Abordagem político-literária nos textos de Eliane Brum no El País
Political-literary approach in Eliane Brum’s texts in El País
Enfoque político-literario en los textos de Eliane Brum en El País
Abordagem político-literária nos textos de Eliane Brum no El País
La Trama de la Comunicación, vol. 27, núm. 1, pp. 11-43, 2023
Universidad Nacional de Rosario
Recepción: 22 Mayo 2022
Aprobación: 06 Marzo 2023
Resumo: Este trabalho é resultado da dissertação de mestrado em Comunicação defendida em 2021. A proposta do trabalho é fazer uma análise de conteúdo, aos moldes de Bardin (2011), das colunas políticas publicadas por Eliane Brum no site do jornal global El País ao longo do ano de 2019 com o objetivo de averiguar se é possível, e se sim, de que forma uma associação entre o jornalismo político e o jornalismo literário na internet. Para tanto, serão analisadas as temáticas tratadas por Brum em seus textos e sua proximidade com o jornalismo do Acontecimento ou do Desacontecimento, além das proximidades e afastamentos dos textos de Brum com as características das colunas políticas e do jornalismo literário.
Palavras-chave: Jornalismo Político, Jornalismo Literário, Eliane Brum.
Abstract: This article is the result of a master's dissertation in Communication defended in 2021 by Ana Resende Quadros. The aim of the work is to make a content analysis along the lines of Bardin (2011) of the political columns published by Eliane Brum on the website of the global newspaper El País during the year 2019. The objective is of ascertaining whether it is possible and, if so, how, an association between political journalism and literary journalism on the internet can be done. For this purpose, will be analyzed the themes addressed by Brum in her texts and their proximity to the journalism of the Happening or of the “Not-Happening”, as well as the proximity and distances of Brum's texts with the characteristics of political columns and of literary journalism.
Keywords: Political Journalism, Literary Journalism, Eliane Brum.
Resumen: Este trabajo es el resultado de la tesis de maestría en Comunicación defendida en 2021. El propósito del trabajo es realizar un análisis de contenido, en la línea de Bardin (2011), de las columnas políticas publicadas por Eliane Brum en el sitio web del diario mundial El País ao a lo largo de 2019, con el objetivo de conocer si es posible una asociación entre periodismo político y periodismo literario en internet y, de ser así, de qué forma. Para ello, se analizarán los temas abordados por Brum en sus textos y su proximidad al periodismo del Evento o la Infelicidad, así como la proximidad y distancias de los textos de Brum con las características de las columnas políticas y el periodismo literario.
Palabras clave: Periodismo político, Periodismo literario, Eliane Brum.
1. Introdução
Jornalismo e política são áreas correlatas. Desde seu surgimento, o jornalismo serviu como uma ferramenta tanto para a transformação quanto para a permanência das vivências sociais. Ligada a esses dois campos, está a literatura. No século XIX, imperava um estilo denominado por Habermas (1984) de jornalismo político-literário, quando realidade e ficção conviviam pacificamente nas páginas dos periódicos. Contudo, o jornalismo, como a sociedade, é marcado por transformações. O fim do século XIX e o princípio do século XX marcaram a consagração da burguesia como classe dominante e, com isso, o fim de um jornalismo focado no debate político e o início do jornalismo focado no lucro. Usando como base teórica o Positivismo, os jornais passaram a empregar estratégias de objetividade para se desconectar de entidades políticas e se ligar à lógica de mercado, estabelecendo um modelo em que o jornalismo se dizia o espelho da realidade, e não um espaço onde ela pudesse ser debatida.
Havia pouco lugar para a literatura nas páginas dos jornais, mas a política seguia presente, tratada como se pudesse ser vista à distância de forma isenta. Essas mudanças permitiram que a mídia tivesse um papel determinante na política. Ao se proporem a serem espelho da sociedade, os jornais passaram a desempenhar papéis antes atribuídos aos partidos políticos, como o estabelecimento do que deveria ser debatido e, consequentemente, do que não era importante. E só era importante o que não era comum. O cotidiano de pessoas ordinárias não merecia estar nas páginas dos jornais, mas os feitos dos políticos, que costumam ser, como definiu a jornalista Eliane Brum (2019), os melhores entre os seus, mereciam.
Foi assim até a década de 1960, quando a literatura voltou a ter mais presença em textos jornalísticos. Aos olhos do Novo Jornalismo, diálogos, costumes, gestos e hábitos, fossem de pessoas famosas ou anônimas, podiam ter espaço no noticiário. Desde então, alguns jornalistas abandonaram o objetivismo e a pretensa imparcialidade para seguir um estilo mais literário e humano de ser fazer jornalismo. O Jornalismo Literário pretende ser perene e profundo sem esconder que é parcial. Vários estilos surgiram dentro desse gênero, incluindo o Jornalismo do Desacontecimento proposto por Eliane Brum. A jornalista gaúcha é uma das mais premiadas do Brasil. Seu estilo propõe dar destaque àqueles que são esquecidos pelo noticiário e para a sociedade, chamados por ela de invisíveis.
A reportagem de Brum descreve os espaços, os objetos e as personagens, imprimindo as visões da jornalista. Suas entrevistas abrem espaço para que o entrevistado diga o que quiser dizer. Em seus textos, Brum reflete e convida para que o leitor faça o mesmo. Assim, ela mostra que não pretende retratar “a verdade”, e sim “uma de muitas verdades”, quebrando, segundo Fonseca (2013), as barreiras do Positivismo. Foi assim em seu livro reportagem “A vida que ninguém vê” (2006), ganhador do prêmio Jabuti, e foi assim em suas colunas de opinião do El País, a partir de 2013, como afirmam pesquisadores como Vivar e Abib (2018) e Leão (2019). Brum consagrou-se como sendo uma jornalista diferente dos demais, aquela que enxerga o invisível. Se Brum era diferente é por que continuam existindo jornalistas que abordam o extraordinário e que privilegiam o acontecimento em detrimento do desacontecimento. No ano de 2019, Eliane Brum ganhou o prêmio Comunique-se 2019 na categoria “Nacional – mídia escrita”, destinado a jornalistas que atuam na editoria de política nacional. Com base no jornalismo do desacontecimento que marcou a trajetória de Brum, seria possível que os textos políticos da jornalista utilizassem recursos literários? É com o objetivo de responder a essa pergunta que este trabalho propõe um estudo de caso das colunas publicadas por Eliane Brum ao longo do ano de 2019.
Ao estudar os textos de Brum sob a perspectiva da Análise de Conteúdo, como descrita por Bardin (2011), pretende-se responder às seguintes perguntas: que características do jornalismo literário são e quais não são mantidas nas colunas políticas de Eliane Brum para o El País? É possível continuar a fazer jornalismo do desacontecimento mesmo tratando de assuntos tão tradicionalmente ligados ao acontecimento, como a política? Até que ponto é possível abordar personagens, fontes e temáticas do cotidiano quando sua pauta principal é a política? Com base nessas questões, tem-se por objetivo averiguar de que forma Eliane Brum aborda o acontecimento e o desacontecimento em seus trabalhos como colunista política do site El País Brasil. Também, pretende-se observar se há um deslocamento da narrativa do desacontecimento para um lugar mais tradicional ou se ela une ambas as narrativas.
Tendo em vista esse cenário, acreditava-se que a possível resposta para as questões levantadas para esta pesquisa seria que, ainda que Eliane Brum não produza mais reportagens aos moldes que desenvolvia em seus trabalhos anteriores, a jornalista ainda seria capaz de tratar com profundidade tanto temas pouco debatidos pela mídia quanto os que despertaram grande interesse público.
2. Jornalismo Literário
A construção da narrativa política, como apresentada por Gomes (2004), muito se assemelha aos enredos literários. A razão disso é que, mesmo com espaço restrito dado pelo caminho positivista tomado pelo jornalismo, a literatura nunca esteve totalmente apartada dos jornais. Aos textos que unem características da literatura e do jornalismo foi dado o nome de Jornalismo Literário. Essa modalidade serve como alternativa aos repórteres que querem fazer um jornalismo diferente do que tem sido visto hoje.
Na verdade, o mundo dominado pela lógica capitalista tornou complexo e raro fazer um jornalismo comprometido com a coletividade, como propunham os americanos. Dos tabloides às grandes mídias, a regra é a espetacularização e o sensacionalismo (Pena, 2013). Além disso, percebe-se a preocupação das empresas quanto à redução de seu pessoal. Tal fato obriga os profissionais da imprensa a abusarem do uso de tecnologias para ter acesso a fontes, já que, somente dessa maneira, conseguem fechar todas as matérias dentro do deadline estipulado. Contudo, muito se perde nessa nova forma de contato.
Segundo Pena (2013), o Jornalismo Literário volta às raízes do jornalismo diário e se utiliza de seus saberes e técnicas para criar um jornalismo mais profundo. Ainda é crucial a apuração rigorosa dos fatos, somada à observação atenta, mantendo sempre a abordagem ética. Os relatos presentes nos textos devem transcender o cotidiano. O jornalismo incorpora a perenidade da literatura. O fato não precisa ser uma novidade. No Jornalismo Literário, importa que o texto proporcione ao leitor uma visão ampla da realidade. Para isso, a contextualização deve ser o mais abrangente possível. O autor deve relacionar as informações, compará-las e mostrá-las sobre outras perspectivas.
O texto exige criatividade em sua construção. É preciso fugir da fórmula jornalística de escrita e buscar na literatura maneiras de tornar a narrativa mais atraente. A busca por pessoas comuns e por fontes não tradicionais pode ajudar nesse quesito além de ampliar os pontos de vistas abordados. Foi em busca dessas características que um grupo de jornalistas estadunidenses criou o chamado New Journalism ou Novo Jornalismo. Esse gênero, que se tornou um dos mais populares do Jornalismo Literário, surgiu no princípio da década de 1960, nos Estados Unidos, com as reportagens especiais publicados na Esquire e no Herald Tribune. O Novo Jornalismo, que só recebeu esse nome em meados da década de 1960, não possuía, até Wolfe escrevê-lo em 1973, um manifesto de princípios. Todavia, seus precursores, como Breslin, Tom Wolfe e Gay Talese, tinham um diferencial em seus textos: a profundidade. Essa nova forma de se fazer jornalismo pode ser vista como uma reação ao jornalismo pasteurizado, de produção quase industrial.
Wolfe (2005) defende que essa modalidade não foi criada com a intenção de ser melhor e nem mesmo nova, mas somente teve espaço, porque os romancistas deixaram o realismo de lado. Na época, o romance possuía um grande status. Escrever um romance podia ser comparado a achar petróleo. Enquanto isso não acontecia, havia uma grande concorrência entre os repórteres para conseguir maior prestígio e ambicionavam o posto de “Melhor Repórter Especial da Cidade”. Para conseguir o título, o jornalista deveria fazer uma reportagem especial que, como explica Wolfe, era entendida como: “uma matéria que escapava à categoria da notícia pura e simples” (Wolfe, 2005: 13).
Wolfe (2005) acredita que a literatura deveria atuar como um retrato da realidade da mesma forma que os representantes do Realismo Social do século XIX, como Balzac e Dickens, o faziam. Para ele, entretanto, os literatos do século XX não estavam cumprindo esse papel. Os romancistas ignoraram um momento de grandes temas em voga na sociedade estadunidense, como a consciência negra, a liberdade sexual, a “morte de Deus” e as alterações nos valores. Caberia, então, aos adeptos do New Journalism cumpri-lo. Wolfe (2005: 54) ressalta também o fato de que, nos romances, os diálogos eram mal aproveitados, sendo feitos de formas “estranhas e curiosamente abstratas”. Os escritores do Novo Jornalismo, ao contrário, valorizavam os diálogos e também buscavam narrar seus textos em diversos pontos de vista e descrever o máximo de costumes, gestos e hábitos, fossem eles de pessoas importantes ou de “gente que não tem nem estrutura nem grandeza” (WOLFE, 2005: 64).
Bulhões (2007) explica que os “novos jornalistas”, assim como é feito na literatura, registravam minuciosamente os gestos de seus personagens assim como seus costumes e hábitos. Os espaços eram descritos cuidadosamente e os autores até mesmo narravam os pensamentos das pessoas retratadas. Somando isso à maneira extravagante que alguns, como Wolfe, escreviam seus textos, cheios de travessões e exclamações, fizeram dos romancistas e literatos os maiores opositores ao New Journalism.
Ainda mais radical que o Novo Jornalismo é o Jornalismo Gonzo. Essa vertente do New Journalism foi criada pelo repórter da Rolling Stones, Hunter S. Thompson. Ele acreditava que, para fazer uma reportagem, a fim de retratar uma realidade, você deve vivê-la. No que ficou conhecido como Gonzo Journalism, o autor, que se envolve profundamente na realidade retratada, é o personagem principal da matéria. O texto do “jornalista gonzo” é cheio de irreverências, sarcasmo, opiniões e exageros. O objetivo é mostrar que a pretensa imparcialidade do jornalista não existe.
Atualmente, o movimento que liga jornalismo e literatura é o New Journalism, liderado por Gay Talese e John McPhee. Sem se preocuparem com manifestos ou cartas que explicitem seus princípios, os autores desse gênero se identificam por meio de suas estratégias de apuração, e não por uma linguagem predeterminada. O Novo Jornalismo Novo, como é chamado no Brasil, preocupa-se com aqueles que, geralmente, não são vistos pela grande mídia. Ele retrata o cotidiano, as subculturas e o linguajar dos personagens. Ele se mantém longe do extraordinário, foco do jornalismo convencional: “O objetivo é assumir o perfil ativista, questionar valores, propor soluções” (PENA, 2013: 60).
3. Eliane Brum: a repórter do cotidiano
Eliane Brum é uma jornalista que nunca teve medo de admitir a própria parcialidade. Ao longo de todo seu trabalho, ela posicionou-se como defensora daqueles que não tinham voz. Mas, antes de 2019, Brum não havia escrito colunas políticas. O que poderia mudar nesse cenário? Para responder a essa pergunta, é necessário revisitar a trajetória de Eliane Brum.
A gaúcha Eliane Brum é uma das jornalistas mais respeitadas do Brasil, tendo ganhado, ao longo de sua carreira, mais de 40 prêmios por seu trabalho. Por passar uma infância na qual ela própria se sentia invisível, imersa na escuridão, a repórter dedicou seu trabalho a dar visibilidade às pessoas excluídas pela sociedade (Brum, 2017). As histórias que ela dá destaque em sua autobiografia são das mulheres que estavam à sua volta: sua irmã que morreu criança e cuja morte carregou a mãe para a depressão, a avó que abandonou um futuro como professora para se casar e a professora que ensinou o pai da jornalista a ler e permitiu que, mais tarde, a própria Eliane Brum fosse salva do caos que ela acredita ser o mundo sem palavras (Brum, 2017).
Eliane Brum ingressou no jornalismo em 1988 e por 11 anos trabalhou no jornal gaúcho Zero Hora. Dez anos mais tarde, começou a escrever a coluna “A vida que ninguém vê”, retratando histórias daqueles que, para ela, eram tidos como invisíveis. Apesar do sucesso comprovado pelas cartas de leitores que escreviam elogiando o trabalho de Brum e sugerindo novas pautas, a coluna só durou até 1999, quando ela deixou o jornal para integrar a equipe da Revista Época. Em 2006, Brum revisitou seu trabalho no jornal gaúcho e publicou o livro “A vida que ninguém vê”, com 23 de suas 46 colunas.
Eliane Brum não esconde sua parcialidade. Fonseca (2013) observa que a jornalista, muitas vezes, utiliza a primeira pessoa, ainda que de forma sutil e sem exibicionismo. Brum dá a voz ao outro por meio de seu olhar. Ela é apenas uma testemunha que dá o depoimento do que aconteceu com o outro. Fonseca (2013) lembra que a reportagem de Brum, como acontece nos relatos dos historiadores pós-modernos, descreve os espaços, os objetos e os personagens, imprimindo as visões da jornalista. Suas entrevistas abrem espaço para que o entrevistado diga o que quiser dizer. Em seus textos, Brum reflete e convida para que o leitor faça o mesmo. Assim, ela mostra que não pretende retratar “a verdade”, e sim “uma de muitas verdades”.
Com a transição das reportagens para as colunas, Vivar e Abib (2018) acreditam que Brum pode somar aos seus textos a opinião e as possibilidades de ampliação de vozes trazidas pela internet. Segundo os autores, isso permitiu que as colunas de Brum fossem um espaço de experimentação, no qual não havia um formato fixo de texto. Essa experimentação permite a criação de um “estilo Eliane Brum” de escrita de colunas, que, de acordo com Antônio Jemenéz Barca, diretor do El País Brasil entrevistado por Vivar e Abib (2018), é um misto de reportagem, coluna de opinião e crônica.
Para Vivar e Abib (2018), o gênero criado por Brum é o Jornalismo do Desacontecimento, caracterizado por uma visão complexa, que não busca respostas fáceis, e sim o aprofundamento de todas as questões tratadas no texto. Esse pensamento complexo, segundo os autores, faz com que a jornalista leve seus debates para outras áreas, diferenciando-se dos demais ao problematizar questões e ampliar horizontes.
4. O que define acontecimento e desacontecimento em Eliane Brum
O embate entre o acontecimento e o desacontecimento é frequente tanto no discurso de Eliane Brum sobre suas obras quanto no debate acadêmico sobre a jornalista. O jornalismo tradicional tem como componente mais relevante o acontecimento. Rodrigues (1990) explica que o acontecimento seria um ponto inicial da significação. Ele é visto como o real, que existe de forma independente de opiniões, por isso é usado no discurso jornalístico. Na concepção de Rodrigues (1990), o acontecimento é tudo aquilo que interrompe o cotidiano. Quanto mais improvável, mais distante da vida ordinária, maiores as chances de o fato ir parar nos jornais. O autor explica que existem alguns fatores que podem fazer com que um fato se distancie dos outros e se torne um acontecimento jornalístico. O mais comum deles é o excesso, tratando-se de uma afloração de um desvio à norma feita, ou por indivíduos, ou por instituições. Outro fator apontado é a falha, que se caracteriza pela insuficiência ou pelo defeito dos corpos. O terceiro elemento é a inversão, que ocorre quando a rotina é invertida.
A busca do jornalista pelo distanciamento da realidade pode ter influenciado num fenômeno observado por Boorstin (1992). Na perspectiva do autor, ao lerem notícias desinteressantes, as pessoas já não dizem: “como o mundo está chato”; dizem: “como o jornal” está chato. Para Boorstin (1992), comentários como esse demonstram que, no século XXI, o jornalista não é mais entendido apenas como aquele responsável por contar aquilo que aconteceu. Pois, se o jornalista apenas reporta, o que ele poderia fazer se os acontecimentos estão ou não entediantes? De acordo com Boorstin (1992), essa busca incessante pelo extraordinário faz com que apenas os fatos não sejam suficientes para atender às expectativas do receptor pela quebra de sua rotina. Tem-se, então, a ideia de fabricarem-se fatos, chamados por ele de “pseudo-events”, ou pseudoacontecimentos, em uma tradução nossa. Se nada novo acontece, pode-se inaugurar um lustre em um hotel e inventar um motivo qualquer para que isso se torne relevante.
Uma lógica contrária é usada por Eliane Brum no cunho do termo desacontecimento. A palavra é empregada pela jornalista para descrever a temática de seus trabalhos. Para ela, buscá-lo é descobrir o extraordinário no comum. São situações que acontecem todos os dias, que não vão parar nos jornais, mas que não deixam de ser importantes. São as histórias de pessoas que são silenciadas pela sociedade, os invisíveis. O olhar que enxerga o “invisível” é, segundo Brum (2008), mediado por amor e compaixão pelo outro. Sendo assim, escrever sobre o desacontecimento torna necessário o uso de novas estratégias. Preocupada em mostrar ao leitor o máximo da realidade, o texto de Eliane Brum é rico em detalhes, para que os leitores possam tirar suas próprias conclusões e fazer suas próprias escolhas sem se basear apenas na visão da autora acerca da realidade. Ela busca pelo complicado, pois, conforme Brum (2008), o fácil é óbvio e, por essa razão, já foi contado antes. Entretanto, para conseguir realizar matérias complexas e detalhadas, é preciso uma apuração exaustiva.
Na ótica de Leão (2019), Brum tenta reunir o melhor do jornalismo, com seu poder de transformação por meio da informação, com o melhor da literatura, com seus elementos estético-textuais. A autora explica que Brum busca “narrativas inéditas e surpreendentes que podem ser escritas a partir de cada acontecimento (ou desacontecimento)” (Leão, 2019: 85). Nessa perspectiva, o desacontecimento pode ser descrito como a busca do extraordinário no ordinário. Ao contar as histórias dos “heróis do cotidiano”, Brum estaria, na compreensão de Leão (2019), participando da construção historiográfica da história do Brasil. Isso por que os jornais são fontes da historiografia e, ao incluir personagens invisibilizados, a jornalista estaria fazendo um registro de sua existência para a posteridade. Mas a narrativa do desacontecimento também exerce um papel no presente ao proporcionar um intercâmbio de experiências entre os personagens de Brum e seus leitores.
Estas duas figuras – fonte e leitor – são centrais para o jornalismo do desacontecimento, que se caracteriza pela humanização dos personagens e pelo aprofundamento dos fatos, permitindo que os leitores tenham maior compreensão da história sem deixar de explicitar a parcialidade da jornalista ao contá-la. É por isso que, para Leão (2019), o jornalismo do desacontecimento é uma união entre objetividade e parcialidade.
Contudo, o trabalho de Brum mudou significativamente, em especial no ano de 2019, quando se dedicou a falar mais sobre o contexto político brasileiro. Um dos indicativos dessa mudança foi sua nomeação e vitória no prêmio Comunique-se 2019 na categoria “Nacional – mídia escrita”, destinado a jornalistas que atuam na editoria de política nacional. A partir disso surge uma nova questão: é possível continuar a fazer jornalismo do desacontecimento mesmo tratando de assuntos tão tradicionalmente ligados ao acontecimento, como a política?
5. Metodologia e corpus de análise
Para responder às questões propostas, serão analisados os textos publicados por Eliane Brum ao longo do ano de 2019 na versão brasileira do site El País. A metodologia adotada foi a Análise de Conteúdo, conforme proposta por Bardin (2011). A técnica é amplamente utilizada nas Ciências Humanas para investigar fenômenos simbólicos por propor uma exploração interpretativa de documentos por meio de um conjunto de técnicas de análise de comunicação (Bardin, 2011).
A análise de conteúdo busca verificar os elementos constitutivos de um documento com o objetivo de encontrar padrões e produção de inferências. É possível fazer análise de conteúdo de qualquer mensagem codificada nos mais diversos códigos, como imagens, sons e textos. Na definição mais corrente hoje, a análise de conteúdo envolve tanto uma análise quantitativa quanto qualitativa. Essa é a principal diferença entre a análise de conteúdo e outros métodos de interpretação. A quantidade pode revelar conteúdos que serão interpretados posteriormente. A primeira medida é selecionar categorias de análise (rubricas significativas). Analisam-se temáticas, formas e estruturas, tendo como principal foco a análise de mensagens. Na definição das categorias, aplicam-se as ferramentas de análise de conteúdo propostas por Laurence Bardin (2011). Privilegia-se a análise categorial, tendo em vista que o seu emprego admite a organização semântica de elementos próximos, seja por aspectos gramaticais ou de sentido (Bardin, 2011). Para isso, utiliza-se o princípio da inferência como ferramenta básica para a análise dos dados e conhecimento dos sentidos propostos pelo texto. Assim sendo, a articulação desse aparato metodológico com a textualidade aferida nas reportagens analisadas deu origem a quatro categorias de postagens:
a) Acontecimento versus desacontecimento: esta categoria abarca as temáticas tratadas por Eliane Brum, com o objetivo de averiguar se elas se aproximam daquelas abordadas pelo jornalismo do desacontecimento, com foco em situações do cotidiano de pessoas comuns, ou da lógica do acontecimento, ligado ao extraordinário. Também se observa o enquadramento dado pela jornalista, a fim de identificar se a jornalista dá uma perspectiva do desacontecimento a temas amplamente abordados pela mídia tradicional.
b) Fontes e personagens: a categoria inclui as pessoas e instituições citadas direta ou indiretamente por Brum em suas colunas assim como seu pertencimento à classe de especialistas ou de pessoas ordinárias (típicas do jornalismo do desacontecimento) bem como de que forma Brum obteve essas falas. Como personagens, serão entendidos aqueles que, ao longo das colunas publicadas por Brum em 2019, obtiveram destaque frequente.
c) Narrativas jornalísticas: esta categoria retrata a forma como Brum se aproxima ou se distancia da narrativa tradicional do jornalismo, como o uso do lead, de uma estrutura da notícia que usa a pirâmide invertida e do jornalismo declaratório, conforme descritos nos rituais estratégicos de Tuchman (1996).
d) Elementos empregados do jornalismo literário: esta categoria analisa a aplicação ou não dos elementos do jornalismo literário, em especial a estrela de sete pontas descrita por Pena (2013).
Neste trabalho, foram analisadas 26 colunas publicadas por Eliane Brum entre 4 de janeiro e 21 de dezembro 2019. Configuram como parte do corpus deste trabalho as seguintes colunas: O homem mediano assume o poder (04/01/2019); O chanceler quer apagar a história do Brasil (16/01/19); Mourão, o moderado (01/02/2019); As crianças tomam conta do mundo (01/03/2019); Bolsonaro (des)governa o Brasil pelo Twitter (07/03/2019); Quem mandou matar Marielle? E por quê? (14/03/2019); Bolsonaro manda festejar o crime (28/03/2019); Cem dias sob o domínio dos perversos (12/04/2019); O “mártir” governa (25/04/2019); EU + UM + UM + UM+ (16/05/2019); O golpe de Bolsonaro é pela família, contra a nação (23/05/2019); A potência da primeira geração sem esperança (06/06/2019); Ei, Bolsonaro, até o pênis está diminuindo (20/06/2019); MBL usa o aborto para reposicionar a marca (04/07/2019); “Empresários não podem ser batedores de carteiras” (17/07/2019); Doente de Brasil (03/08/2019); As crianças de Altamira (15/08/2019); Bolsonaro está espionando o Papa? (04/09/2019); “A notícia é esta: o Xingu vai morrer” (13/09/2019); Como vocês se atrevem? (27/09/2019); Um Cristo amazônico... e mulher? (09/10/2019); Lula livre, sim, mas sem fraudar a história (24/10/2019); Erro de projeto coloca estrutura de Belo Monte em risco (08/11/2019); O AI-5 já se instala na Amazônia (e nas periferias urbanas) (27/11/2019); Belo Monte, a obra que une os polos políticos (05/12/2019); Protejam Erasmo: ele pode ser assassinado a qualquer momento (21/12/2019).
Após analisar cada um dos textos publicados por Brum ao longo de 2019, é possível fazer considerações do conjunto de acordo com as quatro categorias previamente definidas.
5.1. Acontecimento versus Desacontecimento
Eliane Brum ficou conhecida por fazer um jornalismo diferente, que privilegiava o cotidiano de pessoas comuns, os Zés, que, sob o olhar da jornalista, tornavam-se Ulisses. A proposta era similar à de Gay Talese em seu livro “Fama e Anonimato” e o estilo de jornalismo chamado por ele de New Journalism ou Novo Jornalismo Novo. Mas, a maneira de fazer jornalismo proposta por Brum não se interessava pelo lado comum dos famosos, e sim pelo que Leão (2019) chamou de “herói do cotidiano”, a quem Brum chama de “invisíveis”, aqueles que ninguém vê.
Contudo, ao analisar as 26 colunas publicadas pela jornalista ao longo do ano de 2019, percebe-se que a jornalista se distanciou do desacontecimento. Nenhum dos textos publicados foca exclusivamente no cotidiano de pessoas comuns. No Quadro 1, pode-se observar os temas em destaque em cada uma das colunas.
Título | Data | Temática central |
O homem mediano assume o poder | 04/01/19 | Posse de Bolsonaro |
O chanceler quer apagar a história do Brasil | 16/01/19 | O discurso de Ernesto Araújo em sua posse |
Mourão, o moderado | 01/02/19 | Por que Mourão se tornou mais palatável |
As crianças tomam conta do mundo | 01/03/19 | Crianças estão lutando contra o aquecimento global |
Bolsonaro (des)governa o Brasil pelo Twitter | 07/03/19 | A irresponsabilidade de Bolsonaro ao governar o Brasil |
Quem mandou matar Marielle? E por quê? | 14/03/19 | Morte de Marielle e a falta de solução para o crime |
Bolsonaro manda festejar o crime | 28/03/19 | Bolsonaro defende a ditadura |
Cem dias sob o domínio dos perversos | 12/04/19 | O modo de governar de Bolsonaro |
O “mártir” governa | 25/04/19 | Descontentamento com o governo |
EU + UM + UM + UM+ | 16/05/19 | A falta de união da população |
O golpe de Bolsonaro é pela família, contra a nação | 23/05/19 | A tentativa de Bolsonaro de promover um autogolpe |
A potência da primeira geração sem esperança | 06/06/19 | É preciso não ter esperança |
Ei, Bolsonaro, até o pênis está diminuindo | 20/06/19 | Efeitos do agrotóxico no Meio Ambiente |
MBL usa o aborto para reposicionar a marca | 04/07/19 | Estratégias do MBL para atrair público |
“Empresários não podem ser batedores de carteiras” | 17/07/19 | Perfil empresário da Mercur |
Doente de Brasil | 03/08/19 | Aumento da ansiedade e depressão no Brasil |
As crianças de Altamira | 15/08/19 | Violência do Estado contra o povo |
Bolsonaro está espionando o Papa? | 04/09/19 | Meio Ambiente/ Amazônia |
“A notícia é esta: o Xingu vai morrer” | 13/09/19 | Morte do rio Xingu |
Como vocês se atrevem? | 27/09/19 | Apartheid climático e infâncias perdidas |
Um Cristo amazônico... e mulher? | 09/10/19 | Sínodo da Igreja Católica para discutir a Amazônia |
Lula livre, sim, mas sem fraudar a história | 24/10/19 | Lula deve ou não ser libertado? |
Erro de projeto coloca estrutura de Belo Monte em risco | 08/11/19 | O projeto de Belo Monte foi mal feito |
O AI-5 já se instala na Amazônia (e nas periferias urbanas) | 27/11/19 | Reunião em Altamira reúne líderes indígenas, acadêmicos e ambientalistas |
Belo Monte, a obra que une os polos políticos | 05/12/19 | Inauguração da última turbina de Belo Monte |
Protejam Erasmo: ele pode ser assassinado a qualquer momento | 21/12/19 | O autoritarismo e a impunidade crescem na Amazônia |
Percebe-se que o acontecimento predomina frente ao desacontecimento. Alguns textos, porém, como “EU + UM + UM + UM+” (16/05/19), “‘Empresários não podem ser batedores de carteira’” (17/07/19) e “As crianças de Altamira” (15/08/2019) têm alguma ligação com o desacontecimento ainda que não possam ser considerados como totalmente pertencentes a esse gênero jornalístico. “EU + UM + UM + UM+” diferencia-se por aparentar ter sido motivado por uma conversa entre Eliane Brum e o poeta Elio Alves da Silva, em que este chega a uma conclusão parecida com a do sociólogo Zygmunt Bauman.
Mais tarde, eu leria uma conversa entre o sociólogo polonês Zygmunt Bauman e o jornalista italiano Ezio Mauro, publicada em livro [...] O poeta oral, já que analfabeto da escrita, e dois pensadores reconhecidos do mundo acadêmico, com vários livros publicados, chegaram à mesma conclusão por caminhos diferentes (Brum, 2019).
Essa apresentação de duas pessoas, uma comum e outra célebre, como sendo iguais está dentro da lógica do jornalismo do desacontecimento bem como o primeiro parágrafo que não dá uma notícia, específica, mas está cheio de questões. Por outro lado, as notícias não deixam de ser mencionadas ao longo do texto e são usadas para endossar o argumento da jornalista assim como a fala de Elio Alves e Zygmunt Bauman de que é necessário agir e, para isso, precisa-se ter união. Por ser um dos textos menos embasados no extraordinário e nos acontecimentos do noticiário, essa é a coluna que mais se aproxima do desacontecimento.
Já “‘Empresários não podem ser batedores de carteira’” se mistura pouco ao jornalismo do desacontecimento. Trata-se do perfil de um empresário que não foi motivado por uma notícia do mundo político, mas a angulação dada pela jornalista é diferente daquela trazida por Gay Talese e por ela própria de que mesmo o extraordinário pode ser comum. Jorge Holzel, acionista da Mercur, não pode ser classificado como um invisível na sociedade e a abordagem que Brum faz dele o torna ainda mais extraordinário: um homem de negócios, que se preocupa com a Amazônia e convive com os povos indígenas. A própria jornalista chega a classificá-lo como um empresário “diferente”. Além disso, Brum pede, em suas perguntas, que Holzel analise aspectos da política nacional, como a atuação do “mercado” no impeachment de Dilma Rousseff e na eleição de Bolsonaro, ambos fatos ligados ao acontecimento.
“As crianças de Altamira”, por sua vez, aproxima-se, em sua narrativa, do jornalismo do desacontecimento. Ainda que não use exclusivamente fontes anônimas, é inegável que, ao narrar a história da menina com nome de rua e do menino com nome de jogador de futebol, a jornalista dá espaço para o cotidiano dos invisíveis. Entretanto, também é impossível ignorar que houve uma notícia por trás da coluna: o massacre do presídio em Altamira. Por essa razão, esse texto não pode ser considerado como ligado exclusivamente ao desacontecimento. Porém, é possível observar uma tentativa, por parte de Eliane Brum, de ver o que ninguém mais vê. Ainda que seus textos publicados ao longo de 2019 sejam mais próximos do extraordinário do que do ordinário, a jornalista, em vários momentos, coloca acontecimentos recentes no final do texto e escreve o lead como se a notícia fosse outra.
É o que acontece no texto “Bolsonaro (des)governa o Brasil pelo Twitter”. À época, Bolsonaro havia provocado uma crise com uma postagem sobre a prática sexual golden shower. Esse acontecimento aparece no final do texto de Brum, mas a notícia destacada por ela no primeiro parágrafo é a de que “O Brasil se tornou o laboratório do novo autoritarismo” (Brum, 2019e). O mesmo acontece em “A notícia é esta: o Xingu vai morrer”, quando Brum critica os demais veículos de imprensa por darem destaque apenas aos incêndios que estavam acontecendo na floresta amazônica, e não à “verdadeira” notícia, a seca no rio Xingu, que coloca o rio e as pessoas que dependem dele em risco. Isso não quer dizer que as pautas tradicionais não foram abordadas por Eliane Brum, que cobriu os 100 primeiros dias de governo em “Cem dias sob o domínio dos perversos”, a posse de Ernesto Araújo em “O chanceler quer apagar a história do Brasil”, a posse de Bolsonaro em “O homem mediano assume o poder” e o aniversário de um ano da morte de Marielle Franco em “Quem mandou matar Marielle? E por quê?”
5.2. Fontes e personagens
Fontes e personagens são centrais para a caracterização de um texto como parte do jornalismo do desacontecimento. Quadros (2018) concluiu que Eliane Brum priorizava fontes que eram excluídas pela sociedade em seus livros “A vida que ninguém vê” (2006) e “O olho da rua” (2008). Segundo a autora, o fator de exclusão mais recorrente era a pobreza, mas também eram usados como critério a presença de deficiência, a idade, o gênero e a região que habita. Em 2019, porém, ao mudar para o gênero de colunas políticas, Eliane Brum não ouviu com frequência pessoas que podem ser consideradas excluídas pela sociedade.
Observou na análise dos textos que, usualmente, Eliane Brum não recorre a entrevistas feitas exclusivamente para o texto, a fim de extrair as falas de suas fontes. Falas de figuras públicas são retiradas de discursos – e possivelmente obtidas pela jornalista por meio da imprensa –, ou mesmo retiradas de entrevistas dadas a outros jornalistas, ou à própria Brum em outro momento, ou de conteúdos publicados pelas próprias figuras públicas em suas redes sociais digitais. O mesmo acontece com especialistas. Até mesmo falas de pessoas anônimas são obtidas indiretamente pela jornalista, como é o caso do índio entrevistado pelo antropólogo Guilherme Heurich.
Entre as fontes que parecem ter sido entrevistadas por Brum foram ouvidas pontualmente, para ajudar a endossar a argumentação feita pela jornalista em seus textos e, talvez por essa razão, foram selecionadas pessoas que não podem ser entendidas como pertencentes a uma camada excluída pela sociedade. Ao contrário, na maioria das vezes, Brum recorre a especialistas, cuja credibilidade é reconhecida socialmente. Como aponta Traquina (1996), pode-se afirmar que, de certa forma, é reforçada a fala de estruturas primárias da sociedade, ou seja, fontes autorizadas e institucionalizadas que se referem a especialistas que falam em nome de determinações organizações muitas vezes ligadas a instituições governamentais ou de grupos e movimentos da sociedade civil reconhecidamente consolidados e respeitados na área, como pesquisadores.
São exceções a essa regra o ativista Erasmo Alves Teófilo, que tem apenas uma frase destacada pela jornalista, que, em seguida, a contesta, a pescadora Sara Rodrigues de Lima, também com apenas uma frase, Iracy Resplandes dos Santos, cujos parentes foram assassinados por grileiros, a menina com nome de rua, seu irmão, sua mãe e sua avó, todos sem nomes apresentados. É comum que pessoas consideradas de camadas invisibilizadas pela sociedade sejam apresentadas sem nome ou de forma conjunta quando citadas. Apenas o empresário Jorge Hoelzel e o padre Augusto Zampini-Davies aparecem em um formato de entrevista em pingue pongue e recebem, consequentemente, mais destaque que os demais. Nenhum deles pode ser considerado um “invisível”.
Mas, a principal fonte de Eliane Brum são os noticiários. Ademais, Brum elenca notícias em suas colunas. Esses fatos foram provavelmente retirados também do noticiário. Algumas vezes, esses acontecimentos são acompanhados de hiperlinks para as notícias referidas e outros não, o que não significa que sejam fruto de uma apuração individual da jornalista. Embora não tenha sido elencada como fonte, Brum faz referências frequentes a textos seus publicados anteriormente. Essa autorreferência faz com que a jornalista se configure como personagem de seus textos.
Nesse sentido, é possível compreender que Brum recorre a alguns personagens ao longo de sua narrativa no ano de 2019, sendo eles: Jair Bolsonaro, a própria Eliane Brum e Greta Thunberg. Essas três figuras foram entendidas como personagens, pois desfrutaram da atenção de Brum recorrentemente. Apesar disso, nenhuma dessas figuras foi entrevistada por Eliane Brum para a produção de seus textos ainda que tenham suas falas mencionadas com frequência.
Jair Bolsonaro é o personagem de maior destaque. O presidente da República foi mencionado em todos os textos publicados por Brum em 2019, contando com 516 menções explícitas ao seu nome. Pode-se dizer que Bolsonaro é o vilão dos textos de Eliane Brum, sendo sempre criticado em suas ações, descrito como inábil para governar e apelidado pela jornalista de “antipresidente”. Se Bolsonaro é o vilão, Greta Thunberg é a heroína. Ao contrário do que acontece com as críticas, Eliane Brum não a elogia abertamente. Mesmo assim, a adolescente sueca parece ser vista com admiração pela jornalista por sua atuação em defesa do meio ambiente. Ao todo, Greta é mencionada 59 vezes ao longo de sete textos, um número muito inferior ao de Bolsonaro.
5.3. Aspectos textuais
Nesta seção, trataremos das seguintes categorias de análise: narrativas jornalísticas e elementos empregados do jornalismo literário. Optou-se por essa junção de categorias em um único tópico, porque todas elas estão amplamente relacionadas, uma vez que abordam aspectos textuais das colunas publicadas por Brum. Pode-se dizer então que, se antes Eliane Brum se aproximava da literatura dos folhetins, em suas colunas políticas de 2019, ela se aproxima dos textos políticos veiculados nos jornais do século XIX, na fase político-literária apontada por Habermas (1984). Para Brum, o presidente Jair Bolsonaro é tratado de “o coiso”, “antipresidente” e “Mártir”, enquanto seus filhos são chamados por números, como o “garoto zerotrês”, para se referir a Eduardo Bolsonaro, e o “filho zerodois”, quando fala de Carlos Bolsonaro. Também, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, é tratada como “musa do veneno”. Contudo, esses apelidos, em sua maioria, não foram criados pela própria Brum, mas são usados correntemente pelos opositores do presidente.
Por essa razão, pode-se afirmar que a parcialidade de Brum está explícita quando se trata do governo Bolsonaro. Ao usar apelidos criados por seus opositores, a jornalista se afirma contrária ao presidente da República. Todavia, isso não quer dizer que não haja uma tentativa de trazer uma aparência objetividade aos textos. Eliane Brum emprega todas as estratégias elencadas por Tuchman (1996). Ao entrevistar diversos especialistas, a jornalista faz uso tanto da possibilidade de conflito quanto do uso judicioso de aspas, pois as fontes têm visões consonantes entre si e também com a argumentação de Brum, criando uma ideia de verdade, endossada por documentos apresentados, que são usados como provas auxiliares. Ao mesmo tempo, os que têm ponto de vista contrário ou não são apresentados ou aparecem sem destaque na parte final do texto, que, como lembra Tuchman (1996), é entendida como menos relevante na construção de um texto jornalístico.
Mascarar a subjetividade é uma característica típica das colunas políticas, que, segundo Aldé, Escobar e Chagas (2007), iniciam as discussões, mas, ao não responderem seus leitores, podem seguir se posicionando como imparciais e objetivos. No caso de Brum, não é possível fazer comentários no site do El País, mas a jornalista segue tentando iniciar uma discussão. Como aponta Coutinho (2005), os colunistas políticos têm o papel de destacar o que é relevante dentro do noticiário. Esse é um papel abraçado por Brum, que, além de destacar o que considera importante, afirma ver o que os demais não veem e acusa a imprensa de não dar importância ao que é realmente relevante. É isso que acontece na coluna “A notícia é esta: o Xingu vai morrer”, na qual a jornalista acredita que seus colegas não levaram em consideração a fala da procuradora Thais Santi e que a verdadeira notícia era a morte do rio Xingu, e não os incêndios que estavam acontecendo na floresta amazônica.
O formato dos textos de Eliane Brum se assemelha, em especial em sua extensão, ao encontrado em reportagens, o que, segundo Coutinho (2005), é corriqueiro. Até mesmo é possível observar a presença do lead em alguns textos. Ainda assim, a literatura não está totalmente ausente. Brum recorre à literatura quando faz relatos de sua vida, como acontece na descrição de quando recebeu a notícia do assassinato de Marielle Franco, e para descrever situações, como acontece em “As crianças de Altamira”, quando Brum conta a história da menina com nome de rua e do menino com nome de jogador de futebol. Há momentos também que Brum faz descrições literárias de pessoas, como de Greta Thunberg, descrita como tendo “rosto de boneca de souvenir”.
É possível afirmar que, como acontece nos demais blogs sobre política, Brum recorre a um estilo “híbrido entre a atualidade jornalística e a crônica pessoal”, como descrito por Aldé, Escobar e Chagas (2007: 31). São muitas as referências sobre o noticiário político, o que configura a atualidade, mas também existem referências à vida pessoal de Brum, como quando ela faz referências às falas de amigos ou mesmo eventos do qual fez parte, como acontece no texto “A potência da primeira geração sem esperança”, no qual Brum faz referência a um discurso feito por ela mesma em Harvard. Ainda que esteja muito presente em seus textos, não é possível dizer que a escrita de Brum se aproxime do jornalismo gonzo, por exemplo, por não ter foco nas vivências empíricas da jornalista, mesmo que seja cheio de sarcasmo e opinião. Ao contrário do que ocorre com o jornalismo literário de uma forma geral, Brum não tenta dar perenidade aos relatos, que são bastante ligados aos acontecimentos políticos recentes. Mesmo a profundidade, outra característica dessa modalidade jornalística, pode ser questionada, uma vez que os textos de Brum não permitem ao leitor uma interpretação própria dos fatos, já que as colunas só apresentam falas e documentos que endossam o discurso da jornalista. Esse afastamento das características do jornalismo literário também pode ser observado na estrutura do texto, que segue a lógica da pirâmide invertida.
6. Considerações Finais
Eliane Brum sempre foi uma jornalista do desacontecimento, do cotidiano, focada em pessoas comuns, que usava recursos da literatura para transformar um Zé em um Ulisses. Essas características estavam presentes em seus trabalhos publicados em livros como “A vida que ninguém vê” (2006) e “O olho da rua” (2008) e continuaram presentes nas colunas publicadas no El País até o ano de 2018, como apontam Vivar e Abib (2018) e Leão (2019).
Em 2019, Eliane Brum decidiu enveredar-se por outro gênero do jornalismo: as colunas políticas. Com o histórico literário premiado, imaginou-se que, em seu trabalho publicado em 2019, seria possível observar a possibilidade de conexão entre as duas áreas que estiveram presentes desde a origem do jornalismo: a política e a literatura.
Ao longo da pesquisa, foi possível perceber que Eliane Brum optou por não usar recursos literários com frequência. Isso não quer dizer, porém, que seja impossível usar esses recursos em textos políticos escritos para a internet. Na verdade, em textos como “Quem mandou matar Marielle? E por quê?”, a própria Eliane Brum trouxe recursos literários para um texto que discutia a morte de uma política e também os rumos políticos tomados pelo Brasil. Para tanto, Brum colocou-se como personagem. Essa estratégia indica que seria possível incluir a literatura em colunas políticas ao colocar o próprio jornalista como personagem e narrar os eventos.
Contudo, a ausência de pessoas ordinárias, invisíveis, é uma das características mais notáveis dos textos de Eliane Brum escritos ao longo de 2019. Brum prefere dar destaque a fontes oficiais, compostas por especialistas e mesmo outros jornalistas. Muitas falas de políticos são citadas, mas elas não provêm de entrevistas feitas pela jornalista, e sim são retiradas de outros contextos. A autora também observou que havia uma tendência de que as colunas políticas pautassem o jornal como um todo. Esta pesquisa não teve foco nas demais matérias produzidas pelo El País, portanto não é possível dizer que essa influência aconteceu no caso de Eliane Brum, mas é possível observar uma tentativa de agendamento feita pela jornalista. Isso se torna perceptível à medida que Brum questiona a abordagem feita por seus colegas de imprensa e tenta, por meio da ordenação de seu texto e da escolha de pautas, esclarecer o que seria mais importante. Em geral, pode-se observar dois temas centrais para Brum: a pauta ambiental e a incompetência do governo federal.
É possível aferir que Brum, nos textos analisados, não foge muito ao tradicional, empregando as estratégias de objetividade elencadas por Tuchman (1996) e empregando pouco das estratégias do jornalismo literário. Em entrevistas, por exemplo, hábitos e gestos não são descritos por Eliane Brum; ou seja, são vistos como menos relevantes. Também, não há uma preocupação da autora com a perenidade de seus textos, muito ligados aos acontecimentos recentes. A profundidade, outra característica dos textos que unem jornalismo e literatura, é apenas parcialmente obtida. Isso por que raramente as fontes são de fato ouvidas pela jornalista e os documentos apresentados como provas auxiliares bem como a fala de especialistas são consonantes com a argumentação de Brum e estão ali apenas como uma estratégia de possibilidade de contraditório, que, como explica Tuchman (1996), é usada para criar uma ilusão de consenso e verdade. Nesse ponto, também, Brum se afasta do jornalismo do desacontecimento.
Ao mesmo tempo, a possibilidade de uso de ferramentas tanto do jornalismo literário quanto do jornalismo do desacontecimento é observada pontualmente nos textos de Brum. Nota-se o uso de apelidos jocosos, usados no tempo do jornalismo político-literário, bem como descrições de situações do cotidiano de Brum e até horizontalidade entre fontes reconhecidas, como Zigmunt Bauman e o poeta Elio Alves. E, se é possível fazer uso desses recursos, pode-se concluir que Brum escolheu não os utilizar com tanta frequência, mas não é possível inferir que razões a jornalista teria tido para se aproximar de um jornalismo mais ligado às estruturas tradicionais.
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