Artículo

Recepção: 10 Janeiro 2019
Aprovação: 10 Maio 2019
DOI: https://doi.org/10.31406/relap2019.v13.i2.n25.3
Resumo: O Brasil experimentou recentemente declínio da fecundidade adolescente e aumento da cobertura escolar. Neste contexto, os diferenciais da fecundidade na adolescência segundo grupos educacionais podem diminuir ou mesmo aumentar. Diante das possibilidades em se observar diferentes tendências dos diferenciais de fecundidade das adolescentes segundo níveis de escolaridade, o objetivo deste trabalho é comparar tais diferenciais, controlados por variáveis demográficas e socioeconômicas, em 1991, 2000 e 2010 no Brasil. Usando dados do Censo Demográfico Brasileiro e estimativas de regressão logística, os principais resultados mostram aumentos consecutivos entre os diferenciais da chance de ser mãe adolescente segundo escolaridade, indicando uma tendência de crescimentos dos diferenciais entre os censos. Desta forma, adolescentes com baixa escolaridade apresentaram uma piora crescente em suas chances de inibir a fecundidade se comparadas às adolescentes com nove anos ou mais de escolaridade.
Palavras-chave: Fecundidade, Adolescente, Escolaridade, Brasil.
Abstract: Brazil has recently experienced declining adolescent fertility and increased school coverage. In this context, adolescent fertility differentials according to educational groups may decrease or even increase. Given the possible different trends in adolescent fertility differentials according to schooling levels, the objective of this study is to compare such differentials, controlled by demographic and socioeconomic variables in 1991, 2000, and 2010 in Brazil. Using data from the Brazilian Demographic Census and estimates of logistic regressions, the main results show consecutive increases in the fertility differentials in adolescence according to educational groups, indicating the existence of an increase of these differentials among censuses. In this way, adolescents with lower education presented an increasing worsening in their chances of preventing fertility when compared to the group of adolescents with nine years or more of schooling.
Keywords: Fertility, Adolescent, Education, Brazil.
Introdução
Desde o começo da transição da fecundidade no Brasil até o início do século XXI, o comportamento reprodutivo das adolescentes foi muito diferente daquele observado entre os demais grupos etários (Rodríguez Wong e Bonifácio, 2015). Enquanto a fecundidade das mulheres dos grupos mais velhos diminuiu muito neste período, a taxa específica de fecundidade (TEF) das adolescentes (medida no grupo de 15 a 19 anos) variou pouco e até mesmo aumentou em alguns anos (Berquó e Cavenaghi, 2005). Este fenômeno já foi previamente investigado e ajuda a explicar o conhecido processo de rejuvenescimento da estrutura etária da fecundidade no Brasil (Verona, 2018).
Em 2010, os dados do Censo Demográfico confirmaram que a fecundidade entre as adolescentes finalmente tinha diminuído, e de maneira expressiva. Em 2000, a TEF do grupo de 15 a 19 anos foi de 93 nascimentos para cada 1.000 mulheres deste grupo etário, e em 2010, esta taxa foi de 70 nascimentos. Este declínio foi precedido, na década anterior, por um aumento da fecundidade das adolescentes brasileiras, já que de acordo com os resultados do Censo de 1991, a TEF entre elas foi de 82 nascimentos para cada 1.000 mulheres (Rodríguez-Vignoli e Cavenaghi, 2014).
O recente declínio da fecundidade adolescente no Brasil tem sido associado à grande expansão do sistema educacional experimentada pelo país. Resultados prévios mostram que a melhoria dos níveis educacionais explica, em grande medida, o declínio da fecundidade neste período (Berquó e Cavenaghi, 2014a, 2014b; Rodríguez-Vignoli e Cavenaghi, 2014). Neste sentido, as mulheres, em cada grupo de escolaridade, não estariam apresentando uma mudança de comportando em relação à fecundidade, mas sim uma mudança drástica no acesso à educação, caracterizado por uma grande migração para os grupos mais altos de escolaridade. Desta forma, se a composição educacional não tivesse mudado, a fecundidade não teria diminuído, ou teria diminuído muito menos.
Em um contexto de declínio da fecundidade e de aumento da cobertura escolar, os diferenciais da fecundidade entre os níveis educacionais podem apresentar uma diminuição, ou seja, uma menor desigualdade das taxas entre os grupos. Todavia, a expansão educacional não garante a manutenção da mesma qualidade educacional anteriormente oferecida. O efeito da educação no comportamento reprodutivo pode mudar e coortes mais jovens podem experimentar diferentes resultados do acesso à escolaridade do que coortes anteriores experimentaram (Rodríguez-Vignoli e Cavenaghi, 2014). E, em alguns casos, os diferenciais da fecundidade adolescente segundo escolaridade podem aumentar, indicando uma piora relativa de determinados grupos, ao longo do tempo, em suas chances de inibir a fecundidade.
Diante das possibilidades em se observar trajetória de diminuição ou aumento dos diferenciais de fecundidade das adolescentes segundo níveis de escolaridade, o objetivo deste trabalho é comparar tais diferenciais, controlados por variáveis demográficas e socioeconômicas, em 1991, 2000 e 2010. A escolha do período de análise é explicada tanto pelo comportamento da fecundidade entre as adolescentes, que apresentou crescimento entre 1991 e 2000, e em seguida declínio entre 2000 e 2010, quanto pela expansão da escolaridade observada a partir dos anos 2000.
Este trabalho considera dois modelos sobre os diferenciais durante a transição, segundo escolaridade, sugeridos por Bongaarts (2003) para interpretar a trajetória dos diferenciais analisados neste período no Brasil. A relação entre fecundidade adolescente e educação pode variar segundo o momento da transição da fecundidade. Bongaarts (2003), em um trabalho sobre a relação entre os diferenciais educacionais e preferências reprodutivas em 57 países em desenvolvimento, sugere duas hipóteses (ou modelos) para explicar a transição da fecundidade segundo nível educacional. Segundo o autor, a primeira afirma que os diferenciais entre as TEF segundo escolaridade são temporários e tendem a desaparecer ao final da transição (leader-follower model), traduzido aqui como modelo de líder-seguidor. Neste caso, ao término da transição, a composição educacional não afetaria o nível de fecundidade.
A segunda hipótese assume que os diferenciais entre as TEF segundo escolaridade são permanentes ao longo da transição (permanent-difference model), chamado aqui de modelo de Diferenciais-permanentes Neste modelo, a composição educacional é fundamental para explicar a fecundidade total. Bongaarts (2003) conclui que o achado mais comum entre os países analisados é uma combinação entre as duas hipóteses anteriormente propostas, ou seja, ao final da transição, os diferenciais segundo escolaridade são menores, porém ainda existentes.
Embora a fecundidade total já esteja abaixo do nível de reposição no Brasil, o início do declínio da fecundidade adolescente é recente. Assumindo que este declínio se encontra entre os períodos inicial e intermediário, este trabalho considera os modelos de Bongaarts (2003) para explicar a trajetória dos diferenciais na fecundidade adolescente brasileira segundo escolaridade entre 1991 e 2010.
Fecundidade na adolescência e escolaridade
A literatura especializada há muito tempo reconhece a forte e inversa relação entre fecundidade adolescente e escolaridade. Tradicionalmente, aquelas que possuem baixo nível de instrução possuem também chance muito mais elevada de serem mães na adolescência (Berquó e Cavenaghi, 2005; Gupta e Leite, 1999; Leite, Rodrigues e Fonseca, 2004). Recentemente, Berquó e Cavenaghi (2014b) estimaram as TEF das adolescentes segundo escolaridade e encontraram resultados descritos na Tabela 1.

Fonte: Berquó e Cavenaghi (2014b)
Fonte: Berquó e Cavenaghi (2014b).A Tabela 1 apresenta, em cada censo, os diferenciais na fecundidade adolescente segundo anos de escolaridade. Ao comparar ao longo do tempo, os resultados de Berquó e Cavenaghi (2014b) mostram que a diferença entre os dois grupos menos escolarizados diminuiu. Isso porque foi observada uma diminuição da TEF das adolescentes com 0 a 3 anos de estudo entre 2000 e 2010, e, no mesmo período, um aumento da TEF das adolescentes com 4 a 8 anos de escolaridade. Em 2000, esta taxa era de 115,5 nascimentos por mil adolescentes e em 2010, ela foi igual a 134,6. As TEF dos dois grupos com maior escolaridade também apresentaram mudanças entre 2000 e 2010 e continuam sendo aqueles com menor número de nascimentos para cada 1000 adolescentes.
É importante salientar que a escolaridade pode afetar a fecundidade das adolescentes de diferentes maneiras. Algumas possibilidades incluem o maior acesso à informação sobre saúde sexual e reprodutiva, especialmente sobre o uso de métodos de contraceptivos. Mesmo com a expansão educacional observada em quase todo continente, em um trabalho utilizando dados de 12 países da América Latina, Esteve e Florez-Paredes (2014) argumentaram que mais da metade das jovens que foram mães antes dos 18 anos na primeira década dos anos 2000, nunca tinham usando contracepção antes de ter o primeiro filho.
Adicionalmente, adolescentes com mais escolaridade podem ter maior poder de negociação do uso do preservativo do que aquelas com menos instrução, e assim estariam menos expostas à potenciais efeitos da desigualdade de gênero (Moore, 2006). Bearinger e colaboradores (2007) sugerem que dentre os fatores que podem afetar risco de experimentar uma gravidez na adolescência estão as normas e tabus sobre comportamento sexual segundo gênero (por exemplo, a pressão que os adolescentes experimentam quanto à pratica do ato sexual e as sacões e recriminações que as meninas, por outro lado, podem sofrer).
Além disso, os investimentos em educação podem adiar a entrada em uma união conjugal, o que pode adiar, por sua vez, a fecundidade. Adolescentes que estudam e planejam continuar estudando podem ter maiores aspirações em relação ao seu futuro no mercado de trabalho, o que podem afetar decisões correntes sobre reprodução. Muitos estudos sugerem que o custo de oportunidade de adolescentes com maior escolaridade de ter um filho é maior do que entre aquelas com menor escolaridade (Aquino, 2003; Berquó e Cavenaghi, 2005; Gupta e Leite, 1999; Leite et al., 2004; Rodríguez-Vignoli, 2014b; Rodríguez-Vignoli e Cavenaghi, 2014).
Diversos estudos têm analisado a fecundidade na adolescência e sua relação com a escolaridade em todo continente latino-americano (Guzmán, Contreras e Hakkert, 2001; Pantelides, 2004; Rodríguez-Vignoli, 2011; Rodríguez Wong e Bonifácio, 2015). Rodríguez-Vignoli (2014a), por exemplo, enfatizou que entre 2000 e 2010, quase todos os países do continente, mais da metade das adolescentes com baixos níveis de escolaridade são ou foram mães adolescentes. Essa porcentagem supera 70 % na República Dominicana. O autor ainda fornece uma informação mais instigante. Ao comparar as mudanças na probabilidade de ser mãe durante a adolescência segundo categorias de escolaridade, observa-se um aumento na maioria dos países. Para ele, isso está relacionado com um efeito de composição, ou seja, as mudanças na estrutura de escolaridade das mulheres de 19 a 20 anos, que já podem alcançar o nível superior, aumentam muito entre 2000 e 2010.
Analisando os determinantes da fecundidade adolescente no Brasil e na Colômbia, Cesare e Rodríguez-Vignoli (2006) demonstraram que os grupos socioeconômicos mais desfavorecidos apresentam maiores taxas de fecundidade nos dois países. Eles notam ainda que há uma interação entre as variáveis dos determinantes próximos e socioeconômicos. Ressaltam os autores que, quando suas análises consideram os efeitos da escolaridade dentro de um mesmo quintil socioeconômico, seu papel na fecundidade adolescente parece ser diminuído. Para eles, esse resultado demonstra que o grupo socioeconômico a que o indivíduo pertence pode influenciar seu comportamento reprodutivo e que a escolaridade perde seu efeito ao ser controlada junto com outras variáveis socioeconômicas.
O estudo de Rodríguez Wong e Bonifácio (2015) chama atenção especial para o papel da escolaridade no caso da Nicarágua também. Nesse país, a fecundidade adolescente no quintil mais alto é de 46 por mil, enquanto no quintil mais baixo é de 159 por mil (quatro vezes maior). Porém, as autoras ressaltam que, quando se consideram mulheres jovens de elevada escolaridade, a taxa diminui para 22 por mil em comparação com aquelas sem escolaridade, que apresentam 221 por mil, ou seja, dez vezes mais elevada.
Já o trabalho de Rodríguez-Vignoli (2013) ressaltou que no Panamá, 17 % das mulheres de 15 a 19 anos foram mães em 2000, passando para 16 % em 2010. Porém, observou-se grandes efeitos de composição ao separar por grupos de escolaridade. Os dados demonstram que, caso não houvesse uma expansão da escolaridade no país, entre 1990 e 2010, a proporção de adolescentes mães passaria de 34 % em 2000 para 21 % em 2010, demonstrando que seria ainda maior do que a proporção atual.
E no caso Chile foi observado que após a expansão nos níveis de escolaridade, permitiu a constatação de três grupos diferentes de adolescentes. O primeiro grupo é formado por adolescentes totalmente excluídas, principalmente, do mercado de trabalho, que apresentam alta fecundidade. O segundo grupo é marcado por adolescentes que estão terminando o ensino médio, mas que não possuem expectativas de alcançar o nível superior. Entre estas, uma parte considerável será mãe na adolescência. O terceiro grupo é composto por adolescentes que alcançam a universidade, geralmente entre 18 e 19 anos de idade, e poucas delas têm filhos ainda na adolescência (Rodríguez-Vignoli, 2011).
Fatores associados a fecundidade adolescente além da escolaridade
Pantelides (2004), para a América Latina, e López Gómez et al. (2016) (para o Uruguai) apresentam uma grande variedade de fatores associados a fecundidade adolescente. A primeira autora fala de fatores macrossociais, como o local de residência da adolescente, a estrutura familiar que ela pertence e o acesso aos serviços de saúde reprodutiva. Os aspectos individuais incluem a idade, a escolaridade, e a raça/cor da adolescente. López Gómez et al. (2016) também relatam vários aspectos para a temática como aqueles chamados de estruturais como as condições de pobreza e classe social, as relações de gênero e as políticas públicas de educação e saúde reprodutiva.
A idade possui forte associação com a fecundidade adolescente (Verona e Dias Junior, 2012). Sobre as suas diferenças, a literatura estabelece que, quanto maior a idade da adolescente, maiores são as chances que elas têm de se tornarem mães. Dessa forma, geralmente, a maioria dos nascimentos ocorrem entre as adolescentes de 18 a 19 anos. No caso brasileiro, alguns estudos demonstram que aparentemente há em curso uma mudança nesse comportamento, uma vez que há um aumento dos nascimentos nas idades mais jovens da faixa etária das adolescentes (Cavenaghi, 2013).
Outra variável com relevantes diferenças em relação às taxas de fecundidade das adolescentes é a raça/cor. Em geral, no Brasil, a literatura sugere que as adolescentes brancas apresentam menor probabilidade de ter filho, quando comparadas com aquelas não brancas (Berquó e Cavenaghi, 2016). Por exemplo, Berquó e Cavenaghi (2016) indicam que as mulheres brancas tinham 33 % a mais de chance do que as negras de estarem na categoria de até dois filhos em 1991 e essa diferença caiu para 19 % em 2000. Já o trabalho de Cruz, Carvalho e Irffi (2016) buscaram um entendimento sobre o perfil da gravidez precoce no Brasil, utilizando informações de mulheres de 10 a 19 anos, a partir dos dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) de 2006. Para as análises sobre os efeitos da raça/cor, os autores concluem que ser branca reduz a probabilidade de uma gravidez precoce, quando comparadas com aquelas que não são brancas, para as quais a probabilidade de ter uma gravidez precoce se tornam muito elevadas.
Já o trabalho de Souza Dos Santos, Conceição e Moura (2017) buscou discutir a gravidez na adolescência no contexto do abandono escolar e demonstra a fecundidade ainda nas idades mais jovens é um fenômeno demarcado pelas perspectivas históricas de classe. Chacham e colaboradores (2012) corroboram os autores ao afirmar que as desigualdades de classe podem influenciar comportamento reprodutivo das jovens. Ao comparar as jovens de bairros de classe média com aquelas residentes em bairros de classe alta na cidade de Belo Horizonte, Brasil, os autores demonstram que aquelas que residiam nas favelas apresentavam uma prevalência de 27,3 % de gravidezes até os 19 anos, enquanto que aquelas que residiam em bairros da zona-sul apresentavam prevalência de 1,7 por cento.
As diferenças regionais nas taxas de fecundidade também já estão consolidadas na literatura brasileira. A grande maioria dos estudos demonstra que, quando a análise da fecundidade das adolescentes é realizada por grandes regiões, adolescentes do norte e nordeste apresentam maiores chances de ter filhos entre os 15 e 19 anos que aquelas que residem nas regiões sul e sudeste1 (Berquó e Cavenaghi, 2004; Cavenaghi, 2013). Isso provavelmente ocorre porque a fecundidade tende a ser menor nas regiões mais desenvolvidas do país. Da mesma maneira, a literatura também aponta para o fato de que há uma associação entre as taxas de fecundidade adolescente e o local de residência, demonstrando que nas áreas urbanas as taxas de fecundidade das adolescentes são menores que daquelas que residem em áreas rurais. No Brasil, a fecundidade nas áreas rurais era 1,6 vezes maior nas áreas rurais que nas áreas urbanas2 (Cavenaghi, 2013).
A literatura sugere ainda que a religião também é um dos importantes fatores individuais que afetam a fecundidade das adolescentes. Isso provavelmente ocorre porque ela está relacionada com os valores dos indivíduos, podendo inibir alguns comportamentos sexuais e nupciais que afetam a sua fecundidade (Verona, 2011; Verona e Dias Junior, 2012). Por exemplo, um estudo realizado com dados do Rio de Janeiro, para 2000, demonstrou que as adolescentes católicas apresentam maiores chances de ter filhos que aquelas com a mesma idade, mas que se declaram ser evangélicas (McKinnon, Potter e Garrardburnett, 2008).
Materiais e métodos
Para realizar este estudo, utilizam-se as bases de dados dos Censos Demográficos do Brasil dos anos de 1991, 2000 e 2010, disponibilizadas pelo IPUMS-Internacional (Minnesota Population Center, 2013). Os dados são do questionário ampliado que é aplicado apenas a uma parte da população. O banco de 1991 totalizou 435.157 casos de mulheres de 15 a 19 anos, enquanto em 2000 e 2010, este total foi de 530.924 e 435.215 adolescentes, respectivamente. Desta forma, neste trabalho, optou-se por não utilizar o registro das estatísticas vitais para a obtenção dos nascimentos. A qualidade dos registros de nascimentos no Brasil tem aumentando muito nos últimos, mas ainda precisa ser usado com ressalvas em algumas regiões do país. Este trabalho optou por usar o Censo Demográfico porque os registros civis de 1990 ainda apresentam um volume muito expressivo de subregistro de nascimentos e, além disso, o censo permite o uso de variáveis importantes inexistentes no registro civil, como a religião da mãe.
A variável escolaridade foi dividida em três grupos educacionais. O primeiro grupo com mulheres entre 0 a 3 anos de escolaridade, corresponde às adolescentes sem instrução até primário incompleto. O segundo grupo é composto por mulheres de 4 a 8 anos de escolaridade, ou seja, inclui mulheres com ensino fundamental incompleto ou completo. O terceiro grupo é composto por aquelas que têm nove anos ou mais de escolaridade, ou seja, com ensino médio incompleto ou completo ou curso superior incompleto. O grupo de nove anos ou mais de escolaridade foi assim constituído porque adolescentes com 17 anos ou menos não estão expostas ao risco de entrarem na universidade, já que nestas idades, elas estariam no máximo, fazendo ou concluindo o ensino médio.
Em relação à variável de escolaridade, é importante mencionar que no Censo Demográfico de 2010 somente foram questionados os últimos grau e série concluídos para os indivíduos que frequentavam a escola no momento do Censo. Portanto, não há tais informações para aqueles que no momento da entrevista não frequentavam a escola. A ausência destas informações não permite empregar o mesmo algoritmo utilizados nos censos anteriores para o cálculo dos anos de estudos dos indivíduos. Para lidar com esta limitação, foi utilizado um novo algoritmo, proposto pela Fundação João Pinheiro, o qual possibilitou a geração de novas categorias de grupos educacionais, as quais são coerentes para realizar as comparações nos três censos analisados. Este novo algoritmo é apresentado em Berquó e Cavenaghi (2014b). Portanto, as informações de escolaridade, disponíveis no IPUMS, foram agrupados segundo este algoritmo, e os níveis de escolaridade ficaram harmonizados entre os três censos utilizados (1991, 2000 e 2010), ou seja, passaram a representar os mesmos grupos de escolaridade em cada ano.
Este estudo utiliza modelos de regressão logística para estimar a razão de chance de a adolescente ter tido um filho nascido vivo nos 12 meses anteriores ao censo3, ao mesmo tempo que controla por variáveis demográficas e socioeconômicas que também afetam o comportamento reprodutivo das adolescentes. Desta forma, a variável dependente empregada é igual a 0 (zero) caso a adolescente não tenha tido filho no ano anterior à pesquisa, e igual a 1 (um) caso ela tenha tido um filho nascido vivo neste período.
Junto com a principal variável independente, escolaridade, foram adicionadas também as seguintes variáveis: (1) Idade de 15 a 19 anos, sendo uma variável categórica para cada idade. A categoria de referência é a de adolescentes de 19 anos; (2) Raça/cor: branca (categoria de referência), preta, parda e outras raças; (3) religião, com as seguintes categorias: católicas (categoria de referência), evangélicos tradicionais4, evangélicos pentecostais5, evangélicos sem denominação, sem religião e outra religiões; (4) grande regiões brasileiras: Sudeste (categoria de referência), Sul, Centro-Oeste, Nordeste e Norte; (5) Local de residência: urbano e rural (categoria de referência); (6) renda domiciliar per capita, com as categorias 0 a 1 SM, de 1 a 2 SM, de 2 a 3 SM, de 3 a 5 SM e mais de 5 SM (categoria de referência); (7) estado conjugal atual: uma das categoriais indica se a adolescente está atualmente unida e/ou já esteve unida alguma vez enquanto a outra categoria inclui as adolescentes que nunca se uniram (categoria de referência). Todas estas variáveis já foram utilizadas em estudos prévios e são reconhecidas por sua forte associação com a fecundidade adolescente.
Resultados
Esse estudo buscou comparar os diferenciais das taxas de fecundidade das adolescentes segundo grupos de escolaridade entre 1991 e 2010. A Tabela 2 apresenta, para os três censos demográficos, a distribuição percentual das adolescentes segundo as variáveis utilizadas neste trabalho. Algumas mudanças chamam atenção como, por exemplo, o aumento do percentual de adolescentes com maior escolaridade (nove anos ou mais de estudo), o aumento de adolescentes filiadas às igrejas evangélicas, e a diminuição de mulheres que se auto reportaram de cor/raça branca.
Como já mencionado, uma das grandes mudanças socioeconômicas ocorridas recentemente no Brasil foi a mudança composicional da educação, decorrente do aumento da cobertura educacional. As adolescentes se beneficiaram muito deste aumento. A Tabela 2 mostra que em 1991, 16,9 % das mulheres entre 15 e 19 anos tinham 9 anos o mais de escolaridade, enquanto em 2010, este percentual foi de 65,2 %. Em contrapartida, também houve uma grande diminuição do percentual de adolescentes com baixa escolaridade (0 a 3 anos de estudo). Em 1991, elas representavam cerca de 24 %, enquanto em 2010, passaram a representar em torno de 5 % da população de adolescentes de 15 a 19 anos.
Como desejado, pessoas com características socioeconômicas menos favoráveis passaram a ingressar (e permanecer) no sistema educacional brasileiro. Parte dos adolescentes e jovens que entram no ensino fundamental, médio e superior representa a primeira geração de suas famílias a ingressar no sistema. Certamente, a expansão educacional e sua mudança composicional estão associadas ao aumento da heterogeneidade dentro dos grupos de escolaridade (Bar-haim e Shavit, 2013), o que pode desafiar a interpretação dos resultados da associação entre escolaridade e fecundidade na adolescência. Adolescentes que completam o ensino médio atualmente podem não ter a mesmas oportunidades de evitar uma gravidez indesejada, tanto quando comparadas com outras jovens com o mesmo nível de escolaridade, como com jovens que faziam parte de um grupo de escolaridade de ensino médio mais homogêneo no passado. Certamente, os diferenciais encontrados neste trabalho, ao comprar dados de 1991, 2000 e 2010, devem levar em consideração o aumento da heterogeneidade dentro dos grupos educacionais ao longo da expansão educacional (Rodríguez-Vignoli e Cavenaghi, 2014).

Fonte: Censos demográficos de 1991, 2000 e 2010
Fonte: Censos demográficos de 1991, 2000 e 2010O percentual de adolescentes que teve filho nascido vivo no ano anterior ao censo aumentou de 6,0 % para 6,3 % entre 1991 e 2000, e em seguida diminui para 4,6 % em 2010 (resultados não mostrados). A Tabela 3 apresenta a distribuição percentual destas adolescentes segundo idade e nível de escolaridade nos três censos demográficos. Os resultados confirmam um achado comum na literatura: quanto maior a idade, maior o percentual de adolescentes que teve filho no ano anterior ao Censo. Este resultado é observado em qualquer um dos grupos educacionais analisados. Em relação à escolaridade, o resultado se confirma, uma vez que, em cada idade analisada, quanto maior a escolaridade, menor a proporção de adolescentes que tiveram filho doze meses antes do censo.

Fonte: Censos demográficos de 1991, 2000 e 2010
Fonte: Censos demográficos de 1991, 2000 e 2010O comportamento do grupo educacional de adolescentes entre 4 e 8 anos de escolaridade, entre os censos, merece destaque. Este foi o único grupo que apresentou aumento consecutivo no percentual de mães com filho nascido vivo no ano anterior ao censo. Este percentual aumentou de 6,1 % para 8,2 % (entre 1991 e 2000) e em seguida para 9,0 % (em 2010). Este aumento consecutivo é também observado quando se separa por idade, sendo a única exceção a diminuição do percentual de adolescentes de 19 anos entre 2000 e 2010.
A Tabela 3 também mostra que em 2010, o grupo de adolescentes entre 4 e 8 anos de escolaridade é o grupo com maior percentual de adolescentes que teve filho no ano anterior ao censo em todas as idades, exceto entre aquelas com 15 anos. Aos 19 anos, 15,2 % das adolescentes deste grupo educacional teve um filho nascido vivo no ano que precedeu o censo de 2010, o que representa 3 pontos percentuais a mais do que entre adolescentes com a mesma idade e que tinham entre 0 e 3 anos de escolaridade, e mais que o triplo do percentual observado entre aquelas com 19 anos e pelo menos nove anos de escolaridade.
Deve-se ressaltar que os resultados para as adolescentes com 4 e 8 anos de escolaridade, observados na Tabela 3, provavelmente, não se trata apenas de mudança de comportamento. Parte desta explicação deve ser variação na composição educacional entre os grupos, uma vez que os avanços na cobertura educacional podem não ter sido aproveitados por todas as adolescentes e jovens.
Em seguida, a Tabela 4 apresenta os resultados de três modelos de regressão logística, sendo um para cada censo demográfico. Os achados representam a razão de chance de ter tido filho nascido vivo no ano que precedeu o censo segundo e ajustado por cada variável independente empregada neste estudo. Os resultados do primeiro modelo indicam que em 1991, controlando por todas as demais variáveis, as mulheres de 0 a 3 anos de escolaridade tinham uma chance 32 % maior de ter tido um filho nascido vivo nos últimos 12 meses em relação àquelas com 9 anos ou mais de escolaridade. Já as adolescentes com 4 a 8 anos de estudo apresentaram uma chance 19 % maior em relação à categoria de referência. Estes resultados corroboram a já estabelecida relação inversa entre escolaridade e fecundidade na adolescência, ou seja, quanto menor a escolaridade, maior a chance de ser mãe adolescente. (Aquino, 2003; Berquó e Cavenaghi, 2014a, 2014b; Cesare e Rodríguez-Vignoli, 2006; Esteve e Florez-Paredes, 2014; Gupta e Leite, 1999; Juarez, 1998; Leite, Rodrigues e Fonseca, 2004; Oliveria e Melo, 2010; Pantelides, 2004; Rodríguez-Vignoli, 2011; Rodríguez-Vignoli e Cavenaghi, 2014; Rodríguez Wong e Bonifácio, 2015).
Em 2000, o cenário se repete. Adolescentes com baixa e média escolaridade apresentam maior chance de ter tido filho no ano anterior ao censo quando compradas às adolescentes com nove anos ou mais de escolaridade. O primeiro grupo (0 a 3 anos de instrução) apresentou uma chance 42 % maior do que aquelas com 9 anos ou mais de escolaridade. Comparando com esta mesma categoria, os resultados indicam que adolescentes com 4 a 8 anos de escolaridade apresentavam uma chance 25 % maior de ter tido filho no ano anterior.
Ao comparar os resultados dos modelos de 1991 e 2000, é importante destacar o aumento dos diferenciais na chance de ser mãe adolescente segundo escolaridade. A razão de chance do grupo de 4 a 8 anos de estudo, por exemplo, aumentou de 1,19 para 1,25, enquanto a chance do grupo de 0 a 3 anos de escolaridade aumentou de 1,32 para 1,42, no mesmo período, em relação ao grupo mais escolarizado.
Em seguida, os resultados do modelo para o Censo de 2010 mostram que os diferenciais de fecundidade segundo escolaridade aumentam muito em relação aos de 2000. A razão de chance do grupo de 4 a 8 anos de estudo passou de 1,25 para 1,68, ou seja, este grupo apresentou uma chance muito maior de ter tido um filho nos últimos 12 meses (em relação ao grupo de 9 anos e mais) em 2010 do que em 2000.
Em 2000, as adolescentes com 4 a 8 anos de estudo representavam 52 % do total das adolescentes e em 2010, 30 % (resultado mostrado na Tabela 1). É uma diminuição expressiva, mas o percentual de adolescentes entre 4 e 8 anos de escolaridade ainda é muito alto (lembrando que elas têm, pelo menos, quinze anos de idade). Em 2010, as adolescentes com este nível educacional apresentaram uma dificuldade muito maior de inibir a fecundidade (em relação àquelas com nove anos ou mais) do que àquelas com o mesmo nível de escolaridade em 2000.
Outro resultado importante do modelo para o Censo de 2010 é em relação ao grupo de 0 a 3 anos de escolaridade. Embora este grupo de adolescentes apresente uma chance muito maior de ter tido filho nos últimos 12 meses em relação ao grupo com nove anos ou mais de escolaridade, esta chance é menor que a do grupo intermediário de escolaridade. É importante lembrar que as adolescentes com 0 a 3 anos de escolaridade representavam apenas 5 % do total de adolescentes brasileiras em 2010 (resultado mostrado na Tabela 1).

Fonte: Censos demográficos de 1991, 2000 e 2010. *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1
Fonte: Censos demográficos de 1991, 2000 e 2010. *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1Considerando as demais variáveis independentes dos modelos, os resultados observados corroboram achados em estudos prévios (Leite, Rodrigues e Fonseca, 2004; Rodríguez-Vignoli, 2014b; Verona e Dias Junior, 2012). Nos três censos, por exemplo, a chance de ter tido um filho nos últimos 12 meses é menor entre as adolescentes mais jovens, entre as residentes no meio rural, entre as evangélicas e entre as brancas. Por outro lado, a chance de ter tido filho nos últimos 12 meses é maior entre as residentes na região Centro-Oeste, em domicílios com a menor renda total, e entre aquelas adolescentes que vivem ou já viveram em união conjugal.
Considerações finais
No Brasil e nos demais países da América Latina, as taxas de fecundidade das adolescentes são elevadas, e os diferenciais segundo níveis de escolaridade ainda são persistentes e expressivos, (Rodríguez-Vignoli, 2011, 2013). Para Rodríguez-Vignoli (2008), duas mudanças importantes devem ser ressaltadas sobre a fecundidade adolescente na América Latina recentemente. Primeiro, que as mães adolescentes atuais não apresentam mais escolaridade nula, ou seja, quase sempre possuem alguma escolaridade. Isso ocorre principalmente no caso do Brasil, onde a maioria delas apresenta pelo menos parte do ensino fundamental ou mesmo completo. Segundo, que a análise de acordo com algum critério específico pode levar a conclusões enganosas, uma vez que há mudanças nos pesos relativos de cada subgrupo ao longo do tempo. Isso é o que a literatura usualmente chama de efeitos de composição, que ocorrem principalmente quando se analisa a fecundidade segundo grupos de escolaridade.
Vários estudos já analisaram esta associação para o caso brasileiro, em particular em períodos em que a fecundidade adolescente variava pouco ou mesmo aumentava (Berquó e Cavenaghi, 2005; Cesare e Rodríguez-Vignoli, 2006; Gupta e Leite, 1999; Juarez, 1998). Muito menos se sabe sobre o contexto mais recente, após o declínio da fecundidade adolescente e aumento da cobertura escolar.
Este artigo examinou se e como a associação entre fecundidade adolescente e escolaridade, controlada por variáveis demográficas e socioeconômicas, mudou no Brasil nas últimas décadas. Especificamente, o objetivo deste artigo foi comparar os diferenciais da fecundidade adolescente segundo escolaridade, observados em 1991, 2000 e 2010. É importante salientar que duas mudanças sociais e demográficas recentes motivaram este estudo. Primeiro, a trajetória da fecundidade adolescente no Brasil entre 1991 e 2010, que apresentou aumento entre 1991 e 2000, e em seguida declínio. E segundo o aumento da cobertura escolar, chegando a quase cobertura total do ensino fundamental.
Os principais resultados mostram um aumento dos diferenciais na chance de ter um filho nascido vivo entre adolescentes, segundo escolaridade, entre os três censos analisados. Ou seja, a cada censo, as adolescentes com menor escolaridade apresentam maior dificuldade de inibir a fecundidade quando comparadas com as adolescentes com pelo menos nove anos de escolaridade. Este aumento fica muito evidente ao comparar adolescentes entre 4 e 8 anos de escolaridade e aquelas com 9 e mais.
Os aumentos consecutivos nos diferenciais da chance de ser mãe adolescente segundo escolaridade, entre as menos escolarizadas, apontam para a existência de uma trajetória de aumento destes diferenciais. Desta forma, adolescentes com menor escolaridade apresentaram uma piora crescente em suas chances de inibir a fecundidade. A falta de oportunidade de avanço na vida escolar experimentada por este grupo, que deve ter tem dificuldade de usufruir da expansão escolar, está provavelmente associada às características desfavoráveis que não foram controladas no modelo de regressão.
Como mencionado anteriormente, a expansão educacional não garante a manutenção da mesma qualidade educacional anteriormente oferecida. O efeito da educação no comportamento reprodutivo pode mudar e coortes mais jovens podem experimentar diferentes resultados do acesso à escolaridade do que coortes anteriores. Em outras palavras, o fato de concluir o ensino fundamental, por exemplo, pode ter diferentes significados e resultados entre coortes e em períodos diferentes (Rodríguez-Vignoli e Cavenaghi, 2014).
Considerando os modelos propostos por Bongaarts (2003) sobre a trajetória dos diferenciais da fecundidade segundo escolaridade, os achados deste artigo indicam que o primeiro modelo sugerido pelo autor (leader-follower model), chamado aqui de modelo líder-seguidor, não pode ser utilizado para interpretar os resultados encontrados. Isso porque, os diferenciais da fecundidade adolescente permaneceram altos (e crescentes) ao longo dos Censos analisados. Como já mencionado, neste modelo, os diferenciais de fecundidade segundo escolaridade deveriam diminuir, tornando-se valores idênticos ou muito próximos. E se ocorresse desta forma, a composição da população segundo escolaridade não afetaria a fecundidade total ou específica das adolescentes.
Ao contrário, o modelo permanent-difference model, ou de diferenciais-permanentes, é mais consistente com os resultados encontrados neste artigo. Ou seja, os diferenciais permanecem entre 1991 e 2000 e entre 2000 e 2010, e, além disso, aumentam. Bongaarts (2003) observou em alguns casos em sua análise com 57 países que os diferenciais podem permanecer ao longo da transição ou mesmo apresentar diminuições pouco expressivas. O autor não comenta sobre países onde os diferenciais aumentaram, como foi observado neste trabalho. Esta trajetória de aumentos dos diferenciais da fecundidade adolescente é especialmente forte entre os censos de 2000 e 2010, período em que a fecundidade adolescente diminuiu muito no país.
Desta maneira, e como anteriormente indicado por Bongaarts (2003) e outros estudos (Berquó e Cavenaghi, 2014b; Rodríguez-Vignoli e Cavenaghi, 2014), a composição educacional torna-se fundamental para explicar os níveis atuais de fecundidade total ou adolescente no Brasil.
É importante lembrar que Bongaarts (2003) estudou a trajetória dos diferenciais da fecundidade segundo escolaridade em diferentes países ao longo da transição demográfica. Muito embora o Brasil já esteja em uma fase bem avançada da transição, as adolescentes são um grupo retardatário, que apresentou apenas recentemente declínio de sua fecundidade. Para uma análise específica sobre os diferenciais da fecundidade total segundo escolaridade no Brasil durante a sua transição, veja o trabalho de Rios-Neto, Miranda-Ribeiro e Miranda-Ribeiro (2018).
É interessante destacar que o grupo com escolaridade muito baixa (entre 0 e 3 anos de estudos) apresentou em 2010 chance um pouco inferior de ser mãe do que aquela apresentada para o grupo de adolescente entre 4 e 8 anos de escolaridade. Bem, o grupo de 0 a 3 anos de estudo era muito pequeno em 2010 e pode ter características muito específicas que impeçam o acesso tanto à escolaridade quanto a reprodução. Rodríguez-Vignoli e Cavenaghi (2014) argumentam que parte das adolescentes desse grupo de escolaridade pode apresentar limitações físicas ou mentais. Essas limitações podem impedir tanto a frequência na escola como também a reprodução na adolescência ou em qualquer outro período. Segundo os dados do censo de 2010, 11,72 % das adolescentes com 0 a 3 anos de estudo relataram alguma incapacidade enquanto 9,29 % reportaram incapacidade mental. Esta hipótese, colocada por Rodríguez-Vignoli e Cavenaghi (2014), deve ser investigada em estudos futuros.
Os resultados deste estudo contribuíram para o entendimento da relação entre fecundidade na adolescência e escolaridade em um contexto de declínio da fecundidade adolescente no Brasil, ao mesmo tempo em que se observou aumento da cobertura escolar. Os principais achados mostram que adolescentes de grupos de baixa e intermediária escolaridade tiveram suas chances de ser mãe aumentadas ao longo do tempo, em relação ao grupo com maior escolaridade, confirmando uma trajetória de aumento dos diferenciais da fecundidade adolescente segundo escolaridade no país. É importante destacar que as características e a composição do grupo de adolescentes que tinha entre 4 e 8 anos de escolaridade em 2010 (e que representava quase 30 % do total de adolescentes naquele ano) é essencial para explicar o aumento dos diferenciais da fecundidade em relação ao grupo mais escolarizado.
Por mais que fecundidade adolescente esteja caindo em alguns países da América Latina, em especial o Brasil, as taxas ainda são muito altas. A continuação do declínio dependerá de vários de fatores já mencionados por autores como Binstock (2016), De Rosa et al. (2016) e Pantelides (2004), os quais incluem o direito ao acesso ao sistema de saúde de forma autônoma e confidencial para os adolescentes, sendo a oferta gratuita de contracepção uma prioridade. Outros fatores incluem programas de saúde, de educação formal e sexual, e de diminuição da desigualdade de gênero específicos para adolescentes.
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Notas