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ATRASOS E PARALISAÇÕES EM OBRAS PÚBLICAS DE MACRODRENAGEM E O NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO
ATRASOS E PARALISAÇÕES EM OBRAS PÚBLICAS DE MACRODRENAGEM E O NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO
Revista de Políticas Públicas, vol. 28, núm. 1, pp. 301-317, 2024
Universidade Federal do Maranhão

Recepción: 12 Diciembre 2023
Aprobación: 20 Mayo 2024
Resumo: O objetivo deste estudo é avaliar as causas de atrasos e paralisações em obras de macrodrenagem à luz da literatura técnica e do Novo Marco Legal do Saneamento. O método utilizado foi dividido entre um estudo de caso; uma Revisão Sistemática da Literatura, para apontar as causas universais; análise bibliográfica e documental. Os resultados mostram coerência entre as causas apontadas pela literatura e as encontradas no estudo de caso e que as expectativas geradas pelo Novo Marco, podem não se consolidar. A ideia de que a abertura do setor para investidores privados e as privatizações das empresas estatais de Saneamento, resolveriam os problemas, pode não ser verdadeira; a exemplo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que injetou bilhões no setor e os resultados não foram satisfatórios.
Palavras-chave: Obras Públicas, paralisações, macrodrenagem, saneamento.
Abstract: The objective of this study is to evaluate the causes of delays and stoppages in macro-drainage works in the light of the technical literature and the New Sanitation Legal Framework. The method used was divided between a case study; a Systematic Review of the Literature, to point out the universal causes; bibliographical and documentary analysis. The results show coherence between the causes pointed out in the literature and those found in the case study and that the expectations generated by the New Framework may not be consolidated. The idea that opening the sector to private investors and privatizing state sanitation companies would solve the problems may not be true; like the Growth Acceleration Program (PAC), which injected billions into the sector and the results were not satisfactory.
Keywords: Public Works, shutdowns, macro drainage, sanitation.
1 INTRODUÇÃO
Um dos principais desafios enfrentados pelo Brasil, para o seu desenvolvimento, é a necessidade de expandir e melhorar a infraestrutura de saneamento básico em todo o país, especialmente em regiões periféricas e áreas rurais. O déficit de saneamento afeta diretamente os setores mais vulneráveis da população, que residem principalmente nessas regiões (SANTOS et al., 2018).
Embora o Brasil tenha feito avanços significativos nas últimas décadas em termos de infraestrutura, a falta de acesso adequado a serviços de saneamento básico continua sendo um desafio persistente. Em uma breve retrospectiva sobre as principais ações que foram tomadas durante os últimos anos, na tentativa de aumentar a cobertura básica do saneamento no país, temos:
Em 1969, a criação do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), por meio do Decreto Lei nº 949. Que embora não tenha alcançado a universalização dos serviços, foi amplamente reconhecido como um marco na expansão dos serviços de abastecimento de água e esgoto, proporcionando benefícios significativos para a população (SATO, 2020).
Mais tarde, em 1988, a Constituição Federal, que passou a garantir o direito ao saneamento básico para todos os cidadãos brasileiros e, por meio do seu artigo 21, atribuiu à União a competência para estabelecer as diretrizes para alcançar esse objetivo (BRASIL, 1988).
Já na década de 90, foram diversas as tentativas de regulamentar a problemática envolvendo o saneamento, porém, apenas em 5 de janeiro de 2007 foi promulgada a Lei 11.445, também conhecida como Marco Regulatório do Saneamento, que estabeleceu as diretrizes para o saneamento básico, compreendendo abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais (BRASIL, 2007).
O principal objetivo do Marco Regulatório do Saneamento, instituído pela mencionada Lei, era a universalização do saneamento, com ênfase na eficiência, sustentabilidade econômica e controle social. A lei estabeleceu também o princípio de que é dever do Poder Público regular e fiscalizar os serviços públicos de saneamento (MENEGHIN; PRADO, 2018).
Em 28 de janeiro de 2007 foi lançado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na época o Brasil enfrentava baixos investimentos em infraestrutura e saneamento. O objetivo do PAC era aumentar os investimentos públicos na área, conforme destacado por Souza e Gomes (2020). Durante o período de 2007 a 2018, foram investidos R$ 34 bilhões do orçamento fiscal e da seguridade social que foram destinados às ações de saneamento, mas os resultados obtidos foram modestos: a cobertura de água avançou menos de 5% (de 80,9% para 83,5%) e esgoto apenas 10% (de 42% para 52%). Conforme os autores, sobraram recursos e faltaram obras concluídas.
Anos depois, em julho de 2020 foi publicada a Lei 14.026/20, também conhecida como Novo Marco do Saneamento, (BRASIL, 2020). Segundo a pesquisa divulgada pela ABAR-Trata Brasil (2021), o objetivo dessa lei é alcançar a universalização dos serviços de saneamento utilizando os meios de investimentos da iniciativa privada. Para o Governo, conforme destacado por Barrocas & Souza (2017), a privatização das empresas estatais de saneamento é a chave para o acesso da população ao saneamento, e somente a iniciativa privada é capaz de proporcionar acessibilidade aos que não possuem. Por outro lado, Araújo e Bertussi (2018) afirmam que a falta de recursos para investimentos é um dos fatores que contribui para a não universalização do saneamento no Brasil.
Este artigo busca, por meio de um estudo de caso, envolvendo um programa de macrodrenagem lançado em Recife, no ano de 2011, que utilizou recursos do PAC, e de uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL), avaliar as causas de atrasos e paralisações das obras objeto do Programa e verificar se a chegada do Novo Marco Legal do Saneamento pode contribuir para minimizar os problemas identificados.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
De acordo com Carvalho (2004), a concepção de projetos e obras de macrodrenagem está relacionada à utilização dos cursos d'água existentes, levando em consideração as características urbanísticas e as ocupações presentes nas áreas em análise.
Fatores como a impermeabilização do solo, o aumento do escoamento superficial, a falta de planejamento e projetos urbanísticos adequados, bem como a presença de assentamentos informais em áreas de risco, contribuem para a intensificação dos impactos sociais e econômicos, especialmente durante eventos hidrológicos significativos, como inundações, alagamentos e deslizamentos. Nessas ocasiões, fica destacada a relevância dos sistemas de drenagem para uma cidade (MENDES; SANTOS, 2022).
A espinha dorsal do sistema de drenagem de uma cidade é o sistema de macrodrenagem. É o seu bom funcionamento que garante a eficiência e evita transtornos para a população das áreas urbanas. Isso se deve ao fato de que problemas na rede de macrodrenagem têm o potencial de afetar diretamente o desempenho da microdrenagem, amplificando os impactos negativos experimentados pelos moradores (VASCONCELOS, 2022).
Conforme destacado por Mendes e Santos (2022), a combinação de medidas estruturais, como obras e equipamentos de drenagem, juntamente com medidas não estruturais de drenagem urbana, como planejamento, gestão e controle, tem ganhado cada vez mais importância. Há uma crescente preocupação em desocupar as margens de rios e canais, preservando e respeitando suas áreas adjacentes, além de garantir moradias adequadas para as famílias realocadas, facilitando assim a execução das obras de saneamento. Paralelamente, campanhas educativas com a participação social têm desempenhado um papel relevante na definição das políticas públicas de saneamento, uso da água e ocupação do solo, indicando uma abordagem de gestão integrada que respeita a natureza.
Ainda de acordo com Carvalho (2004), a população que mora nas áreas pobres das cidades e que estão em contato direto com os corpos d’água urbanos, são os primeiros a sofrerem com os problemas na rede de macrodrenagem. Para o autor, os canais de drenagem, os moradores e a gestão pública, da cidade, produzem uma interdependência contribuindo para organização socioespacial do território.
Conforme ressaltado por Gouveia (2019), é essencial promover a união entre três atores principais: os canais de drenagem (recursos hídricos), os moradores que vivem em seu entorno e a gestão pública. Essa colaboração é fundamental para o planejamento de ações que visam proteger tanto os residentes quanto os corpos hídricos, com o objetivo de alcançar a sustentabilidade urbana.
Nesse contexto, as obras públicas desempenham um papel fundamental ao oferecer bens e serviços à população, além de contribuírem significativamente para o crescimento econômico. Um exemplo destacado são as obras de infraestrutura, como saneamento, portos, aeroportos, ferrovias, hidrovias e mobilidade urbana, que possuem um papel crucial em toda a cadeia produtiva do país, proporcionando suporte para uma ampla gama de atividades econômicas. Essas obras são essenciais para impulsionar o desenvolvimento e garantir a melhoria da qualidade de vida da população (SALOMÃO etal., 2019).
3 METODOLOGIA
3.1 Caracterização do estudo de caso
A cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco, está situada em uma ampla planície de baixa altitude, com variações de 1 a 10 metros acima do nível do mar, é cercada por uma cadeia de morros baixos, que alcançam altitudes de até 150 metros. Recife é uma cidade construída dentro de um estuário, ou seja, em um ambiente aquático de transição entre o Rio e o mar (CABRAL; ALENCAR, 2005).
Conforme os dados do Censo do IBGE (2010), a cidade do Recife possuía uma população de 1.537.704 habitantes e uma área territorial de 218,435 km2, resultando em uma densidade demográfica de 7.039,64 habitantes/km2. A figura 1 ilustra a localização da cidade.
Segundo a Atualização do Plano Municipal de Saneamento Básico do Recife - Diagnóstico (Recife, 2018), em relação à macrodrenagem, a cidade possui um sistema natural de drenagem que envolve as bacias hidrográficas do Estuário Comum do Recife, composto pelas desembocaduras dos rios Capibaribe, Beberibe e Tejipió. As águas provenientes das chuvas que caem sobre a cidade escoam predominantemente para o oceano Atlântico através dos rios Capibaribe, Beberibe e Tejipió. Esse Estuário inclui a Bacia do Pina e a Bacia de evolução do porto, que possui um formato retangular, aproximadamente 3 km de extensão, com largura variando de 160m a 475m e profundidade entre 9m e 12m. Essa Bacia de evolução é, na verdade, um canal natural que representa a única saída para o mar das águas superficiais escoadas pela cidade. Conforme Figura 2.
Para Silva Júnior et al. (2020), além dessas grandes estruturas de drenagem natural (bacias e sub-bacias), faz parte do sistema de macrodrenagem do Recife, uma rede de 99 canais cadastrados, com aproximadamente 133 km de extensão, sendo a maior parte 63% (83,79 km), formada por riachos que tiveram seus taludes revestidos.
Com relação à rede de microdrenagem da cidade, possui extensão de 1.560 km de galerias e canaletas, além de caixas com bocas coletoras (bocas de lobo e caixas de gaveta) que favorecem a drenagem, em algumas áreas, porém, em outras, esses equipamentos não existem, ou foram danificados, ou mesmo suprimidos. Muitos trechos dessa rede estão subdimensionados, além de não existir um cadastro completo dessa rede (RECIFE, 2018).
No dia 26 de agosto de 2011, a Prefeitura do Recife lançou o Programa Canais do Recife, com o intuito de requalificar e melhorar a eficiência da rede de macrodrenagem da cidade. O programa contemplava a realização de estudos e projetos, além de atividades como limpeza, manutenção, retificação de calhas e requalificação das margens de 18 canais localizados nas Bacias dos rios Capibaribe, Tejipió e Jordão. O programa buscava beneficiar cerca de 6.500 famílias (RECIFE, 2011).
O Programa Canais do Recife, que incorporou o Projeto Capibaribe melhor, foi financiado com recursos do PAC e contemplou obras em 18 canais, visando solucionar questões como a poluição do rio Capibaribe e do Açude de Apipucos, o acúmulo de lixo, vegetação e obstrução dos canais, como também, melhorar a rede de esgotamento sanitário da região. Além disso, o programa também financiou o Plano Diretor da cidade, o estudo de um sistema de bombeamento para o Canal Derby-Tacaruna e a redução de pontos de alagamento na cidade (RECIFE, 2018).
Desses Canais, 7 possuíam suas margens e leitos invadidos por ocupações irregulares, com 481 habitações, sofrendo com alagamentos, além da situação permanente de extrema insalubridade e precária condição de habitação, o que inviabilizava a operação e funcionalidade dos Canais. Sendo assim, a desocupação dessas áreas era fundamental para viabilização das obras de urbanização, drenagem e pavimentação dos Canais (BRASIL, 2017).
Os demais Canais, que não necessitavam de remoções, foram selecionados, ora por possuírem trechos de revestimento que faltavam ser completados, a fim de que fossem reduzidos custos na manutenção e limpeza deles, ora por integrarem demais ações propostas no âmbito do Projeto.
Por isso, a desapropriação dessas áreas e o reassentamento dessa população eram essenciais para a efetividade do programa. De fato, alguns conjuntos habitacionais foram projetados para receber essas pessoas, mas, por problemas de regularização dos terrenos, apenas 1 habitacional foi contratado em 2012 e que só foi entregue em 2015 (BRASIL, 2017). A Tabela 1, resume os canais, os bairros e o investimento, envolvidos no Programa.

O município do Recife é dividido em 6 Regiões Político-Administrativas (RPA’s) e 94 bairros. O Programa Canais do Recife, por sua vez, abrangeu 5 das 6 RPA’s da cidade e 15 dos 94 bairros.
Os dados do Programa Canais do Recife indicavam que as populações com maiores rendas (R$ 7.200,00 – R$ 11.558,28) estavam localizadas principalmente na RPA 6 e RPA 3, em bairros situados à margem esquerda do Rio Capibaribe, como Apipucos, Casa Forte, Parnamirim, Jaqueira, Aflitos, Espinheiro, Rosarinho, Tamarineira e Santana. Já as populações de menor renda (R$ 0,00 – R$ 900,00) concentram-se principalmente na RPA 1 e RPA 3, no bairro Passarinho. O programa abrangeu 18 canais, distribuídos em diferentes RPAs: cinco na RPA 5 (R$ 900,00 a 2.400,00), quatro na RPA 3 (R$ 900,00 a R$ 11.558,28), seis na RPA 4 (R$ 1.800,00 a R$ 7.200,00), dois na RPA 6 (R$ 900,00 a R$ 1.800,00) e um na RPA 1 (R$ 900,00 a R$ 1.800,00) (RECIFE, 2018).
Figura 3 apresenta o mapeamento do Programa Canais do Recife, os verdes do Projeto Capibaribe Melhor e os amarelos implementados pelo Programa Canais do Recife (RECIFE, 2011, 2018).

Conforme pode-se visualizar na Figura 3, os 18 canais que compunham o Programa, potencializariam, em muito, a eficiência da rede de macrodrenagem da cidade.
3.2 Revisão Sistemática de Literatura (RSL)
Com o intuito de investigar as principais causas de excedentes de prazo e paralisações de obras públicas no mundo, Silva et al. (2021) elaboraram uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL), com artigos publicados nos últimos 5 anos (2017 a 2021), cujas palavras chaves foram: “obras públicas”, “paralisações”, “excedentes de custos”, essa Revisão de Literatura apontou 16 causas universais de atrasos e paralisações de obras públicas.
De acordo com os autores, a Revisão Sistemática de Literatura (RSL), constituiu-se em 4 etapas: Planejamento (Start); execução e sumarização (Rayyan e Excel) e relato. O resultado foram 821 artigos, sendo 60 elegíveis para revisão e 32 aceitos, foram investigadas causas de paralisações de obras, chegando a 70 causas universais e 16 relacionadas exclusivamente às obras públicas, conforme Figura 4.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Segundo dados fornecidos pela Empresa responsável pelas licitações e contratos dos 18 Canais, o Status atual do programa é o apresentado na Figura 5:

12 Canais concluídos entre os anos de 2011 e 2020 (9 anos de execução), 02 canais encontram-se com seus contratos paralisados, 02 Canais sequer foram iniciados e 02 Canais estão em execução.
Pode-se observar que, entre os seis canais que ainda não foram concluídos (ABC, Buriti, Prado, Santa Rosa, Guarulhos e Ibiporã), quatro deles (ABC, Buriti, Prado e Santa Rosa) demandaram o reassentamento das famílias que ocupavam suas margens. Em relação ao Canal Parnamirim, em 2016, a Prefeitura adquiriu um terreno adicional e construiu um novo conjunto habitacional, que foi entregue em 2018. Somente após a realocação das famílias e a conclusão dessas medidas, as obras do Canal Parnamirim puderam ser executadas.
De acordo com o Relatório da Controladoria Geral da União (CGU), a paralisação das obras de alguns Canais se deveu à falta de desapropriação das áreas ocupadas pela população em suas margens e/ou leitos. Além disso, os Canais concluídos no período de 2011 a 2020 enfrentaram paralisações e aditivos de prazos em decorrência da não conclusão do conjunto habitacional, destinado a receber as famílias que seriam desapropriadas. As obras dos Canais iniciaram antes da execução do habitacional, e este enfrentou problemas técnicos, quando da execução de sua estrutura, que comprometiam a estabilidade e segurança dos prédios, sendo necessária a paralisação das obras do habitacional para correção dos problemas, atrasando ainda mais a entrega das unidades. Outro detalhe importante, eram 421 famílias a serem reassentadas, entretanto, o habitacional só contemplava 384 unidades, as 37 famílias excedentes seriam acompanhadas e monitoradas pelo órgão responsável, recebendo o benefício do aluguel social. Porém, algumas dessas famílias se recusaram a desocupar os locais, se não fosse para uma unidade habitacional própria, inviabilizando a execução das obras dos canais. É importante ressaltar que os serviços dos Canais que foram iniciados e paralisados precisarão ser refeitos, levando em conta o tempo de paralisação das obras (BRASIL, 2017).
Os recursos utilizados no Programa Canais do Recife foram provenientes do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC do Governo Federal.
Souza e Gomes (2020), destacam que os recursos do PAC eram disponibilizados antes mesmo do início dos serviços, mas só eram liberados para utilização, após comprovação da execução, na forma pactuada. No caso do Programa, objeto do estudo de caso, os recursos foram disponibilizados, não sendo motivo para as paralisações ou atrasos das obras (BRASIL, 2017).
Fazendo-se um cruzamento entre as causas apontadas pela Revisão Sistemática de Literatura e as causas identificadas no estudo de caso, percebe-se que há coerência entre os dados. Para as Obras do Programa Canais do Recife, objeto do estudo de caso, o problema maior do atraso foi relacionado à 12ª causa apontada pela RSL (aquisição e desapropriação de terreno). Enquanto a RSL aponta como 2ª causa universal, a falta de financiamento, o estudo de caso não teve problemas com recursos para financiamento, pois foi garantido pelo PAC. Porém, problemas de falta de gestão, como: licitar os Canais antes do Conjunto Habitacional estar pronto para receber as famílias reassentadas, além de problemas estruturais que comprometiam a estabilidade e segurança do Habitacional, e que deveriam ter sido detectados na fase de análise dos projetos antes da liberação dos recursos, podem estar relacionados a 1ª causa universal, apontada na RSL – Baixa qualificação da equipe (ou equipes, de forma geral, equipe de projeto, equipe de execução...).
Para Silva, et al. (2021), as causas de paralisações e atrasos apontadas pela RSL (Figura 4), dizem respeito à gestão, fiscalização, processos legais e responsabilização dos envolvidos.
Essa responsabilização deve incluir o Governo Federal, que, ao analisar projetos como o do Programa Canais do Recife, libera recursos sem impor a condição de que o local destinado às famílias desapropriadas esteja pronto antes da conclusão das obras de macrodrenagem. O Governo do Estado, através do Tribunal de Contas do Estado, que tem a prerrogativa de acompanhar e fiscalizar as obras desde a fase de licitação e conter o processo, caso haja irregularidades. A Prefeitura da cidade, como titular dos serviços de drenagem e responsável pelo projeto licitado, que não se antecipou às desapropriações e aos problemas relacionados com o conjunto habitacional. A empresa contratada, vencedora da licitação para construção do habitacional, que também contribuiu com erros de execução e serviços refeitos, além da utilização de materiais de baixa qualidade. A própria sociedade, que mesmo sem opção, pela necessidade de sobrevivência, quando ocupa áreas indevidas às margens dos canais, rios e riachos.
Trazendo para discussão o Novo Marco Legal do Saneamento, a Lei 14.026/2020, conforme Oliveira (2021), o Novo Marco busca organizar a estrutura jurídica de forma a retirar amarras e implementar mecanismos de incentivo para desenvolvimento do setor e universalização dos serviços, objetivo principal da Lei.
De acordo com Souza (2020), o Novo Marco alterou dispositivos em sete leis que regulavam o setor, produzindo mudanças radicais, alegando modernização, permitindo aos investidores privados mais segurança para aportar recursos, assim como, permitindo privatizações das empresas estatais de saneamento.
Principais inovações, por consequência das alterações nas sete leis, trazidas pelo Novo Marco Legal do Saneamento no Brasil:
a) Atribuiu à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento;
b) Permitiu privatizações das Empresas estaduais de saneamento;
c) Definiu metas claras (até 2033 - para todos país– 99% para água, 90% para esgoto);
d) Estruturou a Política de Resíduos Sólidos Urbanos com modelo de cobrança;
e) Proibiu os contratos sem licitação (já era proibido, mas o art. 241 da CF permitia que os municípios se conveniassem com o Estado e esse, por meio de sua estatal de saneamento, atuasse como prestador de serviço – contrato de programa);
f) Criou a figura das “prestações regionalizadas”, para que nenhum brasileiro fique para trás, onde pequenos municípios podem se agrupar em blocos regionais com outros, para ter o acesso ao saneamento;
g) Condicionou o repasse de verbas federais à prestação regionalizada e ao atendimento às Normas de referência da ANA;
h) Limitou as subdelegações a 25% - uma empresa estatal só pode repassar para uma privada até 25% do contrato;
i) Exigiu que os contratos de programa, que ainda existirem, apresentassem metas (até mar/22) e comprovassem capacidade de investimentos frente às metas;
j) Estabeleceu que o operador que não cumprir as metas em 3/5 anos se torne irregular;
k) Abriu espaço para concessões patrocinadas (PPPs) custeadas pelo Governo Federal;
l) Estabeleceu um olhar especial para o saneamento em áreas Rurais.
Inclusive, recentemente, o Governo Federal emitiu os Decretos 11.466/2023 e 11.467/2023, tentando alterar algumas dessas inovações, promovendo alterações no regulamento estabelecido pela Lei 11.445/2007, atualizada pela Lei 14.026/2020. Essas modificações têm como objetivo flexibilizar regras e aumentar a adesão às diretrizes do Novo Marco, visando alcançar a meta de universalização até 2033. No entanto, por abordarem pontos polêmicos, como a alteração de dispositivos da Lei 14.026/2020 e a permissão para que empresas públicas estaduais de saneamento prestem serviços a microrregiões ou regiões metropolitanas sem licitação, além da prorrogação do prazo para comprovação da capacidade econômico-financeira dessas empresas, os decretos geraram uma reação política imediata na Câmara dos Deputados Federais. Como resultado, parte dos decretos foi suspensa e agora está em processo de votação no Senado Federal.
Assim, o Novo Marco Legal do Saneamento, vislumbra uma intervenção no atual déficit do saneamento básico no país, trazendo segurança jurídica, condições sadias de competição entre as empresas e regulação adequada como condições essenciais para o desenvolvimento do setor (BRASIL, 2022).
No Brasil, os grandes investimentos em saneamento básico, para manutenção e ampliação dos seus sistemas, dependem de investimento do Governo Federal e esses investimentos ainda se concentram, em sua maioria, nos sistemas de abastecimentos de água e tratamento de esgoto, (SANTOS; KUWAJIMA; SANTANA, 2020; BRASIL, 2019).
A escolha política pelo Novo Marco Legal do Saneamento foi notadamente abrir o setor à iniciativa privada para exploração dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto, objetivando transformá-la em um protagonista dominante na prestação dos serviçosLeite et al. (2022). Haja vista que esses serviços já têm definições sobre a forma de cobrança, enquanto as taxas e tarifas decorrentes da prestação de serviço de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, assim como drenagem e manejo de águas pluviais ainda estão em discussão.
É preciso ter comedimento quando se prospecta que trazendo o incentivo financeiro, por meio da iniciativa privada, o problema estará resolvido. A União sendo competente para instituir as diretrizes, não pode reduzir o seu protagonismo apenas ao repasse de verbas. Precisa atuar com Equipes competentes tecnicamente, capazes de se antecipar aos problemas, desde análise do projeto, para liberação dos recursos, até o desenvolvimento dos serviços, com implantação de metas intermediárias e monitoramento dos resultados. O Programa Canais do Recife, ratifica essa percepção. O recurso financeiro foi garantido, por meio Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com projeto analisado e aprovado pelo Ministério gestor, entretanto, houve atrasos, paralisações e prejuízos para Sociedade.
Conforme Grimsey e Lewis (2005), os governos buscam a participação do setor privado com dois objetivos principais: encontrar novas fontes de financiamento, particularmente em períodos de fortes restrições fiscais, e utilizar a experiência do setor privado e maior eficiência na construção, operações e gestão de riscos.
Com a prerrogativa de trazer a eficiência do setor privado, estabelecimento de metas claras (com consequências severas para o não cumprimento), da elevação da qualidade regulatória, da maior uniformização da matéria, além do monitoramento capaz de aferir se a evolução do planejado confirma o cenário de referência do Plano, indicando o ritmo e a escala de implementação dele, o Novo Marco Legal do Saneamento surge como uma ferramenta capaz de lidar com os desafios trazidos por uma política pública de caráter social que aborda o direito humano ao saneamento.
Mas, é preciso ter cuidado, pois a supremacia da iniciativa privada no setor não representa, necessariamente, o cumprimento das políticas oficiais de saneamento básico. De acordo com Souza et al. (2015), na Europa o processo de privatização ocorrido nos anos 1980, assim como na América Latina e África nos anos 1990, vem sendo questionado e muitas concessões estão sendo desfeitas, principalmente por causa do aumento nas tarifas e pela precarização dos serviços, além dos investimentos aquém dos previstos.
Segundo Souza e Gomes (2020), é necessário criar uma estrutura mínima de governança setorial capaz de profissionalizar e suportar os setores envolvidos nos municípios e estados para implementar os programas propostos. O Novo Marco Legal do Saneamento estabeleceu a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) com competência para editar regras e regulamentar normas para o setor. É fundamental que essas regras regulatórias sejam claras e que as agências reguladoras sejam autônomas e independentes para não serem alvo da política ou da apropriação ilegal do capital, (SATO, 2020).
5 CONCLUSÕES
Com base em uma Revisão Sistemática de Literatura, em um estudo de caso de obras públicas de macrodrenagem, pesquisas bibliográficas e documentais, foram identificadas as causas de atrasos e paralisações nesses contratos, bem como uma análise breve da contribuição do Novo Marco Legal do Saneamento no combate a essas questões.
Em obras públicas de macrodrenagem, as principais causas de atrasos e paralizações podem ser agrupadas em limitações técnicas da equipe ou do projeto, falta ou atraso do financiamento, problemas com materiais, atrasos em licenças e desapropriações.
No estudo de caso em questão, a desapropriação das famílias às margens dos canais era o ponto crítico, fator chave, para o sucesso do Programa. Sendo assim, a aquisição dos terrenos para construção dos conjuntos habitacionais com a regularização de suas posses, em sequência, suas licitações e consequente execuções, era o caminho crítico, determinante para o início do processo de licitações das obras dos canais e o sucesso do resultado. Os recursos financeiros para execução das obras estavam garantidos.
O Novo Marco Legal do Saneamento surge como uma ferramenta no combate a essas causas, como todo, mas é necessário entender que apenas o fato da abertura do setor para a iniciativa privada entrar com recursos, por si só não resolve o problema, haja vista a experiência com Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que injetou bilhões no setor e mostrou que os problemas são estruturais e de grande porte, não só relacionados à questão financeira.
É necessário capacitar a gestão dos órgãos públicos e as equipes técnicas em relação ao setor de saneamento em todos os níveis. É esperado que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), como órgão regulador, possa suprir as lacunas existentes para uma contratação e fiscalização eficiente dos serviços de macrodrenagem, além de garantir o controle social democrático da execução dos serviços públicos de saneamento, promovendo avaliação periódica da efetividade dos instrumentos trazidos pelo Novo Marco Legal, a fim de avançar na universalização do saneamento no Brasil.
REFERÊNCIAS
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