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Depois do casamento a gente dá uma segurada: um estudo qualitativo sobre o papel das uniões e dos filhos no comportamento de saúde masculino

After Marriage, We are More Careful: A Qualitative Study on the Role of Unions and Children in Male Health Behavior

Bruna Daniele Ribeiro Firmino
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil
Raquel Zanatta Coutinho
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil
Ana Paula de Andrade Verona
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), Brasil

Depois do casamento a gente dá uma segurada: um estudo qualitativo sobre o papel das uniões e dos filhos no comportamento de saúde masculino

Revista Latinoamericana de Población, vol. 16, e202215, 2022

Asociación Latinoamericana de Población

Recepción: 28 Junio 2022

Aprobación: 20 Octubre 2022

Resumo: No Brasil, pouco se sabe sobre como e em que medida as uniões e o nascimento dos filhos estão associados à saúde masculina ou vice-versa. O presente artigo visa identificar mecanismos pelos quais os eventos ligados à formação de família atuam na transformação ou manutenção de comportamentos de saúde (alimentação, consumo excessivo de bebida alcoólica, tabagismo e direção perigosa) de homens de 25 a 39 anos, além de identificar agentes de regulação e controle na saúde desses homens. Foram realizadas 20 entrevistas em profundidade no município de Belo Horizonte-MG com indivíduos unidos, com e sem filhos, estratificados por escolaridade e Índice de Qualidade de Vida Urbana do local de residência. O suporte instrumental e a perspectiva normativa dos papéis sociais foram os principais mecanismos observados. No que tange aos agentes reguladores, a atuação das sogras e a religião mostraram-se especialmente relevantes para a adoção de hábitos mais saudáveis.

Palavras-chave: Comportamento de saúde, Homens, Casamento, União, Paternidade.

Abstract: In Brazil, little is known about how and to what extent marital unions and paternity are associated with male health outcomes. This article aims to identify mechanisms by which events linked to family formation act in the transformation or maintenance of health behaviors (unhealthy eating, excessive alcohol consumption, smoking, and reckless driving) of 25 to 39 years-old men, in addition to identifying agents of regulation and control. Twenty in-depth interviews were carried out in Belo Horizonte-MG, Brazil, with individuals in a marital union, with and without children, stratified by education level and Urban Life Quality Index (IQVU) of the place of residence. Instrumental support and the normative perspective of social roles were the main mechanisms observed. With regards to regulatory agents, the role of mothers-in-law and religion proved to be especially relevant for the adoption of healthier habits.

Keywords: Health behavior, Men, Marriage, Union, Parenthood.

Introdução

Embora haja uma tendência geral de aumento da expectativa de vida ao longo do tempo, as mulheres ainda vivem, em média, mais do que os homens. Segundo as tábuas de mortalidade disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro Geografia Estatistica (IBGE), no Brasil, a diferença na expectativa de vida ao nascer entre homens e mulheres era de 7,8 anos em 2000. Não obstante a redução dessa assimetria ao longo do tempo, as distinções ainda persistem, atingindo 7,6 e 7,0 anos em 2010 e 2019, respectivamente (IBGE, 2020).

Os diferenciais persistentes entre os padrões de morbidade e mortalidade entre o sexo feminino e masculino são atribuídos majoritariamente ao determinante comportamental associado ao estilo de vida - por exemplo, uso de álcool, tabaco, alimentação, direção de veículos motorizados e estresse (Laurenti e Gotlieb, 2005). Essa explicação é bem documentada pela literatura (Pampel, 2005; Preston e Weed, 1976), apesar de sua dimensão frente ao componente biológico/evolucionário ainda ser tema de debate.

Enquanto os homens são submetidos a uma socialização pautada em comportamentos normativos de masculinidade, como fumar, consumir bebida alcoólica e se recusar a usar o cinto de segurança, o que os incita a colocar a saúde em risco (Mahalik et al., 2007), as mulheres são socializadas para cuidar da sua própria saúde e dos demais membros da família, sendo esse comportamento justificado pela habilidade feminina natural para realizar esses e outros trabalhos domésticos não pagos (Reczek e Umberson, 2012). Em decorrência dessa socialização, as mulheres geralmente detêm mais conhecimento sobre questões de saúde se comparadas aos homens, mostrando-se também mais aptas para monitorar o seu próprio estado saúde e dos demais membros do seu domicílio e menos propensas a ingressarem em comportamentos de risco em geral (Umberson, 1992). Esse controle social feminino corrobora os resultados da maior parte dos estudos que analisam distinções de gênero na relação entre processos de formação de família e saúde, que apontam para uma maior dimensão dos ganhos na saúde auferidos pelos homens (Reczek et al., 2018; Umberson, 1987; Umberson, 1992;), embora se reconheça um predomínio do adoecimento feminino (Laurenti et al., 1998).

A maioria dos estudos sugere a existência de um efeito positivo das uniões conjugais e da paternidade no comportamento de saúde (Duncan et al., 2006; Musick e Bumpass, 2012; Zella, 2017). Esse efeito se daria em decorrência, principalmente, da atuação de fatores protetivos, como o provimento de suporte instrumental ou informativo, o estímulo aos hábitos saudáveis e a transformação da realidade normativa. A literatura reconhece, além disso, que os processos de formação de família exercem um papel mediador entre o status/comportamento de saúde e outros importantes determinantes da saúde individual, como a realidade socioeconômica (Ginther e Zavodny, 2001; Magnusson e Nermo, 2017; Waite, 1995), as redes de contato e de apoio (Musick e Bumpass, 2012) e a ligação com instituições sociais (Waite, 1995).

A literatura também aponta para a hipótese do efeito de seleção para explicação da vantagem dos indivíduos unidos com relação aos solteiros no que tange à saúde. Nessa perspectiva, os indivíduos com comportamentos e hábitos saudáveis seriam considerados parceiros mais atrativos e, consequentemente, estariam mais propícios a ingressarem em uma união (Goldman, 1993).

No Brasil, a maioria dos estudos aborda o estado conjugal como variável controle em estudos que abordam o comportamento de saúde (Casado et al., 2019; Machado et al., 2017; Moura e Malta, 2011). De forma geral, os estudos apontam para um menor consumo de substâncias como álcool e tabaco por parte dos indivíduos unidos, um efeito que se mostrou mais pronunciado dentre as mulheres no caso do estudo de Machado et al. (2017). Além disso, os resultados de Moura e Malta (2011) sugerem que viver na companhia de um parceiro também está associado a uma menor chance de dirigir sob influência de bebida alcoólica.

Considerando o contexto anteriormente descrito, o objetivo do presente artigo é analisar mecanismos pelos quais as uniões e a paternidade atuam na transformação ou manutenção comportamento de saúde (alimentação, higiene, consumo excessivo de bebida alcoólica, tabagismo, direção perigosa e sedentarismo) e identificar pessoas e instituições que atuam como agentes de regulação e controle na saúde desses homens. Acredita-se, nesse sentido, que a paternidade atue majoritariamente a partir da autoaplicação de normas para adoção de um comportamento convencional e esperado para um determinado status familiar. No caso das uniões, adicionalmente, espera-se que atuem diretamente na regulação e provimento de recursos para a saúde dos indivíduos.

Os dados são oriundos de um recorte temático de 20 entrevistas qualitativas que abordavam os padrões de família, trabalho e comportamento de saúde com homens de 25 a 39 anos em uma união conjugal formal ou informal há pelo menos um ano, de baixa e alta escolaridade, residentes em Belo Horizonte-MG. Ressalta-se que a técnica qualitativa permite a identificação de padrões comportamentais dos entrevistados, dos seus cônjuges e pares, e de suas possíveis transformações, diminuindo, a partir de perguntas retrospectivas, o viés ocasionado pelo efeito de seleção marital.

A maioria dos estudos empíricos identificados acerca do tema aborda as diferenças quantitativas no bem-estar individual e mortalidade atribuídas aos processos de formação de família. Nesse sentido, o presente artigo apresenta uma inovação em dois aspectos. O primeiro deles é a análise dos comportamentos de saúde em detrimento do status de saúde em si. Inseridos em um contexto de estilo de vida, os comportamentos de saúde – com destaque para os denominados comportamentos de risco, tal como o consumo de drogas lícitas e ilícitas e a direção perigosa - estão associados a uma maior exposição a condições crônicas e ocorrência de acidentes e, consequentemente, a uma maior mortalidade (OMS, 2018a; OMS, 2018b; Verbrugge, 1979). O segundo aspecto é análise dos mecanismos que mediam a relação entre os processos de formação de família e os comportamentos de saúde, questão pouco explorada pela literatura, sobretudo no escopo nacional.

Os efeitos protetivos dos processos de formação de família no comportamento masculino

A literatura aponta para uma relação negativa entre o casamento e a mortalidade (Kravdal, Grundy e Keenan, 2018; Verbrugge, 1979; Wang et al., 2020), além do uso e distúrbios relacionados a substâncias como maconha, cocaína, cigarro e álcool (Duncan et al., 2016; John et al., 2018; Umberson, 1992). A influência da composição dos grupos de indivíduos casados e solteiros em termos, por exemplo, de escolaridade nos resultados identificados mostrou-se um tema relevante especialmente no estudo de Kravdal, Grundy e Keenan (2018), que atribuem ao efeito de composição apenas uma parcela minoritária dos diferenciais na mortalidade entre os grupos analisados. No que tange à paternidade e maternidade, embora algumas evidências sugiram a diminuição da prática de exercícios físicos e da qualidade da dieta na fase em que os filhos se encontram em idade escolar (Aschemann-Witzel, 2013), a literatura aponta para um menor uso de substâncias tóxicas por parte dos pais nessa mesma fase (Umberson, Liu e Reczek, 2008), além de um aumento da aversão ao risco a partir do nascimento dos filhos (Görlitz e Tamm, 2015).

No Brasil, a maioria dos estudos aborda o estado conjugal como variável controle em estudos que abordam o comportamento de saúde (Casado et al., 2019; Machado et al., 2017; Moura e Malta, 2011). De forma geral, os estudos apontam para um menor consumo de substâncias como álcool e tabaco por parte dos indivíduos unidos, um efeito que se mostrou mais pronunciado dentre as mulheres no caso do estudo de Machado et al. Os resultados de Moura e Malta (2011), por sua vez, sugerem que viver na companhia de um parceiro também está associado a uma menor chance de dirigir sob influência de bebida alcoólica. No que tange ao sedentarismo, Peixoto et al. (2018) identifica que, para os indivíduos de 50 anos ou mais participantes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos, o casamento e a união estável mostram-se associados a uma maior prática de atividade física.

A existência de uma correlação usualmente positiva entre os processos de formação de família e a mortalidade/estado de saúde é atribuída, em partes, por Umberson (1987) à existência de regulação entre os cônjuges. A hipótese de controle social baseia-se no pressuposto de que a integração social estaria associada ao monitoramento e regulação do comportamento de saúde de outro indivíduo por meio da internalização de normas e significados de um papel social. Nesse sentido, segundo a autora, o casamento (e, de forma mais genérica, as uniões) e os filhos, proveriam um senso de importância que inibiria ações autodestrutivas. Esse controle social exercido na saúde dos indivíduos a partir dos processos de formação de família é classificado pela literatura em duas tipologias, direto e indireto (Umberson, 1987).

Controle social direto

O controle social direto refere-se às regulações ou sanções externas aos indivíduos relacionadas à paternidade ou matrimônio e que poderiam ser benéficas para a saúde (Umberson, 1987). Cônjuges e filhos, neste caso, na sua interação diária, podem atuar restringindo a má-alimentação e relembrando o indivíduo de certas ações (tal como a marcação de consultas médicas) ou indicando comportamentos e hábitos que levariam à deterioração ou dissolução da união (como o consumo excessivo de álcool). Ao restringir hábitos, o controle social descrito por Umberson se desdobra no mecanismo de suporte social, cujas principais tipologias, segundo Berkman e Glass (2000), são o suporte emocional, instrumental, informativo e na tomada de decisões. O suporte emocional, usualmente conferido pelas relações íntimas, como as uniões, se refere ao fornecimento de carinho e cuidado. O suporte instrumental, por sua vez, trata-se de assistência em questões práticas do dia a dia, tal como cozinhar, limpar ou pagar as contas. O suporte informativo, por fim, remete aos conselhos ou informações concedidas em necessidades específicas. O suporte na tomada de decisões é relacionado ao auxílio sobre qual conduta adotar frente à determinada incerteza.

Controle social indireto

O controle social indireto ocorre através da autoaplicação das normas. Indivíduos podem internalizar as normas de responsabilidade para um filho ou cônjuge e, como resultado, controlar seus próprios comportamentos, seja a fim de facilitar comportamentos de saúde ou impedir assumir riscos de outras maneiras. Os laços familiares (afetivos) contribuiriam, deste modo, para o fortalecimento da ideia de um comportamento convencional (Umberson, 1987).

Alguns mecanismos mostram-se atuantes nesse tipo de controle. O mecanismo de institucionalização trata das estruturas normativas e legais que especificam direitos e responsabilidades e trazem consigo padrões de comportamento apropriado reforçados pela família, amigos e a sociedade (Cherlin, 1978; Cherlin, 2004). O mecanismo de papéis sociais, complementa o anterior e se concentra em como as estruturas do casamento moldam o entendimento do que é esperado de homens e mulheres. O compromisso interpessoal, por sua vez, trata do envolvimento de outras pessoas na defesa do contrato de casamento, que o fortaleceria e facilitaria planos conjuntos a longo prazo, além de investimentos de tempo e energia no cuidado de crianças pequenas (Berkman e Glass, 2000).

Gênero e saúde

A Organização Mundial da Saúde reconhece que o gênero é um dos determinantes do estado de saúde e que esse componente está relacionado aos diferenciais observados nos diversos grupos sociais. A literatura sobre o tema que, ao longo dos anos, se deslocou do enfoque estritamente biológico para os determinantes sociais (Villela et al., 2020), teve expressivas contribuições desde a década de 1970, em que os estudos se pautavam majoritariamente na perspectiva de socialização e no “papel social” do homem para explicar diferenciais comportamentais que se refletiam na saúde masculina. Mais recentemente, essa perspectiva tem sido criticada por sugerir que o gênero é representado dois papéis sociais fixos, mutuamente exclusivos e estáticos (Courtenay, 2000). Reforçando uma perspectiva de gênero dinâmica, surgem estudos que analisam, inclusive, o papel do controle e suporte social provido entre casais homossexuais (Reczek et al., 2018).

Considerando a perspectiva dinâmica, socialmente construída e não dual sobre gênero, estudos recentes (Villela et al., 2020) apontam ainda para a necessidade de ampliação do foco das pesquisas sobre o assunto, de modo a considerar outros marcadores sociais que contribuiriam para explicar distinções comportamentais de gênero no âmbito da saúde. Como exemplo desses marcadores, destacam-se a idade, a religião e o trabalho. Nesse sentido, os indivíduos podem transformar os tipos e as intensidades dos comportamentos, por exemplo, conforme faixa etária e filiação religiosa. No caso do trabalho, observa-se certa estratificação por gênero, também socialmente construída, quanto às ocupações assumidas por homens e mulheres. Doenças associadas a uma determinada atividade do trabalho e certas causas de morte de maior ocorrência em ocupações exercidas majoritariamente por indivíduos do sexo masculino (Courtenay, 2000; Schraiber et al., 2005), constituem parte dessa temática que, por vezes, é tratada de forma dissociada das questões de gênero.

Ressalta-se que, embora haja um diferencial epidemiológico que usualmente resulta em uma maior mortalidade masculina para a grande maioria das causas, há, por outro lado, um predomínio do adoecimento feminino auferido pelas demandas dos serviços e inquéritos populacionais (Laurenti et al., 1998). Destaca-se, além disso, que os referidos diferenciais de gêneros ocasionam distinções em como os indivíduos transformam ou não seus comportamentos com os processos de formação de família. Segundo Reczek e Umberson (2012), em decorrência dos ideais de masculinidade hegemônicos, homens heterossexuais americanos em uniões formais ou informais usualmente não se preocupam com a saúde da companheira. As mulheres, por outro lado, reproduzindo um comportamento normativo, promovem o comportamento saudável dentre todos os membros da família.

As disparidades de gênero refletem, além disso, em distinções no uso do tempo que, por sua vez, refletem o tempo disponível para realização de uma atividade caracterizada como benéfica ou de risco para a saúde. A perspectiva de uso do tempo permite a análise da percepção e demanda de realização de tipologias de atividade. As atividades usualmente são agrupadas em três principais grupos (dedicação ao mercado de trabalho, ao trabalho doméstico ou atividades sociais e recreativas) e os resultados são apresentados de forma discriminada para homens e mulheres, uma vez que se correlacional com o nível de especialização do domicílio.

Ao analisar o uso do tempo de indivíduos de diferentes estados conjugais, Gupta (1999) observa uma redução no tempo despendido com atividades domésticas quando o homem ingressa em uma união, resultado contrário ao observado para o sexo feminino. Ao analisar a realização de atividades sociais e recreativas entre casados e solteiros nos Estados Unidos, Lee e Bhargava (2004), por sua vez, identificam que os indivíduos solteiros passam mais tempo assistindo à televisão, escutando rádio ou indo a bares enquanto os casados dedicam à maior parte do seu tempo recreativo a ocupações ativas como prática de esportes ou atividades ao ar livre, resultados comuns para os sexos feminino e masculino. Além disso, de forma geral, entre homens e mulheres, a falta de tempo também se mostra uma barreira para práticas de exercícios físicos dentre os adultos, por exemplo (Hull et al., 2010; Malina, 1996).

Processos de formação de família e fatores mediadores

Além do controle social direto e indireto mencionados no tópico anterior, os processos de formação de família podem ainda modificar o comportamento de saúde via transformação da realidade do indivíduo. Nesse caso, a formação de família atuaria, por exemplo, na transformação das suas redes de apoio, no envolvimento em práticas religiosas e na propensão de auferimento de recursos financeiros, que seriam fatores mediadores, como explicitado adiante.

No tocante às redes de contato e apoio, ressalta-se que, sobretudo para as famílias vulnerabilizadas socioeconomicamente, que contam com menos acesso a recursos a serem despendidos, a instituição da família faz-se muito importante no fornecimento de cuidado, por exemplo, para enfermos, crianças e idosos (Bassuk et al., 2002). Essas redes podem desempenhar um papel importante nas estratégias de subsistência e podem incluir atributos relacionados ao comportamento e hábitos de saúde. Nesse sentido, evidências empíricas sugerem que tanto as uniões quanto o nascimento dos filhos estão associados a um aumento e fortalecimento da rede de parentesco e, por vezes, ampliação do provimento de suporte e diminuição da rede composta por amigos, no caso dos homens (Surra, 1985; Wellman, 1997).

Considerando essa perspectiva, os processos de formação de família atuariam nas três principais características das redes elencadas por House, Umberson e Landis (1988) como relevantes para o provimento de suporte na saúde: i) A integração ou isolamento social (que se refere à existência ou quantidade de laços ou relações sociais) e ii) A estrutura da rede social (que se refere às características de um conjunto de relações, tal como densidade, homogeneidade ou dispersão. Essas características, por sua vez, são, segundo House, Umberson e Landis (1988), intrinsecamente correlacionados à intensidade e ao tipo de suporte prestados na saúde dos indivíduos.

Além da alteração das redes de contato propriamente ditas, os processos de formação de família podem estar associados às modificações na relação dos indivíduos com instituições que, por sua vez, promovem ou incentivam a adoção de um padrão de comportamento de saúde (Waite, 1995). A religião, em especial, é elencada pela literatura como promotora de transformações comportamentais. Essa transformação ocorreria em função de dois principais mecanismos: o controle social e o suporte social (D’Antonio et al., 1982). D’Antonio et al. (1982) destacam que, sob a perspectiva do controle social, a religião é percebida como uma instituição restritiva, de proibições. No que tange ao suporte social, por outro lado, D’Antonio et al. (1982) ressaltam o papel da religião como provedora de significados e laços, essenciais para a coesão social.

Evidências empíricas relacionadas ao contexto americano sugerem que a percepção de importância da religião e a frequência aos cultos e às atividades religiosas estão associados a menores ocorrências de comportamentos de saúde como o tabagismo, uso de álcool, evasão escolar e uso de maconha (Dalgalarrondo et al., 2004; Miller Davies e Greenwald, 2000). Em estudos realizados no escopo brasileiro, uma atenção especial é concedida às denominações pentecostais (Mariz, 2003; Rocha, Guimarães e Cunha, 2012), que parecem exercer uma influência ainda maior no comportamento dos indivíduos. Rocha, Guimarães e Cunha (2012), por exemplo, realizaram um estudo qualitativo sobre o processo de recuperação de uso de drogas em fiéis de igrejas pentecostais Assembleia de Deus, de uma comunidade popular do Rio de Janeiro. Segundo os autores, os usuários de drogas, em sua maioria, elegeram a igreja pentecostal como primeiro (e único) local para sua recuperação porque, dentro do seu campo de possibilidades, havia coerência entre sua visão de mundo e a desta instituição. Os resultados apontam ainda para a percepção dos respondentes sobre a possibilidade de associar-se a um grupo respeitado pelos próprios usuários de drogas e pela comunidade onde vivem. Os autores também ressaltam que a filiação à religião representou, para os que estavam ameaçados pelo tráfico, a própria garantia de sobrevivência.

Destaca-se ainda o papel da religião como instituição definidora de normas quanto ao ingresso em uniões e paternidade, funcionando como variável mediadora para atuação do efeito de seleção na correlação entre comportamento de saúde e status marital. Estudos realizados no escopo brasileiro ressaltam a correlação da religião e prática religiosa com a fecundidade e ingresso em uniões formais e informais, principalmente dentre as adolescentes do sexo feminino. Os resultados de McKinnon et al. (2008), em um estudo realizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, sugerem que as denominações protestantes são ainda mais efetivas que a religião católica em desencorajar o sexo pré-marital e a fecundidade dentre adolescentes de até 17 anos. Sob a perspectiva inversa, Waite (1995) ressalta o papel do casamento formal como conector do indivíduo com outras importantes instituições sociais, como a religião. Neste caso, o casamento seria responsável pela conversão para uma dada religião ou assiduidade a cultos religiosos, por exemplo, e não o contrário. No caso das uniões informais, Waite (1995) alega que sua ocorrência, ao contrário dos casamentos formais, está relacionada a uma menor participação nessas instituições.

Por fim, no que tange ao status socioeconômico, as explicações para sua relação com o comportamento de saúde, segundo Pampel, Krueger e Denney (2010) consistem na privação, desigualdade e estresse ocasionados no baixo status socioeconômico, nos menores benefícios de adoção de comportamentos saudáveis por parte dos menos favorecidos economicamente, na adoção de comportamentos saudáveis como forma de distinção social, nas distinções quanto ao conhecimento e acesso à informação, nas diferentes formas de provimento de suporte social, coesão e influência de pares, nas oportunidades comunitárias e, por fim, na disponibilidade de recursos (para pagar por um tratamento para sessar o tabagismo, por exemplo).

Quanto aos recursos financeiros, em específico, ressalta-se que, de maneira geral, os homens casados formalmente e com filhos desfrutam de maiores recursos se comparados aos seus pares (Lersch, 2017; Petersen et al., 2011). Essa relação pode dar-se como consequências da seleção de indivíduos com melhores recursos financeiros para o matrimônio ou como relação causal em decorrência do casamento, o denominado “prêmio”. O referido prêmio mostra-se mais pronunciada dentre os homens se comparados às mulheres (Lersch, 2017; Petersen et al., 2011). A adoção de determinados comportamentos de saúde pode, nesse caso, estar associada majoritariamente aos rendimentos diferenciais de indivíduos com padrões de formação de família distintos e não ao controle social exercido pela família.

Figura 1. Modelo Conceitual sobre como as uniões e a paternidade podem afetar o comportamento de saúde.

Modelo Conceitual sobre como as uniões e a paternidade podem afetar o comportamento de saúde
Figura 1
Modelo Conceitual sobre como as uniões e a paternidade podem afetar o comportamento de saúde
Fonte: Elaboração própria adaptado de Umberson (1987); Berkman e Glass (2000).

Viés de seleção

Além da atuação dos mecanismos protetivos descritos, destaca-se a perspectiva de seleção, que ganha mais peso após o artigo publicado por Goldman (1993). Essa perspectiva aponta para o papel do comportamento e estado de saúde para a escolha do parceiro e propensão à paternidade. Essa seleção pode ocorrer diretamente e racionalmente, com base nas características observadas (por exemplo, homens mais saudáveis seriam vistos como parceiros melhores ou fumantes que tendem a casar entre si) ou por homogamia social (Agrawal et al., 2006), quando a seleção de um cônjuge e a propensão de ter um filho ocorre com base em fatores sociais correlatos ao uso de substâncias, como a religião e prática religiosa (Huber e Fieder, 2018), status socioeconômico (Antonovics e Town, 2004; Petersen, 2011) ou características psicológicas ligadas às experiências na infância, como o divórcio dos pais (Umberson, 1987). Essas variáveis afetam, portanto, tanto a propensão a engajar em um dado comportamento de risco quanto a propensão de ingresso em uma união ou na paternidade.

Casamento formal vs. Informal

Com relação a comparação dos efeitos entre casamento formal e informal, como abordado nos tópicos anteriores, os processos de formação de família, de forma geral, introduzem novas normas relacionadas à saúde, aumentando o senso de responsabilidade e cuidado com os outros membros da família (Umberson, 1987). No entanto, a coabitação pode representar uma instituição incompleta se comparada ao casamento formal, apresentando uma variação de seus efeitos no comportamento de saúde. Nesse sentido, ressalta-se que o processo de desinstitucionalização das uniões, descrito por Cherlin (2004) como o fenômeno de aumento de coabitações e casamentos do mesmo sexo, acarretaria o enfraquecimento da atuação dos mecanismos de controle social indireto, associados à perspectiva normativa. Em função das normas sociais serem menos claras, as sanções ao quebrá-las seriam também menores. As evidências empíricas sobre o tema são controversas (Duncan et al., 2006; Musick e Bumpass, 2012). No caso específico da América Latina, em que as coabitações tradicionais se mostram historicamente presentes (Covre-Sussai et al., 2015), acredita-se que as distinções entre uniões formais e informais sejam menos expressivas.

Contexto empírico

Composto por um território classificado como urbano em sua totalidade, Belo Horizonte é o sexto município mais populoso do país segundo dados do Censo Demográfico de 2010 e ocupa o oitavo lugar no ranking brasileiro de número de mortes por causas evitáveis de adultos entre 25 e 39 anos em 2016 (DATASUS, 2021), configurando, portanto, um recorte relevante para análise dos determinantes para ocorrência dessas causas de morte.

Metodologia

A fim de identificar os mecanismos envolvidos nas modificações dos padrões comportamentais de homens adultos, foram realizadas vinte entrevistas em profundidade com um roteiro semi-estruturado no município de Belo Horizonte-MG com homens unidos formalmente ou informalmente, com e sem filhos de diversos níveis de escolaridade, entre os meses de setembro e dezembro de 2018. A pesquisa recebeu parecer positivo do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE: 97392118.6.0000.5149).

Ressalta-se que a técnica de entrevista em profundidade permite o aprofundamento das investigações e a combinação de histórias de vida e contextos sócio-históricos, possibilitando a compreensão de motivações que produzem transformações nas crenças e valores que motivam e justificam o comportamento dos informantes (Muylaert et al., 2014). As entrevistas em profundidade consistem ainda em uma técnica amplamente utilizada em estudos exploratórios no campo de saúde pública e saúde coletiva (Machin et al., 2011; Piovesan e Temporini, 1995) e processos de formação de família (Esmaeeli et al., 2016; González et al., 1999).

Optou-se pelo estudo da faixa etária supracitada em detrimento de indivíduos de idade mais avançada para minimizar falhas de memória relativas ao período anterior aos fenômenos de interesse, as uniões e a paternidade. A análise de indivíduos unidos, incluindo aqueles em uma união informal dar-se-á porque, no Brasil, é comum a prática de coabitação, sobretudo nos estratos socioeconômicos mais vulneráveis, onde ocorre em substituição do casamento formal (Covre-Sussai et al., 2015).

A seleção de entrevistados de diferentes status socioeconômicos ocorreu a partir do Índice de Qualidade de Vida Urbana de Belo Horizonte (IQVU-BH). O IQVU é um índice multidimensional intraurbano, que quantifica a desigualdade espacial no interior do tecido urbano em termos de disponibilidade e acesso a bens e serviços urbanos. O IQVU-BH é calculado para 79 divisões intraurbanas denominadas Unidades de Planejamento (UP). É composto por dez variáveis, resultantes da agregação de 33 indicadores, às quais se atribui um peso. As variáveis são então agrupadas, gerando o valor final do índice, que varia entre zero e um, sendo um o valor “ideal”, isto é, de pleno acesso aos bens e serviços (Prefeitura de Belo Horizonte, 2021).

A busca por entrevistados com escolaridade de até o ensino médio completo foi realizada em unidades de planejamento correspondentes ao primeiro tercil do IQVU 2014. Nas análises, considera-se que esses são os entrevistados de baixo status socioeconômico. Foram considerados entrevistados de alto status socioeconômico, por sua vez, aqueles que tinham completado o ensino superior e que residiam em áreas inclusas no terceiro tercil do IQVU. Para selecionar possíveis participantes foram realizadas buscas ativas, contato com associação de moradores e comércio local. Além disso, em quatro entrevistas foram resultado de indicação dos próprios entrevistados.

Os respondentes foram incitados a discorrer sobre o seu próprio comportamento de saúde e dos demais membros do domicílio. A fim de evitar que os entrevistados racionalizassem as respostas, as perguntas acerca dos comportamentos de saúde não se referiam diretamente ao casamento. Ao final das entrevistas, que foram gravadas, os entrevistados preencheram uma ficha contendo suas características sociodemográficas e questões complementares ao roteiro, como padrões de intensidade e quantidade de consumo de tabaco e álcool, além da ocorrência de acidentes de trânsito e uso do cinto de segurança.

Após a transcrição das entrevistas, realizou-se uma leitura cuidadosa do texto, que proporcionou codificar os achados segundo uma lista prévia de códigos produzida com base na literatura sobre o tema. Para organização dos dados e códigos de pesquisa, utilizou-se o software NVivo 14. Com a realização das entrevistas, emergiram dois tópicos inicialmente não previstos: as redes de contato e o papel da religião como instituição mediadora do comportamento, o que demandou o ajuste da revisão da literatura e do próprio roteiro. Como critério de saturação, utilizou-se a repetição de ideias identificadas na codificação (Fontanella et al., 2008).

Resultados

A Tabela 1, apresentada a seguir, indica o perfil de cada um dos entrevistados no que tange ao tipo de união, IQVU da unidade de planejamento de residência, escolaridade, idade à entrevista, idade à união, número de filhos, idade do filho mais velho, religião e ocupação no momento da entrevista.

Tabela 1. Características sociodemográficas dos entrevistados.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos entrevistados
IDTipoIQVUEscolaridadeIdadeIdade com que se casouNº de filhosIdade do filho mais velhoReligiãoOcupação
1União estável formalizada0.747Superior completo3319113EspíritaEngenheiro
2União formal0.750Superior completo363015EspíritaAdvogado
3União formal0.743Superior completo393124CatólicaOrtodontista
4União formal0.748Superior completo342617CatólicaContador
5União formal0.778Superior completo352715CatólicaAdvogado
6União formal0.747Superior completo32300-AteuDesempregado
7União informal0.799Superior completo28270-EspíritaEstudante
8União estável formalizada0.779Superior completo30280-AteuAnalista de logística
9União informal0.773Superior completo34330-AteuProgramador
10União informal0.778Superior completo29280-AteuEstudante
11União formal0.489Fundamental incompleto3625111EvangélicaVendedor
12União informal0.489Ensino médio incompleto2515110EvangélicaVigilante
13União informal0.584Ensino médio completo393514CatólicaAuxiliar administrativo
14União informal0.575Ensino médio incompleto261539EvangélicaMecânico
15União formal0.525Ensino médio completo262411EvangélicaMecânico
16União formal0.575Ensino médio completo37320-EvangélicaBorracheiro
17União informal0.575Fundamental incompleto37340-CatólicaDesempregado
18União formal0.586Ensino médio completo27260-EvangélicaAuxiliar administrativo
19União formal0.525Ensino médio completo35330-EvangélicaVigilante
20União formal0.799Superior completo35330-AteuEstudante
Fonte: Elaboração própria.

Controle social direto

Diversas evidências de controle social direto foram identificadas nas entrevistas em profundidade. Abaixo, listamos os principais achados com relação ao suporte emocional, instrumental e informativo na tomada de decisões.

Observou-se que o suporte emocional, associado ao provimento de carinho e cuidado, mostrou-se intrinsecamente associado ao suporte instrumental, que representa a realização de tarefas diárias. Nesse sentido, a partir da análise das entrevistas identificou-se que a companheira usualmente assume a responsabilidade de realização de limpezas no domicílio ou compra de alimentos e medicamentos. No caso dos entrevistados de baixo status socioeconômico, é unânime dentre os entrevistados que a responsabilidade de preparo de alimentos seja da esposa, ao menos durante os dias de semana.

Quando nós nos casamos, eu não comia muita verdura. Depois do casamento, passei a comer essas coisas todas. Alface, tomate. Tudo de verdura eu passei a comer. [Por que você passou a comer depois do casamento?] Porque ela (esposa) fazia. E ia colocando de pouquinho a pouquinho para mim. Foi quando eu acostumei com aquilo (Entrevista 15, Casamento formal, Com filhos, Ensino Médio Completo).

No caso específico dos entrevistados de alto status socioeconômico, foi mencionada a presença de diaristas, empregadas domésticas ou babás prestando suporte instrumental na alimentação ou limpeza dos domicílios. Também nesse estrato, a maioria dos entrevistados alegou almoçar em restaurantes em detrimento do próprio domicílio durante a semana.

O suporte social informativo realizado pelos cônjuges foi mencionado por entrevistados em uniões conjugais formais e informais quando questionados sobre os meios em que se informavam, por exemplo, sobre campanhas de vacinação ou a necessidade de realização de exames periódicos. Apesar de nem sempre atendidas, as sugestões de cuidado fornecidas servem para ampliar o conhecimento dos homens acerca da existência de aparelhos de saúde.

[E quando, por exemplo, tem campanha de vacinação. Febre amarela. Que teve muito recentemente, todo mundo teve que vacinar. Como você fica sabendo? Em qual meio você fica sabendo?] No meio minha mãe (risos). Porque rádio eu não sou de escutar. [...] Jornal, não assisto, acho sensacionalista. Então quem me avisa é minha mãe mesmo (Entrevistado 18, Casamento formal, Sem filhos, Ensino Médio Completo).

Minha mãe, minha sogra e minha esposa falam. ‘Ah, tá tendo tal remédio no posto, você viu? Hoje é dia de vacina.’ E normalmente eu não vou muito no médico não. Já compro o remédio e tomo para ver se resolvo eu mesmo. Às vezes minha esposa que coloca na minha cabeça para ir. [A sua esposa?] É. Outro dia mesmo, estava com infecção de ouvido, estava ruim. Aí ela foi comigo (Entrevista 16, Casamento formal, Sem filhos, Ensino Médio Completo).

Outros agentes de regulação, tais como as mães, pais e sogras dos entrevistados também foram mencionados como informantes sobre questões de saúde e também como suporte instrumental, como será abordado na seção sobre fatores mediadores.

Quanto ao suporte na tomada de decisões, as companheiras são identificadas nas entrevistas como influenciadores contra comportamentos considerados de risco, tal como andar de moto, consumo de substâncias como cigarro e álcool.

Eu, por exemplo, quero comprar uma moto. Nós estamos numa discussão danada. Porque ela não quer, vai influenciar os meninos. Eu tive moto no passado, sempre gostei de moto. Estou pensando em comprar outra, mas está difícil. [...] Na época que a gente namorava, eu tinha moto. Depois que a gente se casou, teve filho, fica aquela tensão. E se acontecer alguma coisa comigo? Ou mesmo com ela? Eu tenho saudade dessa época. Moto dá uma sensação de liberdade muito grande (Entrevista 3, Casamento formal, Com filhos, Ensino Superior completo).

Ela fala, fala para eu parar de fumar e eu acho entendível. Ela reclama quando a gente está perto e eu fumo. [...] Na hora que eu estou muito afim de fumar por algum motivo, eu vou para longe e vou fumar um cigarro (Entrevista 9, União informal, Sem filhos, Ensino Superior completo).

Assim como no caso do suporte informativo, a prestação do suporte na tomada de decisões relacionadas à saúde nem sempre resulta na adoção de um comportamento mais saudável, mas criam empecilhos ao comportamento de risco.

Controle social indireto

A institucionalização trazida pelo matrimônio e o papel social do marido com relação à esposa foram mecanismos identificados para as uniões, tal como ilustram os relatos das entrevistas 2 e 15, dispostos abaixo. Nesses casos, além da percepção de responsabilidade, a transformação nos hábitos de saúde, como o consumo de álcool ou direção após consumo de álcool, ocorreria em decorrência da manutenção da qualidade da relação evitando, consequentemente, sua dissolução. Embora as menções referentes a esse mecanismo tenham sido mais comuns dentre os indivíduos em um casamento formal, em um dos casos o compromisso interpessoal foi identificado também em uma união consensual formalizada.

Nós dois bebemos. Aí a gente começou a perceber o seguinte: A gente bebia, os ânimos exaltavam, as brigas ficavam mais frequentes. Então a gente começou a maneirar um pouco. Depois que eu dei perda total no carro, eu vi que meu relacionamento com ela estava caminhando para ser algo sério. A gente começava a fazer planos e planos. Não dá pra fazer a mistura de álcool e direção porque eu não sou só eu no mundo mais. Eu tinha esse pensamento egoísta de que se eu morresse, era só eu mesmo (Entrevista 2, Casamento formal, Com filhos, Ensino Superior completo).

Depois do casamento a gente dá uma segurada (consumo de álcool). A gente fica mais seguro. Vem um menino [filho] ainda. Quase que põe um ponto final em tudo. [Mas, o que acontece?] A gente fica mais responsável pelas coisas da gente dentro de casa. A mulher não bebe... A gente fica um pouco mais seguro. Fica aquele trem. Um bebe, outro não. Fica meio chato né? (Entrevista 15, Casamento formal, Com filhos, Ensino Médio Completo).

No que se refere a autoaplicação de normas e ao provimento de exemplo de comportamento a ser emulado pelos filhos, foi identificada nas entrevistas a atuação deste mecanismo na redução ou suspensão do consumo de substâncias como álcool, tabaco e maconha, tal como ilustram os trechos dispostos a seguir:

Enquanto tivesse novinho não entende nada. Mas aí, com dois anos, ele já começa a entender. E eu não quero ser o exemplo de João Cana braba pro meu menino (Entrevista 2, Casamento formal, Com filhos, Ensino Superior completo).

Bem. No final, vamos dizer, uns dois anos antes de parar de fumar, eu já estava bem de saco cheio de cigarro. [...] Foi quando minha esposa engravidou. Engravidou e eu tive o que eu precisava para precisar parar. Eu parei de um dia para outro. Fumava cigarro todo dia e parei sem o uso de remédio, sem nada. [Foi sua esposa quem te incentivou ou partiu de você mesmo?] Partiu de mim mesmo. [...] Porque eu já vinha querendo parar. Tinha medo de não conseguir. Mas com o filho, eu não queria que meu filho convivesse com cigarro. Pela saúde dele e pelo exemplo. Então, isso foi o ponto de partida (Entrevista 5, Casamento formal, Com Filhos, Ensino Superior Completo).

Também foi identificada nas entrevistas realizadas a percepção do papel do pai como provedor de recursos monetários e não monetários, ação prevista no mecanismo de compromisso interpessoal. Essa percepção aparece associada ao receio de morrer e deixar os filhos desamparados, o que aumentaria os custos de ingresso em comportamentos de risco como envolvimento em brigas com agressões ou não realizar consultas médicas periódicas, tal como disposto nos relatos a seguir:

Então, eu tenho preocupação com a saúde dos meus filhos, tenho preocupação com a integridade física, por exemplo. Só que eu não posso pensar só nisso. E pensar que se eu morrer vou deixá-los com uma mão na frente e outra atrás. Então tem também a preocupação de o que esses meninos vão herdar quando eu e a mãe dele formos (Entrevista 2, Casamento formal, Com filhos, Ensino Superior completo).

Você começa a pensar mais na sua família, porque a violência está demais e a minha briga não era com cara comum, geralmente era com os caras da “boca” [local onde são realizadas vendas de drogas]. Eu já cheguei a arrumar briga dentro da boca com os caras armados. [...] É que eu pensei assim, eu vou morrer e deixar minha família. Ou eles vão correr e pegar minha família. Eles não têm nada com isso. Aí comecei a pensar mais na família, comecei a maneirar, depois que minha menina nasceu, eu parei com isso (Entrevista 17, União informal, Sem filhos, Ensino Fundamental Incompleto).

Em alguns casos, no entanto, valendo-se também da perspectiva de uso do tempo e do compromisso interpessoal, o casamento e os filhos foram mencionados como principais motivos para o sedentarismo ou não realização de atividades físicas regulares, o oposto do que se esperava pela literatura clássica internacional:

Há um comodismo. Quando você namora, tem que sair de um lugar, ir para o outro. Nem sempre você está de carro ou moto. Tem que pegar ônibus, correr atrás de ônibus. Quando você casa, domingo você está na sua casa. Não precisa levar alguém em casa ou ir para sua casa. Então você acaba acomodando e ficando parado (Entrevista 18, Casamento formal, Sem filhos, Ensino Médio Completo).

Depois que eu a conheci (esposa), eu acabei engordando, engordei 20 kg. [Por que você acha que engordou?] Eu não sei. Acho que a gente acaba criando hábitos mais caseiros. Todo dia a gente acaba fazendo coisas tipo, preparar uma coisa gorda para comer, uma lasanha... (Entrevista 2, Casamento formal, Com filhos, Ensino Superior completo).

Fatores mediadores

Com relação aos fatores mediadores, foram citadas várias evidências de transformação nas redes de contato. Os relatos dispostos abaixo indicam que, a partir da união e dos filhos, os respondentes direta ou indiretamente passam a selecionar as atividades de lazer e as companhias para realizá-las, de modo em que são evitadas ocasiões propícias ao consumo excessivo de álcool, por exemplo. Os relatos sugerem ainda a intensificação das redes de parentesco em detrimento das redes de amigos após o casamento e paternidade, tal como descrito por Wellman et al. (1997).

Eu acho que a pessoa que está solteira, ela tem necessidade de sair mais. Mais pela rotina. Pela turma. E acaba bebendo mais. Igual esse colega meu, que divorciou. Ele acaba saindo com outras turmas. E a gente acaba saindo com uma mesma turma... Por exemplo, a gente que tem filho, vai sair, tem que ser lugar que tem parquinho sempre (Entrevista 3, Casamento formal, Com filhos, Ensino Superior Completo).

Dos meus amigos sim, tem gente que bebe, fuma. [O senhor não bebe?] Não bebo e nem fumo. [...] Então assim, depois que eu arrumei essa minha esposa, eu me afastei mais. Minha rotina é essa, serviço, casa e igreja. O tempo que eu paro em casa, eu fico em casa jogando vídeo game (Entrevista 11, Casamento formal, Com filhos, Ensino Fundamental Incompleto).

A inclusão das sogras na rede de apoio na saúde dos respondentes também foi uma modificação na rede de contatos identificada nas entrevistas de ambos status socioeconômico, alto e baixo. Além do suporte informativo, mencionado anteriormente, elas também proveem suporte instrumental a alguns dos entrevistados, principalmente no que se refere ao preparo de alimentos.

Almoço, pela correria, minha sogra se dispôs a... Como meu menino estuda perto da casa deles, ela se dispôs para gente pegar marmita na casa dela. Como os dois são aposentados, meu sogro e minha sogra e eles fazem almoço todo dia. Cozinhar para dois e cozinhar para quatro é a mesma coisa. Então, alimentação hoje a gente tem pegado com meu sogro e minha sogra (Entrevista 2, Casamento formal, Com filhos, Ensino Superior completo).

Não é fácil. Minha sogra ajuda muito. Pelo menos três vezes na semana minha sogra fica com os meninos de manhã. [...] Minha sogra faz almoço três vezes na semana. [...] Eu também almoço lá (Entrevista 3, Casamento formal, Com filhos, Ensino Superior Completo).

Não é fácil. Minha sogra ajuda muito. Pelo menos três vezes na semana minha sogra fica com os meninos de manhã. [...] Minha sogra faz almoço três vezes na semana. [...] Eu também almoço lá (Entrevista 3, Casamento formal, Com filhos, Ensino Superior Completo).

Eu bebia todas. [...] Primeiramente, esse amigo meu que hoje é pastor, conversava muito comigo. Me levou para um retiro espiritual e eu aceitei Jesus. Naquele ponto eu parei de beber. Não queria aquilo mais para minha vida não. [E sua esposa também foi para a igreja quando você foi?] Ela já era da igreja, mas tava... Afastada. [Quem chamou quem para ir?] Na verdade, fui eu. Porque um colega meu era pastor e me chamava para ir. Acabou que eu fui e a chamei. Mas ela conheceu os caminhos primeiro do que eu (Entrevista 16, Casamento formal, Sem filhos, Ensino Médio Completo).

Eu bebia todas. [...] Primeiramente, esse amigo meu que hoje é pastor, conversava muito comigo. Me levou para um retiro espiritual e eu aceitei Jesus. Naquele ponto eu parei de beber. Não queria aquilo mais para minha vida não. [E sua esposa também foi para a igreja quando você foi?] Ela já era da igreja, mas tava... Afastada. [Quem chamou quem para ir?] Na verdade, fui eu. Porque um colega meu era pastor e me chamava para ir. Acabou que eu fui e a chamei. Mas ela conheceu os caminhos primeiro do que eu (Entrevista 16, Casamento formal, Sem filhos, Ensino Médio Completo).

Para ser sincero eu não tenho nenhum amigo que bebe, nenhum amigo que fuma, é tudo da igreja, conheci todos na igreja e a gente é amigo até hoje! Não tenho nenhum amigo que bebe, não dá para falar assim ‘esse aqui bebe’. Nunca tive (Entrevista 20, Casamento formal, Sem filhos, Ensino Médio Completo).

A religião foi mencionada também como principal provedora de recursos sociais em alguns casos, o que sugere uma forte atuação do efeito de pares dentre os membros de uma mesma denominação religiosa:

Amigos hoje são os de dentro da igreja. [...] A partir do momento que já vai contra aquilo que eu creio, já há uma separação. [Quando você costuma sair para algum lugar, fazer alguma coisa. Com quem você sai?] Com minha esposa e os amigos da igreja. Ultimamente tem sido mais eu e ela. Mas a gente sai com os amigos da igreja (Entrevista 18, Casamento formal, Sem filhos, Ensino Médio Completo).

Para ser sincero eu não tenho nenhum amigo que bebe, nenhum amigo que fuma, é tudo da igreja, conheci todos na igreja e a gente é amigo até hoje! Não tenho nenhum amigo que bebe, não dá para falar assim ‘esse aqui bebe’. Nunca tive (Entrevista 20, Casamento formal, Sem filhos, Ensino Médio Completo).

Ressalta-se que, em alguns casos, as companheiras foram mencionadas como motivadoras para a mobilidade religiosa e a frequência aos cultos. Em outro caso, a denominação religiosa mostrou-se um atributo relevante para a decisão de escolha da parceira:

Meu pai obrigava a gente a ir na igreja quando a gente era moleque. Na igreja católica. Ele forçava a gente a ir, a gente ia. Eu nunca gostei de igreja católica. Na evangélica eu já ia antes de ter meus meninos, quando conheci minha esposa. Ela me convidou para a igreja [evangélica]. Agora eu vou na igreja, uma vez por semana, na igreja evangélica. Gosto de ir. Minha mulher vai direto (Entrevista 4, Casamento formal, Com filhos, Ensino Superior Completo).

Minha esposa também é cristã. Congrega na mesma igreja que eu. Os pais dela também congregam. Foi lá que a conheci. [...]Pelos procedimentos e tudo que eu creio, a gente ficou um ano conversando, depois um ano orando, para só depois ter um relacionamento (Entrevista 18, Casamento formal, Sem filhos, Ensino Médio Completo).

Conheci [nome da companheira] em um pagode. Eu era desviado, não tinha aceitado Jesus ainda não. Depois nos afastamos. Posteriormente, em janeiro de 2012 eu encontrei com ela outra vez. [...] Agosto começamos a namorar. Em outubro do mesmo ano nós fomos para a igreja. [...] [Quem chamou quem para ir?] Na verdade, fui eu quem chamei. Porque um colega meu era pastor e me chamava para ir. Acabou que eu fui que chamei ela (Entrevista 16, Casamento formal, Sem filhos, Ensino Médio Completo).

Ainda nas questões mediadoras, observou-se dentre os entrevistados de baixo status socioeconômico, uma maior diversidade de hábitos de risco ou que comprometem a saúde. Dentre estes hábitos, destacam-se a condução de automóvel ou motocicleta sem carteira de motorista e uso de cerol em pipas, hábitos identificados exclusivamente nesse estrato socioeconômico. Por vezes, os comportamentos supracitados foram abandonados, segundo os respondentes, em função dos processos de formação de família, tal como ilustra o relato da entrevista 14 disposto a seguir. A direção sem carteira de motorista, no entanto, é um hábito que persiste para dois dos entrevistados, possivelmente devido ao custo associado à obtenção do documento.

Eu mudei muito. O que fez eu mudar mesmo foram meus filhos. [...] Qualquer coisa eu ia. Vamos ali em cima soltar um papagaio. Eu ia. Hoje em dia não vou mais. Vou, pego meu menino e vou passear aqui na rua. Passava cerol aqui no meio da rua. Hoje em dia não mecho mais com cerol. Por causa dos meninos. [...] Eu sei que machuca eles. E se meu filho me vir passando, vai ver e aprender. Eu sou o espelho dele. Tudo que eu mudei é para ele não ver e se espelhar em mim. [...] Falar com você a verdade. Hoje em dia não mexo com isso mais não. Mas eu já fumei maconha. Hoje em dia não fumo mais não. Por causa deles também (Entrevista 14, União informal, Com filhos, Ensino Médio Incompleto).

Eu dirijo e piloto [moto]. Só não tenho carteira (Entrevista 12, Casamento formal, Com Filhos, Ensino Médio Incompleto).

Não foram identificadas, nessas entrevistas, melhoria na renda devido a união ou o nascimento de filhos. Pelo contrário, os homens entrevistados alegam ter ficado com o orçamento mais apertado, o que não configura um bônus da paternidade, como previsto na literatura. Assim, o nível socioeconômico interfere na adoção de comportamentos de vida mais saudável, pois uma boa renda proporciona opções mais seguras de lazer, uma organização do tempo mais favorável para a práticas de exercício físico e condições de arcar com os custos da emissão da carteira nacional de habilitação.

Meu exercício hoje é carregar menino, de manhã, de dia, de noite e de madrugada. Mas... Tem muito tempo que eu estou parado sem fazer exercícios, estou precisando voltar. O que está faltando hoje, para eu fazer exercício, é tempo. E estando desempregado, eu não vou comprometer o dinheiro com exercício físico, sendo que eu tenho contas para pagar. Contas de uma casa para arcar. Hoje eu não faço por uma questão de... Restrição financeira e de tentar dar suporte para os meninos (Entrevista 2, Casamento formal, Com filhos, Ensino Superior Completo).

Conclusões e Implicações

Frente ao processo de divergência por sexo nas taxas de mortalidade, em que as causas evitáveis mostram-se de extrema relevância, faz-se importante analisar os fatores associados à morbidade e mortalidade masculina. O presente estudo possibilitou a análise da ocorrência de comportamentos de saúde selecionados por status familiar entre os homens e da atuação de mecanismos pelos quais a formação de família atua na transformação ou manutenção do comportamento de saúde masculino. A utilização da técnica de entrevista semiestruturada possibilitou a identificação dos mecanismos atuantes nessa relação, usualmente tratada exclusivamente sob a ótica de estudos quantitativos.

A partir de perguntas retrospectivas que relatavam uma transformação comportamental a partir da união e, sobretudo, da paternidade, identificou-se mecanismos de controle social direto e indireto em conformidade com a perspectiva apresentada por Umberson (1987), assim como as subcategorias de controle social direto adotadas (informativo, instrumental e tomada de decisões) apresentadas por Berkman e Glass (2000) para os mecanismos protetivos das uniões. O controle social indireto relacionado à paternidade, sobretudo, mostrou-se muito presente nas entrevistas. As relações, no entanto, não foram unidirecionais, o que reforça a interseccionalidade do fenômeno. As entrevistas sugerem, por exemplo, que após o nascimento dos filhos há uma limitação do tempo despendido com a prática de atividades físicas, relação documentada em estudos preliminares (Gupta, 1999).

Observou-se, além disso, um forte viés de gênero no que tange ao suporte diretamente prestado aos indivíduos. Esposas e mães e sogras foram descritas como figuras importantes tanto para o provimento de tarefas domésticas quanto de cuidado com os membros do domicílio, o que reforça perspectivas de gênero e masculinidade hegemônicos. A falta de preocupação com a saúde e as práticas sociais que prejudicam a saúde dos homens podem ser interpretadas, nesse sentido, como símbolos de masculinidade e instrumentos que os homens utilizam na negociação de poder e status social (Courtenay, 2000).

Destaca-se ainda os diferentes marcadores sociais associados aos processos de formação de família e à perspectiva de gênero. Nos resultados analisados, cabe destacar o papel da religião, sobretudo da denominação pentecostal em indivíduos de baixo status socioeconômico, como mediador tanto do ingresso dos indivíduos em uniões quanto de transformação do comportamento de saúde. Por um lado, a religião mostrou-se, nas entrevistas, um critério importante para a escolha do parceiro e para a própria decisão de ingresso nas uniões, o que, por sua vez, sugere a ocorrência de processos de seleção (Goldman, 1993) e homogamia social na formação de uniões (Agrawal et al., 2006). Por outro lado, o ingresso na religião a convite da parceira, por exemplo, mostrou-se um relevante motivador para abandonar comportamentos como uso de bebida alcoólica.

Além da atuação da religião como instituição protetiva, o que ocorreu especialmente nos indivíduos de baixo status socioeconômico, outras disparidades foram identificadas. Embora o controle social direto, com provimento de suporte instrumental, por exemplo, tenha sido identificado em ambos os status socioeconômicos, alto e baixo, ainda persistem no último grupo comportamentos nocivos que não foram observados nos indivíduos de alto status, tal como a direção sem carteira de motorista. Nesse caso, por exemplo, os relatos não apontam para atuação da parceira na tentativa de regular o referido comportamento, o que sugere que os suportes providos variam conforme tipologia e intensidade segundo status socioeconômico. Nesse sentido, a perspectiva de comportamento ideal criada a partir de construções sociais pode ser distinta em cada classe e grupo social, de modo a alterar o modo e a intensidade de atuação dos efeitos protetivos. Outros possíveis mecanismos que explicariam a persistência das disparidades por status socioeconômico, mesmo após a transformação comportamental promovida pelos processos de formação de família, são elencados por Pampel, Krueger e Denney (2010), tal como os menores benefícios de adoção de comportamentos saudáveis, a adoção de comportamentos saudáveis como forma de distinção social por parte dos mais abastados e a distinções quanto ao conhecimento e acesso à informação.

Ressalta-se, por fim, que algumas limitações relevantes para o estudo devem ser mencionadas, como a não inclusão de um grupo controle de não-unidos (com e sem filhos), o autorrelato dos entrevistados, que pode ser influenciado por fatores culturais, de memória, pela escolaridade e por questões emocionais e psicológicas, e a realização de perguntas retrospectivas. Outro possível viés é a atuação diferencial da mortalidade entre indivíduos com comportamentos distintos: indivíduos com estilos de vida associados a comportamentos de risco têm uma maior exposição a condições crônicas e ocorrência de acidentes e, consequentemente, a uma maior mortalidade (Verbrugge, 1979). Desse modo, os entrevistados com diferentes práticas com relação à saúde estão submetidos também a diferentes probabilidades de sobrevivência até a faixa etária selecionada para a entrevista e até o momento do ciclo de vida considerado como ideal para as uniões na perspectiva normativa.

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