Editorial
O Número 01 (jan./abr.) da Revista Sociedade & Natureza dá início ao Volume 28 (2016) com a publicação de onze artigos e uma resenha.
A temática dos resíduos sólidos urbanos vem ganhando cada vez maior relevância no Brasil. A gestão desses resíduos constitui-se, sem dúvida, num maiores desafios para uma sociedade cada vez mais urbanizada que se estende mundo afora com o processo de globalização. Todas as iniciativas no sentido de compartilhar experiências da melhor gerência desse problema são, neste momento, bastante importantes a fim de minimamente compreender corretamente seu significado e pensar quais as estratégias para corrigi-lo. O artigo que abre este número “Um estudo comparado entre a realidade brasileira e portuguesa sobre a gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos” traz uma pertinente comparação entre o caso da gestão de resíduos sólidos urbanos em Portugal e no Brasil. Os autores concluem que “os resultados revelam que o Brasil ainda padece de organização, sistemas e métodos para uma gestão adequada de seus resíduos sólidos, enquanto Portugal apresenta um sistema gestionário organizado, todavia ameaçado pela crise financeira”. Independentemente das evidentes diferenças entre os dois países que adotam modelos específicos, os autores ressaltam ainda as dificuldades de garantir a efetividade dos modelos de gestão. Destacam a necessidade de um trabalho consistente de transformação social que se revele eficaz quanto às mudanças efetivas nos padrões de comportamento individual, ou seja, no que tange ao consumo e à responsabilidade pessoal na gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos - RSU.
A partir da Geoecologia da Paisagem, metodologia que se caracteriza pela integração dos diversos elementos da paisagem natural, o trabalho “Geoecologia da paisagem x legislação ambiental: uma análise da distribuição espacial das restrições ao uso da terra frente à problemática erosiva na alta bacia do Ribeirão Areia Dourada, Marabá Paulista (SP)”, avalia as diferenças espaciais na restrição ao uso da terra em consonância com a Lei 12.651/12. A Lei, referente ao atual Código Florestal, vem sendo considerada bastante condescendente com os abusos dos recursos naturais dos mais diversos biomas brasileiros, encontrando neste artigo uma avaliação específica em termos dos usos da terra nas propriedades privadas. O estudo conclui que “... de acordo com o novo Código Florestal, as áreas que devem ser legalmente preservadas correspondem a apenas 6,28% (290,55 ha) da bacia, sendo 8,22 vezes menor em relação ao zoneamento de acordo com a proposta da Geoecologia, em que as áreas de alta restrição ao uso correspondem a 51,66% (2.388,28 há)”, no caso da Alta Bacia do Ribeirão Areia Dourada, em São Paulo. A diferença gritante encontrada merece atenção e avaliações mais detidas para os demais ambientes naturais no Brasil.
Em meio às questões ambientais, a educação ambiental ganha cada vez maior relevância. O trabalho “Educación ambiental popular para el manejo sustentable de recursos naturales en una localidad rural del subtrópico mexicano” faz parte do rol desses estudos e proposições a fim de mitigar os danos ambientais decorrentes do mal uso dos recursos naturais. A comunidade Progresso Hidalgo, no subtrópico mexicano, apresenta problemas diretamente ligados à sua inserção no modo de produção capitalista que a desarticula e gera uma série de impactos que merecem atenção e mitigação. Os autores afirmam que “La educación ambiental popular para el manejo sustentable de recursos naturales, se propuso como una alternativa con visión pedagógica y acción participativa, que aspiró a que los habitantes de la comunidad de Progreso Hidalgo, adquieran una nueva actitud con la que modifiquen las relaciones que históricamente han causado daño a su ambiente, y así propiciar que los habitantes de la comunidad se inserten en un sistema de valores y un esquema social de relaciones más solidarias, cooperativas, autónomas y equitativas”. Por meio da pesquisa participativa chegouse a um diagnóstico da percepção dos moradores da comunidade e sua evolução a partir da educação ambiental conforme proposta e, além disso, pode-se confirmar a evolução e a aprendizagem de práticas mais saudáveis em relação ao uso dos recursos disponíveis servindo como modelo para outros lugares.
Outro interessante estudo, “A dimensão simbólica da vegetação na cidade: o caso de Santo André (SP)”, aponta a importância da dimensão simbólica da arborização para os moradores de grandes centros urbanos. O estudo permite afirmar a necessária incorporação desses diagnósticos na gestão e planejamento das cidades uma vez que estas estão para além do lugar do trabalho, mas encontram-se no limiar da vida das pessoas e de suas necessidades vitais mais prementes. Os autores concluem que “... é necessário que se promova a interação das pessoas com a natureza na cidade e isto vai além de uma política pública que enfatize unicamente o valor da biodiversidade ou exclusivamente se preocupe em garantir um meio-ambiente saudável. Em um mundo em que a maior parte da população já vive no meio urbano e que se tornará cada vez mais urbanizado, é necessário se pensar nas maneiras que permitirão (re)aproximar as pessoas ao elemento natural”.
“Expansão da agroindústria canavieira e qualificação da mão-de-obra em Goiás (2006-2013)”, trata da falta de mão-de-obra qualificada no estado de Goiás, na medida em que o avanço nos projetos de mecanização e as particularidades do cultivo da cana-de-açúcar nas condições naturais de Cerrado exigiram profissionais adequados ao trabalho. A vinda de trabalhadores, em geral, de São Paulo acarretou no aumento dos salários e na consequente redução da rentabilidade dos investimentos. O artigo discorre sobre a expansão da produção de açúcar e etanol em Goiás entre 2006 e 2013 e como criou-se uma demanda e oferta por mão de obra apta ao trabalho nas usinas.
Os Comitês de Bacias Hidrográficas, previstos na Lei Federal nº 9433/1997, têm desempenhado papel relevante na condução do gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil. O artigo “Gerenciamento de recursos hídricos: desafios e potencialidades do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Passo Fundo” trata da atuação do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Passo Fundo, criado pelo Decreto Estadual nº 42.961, de 23/03/2004. Os principais formadores da bacia hidrográfica em questão são os rios: Passo Fundo, Índio e Erechim, arroios Butiá e Timbó. E conclui que: “A escassez de recursos torna-se, em longo prazo, um fator de desmobilização social em torno do comitê, o que representa uma ameaça para a existência dessas instituições, haja vista que os comitês passam a ter um papel deliberativo, mas exclusivamente do ponto de vista político, tendo em vista que o mesmo não possui recursos para executar/implementar – estruturalmente - as suas decisões, mas tão somente na forma de estudos e projetos e mesmo estes em quantidade reduzida”.
Problema atual e extremamente importante, a expansão do agronegócio e as transformações radicais que vêm ocasionando sobre o território são discutidos no artigo “Influência do meio físico na produção dos assentamentos rurais das regiões do sul e do nordeste goiano”. A velha concentração agrária típica da formação social brasileira, conforme constatam os autores, é reproduzida largamente e acentuada no processo de instalação do modelo moderno de exploração da terra que se instala. Os autores procuram caracterizar o meio físico de duas áreas importantes (sul e nordeste) no estado de Goiás do ponto de vista dos novos processos produtivos instalados e concluem que “... os assentamentos do Sul são menores e estão em menor número, mas locados sobre relevos aplainados, onde predominam latossolos que apresentam boa aptidão agrícola. Já os assentamentos do nordeste goiano são maiores, ocorrem em maior número, mas se localizam em terrenos movimentados com solos rasos e de baixa aptidão agrícola, favorecendo a pecuária bovina, subsistência e extração vegetal”.
Diante do problema da ocupação do grande oeste brasileiro pelo agronegócio, uma iniciativa de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) subsidiou uma estratégia de gestão participativa, visando o planejamento e implantação de um plano de recuperação de área degradada (PRAD) pelo uso agrícola numa área de preservação permanente, na bacia hidrográfica do rio São Lourenço, em Campo Verde – MT. A pesquisa se deu através do acompanhamento das dinâmicas de grupo realizadas no contexto de algumas técnicas de gestão da qualidade utilizadas na norma ISO 9001. Os autores do artigo “Gestão participativa na recuperação de área degradada pela agricultura” concluem que: “Existe compreensão sobre a necessidade de recuperar as áreas degradadas, e há certo entusiasmo por parte dos atores locais. Contudo, a dificuldade em implantar as decisões estabelecidas conjuntamente, deve-se, dentre outros aspectos, à tomada de decisão por parte dos agricultores em termos de investimento financeiro, considerando a mobilização de mão de obra e aquisição de insumos, o que se traduz em conflito de interesses entre investir nas lavouras/pastagens e na recuperação de áreas degradadas, principalmente se a área do passivo ambiental é de tamanho considerável (exemplo: dezenas de hectares). As limitações da prefeitura municipal também representaram gargalos no processo de gestão participativa visando estabelecer um processo coletivo direcionado à recuperação da área de preservação permanente degradada”.
Pautando-se numa metodologia que parte da medição das trocas radiativas e energéticas em torres micrometeorológicas associada ao sensoriamento remoto, com o fim de apresentar resultados acurados e de baixo custo em escala regional, o estudo “Estimativa do balanço de radiação por sensoriamento remoto de diferentes usos de solo no sudoeste da Amazônia brasileira” conclui que: “1. NDVI, IAF e albedo diminuíram da floresta natural para floresta manejada, sistema silvipastoril e pastagem; 2. A temperatura de superfície apresentou pequena amplitude entre a área com maior e menor densidade de vegetação, mas aumentou da floresta natural com maior biomassa, para a pastagem que tem menor biomassa; e, 3. O saldo de radiação, que é o resultado da integração entre todas as demais variáveis analisadas foi maior na floresta natural, seguido pela floresta manejada, sistema silvipastoril e pastagem”. Há, portanto, segundo os autores, indicações de que o desmatamento da Floresta Amazônica tem a capacidade de alterar a capacidade da superfície em reter energia para os processos de evapotranspiração e para o aquecimento do ar e do solo. Mais uma vez, confirma-se, portanto, a possibilidade de transformações drásticas no clima de toda a região.
Os estudos sobre a dinâmica dos sistemas costeiros tem no artigo “Vulnerabilidade ambiental da planície costeira de Caravelas (BA) como subsídio ao ordenamento ambiental” uma interessante contribuição. As técnicas de geoprocessamento são articuladas no sentido de subsidiar o planejamento ambiental e oferecer dados consistentes quanto aos diferentes graus de vulnerabilidade dos diferentes ambientes costeiros presentes na planície costeira de Caravelas na Bahia. Nas conclusões dos autores “As classes que apresentam vulnerabilidade muito alta e alta incluem os manguezais, os ambientes flúvio lagunares e a linha de costa. Na classe que apresenta vulnerabilidade ambiental média estão incluídas áreas da planície costeira e as encostas dos tabuleiros. As classes de baixa e muito baixa vulnerabilidade abrangem os topos dos tabuleiros costeiros situados no trecho noroeste da área em estudo”.
O artigo “Distribuição espacial de formações superficiais geneticamente associadas a rochas siliciclásticas – Planalto do Espinhaço Meridional (MG) – Brasil”, que se liga a uma linha mais específica dos estudos de Geografia Física, é uma contribuição importante para a compreensão das características geológicas da borda oeste do Planalto do Espinhaço Meridional. A pesquisa foi conduzida pela produção de mapas de distribuição espacial das formações superficiais, de mapa de estrutura geológica e de perfis topográficos e geológicos. Foi possível constatar que as formações superficiais verificadas na área de estudo apresentam uma distribuição espacial essencialmente conduzida pelas características do arcabouço estrutural e litológico da região.
Finalmente, este número nos contempla com uma resenha sobre a obra “Território na Geografia de Milton Santos” de Antonio Carlos Robert Moraes. Para o autor da resenha, o professor Francisco das Chagas do Nascimento Jr., “o livro Território na geografia de Milton Santos, de autoria do ilustre Professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, Antônio Carlos Robert de Moraes, falecido em 2015, constitui-se numa obra que desde já assume grande importância para os estudos de epistemologia, história e teoria da geografia. Com o objetivo inicial de analisar o(s) sentido(s), a relevância e o conteúdo do conceito de território no seio do sistema teórico formulado por Santos, Moraes alcança, e mesmo ultrapassa este seu propósito, oferecendo ao leitor uma possibilidade de interpretação dos caminhos tomados pelo autor em tela, ao longo do desenvolvimento da sua produção intelectual”. Vale ainda outro recorte desta resenha extremamente cuidadosa e respeitosa que faz jus a esta obra de Moraes: “Por fim, vale destacar que recorrendo a uma linguagem clara, objetiva e elegante, e apresentando uma metodologia de investigação frutífera quanto aos resultados possíveis de serem alcançados (neste e noutros trabalhos de temática semelhante), Moraes nos apresenta uma interpretação crítica e coesa da obra de Milton Santos. Obra seminal, suscita profunda reflexão sobre a evolução do pensamento de Milton: constata rupturas, lacunas e reformulações operadas em suas bases teóricas e filosóficas; identifica as origens e os avanços alcançados em seu esforço constante de formulação de um sistema teórico e de método próprios à investigação geográfica. Assim, considerando o intento inicial de Moraes de através de seu livro prestar um reconhecimento público à memória e ao legado teórico de Milton, podemos dizer que homenagem maior ao grande geógrafo brasileiro, certamente, não poderia ser oferecida.”
A Revista Sociedade & Natureza agradece aos autores e também a todos os avaliadores que contribuem de forma decisiva para a manutenção da qualidade de nosso trabalho. Especialmente, aproveita para render homenagem ao saudoso Antonio Carlos Robert Moraes, geógrafo de suma importância na Geografia brasileira que deixou contribuição seminal em vários campos, sobretudo para a epistemologia e para história dessa ciência.