizada de direitos fundamentais causados pela omissão das autoridades, em especial no âmbito federal, o que corrobora para uma falha estatal estrutural, sendo imprescindível a tomada de medidas complexas por uma pluralidade de órgãos com vistas a remediar o atual estado de devastação da região amazônica.

Diante do que foi exposto, o governo federal nitidamente tem praticado diversas condutas comissivas e omissivas em descaso com a integridade ecológica assegurada no art. 225 da CF/88. Desse modo, o atual estado de degradação da região amazônica e a desestruturação normativa, administrativa e fiscalizatória do PNMC tendem a configurar uma anormalidade que exige uma intervenção a ser corrigida pelo Poder Judiciário.

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Notas

[1] Em novembro de 2019 o Parlamento Europeu declarou a “emergência climática” na União Europeia, considerando a necessidade da tomada de medidas imediatas para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, no intuito de evitar a perda maciça da biodiversidade (Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20191121IPR67110/parlamento-europeu-declara-emergencia-climatica. Acesso em: 05 de out. 2020).
[2] A China além de ter reflorestado mais de 280 milhões de hectares (entre 1999 a 2013), em 2017 juntamente com a União Europeia, EUA e Austrália, teve um sequestro líquido de CO² muito superior às emissões líquidas provenientes da agropecuária, enquanto no Brasil além das emissões de CO² da agropecuária, o país apenas perdeu para a Indonésia em emissões florestais de CO² decorrentes do desmatamento (ABRAMOVAY, 2019).
[3] Disponível em: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/alerts/legal/amazon/aggregated/. Acesso em: 25 out 2020.
[4] Disponível em: http://www.observatoriodoclima.eco.br/desmatamento-subiu-50-em-2019-indicam-alertas-inpe/. Acesso em: 25 out 2020.
[5] Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pfdc/manifestacoes-pfdc/nota-tecnica-1-2020. Acesso em: 5 de nov. 2020.
[6] IPAM. 35% do desmatamento na Amazônia é grilagem, indica análise do IPAM. Disponível em: https://ipam.org.br/35-do-desmatamento-na-amazonia-e-grilagem-indica-analise-do-ipam/#:~:text=Uma%20an%C3%A1lise%20realizada%20pelo%20IPAM,executivo%20do%20IPAM%2C%20Andr%C3%A9%20Guimar%C3%A3es. Acesso: em 25 out 2020.
[7] O crescimento da Amazônia nas últimas décadas desestimulou o fortalecimento da economia regional, não elevou o padrão de vida da população e trouxe danos ambientais que comprometem a própria produção agropecuária. Ao revelar que em 98,5% dos municípios da Amazônia as condições de vida são piores que as de outras regiões do Brasil, o Índice de Progresso Social (IPS) explica: o desempenho da região “está associado a um modelo de desenvolvimento fortemente marcado pelo desmatamento, uso extensivo dos recursos naturais e conflitos sociais”. A conclusão do IPS desmente a ideia de que aumentar as superfícies que permitem a conversão da floresta para atividades agropecuárias, madeireiras ou de mineração seja um caminho socialmente desejável para melhorar as condições de vida dos que vivem na Amazônia (ABRAMOVAY, 2019, sp).
[8] Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/40843/1/S1601337_pt.pdf. Acesso em: 02 de nov. 2020.
[9] Disponível em: http://www.obt.inpe.br/OBT/assuntos/programas/amazonia/prodes. Acesso em: 20 de nov. 2020. Ademais, é possível o acesso a um gráfico interativo no portal Terra Brasilis. Disponível em: http://educaclima.mma.gov.br/graficos-desmatamento-da-amazonia-e-do-cerrado-em-2019-e-mais-27-novos-graficos-da-sociedade-civil/. Acesso em: 10 dez. 2020.
[10] Disponível em: http://redd.mma.gov.br/pt/redd-e-a-indc-brasileira. Acesso em: 20 nov. 2020.
[11] Ainda diante do panorama do desmonte do Conama em maio de 2019, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu um processo para apurar eventuais problemas na execução orçamentária do Ministério do Meio Ambiente para ações de combate ao desmatamento e formulação e implementação de políticas públicas voltadas para as mudanças climáticas em face de um pedido realizado pelo subprocurador-geral do Ministério Público que atua no TCU, Lucas Furtado. Disponível em: https://www.oeco.org.br/noticias/mp-quer-que-tcu-apure-atuacao-do-governo-na-area-ambiental/. Acesso em: 20 out 2020.
[14] Objeto da ADPF 623.
[16] Objeto das ADPFs 743 e 746.
[17] Disponível em: http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/docs/aia-salles-1. Acesso em: 20 de out. 2020.
[18] Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/08/01/governo-contesta-dados-de-desmatamento-mas-diz-que-nao-iria-alardear-se-julgasse-corretos.ghtml.
[19] Disponível em: https://www.oeco.org.br/noticias/informacoes-sobre-ibama-e-icmbio-so-com-o-ministerio-do-meio-ambiente/. Acesso em: 25 out. 2020.
[20] O MPF, na inicial da AIA 1037665-52.2020.4.01.3400, expôs de forma detalhada os benefícios relacionados ao Fundo Amazônia, registrando três projetos aprovados e financiados com seus recursos para viabilizar ações desenvolvidas pelo Ibama: i) Projeto de Fortalecimento do Controle e do Monitoramento Ambiental para o Combate ao Desmatamento Ilegal na Amazônia (Profisc 1); Projeto de Fortalecimento do Controle e do Monitoramento Ambiental para o Combate ao Desmatamento Ilegal na Amazônia (Profisc 1-b) e, Prevfogo.
[22] Em maio de 2020 houve o ajuizamento de uma Ação Civil Pública (processo nº 1026950-48.2020.4.01.3400) proposta pelo MPF em conjunto com a Fundação SOS pró-mata atlântica e Associação brasileira de membros do ministério público do meio ambiente (Abrampa) em face da União, postulando a suspensão do Despacho nº 4.410/2020 emitido pelo Ministro do Meio Ambiente, com intuito de evitar a violação de legislações que protegem o bioma da Mata Atlântica e o cancelamento indevido de milhares de autos de infração ambiental.
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