Resumo: A ciência geomorfológica muito se beneficia dos avanços tecnológicos, das ferramentas SIG disponibilizadas por meio de softwares livres e de uma maior acessibilidade às bases de dados planialtimétricas globais ou quase-globais em escala de semidetalhe. Consequentemente, é crescente o uso da geomorfometria aplicada à cartografia geomorfológica e otimização das rotinas de mapeamento utilizando métodos digitais semi-automatizados. O presente trabalho aplica uma classificação geomorfométrica parametrizada a partir de um Modelo Digital de Elevação para compartimentar os padrões de relevo da bacia do Rio Preto (BRP). São três os principais parâmetros morfométricos utilizados na definição dos padrões de formas de relevo, a saber, a densidade de drenagem (DD), o índice de concentração de rugosidade (ICR) e a elevação relativa (ER) - uma aproximação da amplitude altimétrica. As classes do mapa de dissecação global (DDxICR) e a ER foram usadas para criar uma chave de classificação dos modelados e tipos de relevo com base nos conhecimentos teórico e de campo. Apesar da aparente simplicidade e monotonia de um relevo predominantemente colinoso, característico do planalto ocidental paulista, os resultados demonstram riqueza nos padrões de formas, com topos aplainados e colinas suaves (65% da área de estudo), topograficamente favoráveis à expansão agrícola regional; colinas onduladas (9% da área de estudo), associadas a um maior grau de dissecação, onde predominam os processos morfodinâmicos em detrimentos dos processos pedogenéticos; relevos dissecados associados aos fundos de vale (18% da área de estudo), onde predominam processos de dissecação de natureza fluvial; e planícies fluviais (8% da área de estudo), que são feições deposicionais quaternárias localizadas nos fundos dos vales. Para além de uma caracterização morfográfica da área de estudo, este trabalho lança luz sobre alguns aspectos metodológicos do mapeamento e se pretende aplicado à avaliação da vulnerabilidade ambiental em atividades futuras.
Palavras-chave: Mapeamento Geomorfológico, Geomorfometria, Densidade de Drenagem, Índice de Concentração de Rugosidade, Amplitude Altimétrica.
Abstract: Geomorphological science benefits greatly from technological advances, such as GIS tools available through free software and the improved accessibility to global or quasi-global planialtimetric databases at a semi-detailed scale. Consequently, there is growing use of geomorphometric techniques applied to geomorphological cartography and optimization of mapping routines using semi-automated, digital methods. In this sense, this study applies a geomorphometric classification based on a Digital Elevation Model to compartmentalize the relief patterns of the Rio Preto basin (BRP). We used three main morphometric parameters to define seven landform patterns, namely, drainage density (DD), roughness concentration index (RCI), and relative elevation (RE) - an approximation of relative relief. The global dissection map (DDxRCI) and RE classes were used to create a classification key for the models and relief types based on theoretical and field knowledge. Despite the apparent simplicity and monotony of the predominantly hilly topography characteristic of the Western Plateau of the state of São Paulo, the results demonstrate a diversity in landform patterns, with planated hilltops and gentle hills (65 % of the study area), topographically favorable to the expansion of regional agricultural; steep undulating hills (9 % of the study area), associated with a higher degree of dissection, where morphodynamic processes predominate over pedogenetic processes; valley bottoms (18 % of the study area), where fluvial dissection predominates; and fluvial plains (8 % of the study area), which are quaternary depositional features located on the valley bottoms. In addition to a morphographic characterization of the study area, this study sheds light on certainsome methodological aspects of the mapping and it is intended to be applied to environmental vulnerability assessment in future activities.
Keywords: Geomorphological Mapping, Geomorphometry, Drainage Density, Roughness Concentration, Index Relative Relief.
Artigos
Uso de Técnicas Geomorfométricas para Identificação dos Padrões de Relevo na Bacia do Rio Preto, no Planalto Ocidental Paulista
The Use of Geomorphometric Techniques to Identify Relief Patterns in the Rio Preto Basin, on the Western Plateau of the State of São Paulo
Recepção: 24 Fevereiro 2022
Aprovação: 06 Junho 2022
Publicado: 02 Agosto 2022
A cartografia geomorfológica é a área do conhecimento que integra a geomorfologia e a cartografia visando representar os fatos geomorfológicos segundo a gênese das formas do relevo e suas relações com a estrutura e os processos responsáveis pela sua evolução. Neste sentido, os mapas e as cartas geomorfológicas são importantes fontes de informação das potencialidades e vulnerabilidades do terreno e apoiam o planejamento ambiental e o ordenamento territorial (CHRISTOFOLETTI, 2007; GUERRA e MARÇAL, 2006; ROSS, 2006; ROSS e MOROZ, 2009; MANTOVANI, 2015; RODRIGUES et al., 2016), como nos planos de manejo de áreas protegidas, planos diretores municipais e os variados estudos ambientais solicitados durante o processo de licenciamento ambiental. Entretanto, apesar de sua grande relevância, ainda não há um consenso a respeito dos sistemas metodológicos de representação geomorfológica adotados no Brasil. A dificuldade em adotar uma padronização metodológica que subsidie um sistema brasileiro de classificação do relevo, debate reanimado a partir XVIII Simpósio Brasileiro de Geografia Aplicada (2019) na cidade de Fortaleza, é devida à grande variedade de elementos considerados (morfogênese, morfologia, morfometria, morfodinâmica, morfoestrutura e morfocronologia) e às complexidades intrínsecas aos próprios sistemas geomorfológicos.
Apesar da falta de consenso e pulverização metodológica, no Brasil há uma gravitação em torno das propostas de Jurandir Ross (1992), cuja organização taxonômica encontra suas origens nos trabalhos de Jean Tricart e se expande a partir do projeto RADAMBRASIL (NETO, 2020). O Estado de São Paulo, onde se encontra a área de estudo deste trabalho, recebeu uma das grandes contribuições de Ross, juntamente com Isabel Moroz, a saber, o “Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo”, do ano de 1997, em escala 1:500.000. Este mapeamento se organiza de acordo com a lógica fundamental de Tricart, relacionando as espacialidades e temporalidades segundo ordens de grandeza. Desta forma, realidades geomorfológicas generalizadas correspondem a uma maior temporalidade (táxons superiores) e possuem forte tônica estrutural e morfogenética. À medida que se avança em direção às escalas maiores (táxons inferiores), o mapeamento se aproxima do tempo “atual” e destaca os aspectos morfodinâmicos das realidades geomorfológicas. Os padrões de relevo (3º táxon), segundo a proposição de Ross (1992), agrupam os modelos por tipos genéticos (agradação e dissecação) e morfodinâmicos, deduzidos da morfometria (dimensão interfluvial e grau de entalhe). Neste sentido, em se tratando dos modelados de dissecação, a distância interfluvial representa o grau de dissecação topográfica pela atuação fluvial e/ou controle estrutural e o grau de entalhamento corresponde a profundidade das dissecações.
Os avanços tecnológicos em equipamentos e softwares e as iniciativas de democratização dos dados planialtimétricos globais, ou quase globais - como por exemplo, os Modelos Digitais de Elevação (MDEs) da Missão Topográfica Radar Shuttle / Shuttle Radar Topography Mission / SRTM - favoreceram o uso da geomorfometria aplicada à cartografia geomorfológica e consequente otimização das rotinas de mapeamento. Por conseguinte, pode-se citar as contribuições de Gustavsson (2006); Santos et al. (2006); Evans et al. (2009); Grecu (2009); Pavlopoulos et al. (2009); Silva e Rodrigues (2009); Fonseca et al. (2015); Martins e Rodrigues (2016); Sena Souza et al. (2016); Silveira e Silveira (2016); Diniz et al. (2017); Bortolini et al. (2018); Nazar e Rodrigues (2019), que produziram mapeamentos e compartimentações geomorfológicas com base nos métodos digitais e semiautomatizados em ambiente de Sistema de Informação Geográfico (SIG).
Este trabalho apresenta uma compartimentação do relevo da bacia do Rio Preto, no Planalto Ocidental Paulista, segundo uma adaptação da proposição de Ross (1992), a partir de análises geomorfométricas, utilizando métodos de mapeamento semiautomatizados que conciliam o conhecimento empírico de campo com metodologias modernas. São considerados três aspectos principais na caracterização do relevo: a declividade, a densidade de drenagem (DD) (equivalente à dimensão interfluvial), o Índice de Concentração de Rugosidade (ICR) (equivalente ao grau de entalhe topográfico) e a elevação relativa, esta última medida como uma aproximação da amplitude altimétrica. Em um contexto de grande debate acerca das metodologias utilizadas nos mapeamentos geomorfológicos, para além da questão central da taxonomia e padronização do inventário de formas de relevo, apresentamos procedimentos ainda pouco explorados pela literatura que, devido à sua simplicidade, demonstram grande potencial para uso exploratório nos mapeamentos do 3º táxon e 4º táxon.
A bacia do Rio Preto (BRP - 2.866 km²), afluente do Rio Turvo, está localizada na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos “Turvo-Grande” (UGRHI 15), à Noroeste do Estado de São Paulo e compreende 16 municípios, entre eles, o município de São José do Rio Preto (SP) (Figura 1). O clima regional, segundo classificação proposta por Köeppen-Geiger, é o “Aw” (tropical com inverno seco) com estação chuvosa no verão, nítida estação seca no inverno e precipitações podendo chegar a 1.800 mm/ano (ALVARES et al., 2014; FOREST-GIS, 2015; EMBRAPA, 2021).

O mapa hipsométrico representa os diferentes níveis altimétricos da BRP, entre 389m e 582m e registra os principais desníveis controlados pelas variações geológicas (Figuras 2b e 2 c). Segundo Perrota et al. (2005), a área de estudo apresenta uma composição geológica simples onde observamos na porção mais baixa da bacia, próximo ao exutório, o afloramento da Formação Serra Geral, representada neste ponto por rochas básicas intercaladas por arenitos. Sobrepostas à Formação Serra Geral ficam as unidades geológicas predominantes na bacia: a Formação Vale do Rio do Peixe, composta por arenitos de muito finos a finos, bem selecionados e de formação continental desértica/eólica e a Formação São José do Vale do Rio Preto composta por arenitos de muito finos a finos, mal selecionados e de formação continental desértica/fluvial entrelaçado. No eixo da drenagem principal são observados Depósitos Aluvionares quaternários de areia quartzosa, silte e argila com formações locais de turfas.
As informações pedológicas foram obtidas do mapeamento de solos do Estado de São Paulo, revisado e unificado por Rossi (2017), em escala de 1:250.000 (Figura 2a). Na maior parte da BRP são observados os Argissolos Vermelho-Amarelos e nos topos planos os Latossolos Vermelhos. Já no vale do rio Preto se observa a ocorrência de Gleissolos Háplicos e Neossolos Flúvicos.

Os mapeamentos do relevo paulista remontam a Moraes Rego (1932); Monbeig (1949); Ab' Saber (1956); IBGE (1959); Almeida (1964). Já os mapeamentos geomorfológicos mais recentes e com maior detalhamento são do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), assinado por Ponçano et al. (1981), de Ross e Moroz (1997), de Peixoto (2010) e do IBGE (2017). A área de estudo está localizada na unidade morfoestrutural “Bacia Sedimentar do Paraná” (1º táxon) que, segundo Ross e Moroz (1997), representa uma complexa fossa tectônica de forma elipsoidal, preenchida por sedimentos e cujo embasamento é formado principalmente de rochas cristalinas pré-cambrianas. Avançando mais um táxon, a área de estudo está contida na unidade morfoescultural "Planalto Ocidental Paulista” (2º táxon), unidade que compreende uma área de aproximadamente 100.000km², cerca de 2/5 da área do Estado de São Paulo e possui geologia relativamente simples, quase inteiramente representada pelo Grupo Bauru. O relevo é suavizado e “monótono”, com predomínio de colinas e morrotes levemente ondulados, muito favorável às atividades agrícolas e ao traçado das vias de comunicação (ALMEIDA, 1964). Segundo o autor, o Planalto Ocidental é o menos estudado entre as províncias paulistas, seja por sua aparente simplicidade ou pela distância da Capital.
A compartimentação do relevo da bacia do Rio Preto foi realizada em duas etapas: i) aquisição de dados e ii) processamento dos dados e compartimentação geomorfológica. A aquisição de dados diz respeito aos levantamentos bibliográficos/cartográficos e aos trabalhos de campo. Foram consultadas as bases de dados cartográficas disponibilizadas pela Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), assim como as imagens de alta resolução disponibilizadas pelo Google Maps/Earth através de ferramentas de geoprocessamento que integram essas informações. O Modelo Digital de Elevação (MDE) utilizado nas análises geomorfométricas foi o SRTM (Shuttle Radar Topography Mission) de resolução de 1 segundo de arco (≅ 30m) (NASA, 2009). Os trabalhos de campo foram realizados em janeiro de 2021 e fazem parte da investigação empírica, essencial para a compreensão das características morfográficas e morfodinâmicas da área de estudo, obtenção de pontos de controle utilizando GNSS (Global Navigation Satellite System) e registros fotográficos.
A compartimentação geomorfológica se baseou nos pressupostos de Ross (1992), sendo abordado o táxon que trata dos padrões de formas (3º táxon) e o 4º táxon, que representa as formas individualizadas, neste caso, indicadas no conjunto dos padrões de formas. Os parâmetros morfométricos utilizados para a classificação dos modelados de dissecação foram a declividade e amplitude altimétrica, tendo sido observado os critérios apresentados por CPRM/IPT (2014) (Tabela 1).

Neste trabalho calculamos a elevação relativa acima de uma drenagem (ER) matematicamente modelada como uma aproximação da amplitude altimétrica utilizando o MDE em ambiente SIG. Para tanto, utilizamos o módulo Relative Heights and Slope Positions (BOEHNER e SELIGE, 2006), no software livre SAGA GIS (CONRAD et al., 2015). Boehner e Selige (2006) estimaram a elevação acima das áreas de drenagem acumulada (“altitude above drain culmination” / ) de forma contínua na matriz raster, sem usar dados discretos, como linhas de drenagem ou cristas, segundo a Equação 1. As elevações relativas são designadas como sendo a diferença entre as células da matriz raster de elevação invertida e a média ponderada da elevação invertida à montante , cada uma ponderada pela raiz quadrada de sua respectiva área de contribuição . A área de contribuição foi calculada usando o método de fluxo múltiplo de Freeman (1991). Já as declividades foram calculadas a partir do MDE em ambiente SIG, sendo este procedimento entre os mais elementares e amplamente divulgado.
Seguindo a proposição de Nazar e Rodrigues (2019), foram calculadas a densidade de drenagem (DD) e o índice de concentração de rugosidade (ICR) (SAMPAIO e AUGUSTIN, 2014). A DD é inversamente proporcional à distância interfluvial e, desta forma, quanto maior a DD, menor será a distância interfluvial e maior será a dissecação fluvial. O ICR, ou densidade da declividade, corresponde aos diferentes graus de aprofundamento do vale em 3 dimensões. Ambos os índices foram calculados em ambiente SIG, utilizando um estimador de densidade por kernel (Kernel Density Estimation / KDE) (WANDERLEY, 2013) com raio de 564m (1km²) (HORTON, 1945), como discutido por Sampaio e Augustin (2014) e utilizado por Nazar e Rodrigues (2019) e Nazar (2018). Após aplicar o KDE, os mapas foram reclassificados em uma escala numérica simples (de 1 a 5), sendo (1) muito baixo, (2) baixo, (3) médio, (4) alto e (5), muito alto, respectivamente (NAZAR e RODRIGUES, 2019).
Os índices DD e ICR foram multiplicados por meio de álgebra de mapas, gerando um mapa de dissecação global com classes que variam entre os múltiplos de 1 a 5. As classes do mapa “DDxICR” foram usadas, juntamente com a ER para criar uma chave de classificação com base nos conhecimentos teórico e de campo dos executores do mapeamento (Tabela 2). Para a identificação do modelado de agradação, além da chave de classificação também foram utilizadas as curvas de nível, a rede de drenagem e as imagens de satélite. Para maior detalhamento operacional, consultar Nazar e Rodrigues (2019).
Nesta seção apresentaremos os mapas derivados do MDE, a saber os mapas declividade, ER, DD e ICR e, posteriormente, detalharemos o mapa de padrões de relevo da BRP e suas 5 classes produzidas a partir da chave de classificação geomorfométrica, conforme metodologia previamente descrita.
A declividade foi classificada de acordo com a Tabela 1. A maior parte das células da matriz de declividade se encontram na classe de 0 a 8% (87%), sendo o valor médio de declividade de 4% e a declividade máxima de 33% (Figuras 3a). O mapa de ER, computado pela Equação 1, também foi classificado segundo a Tabela 1 como uma aproximação da distribuição espacial das amplitudes altimétricas na BRP. A maior parte das células da matriz estão entre as amplitudes de 0 e 20m (63%), seguido da classe de 20m e 40m (33%). Na área de estudo, a amplitude máxima registrada é de 75m e o valor médio de amplitude é de 17m (Figura 3b).
Ao confrontarmos os mapas de declividade e ER, observamos que o único padrão de relevo observado é o de colinas (Tabela 1) (CPRM/IPT, 2014), uma vez que estas possuem uma amplitude altimétrica entre 40m e 70m e declividade predominante <20%. Não foram observadas combinações entre elevações superiores a 40m com declividades superiores a 20%, como nos morros baixos e/ou morrotes.
As variáveis DD e ICR refletem os aspectos de dissecação da BRP em cinco classes, que variam de muito alto a muito baixo (Figuras 3c e 3d). Os mapas possuem uma distribuição regular das classes devido ao método de classificação utilizado (Quantil), sugerido por Sampaio e Augustin (2014), utilizado também por Nazar e Rodrigues (2019).

São cinco os padrões de relevo da BRP identificados partir da chave de classificação apresentada na Tabela 2: i) relevo aplainado associado a interflúvios (10%); ii) relevo dissecado associado a colinas suaves (55%); iii) relevo dissecado associado a colinas onduladas (9%); iv) relevo dissecado associado aos fundos de vale (18%); v) e planícies fluviais e planícies fluviais isoladas (8%).

Apesar da aparente monotonia e simplicidade do relevo colinoso do planalto ocidental paulista, este mapeamento apresenta um ganho de detalhamento em relação aos trabalhos de Ponçano et al. (1981), Ross e Moroz (1997), Peixoto (2010) e IBGE (2017) que se reflete na diversidade dos padrões de relevo na BRP.
De forma geral, a BRP apresenta um relevo constituído por colinas suaves à onduladas, com vertentes convexo-côncavas e topos arredondados e/ou aplainados com morfologia alongada. Já as planícies fluviais e planícies fluviais isoladas representam as áreas de agradação quaternária associadas a ambientes de baixa energia com até 5m de amplitude altimétrica.
A Figura 4 apresenta o mapa das classes dos padrões do relevo, conforme apresentado na Tabela 2, onde foram traçados dois perfis topográficos representativos das classes mapeadas. Na seção a-b (perfil 1), em “a”, observa-se um relevo pouco dissecado associado a uma colina suave convexa (cota 470m), próximo do exutório da BRP. O perfil atravessa a planície fluvial do Rio Preto (cota 420m), seguindo por um compartimento de colinas suaves na formação do Vale do Rio do Peixe, até alcançar as cotas mais elevadas (520m), na formação do Vale do Rio Preto, onde ocorrem colinas onduladas, intercaladas por vale dissecados; finalmente chegando em “b”, em um interflúvio aplainado à 520m de elevação.
Na seção c-d (perfil 2), em “c” há um compartimento mais elevado, na formação do Vale do Rio Preto, onde se observa a ocorrência de um interflúvio aplainado com morfologia alongada na cota 540m, que se estende até o contato transicional entre as formações geológicas, à 1,2km de distância do ponto “c”. No contato observa-se uma mudança do nível de base e ocorrência de colinas onduladas e fundo de vale dissecado. As cotas mais baixas correspondem à uma planície fluvial do Rio Preto (440m) e, seguindo para os limites da bacia à leste, onde o ponto “d” encontra colinas onduladas.

As formas de relevo aplainadas associadas a interflúvios apresentam morfologia tabular, por vezes alongadas, com baixa rugosidade. Esta classe corresponde a 10% da área da BRP, estando associada a solos profundos e bem drenados, majoritariamente os Latossolos Vermelhos. Importante ressaltar que estudos acerca da dinâmica geossistêmica e fragilidades ambientais do Oeste Paulista (PEREZ FILHO; SEABRA, 2004; SEABRA, 2014; QUARESMA, 2008) têm verificado processos morfogenéticos associados à erosão pluvial e eólica, esta última contribuindo para a instalação de processos de arenização, decorrentes da dinâmica inadequada de uso e ocupação do solo com retirada e substituição da vegetação nativa. A Figura 5 representa o relevo aplainado dos topos, sendo perceptível a presença de processos erosivos eólicos, associada aos arenitos da área.

Este padrão de relevo ocorre na maior parte da BRP (55%), em encostas pouco dissecadas com curvatura convexa em gradiente suave. É observado principalmente nas bordas dos topos planos, caracterizando uma transição de um relevo plano para um relevo de colinas onduladas ou planícies fluviais. Neste padrão de relevo se observa tanto os processos de pedogênese quanto os processos de morfogênese, com predominância de erosão do tipo laminar sobre os Argissolos Vermelho-Amarelos profundos e bem drenados (Figura 6).

Os padrões de relevo com topografia suave, a saber os interflúvios aplainados e as colinas suaves, predominantes na área de estudo (65%), facilitam o manejo agrícola na região. Segundo dados obtidos do projeto “Monitoramento da Cobertura e Uso da Terra do Brasil” (IBGE, 2018), a maior parte da BRP é composta por área agrícola e, de acordo com o Plano Estadual de Recursos Hídricos (COBRAPE, 2020), há projeções de expansão dessas áreas. Contudo, a grande pressão agrícola proporcionada pelas condições topográficas favoráveis é objeto de preocupação uma vez que a substituição da vegetação original pode alterar os processos hidrológicos, pedológicos e geomorfológicos e, consequentemente, as trocas de energia/matéria, gerando instabilidades na paisagem (TRICART, 1977; ROSS, 1994), reduzindo a recarga do aquífero e aumentando os processos erosivos.
Este padrão de relevo ocorre em 9% da BRP e possui os maiores valores de dissecação global (ICRxDD), sendo frequentemente localizado junto aos vales dissecados. Nesta classe predominam os processos de morfogênese em detrimento dos processos pedogenéticos. O maior grau de dissecação é observado, frequentemente, no terço inferior das vertentes onde também são observados processos difusivos como o rastejo (Figura 7). Nestas áreas se observa uma associação de Argissolos Vermelho-Amarelos e Neossolos Litólicos.

Nos fundos de vale ocorre o padrão de relevo mais ou menos dissecados (18%), conforme o índice global de dissecação (ICRxDD) da Tabela 2, onde predominam os processos de morfogênese. Este padrão de relevo é observado nas concavidades, entre amplitudes altimétricas menores ou iguais a 5m, podendo apresentar menor grau de dissecação, conforme se pode observar na figura 6, ou incisões mais acentuadas, de natureza fluvial ou por erosão linear, frequentemente associadas aos graus de dissecação ICRxDD = 20 e 25 (Tabela 2), como observado na figura 8.

A intensidade da dissecação pode ser considerada um primeiro grande indicador da fragilidade potencial do ambiente natural, conforme Ross (1994), sugerindo proteção e/ou restrição do uso e ocupação destas áreas.
Trata-se de feições deposicionais quaternárias formadas a partir dos detritos depositados durante as cheias dos rios (8%). São áreas aplainadas nos fundos dos vales e, portanto, associadas a valores baixos de dissecação (Tabela 2). Imagens de satélite do Google Earth revelam feições importantes na delimitação dessas áreas como meandros abandonados e outras paleoformas vinculadas aos processos fluviais produzidas pelos eventos de cheias e vazantes (Figura 9).

As planícies fluviais ou planícies de inundação merecem especial atenção pois são regiões de contato entre biomas, ambientes complexos, frágeis e importantes para o equilíbrio dos sistemas ambientais físico e biótico. As mudanças no uso e ocupação da BRP podem alterar esses sistemas, modificando os padrões de inundações, aumentando a sedimentação, etc.
A cartografia geomorfológica é uma importante ferramenta de planejamento territorial frente a um contexto de mudanças ambientais aceleradas que podem alterar os processos hidrológicos, pedológicos e geomorfológicos gerando instabilidades na paisagem. Na área de estudo, em especial, a expansão agrícola, facilitada pelas características topográficas do terreno, são fonte de preocupação, principalmente no que diz respeito às mudanças de uso e cobertura que podem alterar a recarga do aquífero e gerar aumento dos processos erosivos.
Este trabalho apresenta uma compartimentação do relevo da BRP, segundo uma adaptação da proposição de Ross (1992), a partir de análises geomorfométricas, utilizando métodos de mapeamento semiautomatizados que conciliam o conhecimento empírico de campo com procedimentos metodológicos ainda pouco explorados pela literatura. A técnica permite diminuir o grau de abstração devido ao menor uso de informações de natureza qualitativa. Contudo, os procedimentos foram complementados com trabalhos de campo, essenciais em qualquer pesquisa geomorfológica, e demostram eficiência ao trazer dados mais consistentes e precisos para o mapeamento.
Cinco padrões de relevo (equivalentes ao 3º táxon de Ross) foram identificados a partir da chave de classificação que leva em consideração a gênese, a dissecação global e a ER das formas de relevo. A maior parte da área de estudo possui relevo aplainado e/ou associado às colinas suaves (65%) onde se observa a expansão das atividades agrícolas na BRP. O relevo dissecado associado a colinas onduladas corresponde a 9% da área de estudo sendo naturalmente zonas de maior fragilidade potencial, qualidade inerente ao próprio sistema, resultante de processos morfodinâmicos e morfogenéticos. As áreas dissecadas associadas aos fundos de vale (18%) são áreas importantes para a manutenção da qualidade hídrica regional e, portanto, devem ser pensadas como locais a serem conservados. Já as planícies fluviais e as planícies fluviais isoladas correspondem a 8% da área de estudo e são ambientes muito frágeis e importantes para o equilíbrio dos sistemas ambientais físico e biótico da BRP.
Finalmente, entendemos como necessário o avanço nas pesquisas que buscam otimizar as rotinas de mapeamento geomorfológico através de métodos semiautomatizados em ambiente SIG, sem perder de vista a importância do trabalho e campo. Ainda, recomendamos que diferentes métodos de mapeamento da amplitude altimétrica sejam testados, assim como diferentes técnicas de classificação de mapas. O mapa dos padrões de relevo da BRP será utilizado no mapeamento de fragilidade ambiental emergente (ROSS, 1994), que utiliza também os mapas de pedologia e uso e cobertura.










