Seção Tema livre
O gosto pelas coisas mortas: Uma leitura de Diorama, de Carol Bensimon
A taste for dead things: A reading of Diorama, by Carol Bensimon
El gusto por las cosas muertas: Una lectura de Diorama, de Carol Bensimon
O gosto pelas coisas mortas: Uma leitura de Diorama, de Carol Bensimon
Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, núm. 74, e7405, 2025
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB)
Recepción: 06 Mayo 2024
Aprobación: 15 Octubre 2024
Resumo: O trágico assassinato de João Carlos Satti, conhecido político e jornalista de Porto Alegre, mobiliza a mídia e a sociedade gaúchas nos anos de 1980; Cecília, a filha do principal suspeito e colega de assembleia legislativa, reconta esses acontecimentos, mapeando a cidade que abandonou para se transformar numa bem-sucedida taxidermista nos Estados Unidos. Esse é o mote de Diorama, romance de Carol Bensimon (2022), que mergulha na ficcionalização de um dos crimes mais emblemáticos que o Rio Grande do Sul já presenciou: o assassinato do jornalista e deputado estadual José Antônio Daudt, figura forte e polêmica do cenário gaúcho da época. Equilibrando-se entre a história vivida e a história imaginada, a autora lança mão de uma narradora complexa, que se divide entre dois tempos distintos: o da infância, nos anos 1980, e trinta anos depois, quando vive nos Estados Unidos e decide retornar a Porto Alegre. Esse artigo pretende investigar os artifícios narrativos da engenhosa construção de Diorama, que ora traz uma voz em terceira pessoa, ora em primeira, ao mesmo tempo em que debate a importância do espaço na concepção da personagem e da obra como um todo: a casa de Porto Alegre; os museus onde a protagonista trabalha; lugares e não lugares que refletem as ações de Cecília e adensam o caráter tanto intimista quanto de investigação policial do romance. Para além disso, Diorama resgata um crime de homofobia no silenciamento das vozes dos grupos minorizados, mesmo daqueles que flertam com o poder, como foi o caso de Satti/Daudt. Como engrenagem teórica, o texto utiliza-se de nomes como Brian Richardson, Otto Bolnow, Marc Augé, Erich Fromm, Luis Alberto Brandão, Luiz Antonio Assis Brasil, entre outros.
Palavras-chave: Narrador, espaço, literatura brasileira contemporânea.
Abstract: The tragic murder of João Carlos Satti, a well-known politician and journalist from Porto Alegre, mobilizes the media and the society of Rio Grande do Sul in the 1980s. Cecília, the daughter of the main suspect and a fellow legislative assembly member, recounts these events, mapping out the city she left behind to become a successful taxidermist in the United States. This is the premise of Diorama, a novel by Carol Bensimon (2022), which delves into the fictionalization of one of the most emblematic crimes witnessed by Rio Grande do Sul: the murder of journalist and state deputy José Antônio Daudt, a strong and controversial figure in the scenario at the time. Balancing between lived history and imagined history, the author employs a complex narrator, who oscillates between two distinct periods: her childhood in the 1980s and thirty years later, when she lives in the United States and decides to return to Porto Alegre. This article aimed to investigate the narrative devices of the ingenious construction of Diorama, which at times presents a third-person voice and at others a first-person voice, while also discussing the importance of space in the development of both the character and the work as a whole: the house in Porto Alegre; the museums where the protagonist works; places and non-places that reflect Cecília's actions and deepen the novel's intimate and detective story elements. Furthermore, Diorama rescues a crime of homophobia in the silencing of the voices of marginalized groups, even those who flirt with power, as was the case with Satti/Daudt. As theoretical framework, the text draws on names such as Brian Richardson, Otto Bollnow, Marc Augé, Erich Fromm, Luis Alberto Brandão, Luiz Antonio Assis Brasil, among others.
Keywords: Narrator, space, contemporary Brazilian literature.
Resumen: El trágico asesinato de João Carlos Satti, conocido político y periodista de Porto Alegre, moviliza a los medios de comunicación y la sociedad gaúcha en la década de 1980; Cecília, la hija del principal sospechoso y colega de la asamblea legislativa, cuenta nuevamente estos eventos, trazando un mapa de la ciudad que dejó atrás para convertirse en una exitosa taxidermista en Estados Unidos. Este es el tema de Diorama, una novela de Carol Bensimon (2022), que se sumerge en la ficcionalización de uno de los crímenes más emblemáticos que ha presenciado el estado de Rio Grande do Sul: el asesinato del periodista y diputado estadual José Antônio Daudt, una figura influyente y polémica en la época. Equilibrándose entre la historia vivida y la historia imaginada, la autora utiliza una narradora compleja, que se divide entre dos tiempos distintos: la infancia, en los años 1980, y treinta años después, cuando vive en Estados Unidos y decide regresar a Porto Alegre. Este artículo tuvo como objetivo investigar los artificios narrativos de la ingeniosa construcción de Diorama, que a veces presenta una voz en tercera persona y a veces en primera, al mismo tiempo que discute la importancia del espacio en la concepción del personaje y de la obra en su conjunto: la casa de Porto Alegre, los museos donde trabaja la protagonista, lugares y no lugares que reflejan las acciones de Cecília y profundizan tanto el carácter íntimo como el de investigación policial de la novela. Además, Diorama rescata un crimen de homofobia en el silenciamiento de las voces de los grupos minoritarios, incluso aquellos que coquetean con el poder, como fue el caso de Satti/Daudt. Como engranaje teórico, el texto se vale de nombres como Brian Richardson, Otto Bolnow, Marc Augé, Erich Fromm, Luis Alberto Brandão, Luiz Antonio Assis Brasil, entre otros.
Palabras clave: Narrador, espacio, literatura brasileña contemporánea.
INTRODUÇÃO
A transição dos disquinhos da turma do Balão Mágico para os álbuns da Legião Urbana e dos Paralamas do Sucesso, e daí para "todo um pessoal de cabelo de esfregão que cantava em inglês" ( Bensimon, 2022, p. 42), é também pontuada pelo assassinato do melhor amigo da família de Cecília. O crime transforma por completo a vida daquela menina de 9 anos, que cresceria acompanhando com medo e curiosidade todos os desdobramentos do homicídio de João Carlos Satti, alvejado por dois tiros de espingarda. Isso porque, além de conhecer muito bem a vítima, Ciça era íntima do principal suspeito: seu pai. É esse o conflito principal que sustenta o último romance de Carol Bensimon (2022), Diorama. A obra ficcionaliza um dos eventos mais chocantes ocorridos no Rio Grande do Sul, o assassinato do jornalista e deputado estadual José Antônio Daudt, no final dos anos 1980.
É claro que Carol Bensimon (2022) afasta-se da abordagem sensacionalista muitas vezes recebida pelo crime, em obras menores que até hoje povoam os balaios nas livrarias e sebos de Porto Alegre. O assassinato de uma das personalidades mais carismáticas do Rio Grande do Sul é revivido, em Diorama, a partir do núcleo da família do acusado, na perspectiva da filha de Raul Matzenbacher, Cecília, a protagonista da história. Contudo, o verdadeiro acusado do crime de Daudt, Antônio Dexheimer, não tinha filha. Além disso, como é óbvio, todos os nomes dos envolvidos foram alterados (sublinho, de partida, a sonoridade próxima entre João Carlos Satti e José Antônio Daudt, e o sobrenome de origem germânica do acusado, Dexheimer na vida real e Matzenbacher na ficção), e mesmo a data do crime foi modificada, de 4 para 7 de junho de 1988. Entretanto, a substância daquele evento traumático está inteira no romance.
Em Diorama, Cecília transita entre dois tempos, mergulha nos detalhes do assassinato, mas também foge do espaço onde viveu. Sua ausência prolongada tem como objetivo a formação numa profissão pouco convencional: a taxidermia. A partir dos elementos que a narrativa constrói, pretendo fazer uma leitura de Diorama com base na minuciosa arquitetura narrativa que Carol Bensimon (2022) realiza, em especial, destacando o espaço e a figura da narradora da obra.
O CRIME NO JORNAL E EM DIORAMA
Na noite de 4 de junho de 1988, o deputado estadual e jornalista José Antônio Daudt recebeu dois disparos de espingarda, uma arma típica de caçada a animais nas fazendas gaúchas. Caído no chão, na entrada de seu edifício, no bairro Moinhos de Vento, um dos mais nobres de Porto Alegre, estava uma das figuras mais queridas e polêmicas da televisão e do rádio do Rio Grande do Sul. Além disso, Daudt encabeçava um importante projeto de lei na Assembleia Legislativa do estado contra os clorofluorcarbonetos, os chamados CFCs, principais responsáveis pela destruição da camada de ozônio. Essa iniciativa, a primeira num estado brasileiro, comprou briga contra toda uma indústria de aerossóis e seus poluentes. Daudt era constantemente ameaçado, e essas situações complexificaram ainda mais a investigação do crime.
Odiado em alguns setores da política e da indústria, Daudt era amado por sua audiência. Jornalista polêmico, apresentava um jeito truculento, tanto na TV quanto no rádio; no ar, não raro batia na mesa, indignado com aquilo que considerava errado: "Os socos que Satti dava na mesa em seu programa de TV carregavam a indignação de todos os gaúchos diante das injustiças e da dureza da vida" ( Bensimon, 2022, p. 158) 1. Por tudo isso, o jornalista e político teve sua vida pessoal ainda mais dissecada quando se descobriu que a figura que assumia uma certa postura de macho bronco na mídia era gay. Toda uma série de notícias e boatos começaram a circular nos principais jornais do Rio Grande do Sul: do hábito do deputado a procurar garotos de programa ao fato de que o "filho" que ele encontrou só depois de adulto era, na verdade, um namorado muito mais jovem.
Naqueles anos 1980, numa sociedade ainda mais homofóbica do que a atual, Daudt, mesmo morto, entrava na dinâmica das fofocas diárias. Diorama traz, aliás, a indignação da narradora com essa hipocrisia, esse senso comum: "Era veado, afinal. Mais cedo ou mais tarde algo de muito ruim acabaria acontecendo" ( Bensimon, 2022, p. 158). Era um tempo em que a Aids e um destino triste pareciam justificar as escolhas distantes da construção de uma família tradicional. Por isso, era comum o silenciamento de um homem gay, ainda por cima bastante conhecido: "Se não tivesse sido morto, teria provavelmente chegado à velhice equilibrando a rotina de homem público e suas preferências sexuais. Apenas algumas pessoas teriam conhecido a verdade" ( Bensimon, 2022, p. 158). A narradora relembra que Clodovil Hernandes, somente em 2006, seria o primeiro parlamentar a se assumir gay. Dezoito anos antes, Satti, portanto, fazia o que todas as pessoas faziam: mantinha a "boca fechada até o fim dos tempos. Sempre tinha sido assim" ( Bensimon, 2022, p. 158).
O escândalo era ainda maior porque o principal suspeito do crime era seu colega de Assembleia Legislativa e de PMDB, Antônio Dexheimer, e o motivo seria um suposto caso entre Vera, sua esposa, e o jornalista. Porém, o fato de Satti ser do submundo, como recorda Cecília, "enfraqueceu temporariamente a tese de que meu pai matara o companheiro de bancada por ciúmes" ( Bensimon, 2022, p. 158). Por dois anos, o crime não saiu das manchetes dos jornais gaúchos, até que o acusado foi absolvido em agosto de 1990. O crime prescreveu em 2008, e ninguém foi punido pela morte de Daudt.
Trago esse breve contexto histórico do crime não porque o livro de Bensimon (2022) tenha por objetivo reconstruir passo a passo o homicídio, enquadrando-se numa espécie de romance jornalístico. Como já afirmei, a escritora esquiva-se dessa responsabilidade ao modificar nomes e alguns dados do fato ocorrido. Também não pretendo fazer um estudo que investigue essa transposição do evento real para o mundo diegético, elencando as sutilezas que a ficção compõe quando trabalha com fontes jornalísticas e policiais. O crime, ao carregar uma série de perguntas nunca respondidas, misturando vida privada e vida pública, tanto da vítima como do acusado, influencia por óbvio o modo de ser da personagem principal do romance.
É aqui que entra a bela metáfora proposta por Carol Bensimon (2022) na concepção de um diorama, aquelas recriações de ambientes e cenas históricas em vitrines dos museus — em especial os de História Natural —, em que animais empalhados, bonecos humanos e toda a sorte de objetos e equipamentos pretendem simular a realidade. Essa simulação da realidade é exatamente o papel da ficção, um "simulador que aparenta recriar a vida quando a verdade a retifica", como afirma Mario Vargas Llosa (2004, p. 19). Pensemos nos dioramas, nas cenas encapsuladas nas vitrines, que carregam esse registro quase fotográfico de um mundo reconduzido ao nosso presente. Uma disposição cenográfica que "deve sempre parecer um flagrante" ( Bensimon, 2022, p. 25), nos conta a narradora da obra. E é essa a matéria com a qual Carol Bensimon (2022) trabalha em seu romance. Da vida real, captura um dos mais espinhentos episódios da história recente do Rio Grande do Sul e reconstrói esse evento na perspectiva interna ao núcleo familiar do principal suspeito.
O caso Daudt, como ficou conhecido na mídia e nas rodas de conversa, é o caso Satti em Diorama, e ele atua como elemento propulsor de toda a narrativa. A obra tem em sua arquitetura um vai e vem entre dois tempos distintos, o ano de 1988 e o de 2018. Nesses 30 anos, Cecília desliza, ora como adulta, vivendo nos Estados Unidos; ora como criança, numa Porto Alegre dos anos 1980; ora reconstruindo seus passos entre um tempo e outro.
O GOSTO PELAS COISAS MORTAS
Dizem muitos escritores e teóricos que sabemos da qualidade de um livro pelo seu início. É quando "a fronteira que separa o mundo real que habitamos do mundo que o romancista imaginou" começa. Quando somos transportados para aquele outro lugar, avisa David Lodge (2010, p. 14). Em Diorama, o início é de fato promissor, porque traz uma cena com a qual o leitor já consegue compreender toda a essência da protagonista. É 1988, e Cecília tem 9 anos de idade. Seus pais e seus irmãos estão a caminho da fazenda da família, em São Gabriel, lugar próximo à fronteira com o Uruguai, onde Mazenbacher, aliás, não apenas pratica a caça, como também ensina os jovens filhos homens a caçar.
Cecília está dentro de uma F-1000, a caminhonete símbolo de uma geração de empreendedores do agronegócio nos 1980, e segura com convicção um osso de zorrilho, encontrado nos fundos de um posto de gasolina, onde o pai resolvera parar. Ali, o leitor já enxerga a menina que será taxidermista: "Quando eu chegasse em casa, ia colocar o osso em uma caixa de sapato com minhas outras relíquias, que incluíam o pedaço da carapaça de um tatu, quatro sementes de paineira, algumas pinhas e meus próprios dentes de leite" ( Bensimon, 2022, p. 12).
A cena inicial compartilha, igualmente, uma configuração familiar muito atual, na construção daquela família burguesa, patriarcal, que se desloca para suas terras. Pai, mãe e três filhos numa camionete em que se ouve o barulho metálico das espingardas na carroceria do veículo; a típica família endinheirada, conservadora e com desejos armamentistas. Não por acaso, a mãe da família, anos mais tarde, seria uma bolsonarista convicta.
Diorama, aliás, já traz registros desse triste passado recentíssimo do Brasil. Cecília recebe uma série de mensagens de Carmen, sua mãe, repletas de clichês do tipo "A vida é um presente que temos que cuidar com afeto", que ajudam o leitor a compreender uma espécie de limitação cognitiva da mãe, e reforça a crítica da obra ao trazer essa personagem que venera o então candidato à presidência: "Ando muito otimista com o futuro do país. Ontem fui a uma manifestação de apoio ao Bolsonaro para presidente. Saí com a alma lavada" ( Bensimon, 2022, p. 125). Junto às mensagens, duas fotos: "Na primeira, há um mar de pessoas vestidas de verde e amarelo, algumas sacudindo bandeiras do Brasil ao redor de um carro de som" ( Bensimon, 2022, p. 125). Na outra, uma foto de corpo inteiro da mãe, vestindo uma camiseta amarela com os dizeres "Meu partido é o Brasil". Cecília também vasculha o facebook da mãe, já em plena era bolsonarista, e encontra, num mesmo dia, a postagem de uma fotografia dos três filhos de Carmen ainda crianças, com mensagens sobre a importância da família, e de um meme "Todo bandido merece uma segunda chance. Se não morreu no primeiro disparo, atire de novo" ( Bensimon, 2022, p. 126). A mãe, portanto, apoiava esse "capitãozinho saído dos esgotos do Brasil" ( Bensimon, 2022, p. 184).
Assim, o leitor já conhece a configuração familiar à qual Cecília pertencia. Ou não pertencia. A personagem, mesmo pequena, já carregava um sentimento de não pertença naquele diorama familiar, e o retrato que antecede todo o desdobramento da obra, lá no seu início, quando Cecília tem 9 anos, avisa:
Agora eu viajava com o fêmur no colo. Faltavam vinte e um anos para eu montar meu primeiro animal — um esquilo com um molde pronto em um porão em Kooskia, Idaho —, mas apenas oito meses para que minha família estivesse nas manchetes de todos os jornais do Rio Grande do Sul ( Bensimon, 2022, p. 13).
Desde pequena, portanto, Cecília tem um fascínio pelas coisas mortas. O interesse pelas carcaças de seres vivos, deixadas pelo caminho, sempre esteve presente no cotidiano da menina. O irmão Vinícius, já em 2018, diria que "tudo começou com o lobo-guará que a gente viu naquele museu chinfrim do Jardim Botânico" ( Bensimon, 2022, p. 35). Assim, muito cedo entende o leitor que o interesse da menina por uma profissão tão diferente não responde a um psicologismo fácil: a morte, a necessidade de reconstituir aquele crime, não despertam o interesse pela taxidermia. Mas talvez acelerem o processo.
Ainda sobre a cena que abre o livro, dentro do Ford F-1000 da família, interessa resgatar algo que a própria autora já destacou em entrevistas, uma certa tendência a começar seus últimos romances por cenas que se passam dentro de veículos. Tanto O clube dos jardineiros de fumaça — "Arthur Lopes está sentado dentro de um carro na costa norte da Califórnia" ( Bensimon, 2017, p. 9) — quanto Todos nós adorávamos caubóis — "Tudo o que fizemos foi tomar a BR-116, passando sobre pontes com slogans de cidades que não tínhamos a mínima intenção de visitar" ( Bensimon, 2019, p. 13) — igualmente iniciam suas histórias com as personagens dentro de um carro.
Não seria preciso recorrer, mas já recorrendo, a um dicionário de símbolos, uma vez que Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 101) trazem o que parece óbvio: o simbolismo do automóvel enquanto "a evolução em marcha e suas peripécias". Característica das últimas obras de Bensimon, suas personagens protagonistas estão em movimento, em deslocamento geográfico. É perceptível o esmero da autora na construção das personagens, quase sempre bastante complexas, lacunares e inseridas em alguma crise psicológica motivada por questões de trânsito e consequentes perdas (da identidade, da adolescência, de pessoas queridas). A Cecília de Diorama carrega essa regra máxima da criação ficcional, sublinhada por Luiz Antonio Assis Brasil (2019, p. 96): "um personagem só é verdadeiro quando é complexo"; uma complexidade que tem a ver com certa "questão essencial". Essa questão essencial são os pressupostos, os implícitos que o texto abastece de um antes e de um depois na vida da personagem no livro. A vida diegética começa na primeira página, mas sabemos que as personagens existiam antes disso. Quer dizer, "o personagem age de certa maneira em face de determinadas circunstâncias, de acordo com suas emoções, contradições, perplexidades antes constituídas" ( Assis Brasil, 2019, p. 96). James Wood (2011) diz algo parecido. Para ele, a vitalidade de uma personagem tem a ver com um certo "sentido filosófico ou metafísico mais abrangente, nossa consciência de que as ações de um personagem são profundamente importantes, que há algo profundo em jogo" ( Wood, 2011, p. 116, grifo do autor). É aquela sensação de que cada ação, por menor que seja, tem a ver com a engrenagem dessa construção no seu todo. Ainda para Assis Brasil (2019, p. 95), essa questão essencial da personagem reage/interage até mesmo "com fatores externos expressos na história". Por isso, pretendo mais adiante analisar com um pouco de mais calma o espaço por onde Cecília transita, lugares onde os fatores externos ocorrem (no presente e no passado da obra).
Em Diorama, como já referi, Carol Bensimon (2022) alterna os tempos narrativos entre o passado e o tempo presente da diegese. A cena seguinte já salta 30 anos e traz uma Cecília, nos seus 40, vivendo nos Estados Unidos: "É 2018 e estou dentro de um diorama. Sou a mulher de botas, jardineira e máscara de pintura ajustando com um aerógrafo a cor de um filhote empalhado de caribu" ( Bensimon, 2022, p. 20). Neste movimento, o leitor já relaciona a cena do osso do zorrilho com o futuro daquela menina na F-1000.
A Cecília de 2018 atingiu o patamar que pretendia quando partiu do Brasil, em 2002. Concomitantemente aos dois tempos narrativos mais explorados na narrativa, o passado de 1988 e o presente de 2018, Cecília vai recuperando os passos que deu para tornar-se uma taxidermista bem-sucedida nesse meio tempo. Profissionalmente, portanto, está feliz — "Eu adoro este trabalho meticuloso" ( Bensimon, 2022, p. 26) —, porém afetivamente carrega lacunas com as quais não consegue lidar. É interessante o conflito dessa mulher de 40 anos que se fecha na aparência das coisas, com seu obcecado perfeccionismo artesanal; o invólucro dessas coisas que precisam se mostrar vivas. Porém mortas, internamente vazias, ou dissecadas, ou preenchidas artificialmente com elementos que apenas garantam sua sustentação: uma espécie de poliuretano existencial. Assim é a protagonista de Diorama, tão ocupada com esses animais mortos pelas circunstâncias e violências da vida, que não consegue se permitir olhar para dentro.
Contudo, o mergulho na consciência da personagem-narradora mostra o que não está visível aos outros no texto, o que está, portanto, além da carcaça: "Eu não estou bem" ( Bensimon, 2022, p. 23). Vivendo uma crise emocional, disfarça um casamento moribundo e tem seu interior dissecado pelo leitor, num processo similar ao de seu ofício.
Desde criança, como já apontei, fica claro um certo descompasso com a família, com o mundo que a cerca. A própria escolha de uma profissão pouco conectada com os tempos globalizados e tecnológicos, assim como a de Jesse, seu marido, responde a um certo estranhamento que a personagem parece carregar. Ele é um músico meio decadente, que viaja pelos Estados Unidos "para tocar em pequenas casas de show com a lotação pela metade" ( Bensimon, 2022, p. 23). Já ela, essa mulher que empalha animais para encaixá-los em cenas do passado, "uma mistura de cientista, pintora, escultora e artesã para recriar o que a natureza gerou ao longo de milhões de anos de aleatoriedade e evolução" ( Bensimon, 2022, p. 26). Cecília resolveu escolher essa profissão "meio violenta e visceral", conforme comentário de um colega de ofício ( Bensimon, 2022, p. 23). A personagem acostuma-se com as coisas mortas: "Acontece com bastante frequência; alguém entra em contato comigo porque encontrou uma cabeça de alce em um saco de lixo – Eu não sabia que meu avô guardava esse troço no porão" ( Bensimon, 2022, p. 21). Uma profissão talvez fadada ao desaparecimento: "Este tipo de descaso acontece também nos museus, onde há muitas décadas as taxidermias perdem espaço para exposições ditas interativas ou para qualquer coisa que tenha a ver com dinossauros" ( Bensimon, 2022, p. 21). Entretanto, mais que lidar com cadáveres de animais ou com um casamento moribundo, Cecília carrega questões muito mais antigas e mal resolvidas. A personagem veste-se de silêncios a respeito de sua vida pregressa, mas esse passado não é esquecido, porque ela pensa (mas não fala) "em Porto Alegre o tempo todo" ( Bensimon, 2022, p. 37).
Certa vez, quando trabalhava como guia turística para ajudar no sustento, encontrou um casal de porto-alegrenses que reconheceram seu sobrenome. Ali, na frente daquelas pessoas que sabiam com minúcia sobre o assassinato, como se "os detalhes que compunham o chamado caso Satti fizessem também parte da história deles, uma fatia significativa do que era ter vivido em Porto Alegre no fim dos anos oitenta", Cecília reflete: "além de sentir vergonha de me chamar Cecília Matzenbacher, percebi a burrice tremenda que foi nunca ter mudado de nome" ( Bensimon, 2022, p. 31).
A negação do nome, a negação do passado se reflete no seu comportamento introspectivo. Mas é quando vem a notícia de que seu pai teve um AVC que Cecília começa a cogitar se volta ou não para a cidade e para a família de onde saiu. Em outra cena bastante significativa, Jesse, quando vê Cecília trabalhando "em um manequim de espuma de poliuretano", diz: "Então você veste fantasmas?" ( Bensimon, 2022, p. 61). Após as mensagens de Vinícius, seu irmão, avisando do AVC do pai e dizendo um " talvez tu devesse vir pra cá por umas semanas" ( Bensimon, 2022, p. 28), a crise de Cecília é entender se retorna para aqueles fantasmas, se retorna para dentro do crime que vivenciou em junho de 1988. Na conversa com Vini, ele insinua que a irmã já esqueceu desse passado, já deixou tudo aquilo para trás. Cecília responde: "Deixar para trás não é esquecer" Bensimon, 2022, (p. 35).
O DIORAMA DE 1988
Quero, ainda que brevemente, apontar algumas interessantes relações proporcionadas pela concepção do espaço narrativo em Diorama. Luis Alberto Brandão (2013), na obra Teorias do espaço literário, realiza um interessante resgate de teóricos fundamentais que estudaram o espaço. Importante aqui é sublinhar uma ideia essencial, a de que esse espaço físico construído na narrativa — esses "lugares de pertencimento ou trânsito dos sujeitos ficcionais, recurso de contextualização da ação" ( Brandão, 2013, p. 59) — está entranhado na personagem, ou melhor, no modo como essa personagem percebe o espaço. Portanto, "o espaço seria, em primeiro lugar, aquilo que podemos perceber através de nosso corpo. O espaço que ocupo seria, especialmente, aquele que vejo" ( Brandão, 2013, p. 68).
Marc Augé (2010, p. 58) concorda com isso e afirma que o corpo também é um território: "pode-se imputar esse efeito mágico da construção espacial ao fato de que o próprio corpo humano é concebido como uma porção de espaço, com suas fronteiras, centros vitais, defesas e fraquezas, sua couraça e defeitos". Em Diorama, Cecília é composta por lacunas relacionadas ao seu espaço natal; é "movida" por uma espécie de força de atração ao passado. Não se sente, pois, em movimento: "qualquer tentativa de ir para a frente sempre me empurrava de volta para trás. A sensação era de que eu estava condenada a rememorar episódios que já tinham acontecido e, mais do que isso, que tudo já tinha acontecido. Não havia futuro possível" ( Bensimon, 2022, p. 26-27)
Podemos pensar, então, que Porto Alegre é, em Diorama, aquilo que o filósofo alemão Otto Bollnow (2008) chama de centro organizador. Na obra O homem e o espaço, Bollnow (2008) sugere que, quando o indivíduo parte de seu local de nascimento e moradia, ele reconstrói sua concepção de mundo. Todas as referências dessa pessoa têm a ver com uma espécie de centro organizador, mesmo no sentido de uma organização de dinâmica de espaço. Abandonar esse ponto central é refazer-se dentro de novas coordenadas geográficas. Pode parecer bastante modesto esse raciocínio, mas me interessa pensar o peso que a cidade de Porto Alegre tem em Cecília. Diz Bollnow (2008, p. 61) que ato de partir não é um "movimento arbitrário no espaço, pois o homem vai embora em busca de alguma coisa no mundo, para atingir alguma meta […]. Contudo, quando ele a realizou (ou também quando fracassou), regressa a sua habitação como um local de repouso".
Entretanto, é possível realmente questionar, no caso da obra de Bensimon (2022), essa perspectiva bachelardiana de moradia como aconchego, como canto no mundo. A ideia de repouso reside numa percepção de casa de uma infância feliz. Bachelard (2000, p. 110) afirma que "o ninho, como toda imagem de repouso, de tranquilidade, associa-se imediatamente à imagem da casa simples". Temos, em Diorama, apenas um recorte da infância de Cecília a partir dos seus 9 anos de idade, mas suficiente para percebermos que, tendo em vista os fatos que se sucedem, a casa da protagonista está no extremo oposto da ideia de felicidade.
Tão logo o pai começa a aparecer nos jornais não como a figura pública que era, mas como o suspeito do crime, a infância de Cecília vira do avesso, assim como a sua ideia de casa e de família. No colégio, o irmão começa a se envolver em brigas e surge em casa machucado, por tentar defender o nome do pai. Nas conversas com Ciça, a busca pela vida comum de antes: "Tu acha que as coisas vão voltar ao normal?", Marco perguntou. "Não sei, tu acha?" ( Bensimon, 2022, p. 118). Em seguida, ficam semanas sem ir às aulas.
A casa ganha, internamente, "um silêncio esquisito" ( Bensimon, 2022, p. 134). Pai e mãe trancados cada um numa peça. Externamente, entretanto, uma imprensa invasiva se amontoava em frente; "os jornalistas que, a partir daquele dia, estariam sempre nos arredores da praça" ( Bensimon, 2022, p. 139). Mais tarde, em 1995, a primeira pessoa a deixar aquela casa seria a mãe, quando Cecília ainda era uma adolescente de 16 anos: "a partida dela era um desfecho que já parecia determinado muito tempo antes" ( Bensimon, 2022, p. 33). Ainda em 1988, a educação de Cecília foi terceirizada, sob responsabilidade de Tia Silvana, uma antiga professora que vira uma espécie de preceptora, logo depois do crime, quando longe da escola. Ela leva a matéria de aula, explica os conteúdos e, mais importante, conversa com Cecília: "Naqueles dias, Tia Silvana preenchia a grande lacuna de atenção deixada por meus pais, mas também se comportava como uma espécie de emissária que trazia informações cifradas sobre o caso Satti" ( Bensimon, 2022, p. 186).
O desenho dessa família, portanto, tem a força simbólica de um mecanismo avariado. O jeito que a narradora relata a decisão da mãe de sair de casa, por exemplo, é significativo: "Acabou rifando os filhos junto com o marido, como se não conseguisse visualizar esses elementos em separado" ( Bensimon, 2022, p. 34). A mãe, assim, divorciava-se de toda a família.
Quando Cecília reflete, anos mais tarde, que "a ideia de família é uma ideia poderosa" ( Bensimon, 2022, p. 81), usa como exemplo uma imprecisão científica na formação de um diorama com uma família de brontotérios, "uma espécie de rinocerontes do Eoceno", no Museu Field de Chicago, no início do século XX. Uma vez que não havia modo de descobrir como viviam aqueles animais, reproduzem essa imagem convencional de família heteronormativa: "o filhote deitado, esfregando o nariz na sua mãe. Ambos estavam em repouso, com as orelhas baixas e o olhar tranquilo. Para o pai, foi escolhida uma pose ereta, protetora, o corpo todo tensionado" ( Bensimon, 2022, p. 81). Por ser uma vitrine de sucesso entre as crianças e por carregar esse erro científico, o museu decide colocar uma placa explicativa, avisando que nem sempre aquela cena ocorria de verdade. Muitas vezes, dizia a placa, os pais "nem sequer esperam para ver os bebês nascerem" ( Bensimon, 2022, p. 82). Cecília usa o exemplo dos brontotérios e mesmo de ursos cinzentos para concluir que "na natureza os pais costumam ser no mínimo ausentes e, em muitas espécies, verdadeiramente perigosos" ( Bensimon, 2022, p. 82), mas sabe-se que, de fato, ela está falando da própria família.
Pai e mãe ausentes, Cecília, com vinte e poucos anos, precisa partir. Tem ali uma sensação nítida de renascimento: "Minha vida tinha de fato começado quando saí do Brasil, em 2002" ( Bensimon, 2022, p. 22). Por tudo isso, por conta dessas experiências vividas, a personagem carrega de forma muito vívida uma certa repulsa, não apenas à família, mas também à imagem de casa. Não apenas à casa da infância, mas da casa em geral.
Já nos Estados Unidos, Cecília pinga de lugar em lugar, alternando profissões e quartos para morar:
tudo o que eu tinha feito para pagar minhas contas: faxina, reposição em um supermercado de produtos brasileiros, aquarelas vendidas em uma esquina até os fiscais aparecerem, funcionária em um aluguel de caiaques, guia turística, balconista de uma loja estilo gabinete de curiosidades ( Bensimon, 2022, p. 23).
No fundo, sentia que "não tinha a menor condição psíquica de permanecer entre quatro paredes" ( Bensimon, 2022, p. 26). A recusa por um espaço "aconchegante" é relevante na história. Frequentemente, a personagem precisa sair desse espaço opressor (qualquer espaço minimamente com jeito de casa) e passar a noite dentro do carro: "Então eu saía de novo e entrava no carro e ia dormir em algum lugar perto do riacho Oak. Podia ser em um camping ou apenas um ponto isolado que eu achava especialmente bonito" ( Bensimon, 2022, p. 27).
Portanto, a ideia de casa é difícil para Cecília. A imagem daquele universo primeiro, do seu centro organizador é caótica. A personagem precisa do movimento; do ar livre; do não lugar — naquela caracterização que fez Marc Augé (2010) em sua antropologia da supermodernidade —; esses lugares de trânsito, de passagem, provisórios, efêmeros. Uma zona de conforto justamente oposta à ideia concebida de conforto. Por isso Cecília fica aliviada quando se hospeda em hotéis, não lugares clássicos, esses espaços estéreis:
Mas estou num quarto de hotel, digo a mim mesma. Bem longe de Porto Alegre. Preciso tirar proveito disso, usar a meu favor o fato de que ainda tenho pelo menos mais uma semana nessa cápsula genérica. Tento me agarrar com força à ideia de repetição: um quarto igual ao lado do outro igual ao lado do outro igual ao lado ( Bensimon, 2022, p. 53).
Ali, aquele não lugar consegue desenvolver nela sua "individualidade solitária" ( Augé, 2010, p. 74). Aquele quarto de hotel, antes de voltar a Porto Alegre, é um dispositivo de ausência de si mesma. Aquele quarto, "por um instante, (isso) parece diminuir o peso da minha história" ( Bensimon, 2022, p. 53).
A pesquisadora Alessandra Affortunati Martins (2009), a respeito de A poética do espaço, afirma:
A casa é apresentada por Bachelard como uma força que integra pensamentos, lembranças e sonhos. Ela é a matéria que enleva uma história individual. Sem ela, o ser humano seria permanentemente um estrangeiro. Sem a experiência nos espaços da casa, sem a experiência de habitar um canto do mundo, o homem seria um ser disperso, sem lugar, sem integração entre corpo e alma.
É exatamente essa uma importante característica de Cecília, esse ser disperso, sem lugar, que se construiu no isolamento: "‘Tu tem medo da intimidade’, me disse uma vez uma psicóloga, e eu não tinha dúvida de que ela estava certa. […] Eu tinha dezoito anos e preferia mil vezes passar a noite fazendo desenhos científicos de gramíneas do pampa a sair e conhecer quem quer que fosse" ( Bensimon, 2022, p. 120). Porque "a ideia de conhecer me era incômoda, assim como a ideia de ir a algum lugar. Ou pelo menos os lugares que as pessoas frequentam" ( Bensimon, 2022, p. 120).
Ainda assim, Cecília tem consciência da necessidade de mexer outra vez naquele vespeiro que abandonou, a casa da infância, a cidade da infância. Sabe que tão logo chegue a Porto Alegre,
eu pegaria um táxi para a casa da minha infância, lembrando de coisas que aconteceram há muito tempo nas esquinas por onde eu ia passar, especialmente aquela esquina, e na casa da minha infância encontraria meu pai fragilizado, doente, esse homem que, segundo a crença comum, eu deveria amar e de quem deveria cuidar ( Bensimon, 2022, p. 53).
Se, conforme Bachelard (2000, p. 36), "a casa é um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade", a de Cecília é instável e parece estar parada no tempo, naquele tempo do crime do melhor amigo dos pais, cometido muito provavelmente mesmo pelo seu pai. E é neste retorno que Cecília também retoma o processo investigativo desse crime que nunca a abandonou.
O GOSTO PELAS COISAS VIVAS
Erich Fromm (2015), no texto O coração do homem, trabalha com a ideia da necrofilia. Relacionando com a pulsão de morte freudiana, Fromm (2015, p. 44) diz que o indivíduo necrófilo "ama tudo o que não cresce, tudo o que é mecânico". Essa pessoa "é movida pelo desejo de converter o orgânico em inorgânico, de olhar a vida mecanicamente, como se todas as pessoas vivas fossem coisas". Ainda para o psicanalista, o necrófilo tem uma obsessão com o passado e teme o futuro.
A uma possível característica necrófila de Cecília, por conta dessa sua atração pela taxidermia, relaciono com mais força ainda o seu oposto: o gosto pelas coisas vivas. Fromm (2015) é didático ao afirmar que todo indivíduo carrega matizes tanto necrófilas como biófilas, essa última, por óbvio, o oposto da primeira. O pensamento biófilo desenvolve uma "tendência a conservar a vida e a lutar contra a morte […] a matéria viva tem a tendência a integrar e a unir" ( Fromm, 2015, p. 51, grifos meus). A relação parece óbvia, portanto, com o trabalho de Cecília de manter as coisas pretensamente vivas. Mas é o conflito com esse passado mal enterrado que Cecília precisa dar conta, por isso ela volta a Porto Alegre.
Narrativamente, o retorno de Cecília a sua cidade natal apenas reaviva a memória do que (não) foi esquecido. Se o primeiro capítulo da obra ("O osso de zorrilho") traz com mais força a personagem em 2018, nos Estados Unidos, e lembranças da sua jornada como taxidermista, a segunda parte de Diorama retoma mais pormenorizadamente a Porto Alegre dos anos 1980 e, especialmente, o assassinato de Satti.
É a partir deste segundo capítulo que entra em jogo uma complexidade maior na construção desta narradora. A arquitetura do texto apresenta principalmente (e aparentemente) uma narradora autodiegética, Cecília, que conta a sua própria história. Esse movimento narrativo é particularmente tranquilo quando Cecília está no presente diegético, narrando sua vida nos Estados Unidos. Entretanto, as cenas dos mergulhos no passado, em Porto Alegre, trazem uma maior complexidade, porque, de forma emaranhada, surge uma voz presumivelmente heterodiegética. O início da segunda parte da obra, "Anoiteceu em Porto Alegre" — aliás, o título de uma canção emblemática da banda gaúcha Engenheiros do Hawaii, lançada em 1990 —, traz toda uma descrição da cidade que, obviamente, não é apenas a de Cecília criança.
Uma cidade sul-americana no frio é uma cidade improvisada e encolhida, coberta por uma camada brutal de umidade, tremendo e esperando a noite acabar. Nas paredes geladas das casas e edifícios, se agarram microscopicamente trilhões de fungos filamentosos, colônias verdes e pretas que crescem e incham e fazem descolar pouco a pouco a pintura das fachadas ( Bensimon, 2022, p. 91).
Mais do que isso, toda a ambientação que precede o crime, por óbvio, escapa da percepção da menina Cecília, porque ganha plena onisciência: "São 21h10. Um episódio de Vale Tudo acaba de chegar ao fim, e Gláucia Pereira de Almeida, do apartamento 301, se levanta da cadeira de balanço e vai até o quarto fechar as persianas, como sempre faz após a novela das oito" ( Bensimon, 2022, p. 92). A narrativa se vale de vários momentos preditivos, com a antecipação de situações futuras, como as referentes à vizinha Gláucia: "Ela gosta de observar quem entra e quem sai, dirá mais tarde. Considera o que pode ver da janela como a extensão da sua casa" ( Bensimon, 2022, p. 93). A vizinha será uma das testemunhas do assassinato, assim como outras personagens que veem a movimentação na noite do crime igualmente surgirão na narrativa, como o guardador de carros Restinga. Entretanto, em seguida, entra outra vez a voz de Cecília: "Acordei naquela madrugada com o grito da minha mãe" ( Bensimon, 2022, p. 97). O fato é que a literatura hipercontemporânea 2 cada vez mais se vale de artifícios narrativos que rompem com os casulos mais conservadores da teoria da literatura ( Angelini, 2024). Rótulos estanques da nomenclatura genettiana, como narrador autodiegético, narrador heterodiegético, ou aquelas categorizações de Norman Friedman (2002) — como Narrador onisciente neutro, Eu como testemunha, Narrador protagonista –, já não conseguem dar conta da inventividade dos romances dos nossos dias. Brian Richardson é um dos autores que têm se debruçado no estudo desta complexidade, especialmente na obra Unnatural voices: Extreme narration in modern and contemporary fiction. Diz Richardson (2006, p. 3): "It should be readily apparent that a model centered on storytelling situations in real life cannot begin to do justice to these narrators who become ever more extravagantly anti-realistic every decade". Se, no caso de Diorama, acreditarmos que há pequenas intromissões de um segundo narrador, heterodiegético, a contextualizar a Porto Alegre de 1988 e o assassinato de Daudt, pode ser produtiva a categoria de Richardson (2006) de narração multipessoal ( multiperson narration), justamente essa alternância de vozes, ora de primeira, ora de terceira pessoa do singular, ou em suas palavras: "works that move back and forth between different narrative positions" ( Richardson, 2006, p. 62). Contudo, Richardson (2006, p. 62) aponta para uma frequente ambiguidade: "those whose narration remains fundamentally ambiguous, inclining toward but never comfortably situated within either category". Em Diorama, parece-me ainda mais profícua uma outra categoria apontada por Richardson (2006, p. 79), a de narrador permeável ( permeable narrator), "a speaker who says "I" but whose narration transgresses the natural limits of the contents and perceptions of a single consciousness". É como se a narradora Cecília adulta assumisse esse papel também heterodiegético e invadisse consciências alheias para o detalhamento do relato.
Aliás, outro processo interessante dentro da construção da voz narrativa é que, de saída, neste segundo capítulo, quando entra a voz de Cecília, temos a personagem adulta rememorando aquela noite de quando era criança, flagrante nas passagens autorreflexivas: "Eu tinha quase dez anos e uma vida convencional protegida" e "Eu continuaria assim por um tempo, até, talvez, chegar à idade de Vini" ( Bensimon, 2022, p. 97). Aos poucos, porém, a narração ancora-se muito mais no passado, e o leitor tem a menina Cecília quase despegada da adulta que rememora: "Eu sentia minha cabeça esmagada e o cheiro de cigarro do meu pai e do creme grudento que minha mãe colocava na cara" ( Bensimon, 2022, p. 98). Elenca-se, nesse último trecho, uma sucessão de detalhes dificilmente apreensíveis para quem recupera os fatos trinta anos depois. Destaco também a relação afetiva que a menina Cecília tinha com Satti, muito viva na maioria de suas lembranças: "Comecei a chorar também. Naquele momento, a morte do tio João — o amigo exótico da família, o tio das balas e dos chicletes, a voz indignada no rádio — era para mim uma ideia bem abstrata" ( Bensimon, 2022, p. 98).
Mas não em todas. Há várias cenas que recuperam, de modo quase impessoal, a vida de Satti antes do crime. E ainda mais interessante, quando a narradora brinca com o que é fato e o que é suposição, a sua, evidentemente: "A partir desse ponto, alguns fatos se misturam a meras suposições. Fato: João Carlos Satti e outros dois deputados almoçaram com o prefeito de Canguçu em uma churrascaria do Centro" ( Bensimon, 2022, p. 156). E mais adiante: "Suposição: Satti se hospedou no Hotel Telesca, um prédio bruto de esquina com algumas lojas no térreo" ( Bensimon, 2022, p. 156).
As elucubrações de Cecília, no presente e no passado de Porto Alegre, aceleram ainda mais o ritmo na segunda metade do romance, em especial no terceiro capítulo, Sinantropia3. A obra ganha uma cadência policial, repleta de suspense. Como ficou perceptível, Cecília faz sua própria investigação e vai descobrindo dados importantes, por exemplo, quando marca um encontro com uma amiga íntima de Satti, ex-produtora de TV: "‘Tua mãe tava apaixonada pelo Satti’, disse Glória Andrade quando enfim aceitou me encontrar, em 2001" ( Bensimon, 2022, p. 101). Misturada entre as impressões da menina, que vive o crime e traz o que estaria por dentro do invólucro, e a adulta que resolve contar tudo o que investigou e viveu, os fatos do assassinato vão sendo postos a limpo. É essa voz aparentemente heterodiegética que vai acompanhando com maiores detalhes os dias que se passaram no pós-crime. É por isso que o leitor desavisado pode reconhecer nesta voz um narrador heterodiegético, de fora da história, portanto. Uma boa demonstração deste jogo aparece junto dos pormenores do relato: "João Carlos Satti tinha chegado da Assembleia, estacionado o carro na Garagem e Posto Estrela e atravessado a rua até o Wunderbar, onde pegou a mesa de sempre, encostada à janela" ( Bensimon, 2022, p. 149). Ou ainda melhor:
Depois de conferir o relógio mais uma vez e ter a certeza de que Carmen Matzenbacher não compareceria ao depoimento, o delegado Apóstolo Viana — segundo o escrivão presente na sala, que contaria o fato por anos a fio como uma anedota do seu tempo na polícia — se ausentou por um instante e reapareceu segurando uma colher de sopa e um vidro de Olina Essência de Vida ( Bensimon, 2022, p. 198).
E na página seguinte: "Dois dias depois, Souza Andrade cumpriu a palavra e deixou Carmen diante do Palácio, scarpin, minissaia, blusa de gola rolê, blazer de tweed. Ela cumprimentou os delegados e o escrivão e se sentou com as pernas cruzadas" ( Bensimon, 2022, p. 159, grifos meus). A minúcia da cena e o aparente distanciamento na citação de "Carmen", "ela", e não "Minha mãe", como em tantas outras passagens, reforçam a sensação de que temos aí uma segunda voz narrativa. Entretanto, o truque surge à vista do leitor em várias passagens, como em "Agora, trinta anos depois, eu só tenho como especular que…" ( Bensimon, 2022, p. 157). Ou seja, parece-me claro que, a todo momento, é a voz de Cecília que, a partir de sua própria memória do tempo de criança, mais as lembranças de quando conversou com vários envolvidos na investigação do crime, disfarça-se nessas passagens como uma narradora heterodiegética.
O retorno de Cecília para sua cidade natal, portanto, tem essa força de reconstrução de tempos. E também de destruição de espaços. Numa das cenas mais bonitas, quando a filha finalmente reencontra um pai pequeno e ossudo, e fica sabendo pelos irmãos que aquela casa da infância será vendida, entra o poder criador da literatura, repleto de simbologia: "Vão demolir essa sala, entrar nela com uma retroescavadeira e, depois de tudo ter caído, talvez sobre por uns dias a lareira e a chaminé. Gosto da imagem" ( Bensimon, 2022, p. 283).
Apenas a lareira sobrevivendo, mesmo que por uns dias, junto aos escombros do passado. Junto às coisas mortas.
ENCAMINHAMENTOS FINAIS
Assim como diz a regra que um narrador em primeira pessoa não tem o poder de invadir consciências alheias, artifício realizado em Diorama, também diz outra regra que um pesquisador precisa manter a neutralidade e não pode aparecer em seu texto investigativo. Que o artigo precisa ser impessoal, que a minha voz não deve entrar naquilo que escrevo. E de quem é então essa voz? Como um artigo não é pessoal se somos nós que escrevemos sobre aquilo que nos mobiliza? Ainda bem, Carol Bensimon (2022), que as regras acadêmicas também existem para serem transgredidas.
Quando o Daudt morreu, eu ainda estava no colégio, em Porto Alegre, na mesma cidade do crime. O homicídio do jornalista, portanto, também a mim afetou. Eu me lembro pouco dos desdobramentos iniciais do caso, mas me recordo mais nitidamente da indignação de saber que ninguém tinha sido punido pelo assassinato. Uns 12 anos mais tarde, trabalhei na mesma televisão que Daudt. Muitos ali ainda guardavam os dias de convivência com ele, carregavam também suas teorias. Assim como Cecília e muitos desses colegas, eu tinha certeza absoluta de quem era o assassino.
Por isso o universo de Diorama conquista os leitores. As referências com as quais Carol Bensimon (2022) trabalha para a criação daquela Porto Alegre em 1988 são nossas referências também. A investigação particular que Cecília assume na narrativa, ambientada na minha cidade, nas ruas que eu conheço, traz o sabor dos livros que eu lia naqueles tempos, quando adolescente, repletos de suspense — Coleção Vagalume, Agatha Christie, Georges Simenon. São nesses momentos de leitura que levantamos a cabeça, como diz Barthes, e pensamos em também fazer parte do livro, escrevendo sobre ele.
Entretanto, não é apenas por conta da minha identificação com o tempo-espaço retratado em Diorama que resolvi escrever esse artigo. A obra de Carol Bensimon (2022) traz uma personagem principal de força magnética, tanto quando a menina Ciça entra em cena, como quando aquela adulta esquisita aparece. Bensimon (2022), aliás, tem grande talento para dar voz a personagens infantis e adolescentes — Pó de parede, Sinuca embaixo d’água e esse Diorama o comprovam —, o que é tarefa muito mais complicada do que parece ( Angelini, 2024).
Assis Brasil (2021) chega a comentar sobre esse problema comum dos escritores ao tratarem com personagens infantis, seja pela dificuldade "em penetrar na psicologia infantil", seja "pela inaptidão dos ficcionistas em dar voz aos infantes". O fato é que: "quando — e se — aparecem, via de regra os pequenos são negligenciados ou até esquecidos, quando não tratados com displicência" ( Assis Brasil, 2021, p. 50). Concordo com Assis Brasil: "A redução do discurso da criança a algo sem sentido, sem nexo, pré-inteligível ou a adultização exagerada desse mesmo discurso, a inclusão de tiradas filosóficas e poéticas, são dois extremos que podem ser facilmente encontrados em textos literários" ( Angelini, 2021, p. 185). Em Diorama, isso não aparece. A criança de Carol Bensimon é quase concreta, e consegue transmitir para o leitor toda a confusão que o seu mundo infantil carrega, especialmente a partir do crime.
Cecília, em Diorama, percorre diferentes momentos da própria vida, ancorando-se por vezes num antes, por outras num agora. A narradora, então, como pretendi demonstrar neste estudo, parece trabalhar com uma rédea ora firme, ora frouxa junto aos acontecimentos que a cercam, desde 1988. É quando assume um certo distanciamento na construção da sua voz, camuflada enquanto narradora heterodiegética, ou quando — opção muito mais frequente no romance — mergulha de modo bastante pessoal e afirmativo no passado que sempre quis manter afastado. Assim, de uma ou de outra maneira, aos poucos, as teorias de Cecília sobre o crime e seu desfecho vão sendo desveladas, dando ao leitor pistas do que realmente poderia ter acontecido na vida real, num crime que a polícia nunca solucionou.
Mais que toda essa engenharia na criação literária, Diorama tira do esquecimento um evento que nunca deveria ter caído na vala do silenciamento. O romance de Carol Bensimon, através da busca da protagonista por seu próprio lugar no mundo, traz à cena, em forma também de homenagem, um jornalista que teve sua vida estupidamente interrompida por alguém que nunca pagou pelo crime. Um homem gay destroçado por dois tiros de espingarda.
O que o romance apresenta, portanto, é a reconstituição desse homem, de seus medos, seus desejos reprimidos, da sociedade homofóbica à qual pertencia, sua morte brutal, e para além disso, uma versão muito coerente na resolução deste crime, quase como se Carol Bensimon decifrasse aquilo que o poder à época não deixou ser decifrado. Por isso, a ideia de Cecília fechar um capítulo aberto em sua vida tem a ver com o todo do diorama do texto: uma última montagem, desta vez com todas as peças que a vida real não pôde compor. Ou não quis.
Mas a ficção pode e faz.
Referências
ANGELINI, Paulo Ricardo Kralik (2021). A criança que fala: narradores e personagens do universo infantil e a desestabilização da narrativa. In: ANGELINI, Paulo R. K.; SILVA, Raquel B.; CANILHA, Samla B. (org.). Inventário da infância: o universo não adulto na narrativa. Porto Alegre: EdiPUCRS. p. 183-241.
ANGELINI, Paulo Ricardo Kralik (2024). Lembrar aquilo que não pode ser esquecido: Diorama, de Carol Bensimon. Revista Conexão Letras, v. 18, n. 30, p. 1-8. https://doi.org/10.22456/2594-8962.133740
ANGELINI, Paulo Ricardo Kralik; CANILHA, Samla Borges (2024). The shattered narrative of Mafalda Ivo Cruz. In: MEDEIROS, Paulo; ARNAUT, Ana Paula (org.). The hypercontemporary novel in Portugal. Londres; Nova York; Dublin: Bloomsbury.
ASSIS BRASIL, Luiz Antonio (2019). Escrever ficção: um manual de criação literária. São Paulo: Companhia das Letras.
ASSIS BRASIL, Luiz Antonio (2021). Berthe Bovary, ou de como os romancistas têm problemas para lidar com os filhos de suas personagens. In: ANGELINI, Paulo R. K.; SILVA, Raquel B.; CANILHA, Samla B. (org.). Inventário da infância: o universo não adulto na narrativa. Porto Alegre: EdiPUCRS. p. 49-62.
AUGÉ, Marc (2010). Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 9. ed. Campinas: Papirus.
BACHELARD, Gaston (2000). A poética do espaço. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes.
BENSIMON, Carol (2017). O clube dos jardineiros de fumaça. São Paulo: Companhia das Letras.
BENSIMON, Carol (2019). Todos nós adorávamos caubóis. São Paulo: Companhia das Letras.
BENSIMON, Carol (2022). Diorama. São Paulo: Companhia das Letras.
BINET, Ana-Maria; ANGELINI, Paulo Ricardo Kralik (2016). Literatura hipercontemporânea. Letras de Hoje, v. 51, n. 4, p. 447-449. https://doi.org/10.15448/1984-7726.2016.4
BOLLNOW, Otto Friedrich (2008). O homem e o espaço. Curitiba: Editora UFPR.
BRANDÃO, Luis Alberto (2013). Teorias do espaço literário. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Fapemig.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain (2018). Dicionário de símbolos. 31. ed. Rio de Janeiro: José Olympio.
CIDADE DE SÃO PAULO. Animais sinantrópicos: saiba quais são os principais e as doenças que transmitem. São Paulo, 9 out. 2022. Disponível em: https://www.capital.sp.gov.br/noticia/animais-sinantropicos-saiba-quais-sao-os-principais-e-as-doencas-que-transmitem. Acesso em: 19 abr. 2024.
FRIEDMAN, Norman (2002). O ponto de vista na ficção: O desenvolvimento de um conceito crítico. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 166-182.
FROMM, Erich (2015). El corazón del hombre. Cidade do México: Fondo de Cultura Economica.
LLOSA, Mario Vargas (2004). A verdade das mentiras. 2. ed. São Paulo: Arx.
LODGE, David (2010) . A arte da ficção. Porto Alegre: LPM.
MARTINS, Alessandra Affortunati (2009). A casa e o holding: conversas entre Bachelard e Winnicott. Natureza Humana, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 73-100, jun. 2009.
PINTO, Fernanda Borges (2022). Entrevista com Ana Paula Arnaut: do post-modernismo ao hipercontemporâneo. Navegações, v. 15, n. 1, e43964. https://doi.org/10.15448/1983-4276.2022.1.43964
RICHARDSON, Brian (2006). Unnatural voices: extreme narration in modern and contemporary fiction. Columbus: Ohio University Press.
WOOD, James (2011). Como funciona a ficção. São Paulo: Cosac Naify.
Notas
Notas de autor