Research Article

Vivências de ser cuidador familiar de idosos dependentes no ambiente domiciliar

Alcimar Marcelo do Couto
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Edna Aparecida Barbosa de Castro
Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
Célia Pereira Caldas
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

Vivências de ser cuidador familiar de idosos dependentes no ambiente domiciliar

Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, vol. 17, núm. 1, pp. 76-85, 2016

Universidade Federal do Ceará

Recepção: 26 Agosto 2015

Aprovação: 11 Janeiro 2016

Objetivo: compreender as vivências de cuidar de idosos dependentes no ambiente domiciliar, a partir da ótica de cuidadores familiares que apresentam sobrecarga e desconforto emocional.

Métodos: investigação qualitativa, com aporte na Teoria Fundamentada nos Dados. Realizaram-se visitas domiciliares para observação e entrevista semiestruturada com nove familiares de idosos dependentes em autocuidado.

Resultados: com as codificações e análise do material empírico, pode-se compreender o cotidiano dos cuidadores na relação de cuidados com seus familiares idosos dependentes. As experiências consolidadas se embasam em vivências positivas, como a solidariedade pela interação estabelecida e a manutenção da autoestima, e negativas como mudanças na rotina de vida diária e na saúde, com identificação de tensão relacionada ao papel de cuidador.

Conclusão: na compreensão dos familiares, as suas vivências como cuidador, no contexto domiciliar, variaram entre aspectos positivos e negativos, que respectivamente minimizam e maximizam o sentimento de sobrecarga e de desconforto emocional.

Palavras chave: Cuidadores+ Idoso+ Enfermagem.

Introdução

Assumir a tarefa de cuidar de um idoso dependente no domicílio desponta como um fenômeno crescente na sociedade brasileira desde o final da década de 1990, quando se configurou o aumento da população idosa. O cuidado dos idosos é considerado um dever da família, na cultura brasileira, embora esta, por vezes, não apresente a adequada preparação, conhecimento ou suporte para desempenhar este papel. Tal dever se torna obrigação legal por constar na Constituição Federal Brasileira e no Estatuto do Idoso(1-2).

O que ainda persiste, conjugando-se com as leis e políticas públicas, é que, embora a família assuma seu papel como instituição social e tente suprir o cuidado usando seus próprios recursos, não conta com suporte institucional para dar conta desta responsabilidade(2). E, assim, resta a cada família construir seu próprio sistema informal de cuidado, o que por si só gera desgaste e estresse, podendo afetar negativamente a família como um todo(1).

A presença de declínio funcional relaciona-se com a perda de autonomia e independência, limitando a capacidade de autocuidado, comprometendo a qualidade de vida e gerando relações de dependência que interferem nos processos de interação social do idoso. O processo incapacitante corresponde à evolução de uma condição crônica que envolve diversos fatores de risco sociais, ambientais, relativos ao estilo de vida, dentre outros(3).

No contexto cultural brasileiro, compreende-se que o cuidador de idosos é a pessoa que supre as necessidades advindas da incapacidade funcional, temporária ou definitiva para o autocuidado. Esta tarefa inclui ações que visam auxiliar o idoso, impedido física ou mentalmente, a desempenhar tarefas práticas de atividades de vida diária(1,4).

O processo de cuidar de um idoso em contexto domiciliar pode impactar a vida cotidiana do familiar cuidador e trazer dificuldades de ordem emocional, física, econômica e social, com consequente risco à sua saúde e bem-estar(5).

Com o processo de envelhecimento populacional e aumento da incidência das doenças crônicas não transmissíveis, de déficit cognitivo e prejuízo da capacidade funcional, a dependência de cuidados domiciliares torna-se progressiva, constituindo-se em um importante problema de saúde pública. Estudiosos do campo da gerontologia descrevem que é preciso oferecer condições adequadas, como infraestrutura e suporte, para que a família exerça o papel de cuidar de idosos dependentes de forma apropriada(6-8).

Os idosos constituem a parcela da população que mais cresce em todo o mundo. Estudos na área da atenção à saúde do idoso, que contribuam com avanços no conhecimento sobre as vivências, dificuldades e necessidades de idosos e família, vêm sendo estimulados pela Agenda Nacional de Pesquisas(9), principalmente as relacionadas aos custos do processo de cuidar pela família no âmbito da atenção domiciliar. Na área de enfermagem gerontológica, pesquisas mostraram que há uma carência de publicações que subsidiem o profissional em ações tanto de capacitação como de suporte aos cuidadores familiares, e que o impacto do cuidar de idosos incapacitados no ambiente domiciliar sobre os cuidadores informais é pouco explorado pelas políticas públicas. Assim, a realização de estudos e pesquisas na área de Enfermagem, centradas nessa temática, com enfoque para o cuidador de idoso, especialmente o informal, mostram-se como relevantes, diante da realidade do envelhecimento populacional e da crescente demanda aos Sistemas de Saúde por serviços de atenção domiciliar ao idoso(2,4,7,10).

Diante do exposto, investiu-se na busca de compreensão das vivências de cuidar de idosos dependentes no ambiente domiciliar. O presente artigo apresenta uma análise sobre este fenômeno, a partir da ótica de cuidadores que manifestaram sobrecarga e desconforto emocional após assumirem o cuidado de um familiar idoso com dependências de cuidados no domicílio.

Métodos

Para a compreensão do objetivo proposto, utilizamos a Teoria Fundamentada nos Dados por considerarmos relevante uma teorização sobre o fenômeno o contexto de vida e a experiência de cuidar de idosos dependentes, no ambiente domiciliar, por familiares cuidadores. Neste método, coletam-se os dados no cenário natural de ocorrência do fenômeno pesquisado, sendo intrínseca a relação do processo de análise com a teoria que deles deriva. Adotamos o termo teorização uma vez que desenvolver teoria nessa abordagem significa o processo que se estabelece frente ao trabalho de gerar conceitos, formular ideias em esquemas lógico, sistemático e explanatório, que tem o pesquisador em constante interação com os dados(11).

As famílias participantes da pesquisa residem no município de Juiz de Fora/Minas Gerais, que é polo industrial, cultural e de serviços do sudeste mineiro e sede da pesquisa. O cenário inicial foi o Ambulatório de Geriatria e Gerontologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora. Por meio de consulta de enfermagem realizadas no período de maio a agosto de 2012 foram avaliados 78 idosos. Todos estavam acompanhados por um familiar e, após receberem orientações sobre a pesquisa, concordaram em participar. Destes, 27 apresentaram grau de dependência parcial ou importante para as Atividades Básicas de Vida Diária utilizando a escala(12). À medida que iam sendo identificados, seus cuidadores familiares principais eram avaliados quanto ao nível de sobrecarga e de desconforto emocional pelas escalas de sobrecarga(13) e de detecção de desconforto emocional - Self Reporting Questionnaire (SRQ-20)(14) e incluídos para a segunda etapa da pesquisa, realizada em seus domicílios, mediante concordância.

As visitas domiciliares foram agendadas por telefone, em horário conveniente ao cuidador familiar, seguindo-se a ordem dos atendimentos, livremente de critérios secundários. O número de participantes visitados seguiu o critério de saturação teórica proposto para a Teoria Fundamentada nos Dados, ou seja, os dados são coletados até que todas as categorias estejam saturadas(11). Dessa forma, foram visitados nove cuidadores principais, com observação de sua rotina e realização de entrevista semiestruturada, guiada por perguntas norteadoras. Mediante comparações constantes, uma repetição nas respostas, reações e comportamentos foi observada, caracterizando a saturação, ou seja, não houve dado novo ou relevante que justificasse ampliar o número de participantes.

Em observância ao método, que exige constante comparação entre os dados, por vezes foram necessários mais de uma visita domiciliar ao mesmo participante. Elaboramos um roteiro orientador do trabalho de campo, o qual ocorreu por meio das técnicas complementares de observação e de entrevista semiestruturada. As notas de campo, registradas na forma de tópicos no diário de campo durante o período de observação, eram posteriormente expandidas. As transcrições das entrevistas e a pré-análise iniciavam-se após a expansão das notas e antes da realização da entrevista seguinte, dando-se início aos processos de codificação aberta, seletiva e axial, conforme orientação metodológica(11).

No processo de análise os dados empíricos foram examinados minuciosamente, analisando-se linha por linha, parágrafo por parágrafo para extrair os primeiros códigos, e cada trecho que apresentava um fenômeno foi demarcado e codificado com um termo que o representasse. Pelo processo de comparação, os códigos identificados foram agrupados por similaridades e diferenças, formando as subcategorias. Com o avanço da análise, as categorias foram construídas, recodificadas, combinadas e comparadas entre si. A última fase buscou identificar a categoria central, determinando e validando sua relação com as outras categorias e destas entre si(11). Nesse sentido, a categoria central consistiu em: “As vivências de ser cuidador de idoso dependente” e foi formada por três subcategorias, aspectos positivos vivenciados pelo cuidador familiar; aspectos negativos vivenciados pelo cuidador familiar; tensão do papel de cuidador.

O estudo respeitou as exigências formais contidas nas normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

Resultados

Os nove cuidadores participantes do estudo eram do sexo feminino, casadas ou com união civil estável, tinham menos de 8 anos de estudo, idade entre 43 e 84 anos e, quanto ao grau de parentesco com o idoso, 6 eram filhas, 2 noras e 1 esposa. Todos os cuidadores apresentaram desconforto emocional e quando se analisou o grau de sobrecarga dos familiares no desempenho das atividades que envolvem o cuidado do idoso dependente no domicílio, verificou-se que 07 cuidadores avaliaram a sobrecarga como moderada a severa e 02 cuidadores como sobrecarga moderada.

Na compreensão dos participantes as suas vivências como cuidador de idosos dependentes no contexto domiciliar apresentam “aspectos positivos” e “aspectos negativos”, que, respectivamente, minimizam e maximizam o sentimento de sobrecarga e desconforto emocional em seus cotidianos.

Aspectos positivos vivenciados pelo cuidador familiar

Em relação às vivências destacaram-se os sentimentos facilitadores na relação com o familiar dependente, os momentos de interação entre cuidador e idoso dependente e a manutenção da autoestima diante de situações de dificuldades e de comprometimento das próprias condições de saúde do familiar cuidador.

A relação de cuidado é envolvida por sentimentos diversos e que refletem o cotidiano dos cuidadores, seja de dificuldades e sofrimento ou de superação e motivação. Entre os sentimentos considerados como positivos, na relação de cuidado, encontravam-se a afetividade pelo familiar, a solidariedade, a gratificação, valorização de seus atos, comprometimento e bem-estar. Então é um compromisso que a gente assumiu, de coração, não é uma obrigação. Você fez e está fazendo, porque você gosta da pessoa. De positivo, eu vou falar que é o amor e o carinho (Safira). Eu ajudo para mais tarde ser ajudada também (Rubi).

Uma das cuidadoras ressaltou os sentimentos positivos envolvidos na relação de cuidado, como a solidariedade e identificou-se tanto com o papel desempenhado que, mesmo na ausência da mãe dependente de cuidados, após seu óbito, ela pretendia continuar desenvolvendo essas atividades de forma voluntária para ajudar outras pessoas. Então, se eu trato ela com amor, assim como eu trato ela, eu poderia estar tratando outras pessoas. Porque eu penso que, quando eu não tiver a minha mãe mais, eu vou ser voluntaria, eu vou dar um pouco de mim para essas pessoas que precisam de cuidado (Turmalina).

Além desses sentimentos positivos identificados no cotidiano das famílias, observou-se um aspecto relacionado aos momentos de interação entre cuidador e idoso na relação de cuidado que contribuía para que o papel de cuidar fosse mais gratificante e com isso se sentiam valorizados, por perceberem a importância e a necessidade das ações que executava. Igual uma coisa legal que eu acho é que todo dia de manhã, quando dá o café, ela fala graças a Deus, aí acaba de almoçar, aí graças a Deus. São essas coisas pequenininhas dessa situação, que a gente tem que tá tirando dessa situação que ela vive hoje em dia (Safira). Hoje eu estava dando iogurte de manhã e ela estava rindo para mim. Eu perguntei: Você gosta? Ela disse: gosto. Isso me faz bem (Jade).

Outro aspecto observado foi que os cuidadores carregavam consigo alguns valores e costumes relacionados ao papel da família ao ter que assumir o cuidado do seu familiar idoso. Na fala seguinte fica evidente a manutenção da autoestima do familiar cuidador. Eu brinco assim: A esclerose múltipla é um adversário, eu sou um time e ela é outro. Então às vezes ficava um a um, às vezes um a zero. Às vezes quando eu estava muito mal, sozinha aqui dentro de casa, eu falava: ‘hoje está um a zero para você, mas amanhã a hora que eu acordar eu empato esse jogo’. Aí virava a noite, às vezes eu conseguia, às vezes não, aí eu falava: continua um a zero, mas amanhã eu te venço. E assim eu ia, na brincadeira, até melhorar (Cristal).

Aspectos negativos vivenciados pelo cuidador familiar

Os aspectos negativos vivenciados pelo cuidador familiar principal podem ser compreendidos como o conjunto de mudanças ocorridas em suas vidas, a partir do momento em que houve a necessidade de assumirem os cuidados do familiar idoso dependente. Nesse contexto os cuidadores relataram a ocorrência do abandono do trabalho para cuidar, que a vida afetiva passou a ocupar um segundo plano, o comprometimento das atividades sociais, principalmente de lazer e alterações no processo saúde-doença, que puderam ser observados nos relatos de prejuízos as condições de saúde, dificuldades em relação ao sono e repouso e presença constante de sentimentos negativos em seus cotidianos.

O abandono do trabalho para cuidar foi evidenciado nos trechos das falas a seguir: Eu trabalhava fora, mas aí depois que ela começou a ficar assim, minha irmã falou: É melhor você sair, que eu trabalhava em casa de família, porque a gente trabalha preocupada com essas coisas todas (Pérola). Trabalhava fora, tive que abandonar também. Então, tudo eu parei, por causa dela. Mas não me arrependo não (Turmalina).

A deficiência de lazer se fez presente na vida dos cuidadores quando se observou a realização de poucas atividades sociais na sua rotina de vida diária ou até mesmo o abandono por completo destas atividades. Os cuidadores, ao cumprirem com seus papéis, deixavam de exercer uma série de atividades de que gostavam e que faziam parte de seu contexto sociocultural, como viajar, pescar, sair à noite, ir à igreja ou visitar amigos, o que caracterizava um déficit de lazer por parte desses familiares. Mudou. Nossa e como. Em relação ao lazer, nesse período que a minha mãe está doente aqui, a gente não sai mais, não vai a lugar nenhum (Esmeralda). Eu gosto de ir à igreja. Gosto muito de estar em família. Eu gosto de pescar, viajar, que não está podendo ir mais. Gostava muito de viajar, viajava duas vezes no ano. Isso foi o que aconteceu (Safira).

Notamos que alguns cuidadores ao priorizarem as atividades de cuidado do familiar e desempenharem suas funções de forma ininterrupta deixam também a vida afetiva em um segundo plano. E na parte afetiva mesmo, namorar, eu não tenho namorado, porque eu não vou abrir mão da minha mãe. Talvez hoje se eu tivesse casado, eu nem estaria casada mais, porque tem uns que aceita, ajuda a olhar, mas isso é um tempo integral da pessoa. Então, marido não ia aceitar, como que eu ia... (Turmalina).

O cotidiano emocional do cuidador familiar também é permeado por sentimentos negativos. Entre esses sentimentos destacam-se a angústia, tristeza, ansiedade, culpa, remorso, irritabilidade e nervosismo. É tudo, é tudo... Acho que se fosse só cuidar dela seria mais fácil, lógico, com certeza. Aí dá aquela angústia, nossa eu tenho que fazer isso, eu tenho que fazer aquilo, e não posso fazer por causa dela, isso faz um mal danado. Fico muito triste (Jade). E também dar chance para a pessoa, porque se tem uma culpa que eu carrego, é de não ter deixado meus irmãos assim, me ajudarem a cuidar da minha mãe e do meu pai. Porque hoje em dia, eles não podem falar, eu fiz tudo para meu pai e para minha mãe (Safira).

Ao relatar sobre suas vivencias no processo de cuidar, o cuidador familiar colocou em evidência o comprometimento da sua saúde. Alguns cuidadores já conviviam ou passaram a conviver com processos crônicos que requerem cuidados permanentes, acompanhamento profissional ou o uso de medicamentos.

As repercussões do cotidiano de cuidados com o familiar idoso nas condições de saúde do familiar cuidador ficaram claras nas falas, onde se observa o desenvolvimento de quadro hipertensivo, alterações como cefaleia e dor lombar e ainda, manifestações que indicavam a presença de depressão. Eu estou tomando fluoxetina de novo, eu tinha dado uma parada, porque eu não queria ficar dependente de remédio, mas eu tive que voltar a tomar, porque a minha pressão tava subindo. Emocional. Estava dando taquicardia, ansiedade, falta de ar e tal (Jade). Tenho muita dor de cabeça, que chego a chorar. Às vezes eu sinto queimar assim na nuca. Prejudica, mas eu nem sei explicar. A coluna me atrapalha muito, que eu não posso abaixar se não eu caio (Rubi). Ainda falei: se for para me chamar hoje para ir numa festa, mas me dá uma tristeza, dá vontade de chorar... Eu não consigo, se for para eu ir numa festa eu não consigo. Não suporto de jeito nenhum, festa para mim é tristeza (Pérola).

Entre as alterações do estado de saúde dos cuidadores uma condição que se repete em seus relatos é a alteração no padrão de sono e repouso. Verificamos a existência de dificuldades para atender a essa necessidade fisiológica de todo ser humano, importante para preservação da capacidade de executar as atividades diárias e cumprir com a pesada rotina de cuidados. Ah, isso aí eu tenho até hoje. Tenho muita dificuldade para dormir. Eu não tomo remédio de jeito nenhum, porque eu não quero ficar dependente disso (Esmeralda). Já sou ruim para dormir, então agora piorou muito. Porque eu já fico muito atenta nela, qualquer coisa ela pode cair. E com isso estou ficando muito ansiosa (Pérola). E hoje eu durmo no quarto dela, aí qualquer virada que ela dá, qualquer gemido, eu já estou atenta (Turmalina).

Tensão do papel de cuidador

Entre as atividades desenvolvidas pelos familiares cuidadores algumas, como banho, higiene intima, troca de fraldas, transferência e mudanças de posição, se destacaram como as tarefas que mais causam sobrecarga física. Um aspecto preocupante é que são cuidados diários, na maioria das vezes de forma ininterrupta, sem auxílio de outros membros da família e sem estrutura física e equipamentos adequados para prestar esses cuidados. Se eu der o banho, me dá fadiga, aí eu vou para cama. Eu não aguento carregar ela sozinha, eu não aguento virar ela na cama sozinha (Cristal). Por isso que eu pedi a médica para arrumar uma cama dessas de hospital, mais alta, justamente por causa disso, para trocar uma fralda, dar um banho no leito, e essas coisas. Porque já está difícil, que já está dando dor nas costas (Esmeralda).

A sobrecarga emocional pôde ser observada por meio de sinais e sintomas como: irritabilidade, nervosismo, tensão, tristeza, choro, angústia, estresse, entre outros. Essa sobrecarga emocional ficou evidente nas falas dos entrevistados, que relataram um ou mais desses sinais e sintomas. Afeta, afeta muito. Hoje eu sou mais deprimida. Então tem hora que bate uma revolta, ai quando vejo eu já começo a chorar. Então, quer dizer eu já fiquei um pouco mais deprimida por causa disso (Turmalina). Sim, principalmente nesse período agora eu senti. Senti muito. Tensa, extremamente estressada, pelo fato de falar com as pessoas e as pessoas não me ouvirem. E eu entrei em estresse e tensão (Cristal).

O cansaço e o estresse foram frequentemente expressados pelos familiares cuidadores, por meio da irritabilidade e em sentimentos como tristeza, isolamento, frustração e angustia. Uma das consequências da presença de sobrecarga emocional e consequentemente tensão no papel de cuidador no cotidiano das famílias é a perda de paciência, com risco para violência contra o idoso. Eu tenho andado com muito medo de descontrolar com isso. Pavor mesmo sabe. Porque chega uma hora assim de fazer uma coisa que não ta na gente. Eu tenho andado com muito medo, muito medo mesmo. E tem hora que ela faz nervoso na gente (Pérola).

Além da perda da paciência como risco para a violência contra os idosos dependentes, outra repercussão da sobrecarga e tensão do papel de cuidador consistiu na identificação do déficit no autocuidado do cuidador de idoso. Diante de um cotidiano de acúmulo de atividades, de falta de apoio de outros membros da família e dos próprios serviços de saúde, o cuidador prioriza os cuidados ao familiar dependente em detrimento do seu autocuidado. Assim deixa de frequentar salão de beleza, fazer as unhas, cuidar dos cabelos e até mesmo da própria saúde. Ah! Eu não tenho cuidado de mim igual eu cuidava. Eu sempre fazia unha, cabelo e hoje não. É uma vez por mês, ou quando posso. Já não cuido muito mais não. Hoje eu fico mais aqui cuidando dela (Turmalina). Ah, eu sou diabética... Tem um ano e dois meses agora, que eu não vou “no médico”, entendeu (Esmeralda).

Discussão

A vivência de sentimentos positivos pelos cuidadores é um aspecto importante e que precisa ser identificada e valorizada, visto que são fundamentais para manutenção dos laços afetivos entre os familiares cuidadores e os idosos dependentes. Além de contribuir para que esses se sintam reconhecidos no desempenho de suas funções e possibilitar-lhes o alívio da tensão no papel desempenhado. No entanto por meio de revisão integrativa constatou-se que em geral o conteúdo dos estudos engloba aspectos ligados ao ônus de cuidar, deixando de evidenciar os aspectos positivos da relação de cuidado(4).

Além dos laços de afeto e da interação entre o cuidador e o idoso dependente atuarem como estímulos positivos que facilitavam a realização dos cuidados e poderiam aliviar a tensão do cuidador, outro fator importante identificado foi à capacidade de manutenção da autoestima do cuidador mesmo diante das dificuldades e limitações no cotidiano de cuidar.

Reforça-se que o conjunto de aspectos positivos encontrados na relação de cuidado estabelecida no meio familiar precisa ser reconhecido, respeitado e valorizado pelo enfermeiro e demais profissionais durante as orientações e medidas de suporte estabelecidas, com o intuito de ajudar a família a manter e fortalecer os sentimentos positivos, a interação na relação de cuidado e a manutenção da autoestima do cuidador, promovendo assim o bem estar mutuo.

Por outro lado, o estudo revelou que a tarefa de cuidar de um idoso dependente, com suas dificuldades para realizar a higiene, alimentação e até mesmo o manejo de distúrbios comportamentais, exigia do cuidador dedicação praticamente exclusiva, fazendo com que ele deixasse suas atividades, em detrimento dos cuidados dispensados ao familiar. Alguns cuidadores chegaram a abandonar seus empregos e ocupações, colocando seu autocuidado em segundo lugar, com precarização de suas relações e passaram a vivenciar o isolamento social.

A observação do cotidiano dos cuidadores de idosos proporcionou então constatar que cuidar é uma tarefa absorvente e que ocasiona muitas modificações em suas vidas após assumirem tal papel, estando estas relacionadas, além do abandono do trabalho e suas repercussões econômicas na dinâmica familiar, à falta de tempo para o exercício de atividades sociais, principalmente as de lazer. Os cuidados geralmente se entregam a relação de cuidado do outro e não percebem a necessidade de se cuidar, abandonando o convívio social. Esta ausência de lazer, somada ao confinamento no ambiente do cuidar gera sentimentos de sobrecarga(15-16).

O cuidador, ao desempenhar o seu papel, vivencia restrições em relação a sua própria vida, uma vez que passa a lidar com a perspectiva de um maior isolamento social, falta de tempo para ele próprio e para o contato com a família e amigos, com possíveis interrupções na carreira profissional e negligências com o cuidado com a própria saúde(8,10,17).

A presença dos sentimentos negativos reforça a necessidade de intervenções de enfermagem buscando auxiliar na superação dessa situação, que direciona para um contexto dificultador, que contribui para elevar os níveis de sobrecarga e desconforto emocional, que comprometem o bem estar sociocultural, tanto da família quanto do idoso dependente de cuidados. O convívio mesmo que por pequenos períodos com esses sentimentos acarreta prejuízos à qualidade de vida e as condições de saúde do cuidador(4).

Identificou-se que o familiar cuidador reconhecia que a sua saúde sofria impactos negativos e que vinha sendo comprometida pelo processo de cuidar, mas diante de um contexto de tantas demandas e necessidades de cuidados ao idoso, parecia se sentir impotente para buscar mecanismos de mudança.

Em relação ao processo saúde-doença do cuidador familiar, identificou-se que os cuidadores estavam expostos a diversos tipos de estressores de forma prolongada e que, por isso, também apresentavam o risco de ter problemas de saúde semelhantes ao da pessoa a ser cuidada. Mesmo os mais resilientes estão sujeitos a sobrecarga física e emocional, por ser cotidianamente testada a sua capacidade de enfrentamento das situações inerentes ao cuidado(18-19). Reforçamos esses achados e concordamos da mesma forma, que o cuidador apresentava restrições em sua vida ao assumir os cuidados e, como consequência, poderia se tornar um cliente em potencial, que também necessitasse de cuidados.

Corroboramos também com a premissa de que quando o familiar executa as tarefas de cuidado sem orientação e apoio dos serviços de saúde, essa situação pode comprometer o seu estado de saúde e, assim, fazer com que passe a necessitar, também, de cuidados como consequência de sobrecarga e desgaste emocional que poderiam ser evitados ou minimizados(2).

Ao analisar o processo saúde-doença do cuidador familiar, compreendemos que a manutenção de sua saúde é de fundamental importância para a continuidade da realização dos cuidados ao familiar dependente. Além da aprendizagem de cuidados e procedimentos técnicos, os cuidadores precisam aprender a conciliar o cuidado dispensado ao familiar dependente com as medidas necessárias para a manutenção de sua própria saúde e bem estar(8).

Entre as situações relatadas pelos familiares que podem estar relacionados à dificuldade em estabelecer um padrão de sono eficaz estão à permanência do cuidador na mesma cama ou no mesmo ambiente em que se encontrava o idoso e a apreensão de ‘acontecer algo de ruim’ ao idoso e o cuidador não perceber pelo fato de estar dormindo.

Essas situações direcionam para a necessidade de se instituir uma rotina de revezamento entre os familiares, permitindo ao cuidador principal alternar noites de cuidados com outros membros, para que consiga restabelecer suas necessidades de descanso e repouso. No entanto essa estratégia ainda não faz parte do cotidiano da maioria das famílias acompanhadas. Observa-se grande fragilidade no suporte familiar e formal para o revezamento do cuidado(8).

A tensão do papel de cuidador inclui-se entre os diagnósticos de enfermagem propostos pela taxonomia da NANDA (North American Nursing Diagnoses Association). É definido como o “estado em que o indivíduo está apresentando sobrecarga física, emocional, social e/ou financeira no processo de cuidar de outra pessoa”(18:158).

Entre os atributos da tensão do cuidador familiar de idosos dependentes, foram levantadas as alterações biopsicossociais que os familiares sofriam, chegando à conclusão de que os cuidadores familiares apresentavam alterações no estado físico, emocional, desequilíbrio entre atividade e repouso e enfrentamento individual comprometido(19).

A influência sobre a vida e o estado de saúde resultante das atividades e cuidado junto aos idosos dependentes pôde ser observada em impactos objetivo e subjetivo. Uma influencia que gera impacto objetivo pode ser notada a partir de problemas práticos do cotidiano do cuidador, como suas relações familiares, as alterações nos campos do emprego e da renda, adoecimentos ou agravamentos no estado de saúde e na redução das atividades sociais. Por outro lado o subjetivo refere-se à reação emocional do familiar cuidador diante da rotina de cuidados junto ao idoso. Assim, acrescentou-se à relatada sobrecarga física no desempenho das atividades do cuidador familiar, outro elemento que também caracterizava o diagnóstico de tensão do papel de cuidador: a sobrecarga emocional.

O cuidador familiar que convive com o estado de tensão está sujeito muitas vezes ao surgimento de situações que lhe incitem a perda de paciência em meio ao ritmo cotidiano de cuidar, contribuindo para um risco aumentado de violência intrafamiliar contra os idosos(4).

Torna-se ainda mais importante a busca por estratégias de suporte e apoio as famílias que convivem com idosos dependentes e precisam desempenhar o papel de cuidador, tendo como objetivos minimizar os níveis de sobrecarga, de desconforto emocional e de tensões, promovendo um ambiente que atenda as necessidades do idoso e dos familiares, contribuindo para o estabelecimento de uma dinâmica intrafamiliar que seja livre dos fatores de risco para maus tratos e negligências.

Outro aspecto preocupante observado nas vivencias dos familiares cuidadores foi que o déficit na realização do autocuidado estava relacionado principalmente às dificuldades em conciliar o autocuidado com as atividades de cuidado do idoso dependente.

O enfermeiro possui competências e habilidades em seu âmbito profissional que contribuem para que tais dificuldades sejam superadas e que assim as famílias atinjam suas metas de autocuidado quando se colocam como cuidadoras de um familiar dependente. Este profissional “tem a possibilidade de identificar os indivíduos em alto risco de entrar em tensão relacionada ao papel de cuidador, auxiliando-os a se prevenir dessa grave situação”(18:159).

Para tanto, é importante conhecer os cuidadores informais, considerando suas especificidades socioculturais, dificuldades, limitações e percepções, com a finalidade de fornecer subsídios para o desenvolvimento de serviços de assistência e suporte, com planejamento de ações de enfermagem direcionadas as reais necessidades dos idosos dependentes e seus familiares(8). Além disso, não é apenas de preparo técnico que o cuidador necessita, mas da manutenção e promoção de sua própria saúde, por meio de projetos que intervenham no cuidado juntamente com ele e considerem a sobrecarga sofrida, seja física, psíquica, financeira ou social(20).

Considerações Finais

Os resultados obtidos com a realização desta investigação possibilitaram identificar que, na compreensão dos participantes, as suas vivências como cuidador, no contexto domiciliar, variaram entre aspectos positivos e aspectos negativos, que respectivamente minimizam e maximizam o sentimento de sobrecarga e de desconforto emocional.

Em relação às vivencias positivas destacaram-se os sentimentos facilitadores na relação com o familiar dependente, os momentos de interação entre cuidador e idoso dependente e a manutenção da autoestima diante de situações de dificuldades. Quanto às vivências negativas, foi identificado o abandono do trabalho para cuidar, a vida afetiva ocupando um segundo plano, o comprometimento das atividades sociais, principalmente de lazer e alterações no processo saúde - doença, e presença constante de sentimentos negativos na rotina de cuidados.

Os achados desta pesquisa contribuem para dar visibilidade à necessidade de apoio à família de idosos que necessitam de atenção domiciliar no âmbito das políticas públicas. A compreensão das vivências, dificuldades da família nas demandas de cuidados podem estimular a equipe de saúde, a fim de se obter resolubilidade nos atendimentos domiciliares ao idoso dependente. Contribuem, também, para repensá-lo no âmbito da organização do trabalho em saúde, principalmente das equipes da Estratégia Saúde da Família, valorizando-se as atividades de educação em saúde, como os grupos de convivência, de apoio e suporte, ensino de autocuidado, e as consultas domiciliares, que incluam o atendimento às necessidades de saúde do cuidador familiar, contribuindo para diminuir a tensão vivenciada em seus cotidianos.

Referências

1. Lindolpho MC, Caldas CP, Acioli S, Vargens OMC. O cuidador de idoso com demência e a política de atenção à saúde do idoso. Rev Enferm UFPE On line [Internet]. 2014 [citado 2015 Jun 26]; 8(12):4381-90. Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/6783/pdf_6794

2. Vieira CPB, Fialho AVM, Moreira TMM. Dissertações e teses de enfermagem sobre o cuidador informal do idoso, Brasil, 1979 a 2007. Texto Contexto Enferm. 2011; 20(1):160-6.

3. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e Saúde da pessoa Idosa. Brasília: Ministério da Saúde; 2007.

4. Oliveira DC, D’Elboux MJ. Estudos nacionais sobre cuidadores familiares de idosos: revisão integrativa. Rev Bras Enferm. 2012; 65(5):829-38.

5. Vieira CPB, Fialho AVM, Freitas CHA, Jorge MSB. Práticas do cuidador informal do idoso no domicílio. Rev Bras Enferm. 2011; 64(3):570-9.

6. Barbosa RL, Morais JM, Resck ZMR, Dázio EMR. Home caregiver of elderly patients with Alzheimer’s disease. Rev Rene. 2012; 13(5):1191-6.

7. Gratão ACM, Vendruscolo TRP, Talmelli LFS, Figueiredo LC, Santos JLF, Rodrigues RAP. Sobrecarga e desconforto emocional em cuidadores de idoso. Texto Contexto Enferm. 2012; 21(2):304-12.

8. Seima MD, Lenardt MH, Caldas CP. Relação no cuidado entre o cuidador familiar e o idoso com Alzheimer. Rev Bras Enferm. 2014; 67(2):233-40.

9. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. Agenda nacional de prioridades de pesquisa em saúde; Brasília: Ministério da Saúde; 2008.

10. Costa SRD, Castro EAB. Autocuidado do cuidador familiar de adultos ou idoso dependentes após a alta hospitalar. Rev Bras Enferm. 2014; 67(6):979-86.

11. Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. Porto Alegre: Artmed; 2008.

12. Lino VTS, Pereira SEM, Camacho LAB, Ribeiro Filho ST, Buksman S. Adaptação transcultural da escala de independência em atividades da vida diária (Escala de Katz). Cad Saúde Pública. 2008; 24(1):103-12.

13. Scazufca M. Brazilian version of the Burden Interview Scale for the assessment of care in carers of people with mental illnesses. Rev Bras Psiquiatr. 2002; 24(1):12-7.

14. Mari JJ, Williams P. A validity study of a psychiatric screening questionnaire (SRQ-20) in primary care in the city of São Paulo. Br J Psychiatry. 1986; 148:23-6.

15. Lindolpho MC, Oliveira JB, Sá SPC, Brum AK, Valente GSC, Cruz TJP. O impacto da atuação dos enfermeiros na perspectiva dos cuidadores de idosos com demência. Rev Pesqui Cuid Fundam Online [periódico na Internet]. 2014 [citado 2015 jun 22]; 6(3):1078-89. Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/3452/pdf_1360

16. Pedreira LC, Oliveira AMS. Cuidadores de idosos dependentes no domicílio: mudanças nas relações familiares. Rev Bras Enferm. 2012; 65(5):730-6.

17. Carvalho DP, Toso BRGO, Viera CS, Garanhani ML, Rodrigues RM, Ribeiro LFC. Caregivers and implications for home care. Texto Contexto Enferm. 2015; 24(2):450-8.

18. Carpenito-Moyet LJ. Diagnósticos de enfermagem: aplicação à prática clínica. Porto Alegre: Artmed; 2009.

19. Fernandes MGM, Garcia TR. Tension attributes of the family caregiver of frail older adults. Rev Esc Enferm USP. 2009; 43(4):818-24.

20. Pereira MJSB, Filgueiras MST. A dependência no processo de envelhecimento: uma revisão sobre cuidadores informais de idosos. Rev APS. 2009; 12(1):72-82.

Autor notes

Colaborações

Couto AM participou da elaboração do projeto, coleta e análise de dados e redação do artigo. Castro EAB participou da elaboração do projeto, análise de dados e redação do artigo. Caldas CP contribuiu para elaboração do artigo e aprovação final da versão a ser publicada.

Autor correspondente: Alcimar Marcelo do Couto. Rua Potumaio, 39, Ap. 202, São Geraldo, CEP: 31050-270. Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: alcimar.couto@bol.com.br

HMTL gerado a partir de XML JATS4R por