Resumo:
Introdução. Pacientes com insuficiência cardíaca (IC) portadores de apneia obstrutiva do sono (AOS) tem taxas de morbi mortalidade elevados e o tratamento com a pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) pode reduzir estes riscos.
Objetivo geral. Realizar uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados sobre os efeitos da terapia por CPAP em pacientes com IC portadores de AOS.
Fontes de informação. Pesquisamos as bases de dados eletrônicas PubMed, Embase, Web of Science e Lilacs nos últimos 10 anos, sem limites de linguagem.
Critérios de elegibilidade. Ensaios clínicos randomizados, estudos de pacientes com IC apresentando fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida (<50%) portadores de apneia obstrutiva do sono e que fossem tratados com CPAP.
Resultados. A FEVE aumentou consideravelmente nos grupos que receberam a terapia por CPAP (média basal: 30,6%; média pós CPAP: 36,7%), assim como a saturação de oxigênio (SaO2) (média basal: 94%; média pós CPAP: 95,3%) e houve redução no índice de apneia/hipopneia (média basal: 39,6; média pós CPAP: 12,3).
Conclusões. Nossa revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados confirma que a terapia por CPAP em pacientes com IC portadores de AOS melhora variáveis preditoras de morbi mortalidade.
Palavras-chave:Insuficiência cardíacaInsuficiência cardíaca,Apneia obstrutiva do sonoApneia obstrutiva do sono,Pressão positiva contínua nas vias aéreasPressão positiva contínua nas vias aéreas.
Abstract:
Background. Heart failure (HF) and obstructive sleep apnea (OSA) patients have high morbidity and mortality rates, and treatment with continuous positive airway pressure (CPAP) may reduce these risks.
Objective. Carry out a systematic review of randomized clinical trials on the effects of CPAP therapy in patients with HF and OSA.
Sources of information. We searched the electronic databases PubMed, Embase, Web of Science and Lilacs in the last 10 years, without limits of language.
Eligibility criteria. Randomized clinical trials, studies of patients with heart failure presenting reduced left ventricular ejection fraction (LVEF) (<50%) with OSA and who were treated with CPAP.
Keywords: Heart failure, Obstructive sleep apnea syndrome, Continuous positive airway pressure.
ARTIGO ORIGINAL
Utilização da pressão positiva contínua nas vias aéreas na insuficiência cardíaca e apneia obstrutiva do sono Revisão sistemática de ensaios clínicos
Utilization of continuous positive airway pressure in heart failure and obstructive sleep apnea Systematic review of clinical trials

Recepção: 19 Junho 2019
Aprovação: 12 Agosto 2019
Introdução. Pacientes com insuficiência cardíaca (IC) portadores de apneia obstrutiva do sono (AOS) tem taxas de morbi mortalidade elevados e o tratamento com a pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) pode reduzir estes riscos.
A insuficiência cardíaca (IC) tem sido apontada como um importante problema da saúde pública, sendo considerada uma nova epidemia com elevada mortalidade e morbidade. Ela é a via final da maioria das doenças que acometem o coração, e um dos mais importantes desafios clínicos da atualidade. A fadiga, a dispneia e a retenção de fluidos constituem a tríade clássica de achados clínicos da IC1.A síndrome da apneia do sono acomete 4% a 6% dos homens e 2% a 4% das mulheres da população em geral, com incidência aumentada na faixa etária acima dos 70 anos. É, portanto, uma síndrome de prevalência considerável na população em geral, com efeitos deletérios sobre o sistema cardiovascular. A apneia central do sono (ACS) é caracterizada por uma deficiência da manutenção da respiração durante o sono e resulta em ventilação insuficiente e comprometimento da troca gasosa. Diferente da apneia obstrutiva do sono (AOS), na qual um esforço respiratório contínuo é observado, a ACS é definida por um comprometimento da função respiratória seguida por uma cessação do fluxo de ar. Por não existir uma boa compreensão da patogênese e da fisiopatologia da AOS, torna-se difícil sua diferenciação. A ACS assim como a AOS estão associadas a importantes complicações, incluindo-se os contínuos despertares noturnos, o excessivo sono durante o dia e o aumento do risco para doenças cardiovasculares2.Existem vários tipos de ACS, entre os quais a ACS idiopática, a apneia central induzida por narcóticos, a síndrome da hipoventilação por obesida- de e a respiração de Cheyne-Stokes (RCS). Enquanto o principal mecanismo desencadeante envolvido nos diferentes tipos de ACS não for esclarecido, a instabilidade ventilatória durante o sono permanece como o traço mais marcante dessa síndrome (Quintão et al., 2009). De acordo com Köhnlein (2002)3, a associação da síndrome da apneia do sono com a RCS em pacientes com IC grave é comum. Mais de 45% dos pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida (≤45%) apresentam RCS durante o sono. Esse tipo de respiração é caracterizado por uma alteração cíclica que cresce e decresce na amplitude respiratória e por períodos de apneia ou hipopneia, sendo marcador de mau prognóstico na IC4. Para Castro e Souza (2016)5, por fornecer uma pressão constante durante a inspiração e a expiração, o modo de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) aumenta a capacidade funcional residual e abre os alvéolos colapsados ou pouco ventilados, diminuindo assim o shunt intrapulmonar e, consequentemente, melhorando a oxigenação. O aumento na capacidade residual funcional (CRF) pode diminuir o trabalho respiratório e melhorar a complacência pulmonar.
Diante do acima exposto, nosso objetivo geral foi realizar uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados sobre os efeitos da terapia por CPAP em pacientes com IC portadores de AOS.
Esta revisão sistemática é relatada de acordo com a declaração PRISMA de revisões sistemáticas e meta-análises6
Os seguintes critérios de inclusão foram considerados: ensaios clínicos randomizados, estudos de pacientes com insuficiência cardíaca apresentando FEVE reduzida (<50%)portadores de apneia obstrutiva do sono e que fossem tratados com CPAP.
Pesquisamos as seguintes bases de dados eletrônicas: PubMed, Embase, Web of Science e Lilacs.
A pesquisa inicial compreendeu os termos mesh “Heart Failure”, “Obstructive Sleep Apnea Syndrome” e “Continuous Positive Airway Pressure”, e termos de entrada relacionados. Além disso, usamos uma estratégia de pesquisa sensível para encontrar ensaios clínicos randomizados no PubMed. A estratégia de pesquisa completa utilizada para o banco de dados PubMed é mostrada na Figura 1. As buscas foram atualizadas até fevereiro de 2018. A data de busca foi limita em dez anos (2008-2018).
Os títulos e resumos dos artigos foram avaliados independentemente por dois revisores (VBT e BE). Os resumos que não forneceram informações suficientes sobre os critérios de elegibilidade foram mantidos para avaliação em texto integral. Os revisores avaliaram de forma independente os artigos em texto completo e determinaram a elegibilidade do estudo. Os desacordos foram resolvidos por consenso.
Foi utilizada uma planilha de dados normatizada para extração dos dados dos estudos. Dois revisores (VBT e BE) realizaram de forma independente a extração dos dados e os desacordos foram resolvidos por consenso ou por um terceiro revisor (LAFJ). As características gerais dos estudos foram coletadas, tais como: ano de publicação, autores, delineamento do estudo, tamanho da amostra, características dos participantes, seguimento, parâmetros do CPAP.

Risco de viés foi avaliado de acordo com a declaração PRISMA e de forma independente por dois revisores (VBT e BE), sendo os desacordos resolvidos por consenso. A ferramenta da Cochrane foi utilizada para avaliação do risco de viés, sendo abordados os seguintes itens: adequação da randomização, ocultação da alocação, cegamento dos participantes e dos pesquisadores, cegamento da avaliação dos resultados, dados de resultados incompletos e relatórios seletivos.
A estratégia de busca encontrou 32 publicações. Após exclusão das duplicatas e da leitura de títulos e resumos, 22 foram excluídos. Foi avaliado a elegibilidade de 10 textos completos. Uma análise qualitativa foi realizada em 5 estudos. A Figura 2 mostra o fluxograma para a seleção dos artigos.
A Tabela 1 mostra as principais características dos estudos incluídos. A média de idade variou entre 57,8 a 64,9 anos. De acordo com o gênero, houve predominância do masculino em todos os estudos. O seguimento médio variou de 1 a 6 meses.


No geral, os 5 estudos tiveram um baixo risco de viés na geração de sequência randômica adequada, e 4 estudos não deixaram claro o risco de viés na ocultação da alocação, enquanto 1 apresentou alto risco. No cegamento de participantes e profissionais, 4 estudos não deixaram claro o risco de viés, enquanto 1 apresentou alto risco. O cegamento dos avaliadores de desfechos não foi claramente relatado na maioria dos estudos (4), enquanto 1 estudo apresentou alto risco de viés. Todos os estudos apresentaram baixo risco de viés relacionado aos desfechos incompletos e relato de desfecho seletivo. Outras fontes de viés não foram identificadas e caracterizadas como risco de viés não esclarecido (Figura 3).
Os 5 estudos incluídos na revisão avaliaram o desfecho FEVE que caracteriza a melhora cardíaca. Egea et al, 20087 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP placebo em 3 meses de tratamento (CPAP basal: 28±1,5 vs. CPAP 3 meses: 30,5±0,8, p=0,01; CPAP placebo basal: 28,1±1,5 vs. CPAP placebo 3 meses: 28,1±1,7, p=1). Ferrier et al, 20088 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP controle em 6 meses de tratamento (CPAP basal: 35,9±6,1 vs. CPAP 6 me- ses: 40,6±8, p=0,02; CPAP controle basal: 35,9±7,6 vs. CPAP controle 6 meses: 37,7±11,3, p=0,95). Ruttanaumpawan et al, 20089 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP controle em 1 mês de tratamento (CPAP basal: 29±11,4 vs. CPAP 1 mês: 36,1±10,6, p=<0,001; CPAP controle basal: 30,8±8,9 vs. CPAP controle 1 mês: 29,4±8, p=0,62). Ruttanaumpawan et al, 200910 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP controle em 6 meses de tratamento (CPAP basal: 24,7±7,7; CPAP controle basal: 24,1±7,6). Hall et al, 201411 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP controle em 2 meses de tratamento (CPAP basal: 35,1±9,9 vs. CPAP 2 meses: 40,4±10,9; CPAP controle basal: 36,5±9,7 vs. CPAP controle 2 meses: 40,3±12).
Dos 5 estudos incluídos na revisão, 3 avaliaram o des- fecho sonolência através da escala de Epworth. Egea et al, 20087 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP placebo em 3 meses de tratamento (CPAP basal: 8±0,7 vs. CPAP 3 meses: 4,8±0,6, p=<0,001; CPAP placebo basal: 7,1±0,8 vs. CPAP placebo 3 meses: 5,3±0,7, p=0,006). Ferrier et al, 20088 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP controle em 6 meses de tratamento (CPAP basal: 8,8±4,8 vs. CPAP 6 meses: 6,3±3,2, p=0,01; CPAP controle basal: 7,6±3,5 vs. CPAP controle 6 meses: 6±4,5, p=0,23). Hall et al, 201411 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP controle em 2 meses de tratamento (CPAP basal: 10,7±6,2; CPAP controle basal: 9,6±4,7).

Dos 5 estudos incluídos na revisão, 3 avaliaram o desfecho saturação de oxigênio. Egea et al, 20087 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP placebo em 3 meses de tratamento (CPAP basal: 94,3±0,6 vs. CPAP 3 meses: 95,2±0,5, p=0,005; CPAP placebo basal: 94,8±0,4 vs. CPAP placebo 3 meses: 94,9±0,5, p=0,90). Ruttanaum- pawan et al, 20089 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP controle em 1 mês de tratamento (CPAP basal: 94,7±1,6 vs. CPAP 1 mês: 96,1±1,6, p=0,001; CPAP controle basal: 94,3±2,1 vs. CPAP controle 1 mês: 94,1±2, p=0,21). Ruttanaumpawan et al, 200910 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP controle em 6 meses de tratamento (CPAP basal: 93,2±3,6 vs. CPAP 6 meses: 94,9±2,7, p=<0,001; CPAP controle basal: 93,1±3,3 vs. CPAP controle 6meses: 93,5±2,8, p=0,04).
Dos 5 estudos incluídos na revisão, 3 avaliaram o desfecho índice de apneia/hipopneia. Egea et al, 20087 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP placebo em 3 meses de tratamento (CPAP basal: 43,7±4,4 vs. CPAP 3 meses: 10,8±2,2, p=<0,001; CPAP placebo basal: 35,3±3,1 vs CPAP placebo 3 meses: 28±4,6, p=0,12). Ruttanaum- pawan et al, 20089 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP controle em 1 mês de tratamento (CPAP basal: 36,2±18,1 vs. CPAP 1 mês: 9,3±8,7, p=<0,001; CPAP controle basal: 51,3±15,6 vs. CPAP controle 1 mês: 47,4±19,1, p=0,35). Ruttanaumpawan et al, 200910 compararam pacientes IC portadores de AOS em dois grupos, CPAP e CPAP controle em 6 meses de tratamento (CPAP basal: 38,9±15 vs. CPAP 6 meses: 17,6±16,3, p=<0,001; CPAP controle basal: 37,8±15 vs CPAP controle 6 meses: 37,6±25,7, p=<0,001).
O tratamento com CPAP ocasiona uma melhora do desempenho cardíaco, através da redução da pressão transmural do ventrículo esquerdo (VE), ou seja, redução da pré-carga, pós-carga e da pressão de enchimento do VE. Estes fatores podem favorecer um melhor desempenho da mecânica do coração insuficiente, resultando principalmente na melhora do débito cardíaco (DC), aumento da FEVE, aumento da SaO2 e redução dos índices de apneia/hipopneia nos que apresentem AOS. Desta forma, os efeitos da utilização da ventilação não-invasiva (VNI) parecem promissores nesta população em especial5.
Os efeitos cardiovasculares associados aos distúrbios respiratórios do sono vêm sendo descritos na literatura. A hipóxia noturna repetida está ligada a ativação de uma série de mecanismos neuronais, humorais, inflamatórios e trombóticos, que têm sido implicados na patogênese das complicações cardiovasculares, e estes malefícios podem se acentuar em pacientes com IC12. Pacientes com IC grave e RCS foram tratados com CPAP e apresentaram redução do índice de apneia/hipopneia e aumento da saturação arterial de oxihemoglobina, consequentemente melhorando a reserva corporal total de oxigênio4. Segundo Quintão (2009)1, o motivo pelo qual a pressão positiva reduz a pressão transmural do ventrículo esquerdo (VE) está relacionado à redução das grandes variações da pressão pleural. Como consequência desses efeitos, ocorre uma melhora do desempenho contrátil cardíaco, ou seja, melhora da FEVE.
Neste contexto, Bradley (2005)13 avaliaram o uso do CPAP e sua relação com a melhora do índice de sobre- vivência dos pacientes com IC e AOS sem transplante cardíaco. Duzentos e cinquenta e oito pacientes foram submetidos a avaliação, sendo randomizados em 2 grupos, um controle e o outro fazendo uso do CPAP. Foram avaliados FEVE, tolerância ao exercício, qualidade de vida e neuro-hormônios. O grupo submetido ao trata- mento com CPAP apresentou redução nos episódios de apneia/ hipopneia e nos níveis de norepinefrina, aumento dos níveis de SaO2 durante a noite, na FEVE e na distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos (TC6). No entanto, não houve diferença com o grupo controle quanto ao número de hospitalizações, índice de sobrevivência e qualidade de vida.
Em ensaio clínico randomizado, ARZT (2007)14 observaram em sua pesquisa que após três meses depois de submetidos a randomização, o grupo que utilizou o CPAP como terapêutica, quando comparado com o controle, teve reduções na frequência de episódios de apneia/ hipopneia e dos níveis de noradrenalina, aumento na SaO2 noturna e FEVE, e uma maior distância percorrida no TC6. Estes dados sugerem que o CPAP pode proporcionar um aumento na sobrevida de pacientes com IC portadores de AOS.
Por fim, pacientes com IC portadores de AOS apresentam melhoras significantes no quadro clínico geral da doença após administração desta forma não invasiva de tratamento15.
O CPAP como ferramenta terapêutica em insuficientes cardíacos e na AOS já está inserido no arsenal de tratamentos não farmacológicos, porém, há uma limitação de informações no que se refere à comparação das formas de VNI e dos parâmetros utilizados. Nossa revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados confirma que a terapia por CPAP em pacientes com IC portadores de AOS melhora variáveis preditoras de morbimortalidade como FEVE, escala de sonolência de Epworth, SaO2 e índice de apneia/hipopneia.
Potencial conflito de interesses: Os autores declaram não haver conflitos de interessespertinentes.
Fontes de financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamentoexternas.
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