Resumo: O presente estudo buscou compreender os efeitos da velocidade e do tráfego de veículos na fauna atropelada em rodovias próximas a Unidades de Conservação (UC) do DF. Dados de atropelamentos em três segmentos rodoviários foram sobrepostos às informações sobre o volume de tráfego, registros de infrações e sinalização vertical. Os resultados evidenciam uma correlação positiva fraca entre atropelamentos e o volume de tráfego anual (ρ = 0,470; p < 0,05). Não foram encontradas significâncias estatísticas nos índices de correlação entre atropelamentos e infrações de excesso de velocidade e não há evidências de que a inserção da sinalização vertical (SV) surtiu efeito sobre os registros de atropelamentos a 200m (V=387; p > 0,3) ou a 500m (V=437.5; p > 0,5) da SV. A análise dos dados evidencia uma possível seleção da fauna habituada ao ambiente rodoviário nas CAV e a consequente intensificação do efeito de borda, da fragmentação e do isolamento de espécies nas UC adjacentes. Propõe-se: novos estudos que avaliem a inserção de estruturas capazes de reconectar as áreas afetadas; a continuidade de projetos de monitoramento; e, a melhoria no acesso aos dados de infrações de trânsito.
Palavras-chave: Colisão entre Animais e Veículos, Mitigação de Impactos Sinalização Vertical, Avaliação de Eficácia, Unidades de Conservação.
Abstract: The present study sought to acknowledge the effects of velocity and vehicle traffic on animal roadkills on roads nearby Protected Areas (PA) in the Distrito Federal - Brazil. Data on roadkill events for three road segments were superimposed on information on traffic volume, records of speeding infractions, and installation of vertical signs (VSs). The results showed a weak positive correlation between roadkill events and the annual traffic volume (ρ = 0.470; p <0.05). No statistical significance was found in the correlation indices between roadkill events and speeding infractions, and there was no evidence that installing VSs had an effect on the records of roadkill within 200 m (V = 387; p> 0.3) or 500 m (V = 437.5; p> 0.5) of the VSs. The data analysis showed a possible correlation between the fauna that had become accustomed to the road environment that were in collisions between animals and vehicles (AVCs) and the consequent intensification of the edge effect, fragmentation, and isolation of these species in adjacent PAs. It is proposed that new studies evaluate the installation of structures capable of reconnecting the affected areas, the continuity of monitoring projects, and the provision of improved access to data on traffic violations.
Keywords: Animal-Vehicle Collision, Mitigation of Impacts Vertical Signs, Evaluation of Efficacy, Protected Areas.
Artigos
Dinâmica das Rodovias: O Papel do Tráfego nos Índices de Atropelamentos de Fauna
Dynamics of Roads: The role of Traffic in the Number of Accidents with Fauna
Recepção: 03 Novembro 2021
Aprovação: 24 Fevereiro 2022
Publicado: 02 Maio 2022
No Brasil, os investimentos nas infraestruturas de transportes são historicamente justificados pelo desenvolvimento econômico (PEREIRA; LESSA, 2011). A concentração no modal rodoviário e a consequente expansão das rodovias, porém, impactam uma das principais estratégias de proteção ambiental adotadas no país: a criação das áreas protegidas (BRASIL, 2000).
As Unidades de Conservação (UC) são espaços territoriais delimitados com o objetivo de proteger áreas nativas e seus sistemas naturais. Atualmente, as UC recobrem cerca de 18% do continente brasileiro (BRASIL, 2021). Ocorre que a delimitação de áreas com regimes legais diferenciados não impede a exposição da fauna e da flora aos impactos das rodovias (FORMAN et al., 2003; NELBOLD et al., 2015). A depender da capacidade de adaptação da biota, as alterações ambientais causadas pela operação rodoviária podem ser suficientes para afetar a composição e a distribuição de organismos que habitam as proximidades (COFFIN, 2007; LAURANCE; GOOSEM; LAURANCE, 2009).
Para as espécies da fauna tolerantes aos ambientes rodoviários, os efeitos negativos diretos incluem as colisões entre animais e veículos (CAV; FORMAN et al., 2003; RYTWINSKY; FAHRIG, 2012). Estima-se que cerca de 475 milhões de animais são atropelados nas rodovias brasileiras a cada ano (CBEE, 2021). Em UC criadas para proteger espécies sensíveis às mudanças ambientais e/ou em risco de extinção, o controle das CAV é essencial e pode mostrar-se complexo a depender da localização da reserva (BRASIL, 2000; STRASSBURG et al., 2017).
Por ser um país megadiverso, o Brasil dispõe de áreas cujas características socioambientais evidenciam as dificuldades encontradas na tentativa de sanar os impactos das CAV às UC em ambientes urbanos. No Cerrado, segundo maior bioma do país, concentram-se áreas de relevância ecológica, mas a descaracterização das fitofisionomias típicas do bioma - relacionadas, principalmente, ao avanço da urbanização e à agropecuária - comprometem a manutenção das altas taxas de endemismo observadas em seus ambientes naturais (MYERS et al., 2000; MARRIS, 2005; FRANÇOSO et al., 2016; STRASSBURG et al., 2017). Atualmente, cerca de 9% da área de extensão do Cerrado é protegida por UC (BRASIL, 2021), no entanto, a maior parte das reservas é delimitada por faixas de rodagem de veículos (LAURANCE; BALMFORD, 2013).
Tendo em vista que as rodovias são o meio físico utilizado para facilitar a locomoção de automotores, é de se esperar que as variáveis que definem o período de maior atividade das populações habitantes das UC próximas aos trechos viários sejam também influenciadas pela dinâmica de tráfego (SELVA et al., 2015; VISINTIN; VAN DER REE; MCCARTHY, 2016; VISINTIN et al., 2018).
As variáveis velocidade e volume de tráfego descrevem o fluxo veicular que, por sua vez, pode definir a janela de oportunidade para uma travessia bem-sucedida ou mesmo influir sobre o comportamento e a ocorrência de animais na zona de influência rodoviária.
Medidas que visam atenuar os efeitos destas variáveis sobre a intensificação de incidentes são comumente verificadas nas rodovias brasileiras (BAGER, 2003). A sinalização vertical (SV) que informa os condutores sobre a velocidade máxima permitida nas vias ou os adverte sobre a possível travessia de animais silvestres é a principal medida mitigadora de atropelamentos implantada nas rodovias (KHALILIKHAH; HEASLIP, 2017). Logo, é reconhecido o papel da velocidade na redução de colisões com veículos, mas a avaliação da eficácia das placas para essa finalidade é ainda incipiente e pouco compreendida (RYTWINSKI et al., 2016).
As referidas variáveis de operação do tráfego podem, deste modo, ser relacionadas aos índices de atropelamentos para traçar novas estratégias de conservação ou mesmo avaliar técnicas já aplicadas com o intuito de diminuir os danos ambientais gerados pela perda da fauna nas rodovias (SELVA et al., 2015; VAN DER REE; SMITH; GRILO, 2015).
Sendo assim, o presente estudo visa compreender o papel das variáveis velocidade e volume de tráfego nos índices de CAV das vias que margeiam as UC do Distrito Federal; e, verificar se a SV instalada nessas rodovias pode coibir tais incidentes.
O estudo foi conduzido na área de abrangência do Distrito Federal -DF. Trata-se da menor unidade federativa do território brasileiro, ocupando uma área de cerca de 5.800 quilômetros quadrados (IBGE, 2021). Sua extensão possui litologia representativa da ecorregião do Planalto Central e vegetação nativa típica do bioma Cerrado (ARRUDA et al., 2006).
As rodovias estudadas foram definidas pelos dados de atropelamentos de fauna produzidos pelo Instituto Brasília Ambiental (IBRAM), entidade responsável pela fiscalização e administração das UC do DF.
Os monitoramentos ocorreram em trechos de rodovias próximas às UC e em três percursos: dois na rodovia DF-001; e, outro em segmentos das rodovias DF-128, DF-345, DF-205, e BR-020.
Destaca-se, porém, que a combinação das informações de CAV com os dados de infrações, volume veicular e sinalizadores verticais resultou em três recortes espaço-temporais da área original: um para cada análise. Apenas as vias distritais foram avaliadas, portanto, o segmento da BR-020 foi desconsiderado (Figura 1).

A coleta de informações de atropelamentos foi realizada entre abril de 2010 e março de 2015. Os métodos seguidos são os mesmos descritos no relatório final do projeto RODOFAUNA e a base de dados utilizada é a mesma disponibilizada no sítio do IBRAM (IBRAM, 2013; IBRAM, 2021).
As informações referentes à localização dos Controladores Eletrônicos de Velocidade (CEV), ao volume veicular e aos sinalizadores verticais foram obtidas a partir de trabalhos de campo e de relatórios disponibilizados pelo Departamento de Estradas e Rodagem do Distrito Federal (DER-DF; DER-DF, 2014).
A organização das informações espaciais nas bases de dados e a elaboração dos mapas foram desenvolvidas no software Arcgis (v. 10.8). As análises estatísticas, no R studio (v. 2021.09.0).
Para avaliar a influência da velocidade sobre os índices de atropelamentos de animais, o limite máximo permitido em cada trecho viário foi assumido como o mínimo empregado pelos motoristas.
A partir desta premissa, os dados dos incidentes foram correlacionados às infrações por excesso de velocidade registradas nas vias monitoradas pelo IBRAM. Como a base de dados cedida pelo DER-DF continha apenas infrações de 2013, somente os atropelamentos observados no mesmo ano foram analisados. Nesse período, havia dois CEV fixados em ambos os sentidos da DF-001, no trecho que contorna a Floresta Nacional Brasília (FNB; Figura 2).
Em rodovias, a autonomia no emprego de diferentes velocidades faz com que o levantamento desta variável a partir das multas fique restrito à região próxima do ponto de medição. Assim, foram incluídos na análise apenas os atropelamentos observados a uma distância de até 1000 metros dos CEV (Figura 2).

As informações de volume veicular referem-se aos valores de Tráfego Médio Diário (TMD; DER-DF, 2014). Tendo em vista que o método para a obtenção do TMD baseia-se no ano de 2014, os dados de atropelamentos relacionados a essa variável são dos registros obtidos nesse período. As vias analisadas pelo IBRAM possuem juntas 108,5 quilômetros de extensão e foram divididas em vinte trechos rodoviários para a medição do TMD. Como os segmentos rodoviários possuem variadas extensões, a contagem de atropelamentos nas vias se deu a cada quilômetro e os valores do TMD foram divididos pela extensão de cada trecho rodoviário para garantir a uniformização dos dados.
A obtenção dos índices de diversidade e dominância de espécies se deu pelo cálculo do índice Simpson (SIMPSON, 1949).
Para verificar se existe diferença entre a ocorrência de atropelamentos antes e após a instalação da SV nas vias, as devidas informações de localização e de data de instalação foram solicitadas ao DER-DF, mas a base cedida pelo órgão não dispunha de ambos os dados para todos os avisos. Como a análise de eficácia depende da disponibilidade concomitante das duas variáveis, foram desconsideradas todas as vias cuja SV não dispunha de ambas as informações.
O efeito das placas fica restrito a área de visão dos motoristas, portanto, foram considerados os atropelamentos ocorridos dentro de duas zonas de influência: uma a 200 e outra a 500m da SV (COLLINSON et al., 2019). Os incidentes ocorridos foram avaliados em períodos de mesmo intervalo, anteriores e posteriores às datas em que os avisos foram fixados.
A estimativa do grau de influência de velocidades superiores à permitida e do volume médio de tráfego sobre as CAV foi verificada a partir do teste do Coeficiente de Correlação de Spearman, definido após a verificação da distribuição dos dados pelo Teste Shapiro-Wilk (SHAPIRO; WILK, 1965; TORMAN; COSTER; RIBOLDI, 2012).
Os efeitos da instalação das placas foram calculados a partir da aplicação do Teste de Wilcoxon e da análise exploratória dos dados (REY; NEUHAUSER, 2011).
Conforme as informações cedidas pelo DER-DF e nos mesmos dias em que a via foi monitorada pelo IBRAM, os dois CEV registraram juntos 457 infrações (170 do lado direito e 287 na direção oposta da via).
Ao averiguar as variações mensais dos CAV e das infrações ocorridas em cada lado da pista, não foram observadas semelhanças relevantes. Porém, quando somadas as amostras em ambos os sentidos, a variação das CAV no ano de 2013 é semelhante à das infrações ocorridas entre maio e novembro (Figura 3). As diferenças entre as variações observadas nos dois lados da via podem ser justificadas pelas condições estruturais do trecho, já que a alta demanda diminui o tempo de vida do asfalto e eleva a necessidade de manutenção viária. Em 2014, mais da metade das vias avaliadas no DF possuíam pavimentos desgastados, trincas em malhas, remendos, afundamentos, ondulações ou buracos (CNT, 2014).

A aparente semelhança na distribuição dos dados ao longo dos meses não foi confirmada pelo teste de Spearman, posto que não houve significância estatística na análise da correlação entre as CAV e as infrações em cada e em ambos os sentidos do trecho viário (Tabela 1). Os índices obtidos evidenciam, porém, uma relação positiva e baixa entre os volumes de tráfego e as CAV (ρ = 0.470; p< 0,05; Tabela 1).

A baixa significância estatística verificada pode ser relacionada à restrição dos dados das infrações (disponíveis apenas em 2013). Portanto, projetos como o RODOFAUNA, que possibilitam o levantamento de dados de atropelamentos em uma ampla escala de tempo são necessários e devem ser estimulados para a melhor compreensão dos efeitos das dinâmicas de tráfego sobre as CAV. Já o acesso aos registros de infrações deve ser melhorado, considerando as devidas limitações relacionadas ao sigilo ou impostas pela legislação pertinente. Assim, a relação entre essas duas variáveis poderá ser reavaliada com conjuntos de dados mais robustos e a insignificância, superada pela intensificação do esforço amostral.
Os índices volumétricos de tráfego medidos possuem elevada amplitude (médias diárias anuais de 164 a 21847 veículos) e o trecho de maior medida é o mesmo da DF-001 onde estão localizados os CEV previamente avaliados. Em rodovias, o volume de tráfego é uma variável temporal positivamente relacionada aos horários de maior demanda. Em áreas urbanas, a chamada hora do rush, tem o potencial de influenciar o comportamento de aversão a rodovias (GAYNOR et al., 2018; FAHRIG; RYTWINSKI, 2009), mas ao avaliar a relação das CAV em escala temporal ampla, como volumes médios diários anuais, a relação positiva entre as variáveis investigadas não sugere comportamentos aversivos nas vias mais movimentadas. Todavia, a apuração da composição da fauna atropelada evidencia que a maior parte das espécies acometidas são tolerantes aos ambientes rodoviários.
De acordo com os dados, o Tiziu (Volatinia jacarina), representou cerca de um quarto (24,14%) dos animais identificados acometidos por atropelamentos no período estudado. Trata-se de uma ave silvestre, passeriforme, presente em todo o Brasil, vista com frequência em áreas alteradas e savanas (CARVALHO; MACEDO; GRAVES, 2007). Gatos (Felis catus) e Cachorros (Canis familiaris) domésticos representaram, juntos, a segunda maior parcela dos dados (15,05%). O montante registrado em 2014 possui ao menos 81 espécies representantes da fauna, dessas, 76 são silvestres e duas (Sylvilagus brasiliensis e Pseudalopex vetulus) possuem graus de ameaça no Livro Vermelho das Espécies Ameaçadas (IUCN, 2021).
Observa-se ainda, que a dimensão das reservas não é proporcional à diversidade de espécies calculada, relação comumente identificada em áreas protegidas (Tabela 2; PRIMACK; RODRIGUES, 2006; MAIORANO; FALCUCCI; BOITANI, 2008).

Juntos, o Parque e a Floresta Nacional de Brasília (FNB; PNB) possuem 516,91 km2, mas apresentam o menor índice de diversidade de espécies atropeladas (0,872). Já a Estação Ecológica de Águas Emendadas (ESECAE), com 91,81 km2, tem a maior diversidade de registros (0,918), montante próximo, porém superior ao verificado no mosaico de UC que contorna o percurso ao sul da DF-001 (JBB/FAL/IBGE). A área dos parques é proporcional à extensão das vias adjacentes, portanto, as taxas de CAV foram também elevadas na menor reserva.
A parcela representativa de espécies mais abundantes em amostragens de CAV já é prevista, mas em reservas extensas, espera-se que a riqueza de espécies seja superior à observada em áreas menores, fato não verificado na relação de CAV (HANSEN; DEFRIES, 2007; Tabela 2). Tal informação poderia ser justificada pelas zonas tampão das UC, que garantem uma maior proteção das regiões centrais em comparação às suas margens (GRAY et al., 2016). Mas, como todas as UC estão delimitadas por rodovias e as CAV estão nos ambientes rodoviários, não há justificativa para a reserva de menor extensão possuir a maior diversidade de espécies atropeladas nas vias adjacentes.
Constata-se ainda que as rodovias que contornam áreas extensas de UC possuem também trechos com elevados TMD (Figura 4).

Ao avaliar a paisagem, as reservas ambientais inseridas em áreas modificadas são comumente associadas a ilhas de vegetação nativa envolvidas por um oceano de ambientes modificados (PRIMACK; RODRIGUES, 2006). Tal abstração costuma embasar o modelo conceitual da biogeografia de ilhas para explicar a fragmentação de habitats, o que na prática pode apresentar algumas limitações (MACARTHUR, 1965; LAURANCE, 2008).
O espaço é dinâmico: em ambientes antrópicos, as alterações são aceleradas e constantes (NELBOLD et al., 2015; LIU; HE; WU, 2016). Rodovias são empreendimentos singulares, pois o fluxo veicular evidencia o movimento contínuo nos recortes lineares. Com padrão pendular e períodos de atipicidade bem definidos, as vias aderem outro significado ao processo de fragmentação de habitats quando próximas às áreas protegidas (FORMAN et al., 2003; RYTWINSKI; FAHRIG, 2012). Nesse cenário, os traços viários seriam melhor compreendidos se comparados a rios cujas vazões variam em diferentes escalas temporais.
As mudanças nos ambientes químico e físico promovidas pela operação das rodovias agravam o efeito de borda nas margens das UC e a vegetação nativa é alterada na mesma medida em que a distância do centro da reserva é ampliada (VAN DER REE et al., 2011; LAURANCE; BALMFORD, 2013). Para a fauna, as espécies menos tolerantes isolam-se na UC e as habituadas aos distúrbios correm o risco de atropelamento em cada contato com a via.
No presente estudo, as frequências dos atropelamentos e os menores índices de diversidade das espécies nos trechos mais movimentados, sugerem uma possível seleção das espécies habituadas às variações anuais do tráfego em CAV. Sendo assim, é de se considerar que a concentração de veículos nos segmentos viários estudados potencializa o efeito de borda nas zonas tampão e o isolamento das espécies nas UC, o que afeta a capacidade de sobrevivência das populações locais, a diminuição demográfica e a perda da diversidade genética (LAURANCE, 2008; FORMAN et al., 2003; HOOPER et al., 2012).
Sobre o efeito da SV na redução da velocidade, ao averiguar a distribuição dos dados de atropelamentos em diagramas de caixas nota-se a redução das medianas e das amplitudes interquartil nos dois conjuntos de CAV registrados após a inserção dos avisos em ambas as áreas avaliadas (200 e 500m). Antes da instalação da SV, verificam-se outliers acima dos limites superiores (Figura 5).

Mesmo com a redução nos valores absolutos (de 86 para 73 a 200m; de 212 para 178 a 500m) e nas variações das ocorrências nos grupos investigados (Figura 5), não houve significância estatística na mediana das diferenças entre os atropelamentos ocorridos antes e após a inserção da SV em nenhuma das distâncias avaliadas, não sendo possível, assim, afirmar que a SV surtiu qualquer efeito sobre as CAV (Tabela 3).

O principal argumento para justificar a ineficácia da SV na redução de atropelamentos baseia-se no fato de que os motoristas se habituam aos avisos e passam a desconsiderá-los com o tempo (KHALILIKHAH; HEASLIP, 2017), mas também pode estar relacionada à falta de qualidade da infraestrutura viária. A SV perde o efeito quando depredada, quebrada ou mesmo obstruída pela vegetação. Em 2014, 9,8% da sinalização avaliada no DF foi classificada como ruim ou péssima (CNT, 2014).
Destaca-se, porém, que a maior parte dos avisos aqui avaliados (84%) apenas informam os motoristas sobre a velocidade máxima permitida na via e que a análise sobre o efeito desse tipo de SV na redução das CAV tem duas considerações: que o motorista é prudente e que a manutenção da velocidade máxima legal é capaz de inibir os atropelamentos. Sendo assim, conclui-se que a SV com finalidade diversa à mitigação não pode ser aplicada para tal.
Entre 2012 e 2015, a baixa proporção da SV que informa sobre a possível travessia de animais silvestres nas vias foi agravada pela indisponibilidade dos dados cedidos pelo DER-DF e afastou a expectativa de incluir os diferentes tipos de sinalização na análise. Em vias que chegam a delimitar UC espera-se que esse tipo de aviso seja intensificado, fato não observado na presente pesquisa.
O risco de atropelamentos é resultado da presença simultânea da fauna e de veículos no mesmo local. Para que tal cenário resulte em uma CAV, os mecanismos de ação do motorista ou do animal devem ser insuficientes para evitar a colisão. A velocidade influencia a capacidade de resposta de ambos os envolvidos e o volume, a permeabilidade da via.
A avaliação dos dados obtidos possibilita considerar que o volume de tráfego está relacionado à uma baixa intensificação dos CAV. Os índices de diversidade de animais encontrados nas pistas com tráfegos veiculares superiores sugerem uma possível intensificação dos impactos da fragmentação e do efeito de borda na zona de influência rodoviária. Porém, as correlações encontradas entre as CAV e as infrações de excesso de velocidade são estatisticamente desprezíveis. Já a inserção da SV nas vias não surtiu efeito significativo na redução dos atropelamentos.
A manutenção da dinâmica dos sistemas naturais e a delimitação de áreas para proteger os ambientes nativos são práticas desafiadoras que abrangem conflitos de interesse no ordenamento urbano (PIMM et al., 2010; OLIVEIRA et al., 2017; D´AMICO et al., 2020). Considerando que a intensificação da pressão exercida sobre as UC em ambientes antrópicos e delimitadas por rodovias é contínua e tende a aumentar com o crescimento das cidades, estudos que avaliam as dinâmicas humanas capazes de afetar as UC e que identifiquem as práticas com bons resultados na diminuição dos danos provocados pelas CAV são cada vez mais necessários. Sendo assim, indica-se novos estudos para avaliar a inserção de estruturas capazes de reconectar as áreas afetadas; e, que as rodovias adjacentes às UC sejam continuamente monitoradas. Para tanto, é necessária a continuidade de projetos de monitoramento das vias adjacentes à UC e a melhoria no acesso aos dados de infrações de trânsito.
Os autores agradecem a CAPES e a UnB pela concessão da bolsa de pós-graduação ao primeiro autor.
Tatiana Rolim Soares Ribeiro concebeu o estudo, analisou os dados e redigiu o texto. Ruth Elias de Paula Laranja orientou o estudo e trabalhou na revisão do texto. Camila Barreiros Barbieri auxiliou na análise estatística dos dados.







