Resumo: Objetiva-se, aqui, avaliar o efeito do manejo do fogo nas transformações das propriedades físicas (granulometria e porosidade), químicas (matéria orgânica e pH) e mineralógica do solo. O estudo foi desenvolvido no distrito de São Pedro da Serra - Nova Friburgo/RJ, área de predomínio da agricultura de corte e queima, com presença de relevo formado por vertentes íngremes e vales encaixados. A região apresenta um clima Tropical de Altitude, caracterizado por verões quentes e chuvosos e invernos amenos e secos. A precipitação média anual é de 1.279 mm, sendo os meses mais chuvosos de novembro a março, e os meses mais secos de maio a agosto, marcando o período sazonal de chuvas (verão) e secas (inverno). Foram coletadas amostras deformadas e indeformadas de solo nas profundidades de 0-5cm, 5-10cm e 10-15cm, em uma área de incêndio (INC - fogo de alta intensidade) e outra com a presença de uma agricultura tradicional de corte e queima (CO - fogo de baixa intensidade). Conclui-se que as propriedades físicas, químicas e mineralógicas do solo têm respostas distintas à perturbação gerada pelo fogo. Os resultados indicam que a área onde ocorreu incêndio (INC), apresenta hidrofobicidade acompanhada de maiores valores de microporosidade. Já no sistema tradicional de corte e queima (CO) há maior percentual de macroporos. Os resultados sugerem que a agricultura tradicional de corte e queima foi o sistema que menos alterou as propriedades do solo.
Palavras-chave: Agricultura de corte e queima, Incêndio, Propriedades do solo.
Abstract: The objective of this study was to evaluate the effect of fire on the transformation of the soil’s physical (granulometry and porosity), chemical (organic matter and pH) and mineralogical properties in an area where slash-and-burn farming predominates. The study was conducted in the district of São Pedro da Serra, municipality of Nova Friburgo, Rio de Janeiro state, Brazil, with relief formed by steep slopes interspersed with valleys. The region has a Tropical Altitude Climate, characterized by hot, rainy summers and mild, dry winters. The average annual rainfall is 1.279 mm, with the wettest months from November to March, and the driest months from May to August, marking the seasonal rainy (summer) and dry (winter) period. We collected deformed and undeformed soil samples at three depths (0-5 cm, 5-10 cm and 10-15 cm), in two areas, one that had been subject to high-intensity fire (HIF) and the other where traditional slash-and-burn agriculture is practiced (S&B), with low-intensity fire. The physical, chemical and mineralogical properties of the soil had distinct responses to the disruption caused by fire of varying intensity. In the HIF area, the soil was hydrophobic, accompanied by smaller pore size (microporosity). In the S&B area, in contrast, the soil had a greater percentage of macropores. The results suggest that slash-and-burn agriculture, where there are fallow intervals, less severely affects the soil properties.
Keywords: Slash-and-burn agriculture, Fire, Soil properties.
Artigos
A influência do fogo nas propriedades de um solo sob manejo de agricultura de corte e queima em ambiente serrano no bioma de Mata Atlântica
The influence of fire on soil properties under slash-and-burn agriculture management in a hillside environment in the Atlantic Forest biome
Recepção: 20 Outubro 2021
Aprovação: 31 Março 2022
Publicado: 03 Junho 2022
No Brasil, são incipientes os estudos voltados para a agricultura de corte e queima em encostas declivosas e solos pouco desenvolvidos.
A agricultura de corte e queima é vista como um sistema itinerante e sustentável, no qual áreas cultivadas são submetidas ao pousio (descanso e crescimento da vegetação) por um período superior ao cultivo. A área de plantio é limpa por meio do corte e da derrubada de parte da vegetação. A vegetação cortada é seca no local até que possa ser queimada com o objetivo central da limpeza do terreno, da diminuição da acidez do solo e da disponibilização de cinzas tornando o solo mais favorável para o plantio (FACHIN, 2021).
A shifting agriculture ou slash-and-burn, também chamada de roça-de-toco em algumas localidades do Brasil, é exercida por comunidades tradicionais ou por agricultores familiares que têm relações intrínsecas com as florestas. O manejo destas áreas está associado ao corte da vegetação, uso do fogo e período de pousio da terra após a colheita (PEDROSO Jr et al., 2008). A agricultura de corte e queima é uma das agriculturas mais antigas no mundo tendo surgido entre 10.000 e 12.000 anos (MAZOYER; ROUDART, 2010)
A agricultura de corte e queima quando utilizada de forma a manter o tempo de pousio apresenta efeitos nas propriedades do solo, tais como: ciclagem do estoque de nutrientes, manutenção da biodiversidade, baixa intensificação do uso da terra e auxilia na regeneração do sistema em comparação com a agricultura tradicional (SANTOS et al, 2021; LINTERMANI et al., 2019).
O fogo é central na agricultura de corte e queima. Sendo que a relação fogo e solo é ainda bastante controversa. As alterações físicas, químicas, mineralógicas e biológicas (LASKAR et al., 2021; XIFRé-SALVADó et al., 2021; SANDEEP et al., 2019; FRANCOS et al., 2018; ULERY, et al., 2017), estão associadas à temperatura e o tempo de duração do fogo.
Pode-se definir dois tipos de fogo: a) fogo descontrolado (fogo severo e/ ou definido como incêndio) e b) fogo de coivara, manejado em área de floresta com a finalidade de limpeza do terreno. Este sistema é muito utilizado com o objetivo principal de enriquecimento de nutrientes a partir das cinzas disponibilizadas pela queimada (THOMAZ; ROSSEL, 2020).
Os incêndios, fogo de alta intensidade, estão atrelados a alguns impactos negativos, tais como: o aumento da perda de solo (EFTHIMIOU et al., 2020), mudanças na qualidade da matéria orgânica (GONZáLEZ-PéREZ et al., 2004; CERTINI et al., 2011, ; JIMÉNEZ-MORILLO et al., 2020), hidrofobicidade (HERNANDEZ, 2013; JIMÉNEZ-MORILLO, et al, 2017) e diminuição da estabilidade de agregados entre as temperaturas de 250 a 550 oC (THOMAZ 2018). Este tipo de fogo tende a estar relacionado com o maior aporte de energia.
O fogo de baixa intensidade (coivara) resulta no aumento da fertilidade a partir das cinzas disponíveis após a queima (NIGH; DIEMONT, 2013). Segundo Ketterings e Bigham (2000), o fogo de baixa severidade e pequena exposição ao longo do tempo tem somente um efeito temporário nas características biológicas do solo e nas propriedades químicas do solo.
Estudos realizados por Mataix-Solera e Guerrero (2007), Pereira et al. (2011); Xu, Lv e Sun (2012), Graham, R. C. (2016) e Xifré-Salvadó et al., (2021) demonstram que o fogo de baixa intensidade atua de forma diferenciada, o que pode vir a minimizar as alterações nas propriedades do solo.
A matéria orgânica auxilia na agregação dos solos. Entretanto, torna-se importante entender o papel que desempenha quando passa por processo de queima. Segundo Vogelman et al. (2013), a queima da matéria orgânica pode favorecer a hidrofobicidade a partir do recobrimento das partículas dos solos por substâncias orgânicas hidrofóbicas. Isto está relacionado ao recobrimento total ou parcial das partículas dos agregados e, também nas paredes nos poros, o que resulta em diferentes graus de hidrofobicidade. Além do conteúdo, a composição da matéria orgânica induz a hidrofobicidade, pois determinados compostos presentes podem interferir nas características de hidrofobicidade do solo. (VOLGELMANN et al., 2010).
De Bano (2000) e Doerr, et al. (2005) relatam aumento na hidrofobicidade do solo relacionado ao aumento da intensidade do fogo. Além do aumento do escoamento superficial (CERDÁ; LASANTA, 2004) e a perda de nutrientes (LAWRENCE et al., 2007).
A intensidade do fogo pode provocar, nos solos, hidrofobicidade ou repelência nos solos, que pode ser entendida como a dificuldade de molhamento do solo pela água (DOERR, et al., 2005; VOGELMAN et al., 2013). Esta propriedade pode estar relacionada a diversas variáveis, tais como: granulometria do solo, tipologia da matéria orgânica, composição mineralógica, entre outras, o que faz que solos com características de hidrofobicidade apresentem uma elevada variabilidade espacial e temporal (VOLGELMANN et al., 2010; MADSEN et al., 2011).
Estudos relacionados à repelência já foram desenvolvidos em diversas partes do mundo, principalmente em alguns países da Europa (DE BANO, 2000; DOERR, 2006; BENTO-GONÇALVES et al., 2012; CERDÁ et al., 2012; WENINGER et al., 2019), nos Estados Unidos (WELLS, 1987; ROBICHAUD, 2000; CHEN et al., 2019), Austrália (SHAKESBY; DOERR, 2006), entre outros. Entretanto, os trabalhos europeus, principalmente, os trabalhos espanhóis, como os de Mataix Solera e Guerrero (2007), Cerdá e Lasanta (2004) e Xifré-Salvadó, (2021) apresentam uma visão mais voltada para o fogo de baixa intensidade e suas repercussões hidrológicas e geomorfológicas, demonstrando a importância de se entender esse fenômeno também nos ambientes tropicais.
No Brasil essa discussão ainda é muito pequena (THOMAZ, 2008; VOLGELMANN et al., 2010; FACHIN; THOMAZ, 2013; THOMAZ; FACHIN, 2014; FACHIN et al, 2016; THOMAZ, 2017, BERTOLINO, 2021; FACHIN, 2021; SANTOS et al., 2021). Entretanto, a cada dia vem se dando maior importância a esta propriedade no entendimento dos processos hidrogeomorfológicos. Segundo Thomaz (2008), os estudos de repelência vêm crescendo, principalmente em relação ao papel desempenhado pelo fogo em vertentes. Após o fogo, têm sido observadas alterações nas taxas de infiltração e escoamento (CERDÁ et al., 2012).
Por muito tempo, fez-se uma associação dos efeitos pós-queimada nos processos hidrogeomorfológicos apenas por uma relação direta da perda do dossel e, também, pelo acúmulo de cinzas na superfície do solo (DE BANO, 2000; DOERR et al., 2005). Desde a década de 1960, outras discussões vêm ocorrendo demonstrando que as mudanças dos processos hidrogeomorfológicos podem estar também relacionados à hidrofobicidade do solo pelo fogo, pois, durante a combustão, os materiais orgânicos são vaporizados e transportados para camadas mais profundas formando camadas de solo com repelência. Após a diminuição da temperatura, o material orgânico vaporizado se condensa, formando uma película em volta das partículas do solo que causam repelência (DE BANO, 2000).
A relação da granulometria com a hidrofobicidade foi a propriedade mais estudada ao longo dos anos. Anteriormente, observava-se uma relação direta dos solos arenosos com o grau de hidrofobicidade, principalmente em áreas de clima seco. Atualmente, os estudos avançaram, demonstram que solos com diferentes granulometrias podem apresentar hidrofobicidade (DOERR et al., 2000).
Um dos mecanismos da hidrofobicidade pode estar atrelado à área superficial específica das partículas (WOCHE et al., 2005; ALCANIZ, 2018), pois os solos arenosos por apresentarem menor área superficial tende a pressionar uma proporção maior de partículas do que os solos argilosos ou siltosos. Doerr (2006) também demonstra que ocorre hidrofobicidade em solos arenosos por existir maior facilidade de recobrimento das partículas grossa por substâncias hidrofóbicas. Doerr et al. (2000) relatam que o mais importante é a abundância de material vegetativo, pois a grande quantidade de material orgânico hidrofóbico, pode recobrir tanto partículas grossas quanto as finas. O que caracteriza que a hidrofobicidade está muito relacionada à matéria orgânica do solo.
O carbono orgânico é um elemento que pode se modificar por intermédio do uso de fogo, tanto em termos de qualidade quanto de quantidade. Dependendo da severidade do fogo, o impacto da matéria orgânica pode ser de ligeira destilação (volatização dos constituintes menores), carbonização ou completa oxidação (CERTINI, 2005). É relatado na literatura que um dos elementos centrais no solo não é a quantidade, mas a qualidade de carbono orgânico. Vogelmann et al. (2013) demonstram que a queima da vegetação pode afetar a estrutura das substâncias, como gorduras e óleos, que são normalmente associados à presença de hidrofobicidade. Estes compostos apresentam, em sua composição química, grande quantidade de ácidos graxos saturados e, portanto, são sólidos à temperatura ambiente. No entanto, têm a sua viscosidade reduzida quando o solo é aquecido pela queima da vegetação (ABRAMOVIC; KLOFUTAR, 1998), tornando-se fluidos. Isto facilita a sua distribuição sobre as partículas minerais, promovendo a hidrofobicidade ao longo do perfil do solo.
Em relação ao carbono orgânico, os incêndios e as queimadas provocam a elevação da temperatura na camada superficial e podem alterar os compostos orgânicos ou formar novos compostos, tendo, como resultado, substâncias orgânicas hidrofóbicas que envolvem as partículas e alteram o umedecimento do solo. Alguns autores verificam o aumento do carbono orgânico em áreas com fogo de baixa intensidade, entretanto, em áreas de incêndios, há uma redução do mesmo.
Quanto às alterações na mineralogia do solo geradas pelo fogo, Certini (2005) afirma que é necessário que haja a combustão completa, pois a desidroxilação dos minerais só ocorre a partir de 500ºC.
Assim como ocorre com as propriedades químicas e físicas, o fogo interfere na mineralogia apenas nas camadas superficiais, dificilmente ultrapassando 8cm de profundidade. Sob efeito da alta intensidade do fogo, sobretudo acima de 550ºC, a clorita-vermiculita e vermiculita podem se transformar em illita, ao passo que a caulinita pode ser totalmente decomposta (ULERY et al., 1996).
Desta maneira, o objetivo do trabalho é avaliar o efeito do manejo do fogo associado a incêndio (fogo de alta intensidade) e fogo de coivara (fogo de baixa intensidade) nas transformações das propriedades físicas (granulometria e porosidade), químicas (matéria orgânica e pH) e mineralógica do solo de uma região.
O estudo foi desenvolvido em São Pedro da Serra, distrito de Nova Friburgo, localizado na Serra do Mar (coordenadas geográficas 22° 19’ 07” S e 42° 19’ 50” O, que está inserido no bioma de Mata Atlântica e faz parte da Área de Proteção Ambiental de Macaé de Cima.
A agricultura tradicional de corte e queima tem sido feita nesta área há mais de 100 anos. Nas últimas décadas, os cultivos mais utilizados são de aipim (Manihot suculenta), batata baroa (Arracacia xanthorrhiza), couve-flor (Brassica oleracea var. botrytis), inhame (Colocasia esculenta), feijão (Phaseolus vulgaris) tomate (Solanum lycopersicum e pimentão (Capsicum annuum Group) variando conforme a época do ano.
A agricultura de corte e queima em São Pedro da Serra ocorre em três etapas: 1) corte da vegetação que não ultrapassa o diâmetro à altura do peito (DAP) ≥ 5,0cm, medido a 1,30m do ponto de enraizamento. Esse critério é baseado no Decreto Lei Federal n.750/93 (BRASIL, 1993), que proíbe o corte e supressão da vegetação primária e secundária nativa de Mata Atlântica acima desse diâmetro, 2) após o corte é feita a coivara (fogo de baixa intensidade e 3) cultivo na área. De uma maneira geral, os agricultores fazem de 2 a 3 cultivos e depois abandonam a área para que o sistema retorne.

O clima, segundo a classificação de Koppen, aproxima-se ao mesotérmico brando Cfb, (sempre úmido com verão ameno). De acordo com Ross (1985), Nova Friburgo está inserida no cinturão orogênico do Atlântico, uma faixa de complexidade litológica e metamórficas de diferentes tipos e idades, como gnaisses, migmatitos, quartzitos, micaxistos, filitos, assim como, de forma secundária, rochas intrusivas como o granito e o sienito, estando integrada ao Complexo Paraíba do Sul - Unidade São Fidélis.
A geomorfologia do município apresenta predominantemente relevos pertencentes à classe Montanhosa, formada por um terreno irregular e acidentado, localizado, em geral, no reverso da escarpa da Serra do Mar. Possui ainda vertentes rochosas com elevado declive, podendo apresentar mais de 1.500 m, e vales encaixados formados a partir da erosão fluvial (DANTAS, 2000).
As principais classes de solos que ocorrem são os NEOSSOLOS LITÓLICOS, inseridos em relevo montanhoso/escarpado, LATOSSOLOS Vermelho-Amarelos e CAMBISSOLOS Háplicos (CARVALHO FILHO et al., 2000), formados a partir de gnaisses biotíticos, kinzigitos, e depósitos colúvio-aluvionares.
Os solos na área correspondem a CAMBISSOLOS Háplicos e apresentam uma classe de textura denominada de solo franco, com 46% de areia, 28% de argila e 26% de silte (MERAT, 2014). Os solos são classificados como fortemente ácidos (pH que varia de 4,0 a 4,7) com valores de carbono que variam de 1,6% e 1,1%, respectivamente.
Na sub-bacia do rio São Pedro há um percentual elevado de declividade acima de 45%. As orientações de vertente apresentam os seguintes percentuais: 13% para leste, 9,5% oeste, 9,5% norte e 13,5% sul. Nos pontos subcolaterais a distribuição ficou da seguinte proporção: 10% para nordeste, 10% noroeste, 9% sudeste e 15,5% sudoeste.
O estudo foi desenvolvido em duas áreas: a) Área A (Benfica) - está localizada na coordenada 23K 07751347527721 UTM a 711 metros acima do nível do mar, com uma declividade de 33º e b) Área B (Bocaina) - localiza-se na coordenada 23K 07728307529951 UTM, a 854 metros acima do nível do mar, em uma declividade de 31º.
Foram analisados dois pontos dentro do distrito de São Pedro da Serra que sofreram com efeito de fogo 1) área de Coivara, a prática ocorreu entre julho/agosto de 2017. Após a coivara houve plantio de feijão e 2) área de Incêndio, o incêndio ocorreu no inverno de 2017, quando, segundo informações de agricultores locais, o fogo que era utilizado em uma roça de feijão acabou se alastrando com o vento, atingindo áreas onde a vegetação possuía maior densidade, o que proporcionou um evento de alta magnitude.
Foram coletadas amostras de solo deformadas e indeformadas em dois locais: a) área com o manejo de coivara (CO) e b) área com manejo de incêndio (INC), nas profundidades de 5cm, 10cm e 15 cm. As análises laboratoriais de granulometria, porosidade total, macroporosidade, microporosidade, pH e teste de repelência foram realizadas a partir de 5 repetições por profundidade, totalizando quinze amostras por ensaio por área. Apenas a análise mineralógica foi realizada com uma única amostra. As amostras foram coletadas no mês de julho (período seco). Para a caracterização geral do solo foi aberto um perfil de solo em cada uma das áreas estudadas. Os perfis foram abertos na meia encosta.
Após a abertura dos perfis de foi realizada a descrição dos horizontes do solo com auxílio de material pedológico, seguindo a metodologia EMBRAPA (2006).
A análise granulométrica foi realizada pelo método da pipeta (EMBRAPA, 1997). As amostras deformadas foram homogeneizadas e separadas em alíquotas de aproximadamente 2 kg.
Para realização dos ensaios de macroporosidade, microporosidade e porosidade total, foi utilizado o método da mesa de tensão (OLIVEIRA; PAULA, 1983; EMBRAPA, 1997) e densidade aparente (EMBRAPA, 1997). Para os ensaios, foram coletadas amostras indeformadas com anéis de kopeck de volume de 50cm3.
Foi realizada a caracterização mineralógica das frações areia e argila através da difratometria de raios X das frações areia e argila. Os difratogramas de raios X (DRX) foram obtidos através da determinação do espaçamento interplanar a partir do método do pó utilizando um equipamento Bruker-D4®Endeavor, nas seguintes condições de operação: radiação Co Kα (35 kV/40 mA); velocidade do goniometro de 0,02o 2θ por passo com tempo de contagem de 1 segundo por passo e coletados de 4 a 80º 2θ. As interpretações qualitativas dos espectros foram realizadas por comparação com padrões contidos no banco de dados PDF02 (ICDD, 2006) em software Bruker Diffrac Plus.
O grau de hidrofobicidade foi realizado utilizando-se dois métodos descritos por King (1981). O primeiro, tempo de penetração das gotas de água (Water drops penetration time ou WDPT), consiste na aplicação de gotas de água (40 μL), com uma pipeta de Pasteur, e mede-se o tempo que as gotas de água levaram para penetrar na amostra. O grau de repelência é atribuído de acordo com a tabela 1, segundo Bisdom et al. (1993). O segundo método, consiste na molaridade de gotas de etanol - molarity of etanol droplets ou MED - onde são aplicadas duas gotas de solução aquosa de etanol (40 μL) de concentração conhecida, e contado o tempo necessário para a absorção das gotas pelo solo. Este procedimento destina-se a concentrações que variam entre 0 a 5 mol l -1, com intervalos de 0,2 mol l -1. A hidrofobicidade é verificada pela molaridade da solução etanólica a partir da qual as gotas penetram na superfície da amostra em menos de 10 segundos. O teste foi realizado somente nas amostras que apresentaram grau de repelência pelo método WDPT (>10 segundos).

O sistema INC apresenta maiores proporções da fração arenosa ao longo do perfil em relação ao sistema de coivara, sendo 555 g/kg-1 em 0-5cm, 574g/kg-1 em 5-10cm e 596,9 g/kg-1 em 10-15. Já o solo do sistema de coivara apresenta valores de areia igual a 434 g/kg-1 em 0-5cm, 486 g/kg-1 em 5-10cm e 456g/kg-1 em 10-15cm.
Os valores de silte dos solos dos sistemas estudos são extremamente heterogêneos. Em todas as profundidades do sistema de coivara, a quantidade de silte encontrada é maior que o dobro da que foi avaliada no sistema de incêndio.
O solo do sistema INC apresenta progressivo aumento nos valores de argila conforme o aumento da profundidade. Sendo 222,5 g/kg-1 em 0-5 cm, 224,5 g/kg-1 em 5-10 cm e 234 g/kg-1 em 10-15 cm. Já no sistema CO os valores encontrados foram 101 g/kg-1 em 0-5 cm, 148,1 g/kg-1 em 5-10cm e 117,8g/kg-1 em 10-15cm (Tabela 2).

Segundo Ferreira (2010), o tamanho das partículas pode interferir no processo de percolação da água no solo. Logo, solos com granulometria mais grossa tendem a permitir melhor infiltração. O maior percentual de areia fina no sistema de coivara pode ser responsável pela baixa condutividade hidráulica encontrada neste sistema por Merat (2014).
A avaliação da porosidade total evidencia que os solos dos sistemas de coivara e incêndio têm valores elevados e homogêneos nas três profundidades estudadas (Figura 2). Os primeiros centímetros da área que sofreu efeito do fogo de maior intensidade (INC) é o ambiente com maior porosidade total, alcançando valor igual a 57,1%.
A porosidade do solo é apontada por Mataix-Solera e Guerrero (2007) como um elemento crucial na distribuição do calor. Solos com maior porosidade, sobretudo macroporos, favorecem a transmissão de energia liberada pela combustão.

A macroporosidade está intrinsecamente relacionada com a circulação da água no solo. Logo, seus valores são fundamentais para ajudar a compreender o comportamento dessa água dentro do solo. O percentual de macroporos encontrado no sistema CO, associados com os valores de areia superiores a 430g/kg-1, são elementos que favorecem a percolação da água no solo com maior velocidade (Figura 3).

Avaliando a microporosidade do solo, foi possível perceber que o sistema INC apresenta elevado percentual de microporos (Figura 4). A profundidade de 0-5 cm é aquela onde os poros de menor tamanho se fazem presente em maior quantidade, 35%; 32% em 5-10cm e 31% em 10-15 cm. Ao comparar tais valores aos que foram encontrados no solo do sistema Coivara, nota-se que este ambiente possui resultados inferiores à metade daqueles encontrados no local onde houve incêndio. Nos solos sob domínio de coivara, a profundidade de 0-5 cm apresenta 12% de microporos, sendo seguida por 13% em 5-10cm e 14% em 10-15 cm.

Os resultados de pH do solo em água (Figura 5) e KCl (Figura 6) demonstram que o solo sob domínio de Coivara possui maior acidez em comparação com o solo do sistema Incêndio. Os valores encontrados no pH em água na área de Coivara foram: 4,5 em 0-5 cm, 4,4 em 5-10 cm e 4,7 em 10-15 cm. Já o solo que sofreu combustão total tem valores de pH igual a 6 em 0-5cm, assim como em 10-15cm, e 6,2 em 5-10cm. Os valores de pH mensurados no ambiente de Coivara se aproximam dos que foram encontrados por Queiroz (2007) e Merat (2014) em estudos sobre sistemas abandonados de corte e queima na bacia do rio São Pedro.


Subtraindo o pH em KCl pelo pH em água, foi possível mesurar o ∆pH do solo. Em ambos os sistemas e profundidades, o ∆ pH foi negativo. Todavia, a profundidade de 0-5cm do sistema INC foi a que mais se aproximou do zero, com valor igual a 0,17. O valor encontrado em 5-10cm foi de -1,10 e em 10-15 cm de -1,03. No sistema Coivara, os valores de ∆pH encontrados foram: -0,43 em 0-5cm, -0,50 em 5-10cm e -0,87 em 10-15cm (Figura 7). De acordo com Prado, (1991) o ∆ pH negativo significa que no solo, há predominância de carga negativas e, consequentemente, maior capacidade de reter cátions (cálcio, magnésio potássio e sódio) do que ânions.

Os resultados obtidos pelos testes WDPT e MED encontram-se na Tabela 1. O grau de repelência das amostras nos dois testes variou de não significante a moderado. A amostra do sistema INC, na profundidade de 0-5cm, apresenta a maior repelência a água. Nesta camada, o tempo necessário para que as gotas de água infiltrassem no solo foi de 180 segundos, o grau de repelência deste solo pode ser caracterizado como 6-8, e a severidade como moderada. O resultado obtido a partir do MED também apontou repelência apenas na profundidade 0-5 cm do sistema INC, sendo classificado como severidade moderada (Tabela 3). Isto demonstra a correlação existente entre a textura arenosa e a repelência à água. Segundo Wallis e Horne (1992), demonstram que os maiores valores de repelência estão relacionados aos solos arenosos. Os autores relatam que a características de hidrofobicidade em solos arenosos ocorre pelo recobrimento da areia por substâncias hidrofóbicas, dada a baixa superfície específica desses solos.

Outro elemento que pode caracterizar a hidrofobicidade do solo na área de incêndio está relacionado às cinzas, pois segundo Mataix-Solera e Guerrero (2007), temperaturas acima de 200ºC tendem a consumir a matéria orgânica, gerando cinzas de tom esbranquiçado que podem possuir substâncias hidrofóbicas, proporcionando o surgimento de uma camada impermeável. Este fenômeno pode ser percebido pelos valores de porosidade, em que, apesar de possuírem porosidade total semelhante em 0-5 cm, o sistema INC possui maior percentual de microporos, contrapondo-se ao sistema CO que, nesta mesma profundidade, apresenta o maior percentual de macroporos dentre os ambientes estudados e suas distintas profundidades.
Certini (2005) afirma, que são necessárias temperaturas elevadas a fim de proporcionar alterações na mineralogia dos solos. Geralmente, tais temperaturas necessitam superar os 500 ºC. A partir do DRX, notou-se relativa homogeneidade na composição mineralógica da fração areia, composta basicamente por quartzo, caulinita, moscovita e gibbsita em ambos os sistemas e profundidades. Já na fração argila foi possível encontrar a ocorrência de illita e sepiolita nas 3 profundidades do sistema CO. Os mesmos minerais não foram encontrados no sistema INC. (Tabela 4).

Certini (2005) afirma que a redução da gibbsita é comum em áreas onde o fogo possui elevada severidade. A sobreposição dos difratogramas permite perceber alterações no comportamento da gibbsita de acordo com a profundidade, mostrando que o fogo pode estar atrelado a este comportamento, sobretudo em 0-5cm por ser a camada mais superficial e que sofre maior efeito do calor proveniente da combustão (Figura 8).
A sobreposição dos difratogramas da fração argila do sistema Coivara evidencia que, neste ambiente, aparentemente não houve mudança dos picos da composição mineralógica do solo que possa ter sido influenciada pela queimada (Figura 9).


O quartzo e a caulinita estão presentes em todos os sistemas estudados. No que diz respeito ao quartzo, sua ocorrência é comum por ser um mineral extremamente resistente ao intemperismo. Já a caulinita é um mineral de hidróxido de alumínio comumente encontrado em solos tropicais devido ao intemperismo químico do feldspato a partir dos altos índices pluviométricos. Vale destacar a presença de hematita na profundidade 0-5cm no sistema incêndio. A ocorrência desse mineral não foi notada em 5-10 e 10-15cm deste mesmo sistema (Tabela 3).
Um teste com ímã de mão na fração areia indicou a presença de minerais com propriedades magnéticas em 0-5cm do sistema INC, a mesma característica não foi encontrada nas demais amostras. Os estudos de Ketterings et al. (2000) confirmaram a redução da gibbsita e conversão da goethita em magnetita ultrafino, sendo esta uma liga de óxido de ferro que se forma através de transformações térmicas que alcançam temperaturas entre 300 e 425ºC.
Entende-se que há mudanças no comportamento das propriedades mineralógicas e físicas do solo, quando expostas a distúrbios causados por intensidades de fogo diferenciadas.
Verifica-se que a área com presença de fogo com alta intensidade (incênndio) causou maiores perturbações no solo acompanhada de hidrofobicidade e maiores percentuais de microposidade . Em detrimento, a área com presença de fogo de baixa intensidade (coivara) há mior percentual de macroporosidade.
Logo, associar a degradação do solo e do meio ambiente apenas à prática da agricultura de corte e queima em São Pedro da Serra (RJ) tende a ser um equívoco, tendo em vista que, a partir do estudo realizado, comprovou-se que as transformações mais intensas no solo estão relacionadas aos incêndios, isto é, o fogo de alta intensidade.
À Univerisdade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Aos agricultores de São Pedro da Serra, em especial, Geraldo Vantoir Neves, Hil Cesar Schimidit, Idineia Machado Figueira Schimidt, Maria Aparecida Carriello Fréz e Patrícia Figueira Schimidt, e, que, foram fundamentais em todas as etapas do monitoramento de campo. Sem a ajuda dos mesmos este trabalho não teria sido desenvolvido. Agradeço também a Jovenir Boy (in memorium), Jorge Boy e Sergio Boy, por disponibilizarem as áreas experimentais e a todos os alunos que desde 2005 participaram direta ou indiretamente de alguma etapa deste trabalho. Registro também o meu agradecimento às instituições de pesquisa (CNPq e FAPERJ) e ógãos governamentis que de alguma maneira contribuíram para a realização deste estudo.
Esta pesquisa teve financiamentos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), process 483495, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), processo, E-26/111.897/2021 e Programa de Apoio à compra ou manutenção de Equipamentos e à pequenas reformas (PROINFRA/UERJ) n1/2021.
Bruno Souza de Mattos coletou e redigiu o texto. Ana Valére Allemão Bertolino concebeu o estudo, coletou, disponibilizou e redigiu o texto. Luiz Carlos Berto concebeu o estudo de dados, textos e escreveu.












