Artigo Original
Mudanças nas ações gerenciais após a Acreditação Hospitalar
Mudanças nas ações gerenciais após a Acreditação Hospitalar
Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, vol. 17, núm. 2, pp. 165-175, 2016
Universidade Federal do Ceará
Recepção: 18 Agosto 2015
Aprovação: 26 Janeiro 2016
Resumo
Objetivo: compreender as mudanças nas ações gerenciais após a Acreditação Hospitalar.
Métodos: estudo de caso. Participaram do estudo 12 gerentes de um hospital acreditado com Excelência. Coleta de dados realizada com entrevistas, roteiro semiestruturado e submetidos à análise de conteúdo.
Resultados: em relação às mudanças nas ações gerenciais foram constituídas de forma significativa três categorias: Organização do trabalho com ferramentas da qualidade; Ações gerenciais antes e após a acreditação; e Desafios enfrentados ao modificar as ações gerenciais.
Conclusão: a acreditação mobilizou mudanças nas ações gerenciais com adoção de instrumentos da qualidade utilizados para organizar o trabalho e a responsabilização das pessoas envolvidas no processo. Entretanto, surgiram desafios a serem superados pelos gerentes para alcançar a acreditação.
Palavras chave: Acreditação+ Gestão da Qualidade+ Gerência+ Hospitais.
Introdução
Os gerentes organizacionais da área da saúde têm envidado esforços em busca de melhorias na qualidade, na segurança do paciente e, portanto, muitas vezes vêm desenvolvendo estratégias para alcançar a Acreditação Hospitalar.
No Brasil, a acreditação é caracterizada como um processo voluntário, periódico e reservado, que tende a garantir a qualidade da assistência por meio de padrões previamente aceitos1. Quando implementado efetivamente, a acreditação é uma possibilidade de avaliar e promover melhoria da qualidade nos hospitais, pois acarreta mudanças de hábitos, valores, comportamentos assistencial e gerenciais, como a contribuição para um cuidado mais qualificado, além de fomentar um ambiente organizacional de excelência2.
A iniciativa do processo de acreditação nacional se fortaleceu, principalmente, com a metodologia Joint Commission on Acreditation of Health Care Organization e a Organização Nacional de Acreditação.
A Joint Commission International foi criada em 1998; uma divisão da Joint Commission, e tem como missão melhorar os serviços de saúde na comunidade internacional por meio de acreditação e consultoria. Trata-se de uma metodologia de avaliação e melhoria da qualidade de saúde3. O Consórcio Brasileiro de Acreditação foi criado com objetivo de contribuir com essa melhoria da qualidade nos hospitais e demais serviços de saúde. É a organização responsável por aplicar a metodologia no Brasil3.
Este estudo enfoca a avaliação da qualidade pela metodologia da Organização Nacional de Acreditação, entidade criada em 1999 , responsável pela acreditação no país que tem por objetivo promover um processo permanente de educação consubstanciada no valor que se dá a uma realidade em face de uma referência ou padrão, seguida de uma avaliação sistemática1. E, ainda, tem como escopo implantar avaliar e certificar as instituições de saúde baseada na avaliação da segurança, estrutura, processo e resultados de acordo com os padrões mais elevados de qualidade1.
Assim, a gestão da qualidade tem contribuído para o desenvolvimento e satisfação de profissionais e gestores, aumento da eficiência e eficácia financeira, organização de processos e atendimento de requisitos dos clientes2-4.
Neste sentido, a avaliação dos serviços de saúde implica ações gerenciais que considera a tríade de avaliação da qualidade do atendimento em saúde: estrutura, processos e resultados5. Depreende-se a estrutura como os recursos físicos, humanos, materiais e financeiros necessários para a assistência médica; o processo corresponde às atividades envolvendo profissionais de saúde e usuários, incluindo o diagnóstico, o tratamento, os aspectos éticos de relação profissional; e o resultado refere-se ao produto final da assistência prestada, abrangendo a saúde, utilização de padrões e expectativas dos usuários5.
Assim, a acreditação representa uma estratégia gerencial fundamental na busca de uma assistência com mais qualidade e segurança, com gerenciamento dos resultados. Em virtude disso, escolheu-se realizar a pesquisa em uma instituição hospitalar acreditada com excelência, referencia em qualidade e segurança do paciente.
Nessa perspectiva, parte do pressuposto que o alcance da acreditação exige esforço dos gerentes, melhorando o gerenciamento do serviço combinando segurança com ética profissional, responsabilidade e qualidade do atendimento6 e, portanto, gera transformações gerenciais como o desenvolvimento de conhecimentos, competências e habilidades. Diante do exposto, surge a pergunta norteadora deste estudo: quais as mudanças nas ações gerenciais após a Acreditação Hospitalar?
Com o intuito de contribuir com a gestão em saúde no cenário hospitalar, o objetivo deste estudo foi compreender as mudanças nas ações gerenciais após a Acreditação Hospitalar.
Métodos
Trata-se de um estudo de caso. O estudo de caso permitirá conhecer amplamente as mudanças nas ações gerenciais que ocorreram após a implementação da acreditação, pois esse método informa as características holísticas e significativas de um fenômeno7. A pesquisa qualitativa tenta captar os aspectos dinâmicos e individuais de cada fenômeno, exibindo tudo aquilo que circunda o objeto8. Assim, permitirá compreender as mudanças nas ações gerenciais ocorridas.
Para contemplar a pergunta de pesquisa desse estudo e alcançar o objetivo proposto, foi escolhido um hospital Acreditado com Excelência, nível três pela metodologia nacional, desde 2004. Além disso, a escolha desse cenário se deu por ser um dos primeiros hospitais em Belo Horizonte a obter essa certificação. Trata-se de uma instituição privada, de grande porte, localizada em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
Os sujeitos da pesquisa foram os profissionais que permaneceram ocupando cargos gerenciais após a certificação e participaram da implantação da acreditação hospitalar desde o início do processo, sendo estes os critérios de inclusão. Desse modo, foram excluídos do estudo os gerentes que não vivenciaram o início da certificação na instituição. Assim, o total de participantes na pesquisa que contemplava os critérios adscritos foram 12 sujeitos (cinco enfermeiros, dois médicos, um contador e quatro administradores). Ressalta-se que o fechamento amostral ocorreu por meio do critério da saturação de informações, e por isso, não houve perda amostral. A saturação ocorre quanto os dados coletados se tornam repetitivos e redundantes, assim, não prossegue com as entrevistas, pois não gera mais novos conhecimentos8.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas, com roteiro semiestruturado, de abril a junho de 2011, sendo gravadas mediante autorização prévia dos sujeitos e transcritas na íntegra. As questões avaliavam aspectos como atividades gerenciais, ações gerenciais antes e após o processo de acreditação, bem como o papel dos profissionais neste processo, e aspectos facilitadores e dificultadores. As entrevistas foram realizadas no local de trabalho dos sujeitos e previamente agendadas.
Os dados coletados foram submetidos à Análise de Conteúdo, a qual permite desvelar e compreender as relações que estão contidas nas mensagens, buscando alcançar a interpretação mais profunda do fenômeno, além de ultrapassar o alcance meramente descritivo do conteúdo manifesto da mensagem. A análise dos dados foi realizada, em torno de três polos cronológicos: a pré-análise, a exploração do material e tratamento dos resultados9. A pré-análise: a fase de organização, que tem por objetivo operacionalizar e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso de desenvolvimento da pesquisa. É nesta fase que é realizada a leitura flutuante, constituição do corpus e reformulação de hipóteses e objetivos, com formação de categorias. A exploração do material é a operação de analisar o texto sistematicamente em função das categorias formadas. Tratamento dos dados: são feitas inferências e as interpretações9.
O estudo respeitou as exigências formais contidas nas normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.
Resultados
Foi identificado um grupo heterogêneo de profissionais de diversas categorias, com predomínio de profissionais da saúde (75,0%), participando do estudo 12 gerentes: cinco enfermeiros, quatro médicos, dois administradores e um contador, verificando o predomínio de profissionais da enfermagem em cargos de gestão. Sete mulheres (58,3%) e cinco homens (41,7%). A idade dos gerentes variou entre 29 e 58 anos, a média de tempo de trabalho na instituição era de 13 anos. Após a certificação, todos permaneceram ocupando cargos gerenciais. Em relação à realização de pós-graduação, 100,0% dos profissionais realizaram curso de especialização.
Em relação às mudanças nas ações gerenciais, foram constituídas de forma significativa as seguintes categorias: Organização do trabalho com instrumentos da qualidade, Ações gerenciais antes e após a acreditação e Desafios enfrentados ao modificar as ações gerenciais.
Organização do trabalho com instrumentos da qualidade
As atividades gerenciais desenvolvidas passaram a ser registradas e documentadas de forma mais organizada e sistematizada com a certificação. O que mudou foi que a partir da acreditação tenho mais instrumentos de forma mais padronizada. Eu sei onde procurar as informações e sei o que eu tenho. Então, antes, se me pediam uma informação, eu tinha que pesquisar se eu tinha essa informação, ou às vezes, criá-la, ou, às vezes, ela era informal, ou eu tinha que montar relatório. Hoje, depois de acreditados, essa disponibilidade que você sabe os números com maior facilidade. Você tem a informação mais em tempo real e de uma forma padrão, registrada. Você sabe onde procurar e por que, e para que serve aquilo (GR11). Hoje, temos ferramentas mais palpáveis, que direcionam melhor seu serviço, melhora as atividades que são corriqueiras: gestão de pessoas, gestão de escala, gestão da unidade, de montar uma unidade, material, medicamento disponível. Os processos foram mais bem descritos, gerando uma qualidade melhor da assistência e da segurança do paciente (GR3).
Os gerentes passaram a empregar instrumentos da qualidade, os quais poderiam ser chamados de instrumentos administrativos, ou ferramentas da qualidade. Neste estudo, optou-se por denominá-los como instrumentos da qualidade. Assim, os gerentes deste estudo destacaram que passaram a utilizar instrumentos como: plano de ações; indicadores; análise crítica das ações; cadeia cliente fornecedor; matriz de risco; e análise de causa raiz.
Os gerentes apontaram a importância do trabalho desenvolvido com instrumentos da qualidade, não identificando estes instrumentos apenas como burocráticos ou sobrecarregando o trabalho, mas, sobretudo, como facilitadores do desenvolvimento de um trabalho mais organizado, com dados mais palpáveis, refletindo na qualidade da assistência e em melhorias contínuas. Trabalho mais organizado é garantir a qualidade através dessa ferramenta de qualidade a fazer e acompanhar isso melhor, através da proximidade que ela oferece para que fique mais próximo da gestão no dia a dia. Não é uma coisa a mais a fazer (GR8).
Os instrumentos utilizados são percebidos como ferramentas que chegaram para dinamizar o processo assistencial com compromisso e responsabilidade.
Em relação ao plano de ação, a instituição realizou o planejamento estratégico. A gente já trabalhava com planejamento, o planejamento estratégico, que a gente já tinha desde 1996, que foi um facilitador. Porque a gente já tinha metas internas, que a gente tinha que fazer análise dessas metas, o porquê de alcançar ou não essas metas (GR9). O planejamento estratégico é revisado semestralmente, através de desdobramento realizado com a alta direção com as metas estratégicas para toda organização. Cada setor tem uma meta específica, que é o desdobramento das metas estratégicas do hospital (GR7). A gente tinha os procedimentos de planejamento estratégico, a gente tinha as análises críticas, mas de uma forma mais informal, agora não. Agora o hospital já é acreditado desde 2004 (GR8).
O trabalho dos gerentes com foco no planejamento estratégico ocorria informalmente, sendo desenvolvido em cada setor um trabalho de improviso, sem planejamento das ações. Com a acreditação, os gerentes passaram a realizar planejamentos operacionais; planos de ação, com planejamentos de curto prazo das unidades, o monitoramento contínuo dos resultados esclarecendo os objetivos, os métodos, os recursos, as ações e as metas nivelados com o planejamento estratégico do hospital. Esses planos foram realizados por meio de reuniões formais entre gerentes de diversos setores e seus funcionários.
Verificou-se que os gerentes começaram a utilizar os indicadores para acompanhar os resultados da certificação. Então, é um conjunto de ferramentas para manter em dia, mensurar indicador. Isso é mensal, e vejo isso como facilitador. É necessário que haja cobrança para que saia tudo no prazo (GR10). Antes da acreditação, os processos já existiam, mas não eram uniformes em todo o hospital. Por exemplo, o Centro de Tratamento Intensivo tinha os indicadores assistenciais, alguns administrativos, mas tinha setores que não tinham (GR3). A gente percebe que depois que envolveu com o processo da acreditação, que se envolveu isso, começou mais ou menos em 2002, e a gente foi certificado em 2004, a gente percebe uma maior sistematização. Então, você tem os indicadores que você faz, você mensura. Então, tem local para isso, justifica, faz plano de ação, mas de uma forma mais sistematizada. Hoje, você tem instrumentos que qualificam melhor para você fazer isso (GR4).
Outro instrumento adotado pelos gerentes foi a utilização da análise crítica. As análises críticas que a gente faz nas unidades assistenciais, cada enfermeira é responsável pela sua análise, tanto do ponto de vista assistencial quanto gerencial do setor, algo que agente adquiriu ao longo do tempo (GR2). Além de a acreditação nos trazer a segurança no nosso trabalho gerencial, trouxe também a documentação necessária. Hoje, todos os nossos documentos são registrados em uma matriz, todas as nossas atividades são documentadas, os registros são periodicamente revistos, os procedimentos operacionais, e a gente trabalha também com indicadores, para acompanhar o desempenho do nosso trabalho, além das análises críticas periódicas e das auditorias internas e externas, que nos fazerem manter o nosso trabalho de modo adequado (GR6). Então, existe uma preocupação muito maior com a prevenção do que com a correção. Então, hoje, a gente tem muito mais planos preventivos que corretivos. Isso muda a forma de gerir, sim, antecipar-se ao problema. E isso acontece com as análises mensais ou quinzenais e nas análises críticas da alta direção, em que todos os setores têm que estar presente para falar do seu planejamento e da análise do seu setor (GR10).
Interessante ressaltar que cada gerente era responsável pela análise crítica do seu setor, sendo essas análises realizadas constantemente, em prazos curtos como mensal ou quinzenalmente. Era necessário apresentá-las para a direção do hospital e para os outros gerentes de diversos setores em reuniões. As análises críticas foram realizadas de forma sistêmica, e todos os gerentes a desenvolveram, revelando evidências de atuação de melhoria e inovações.
Percebe-se também a cadeia cliente-fornecedor. Os depoimentos apresentados a seguir deixam clara a importância do uso desse instrumento. A gente tem que conseguir atender o nosso cliente interno nos requisitos da cadeia cliente-fornecedor. Essa cadeia é muito bem estabelecida, estruturada e esclarecida. Então, nós não temos como ter uma expectativa diferente nem com a alta direção nem com o colaborador. Se ele estiver alinhado com os valores, a cultura da instituição, principalmente com a estratégia, aonde esta instituição quer chegar e quais os objetivos dela, é tranquilo (GR7). A gente é um centro de referência para a assistência do paciente. Então, o que aconteceu é que nós clareamos, nós começamos a evidenciar muito alguns conceitos de cliente interno, cadeia cliente-fornecedor. Isso foi um crescente (GR2). A gente passou a trabalhar de uma forma mais sincronizada. Ninguém impõe mais nada, é discutido e acordado. Cada setor monta a cadeia cliente-fornecedor, e a gente discute como quer receber o produto e como quer fornecer o produto. Então, é acordado (GR10).
Fica evidente a adoção de matriz de risco após a acreditação, o que ajudou a gerenciar os riscos existentes nos setores. A ferramenta mais utilizada para gerenciamento dos riscos pelos gerentes deste estudo foi a Análise de Causa Raiz, que é uma ferramenta antiga na administração, porém nova na área da saúde. Portanto, os gerentes expressam maior dificuldade para desenvolvê-la: Uma coisa que sobressai de toda essa questão da gestão para a acreditação é a questão do gerenciamento de risco, porque isso é algo novo, é um ganho para a instituição que hoje não tem como uma empresa sobreviver se não estiver gerenciando esse risco, principalmente uma instituição de saúde (GR10).
A despeito de ser um processo novo e que implica dificuldades por parte do gerente, o gerenciamento de riscos vem sendo incorporado gradativamente ao cotidiano dos gerentes. E hoje mais focado na gestão de risco. Então, eu acho que vai agregando, e agregando valores também. Antes, a gente preocupava com os processos e o registro, e depois com os indicadores, e depois com a educação continuada no sentido de melhoria contínua. Agora, a gestão de risco, e por aí vai (GR6).
O gerenciamento dos riscos com análise de causa raiz não é opção; é uma questão de sobrevivência para a organização de saúde, pois há o desafio de desenvolver práticas para segurança do paciente.
Ações gerenciais antes e após a Acreditação
Sobre as ações gerenciais, há variedade e complexidade de ações realizadas pelos gerentes, refletindo na função gerencial antes e após a implantação da acreditação hospitalar.
Na Figura 1, observam-se as mudanças identificadas nas atividades gerenciais que o processo de acreditação trouxe para esta função, segundo relato dos participantes do estudo.

Desafios enfrentados ao modificar as ações gerenciais
Nesta categoria, foram ressaltados os desafios que os gerentes explicitaram nos depoimentos. Houve necessidade de adquirir a maturidade em relação ao processo de acreditação, o que somente se alcançou com tempo e capacitação. Então, a gente já tem a maturidade em relação ao processo de gestão muito maior que há sete anos, e isso resulta numa melhoria tanto para os gestores quanto para o hospital. Consequentemente no alcance das metas também (GR8).
O gerente procurou desenvolver habilidades distintas das desenvolvidas anteriormente, como comunicação e liderança. Na época, um dos critérios primordiais foi a capacitação mesmo. Mas eu acho que atualmente mais é o processo de liderança (GR3). O gerente é que motiva. É ele que é responsável diretamente pelo processo e pelo resultado também. Nas mãos dele está a motivar a equipe, se preparar, acompanhar, treinar, e depois fazer a análise crítica com a alta direção do hospital (GR6).
Ao falar dos instrumentos da qualidade, os entrevistados citaram outros aspectos desafiadores. Sob a ótica dos entrevistados, eles precisaram adquirir conhecimentos e habilidades para trabalhar com estes instrumentos da qualidade de modo eficaz. Considerando que a maioria dos gerentes que atua no hospital tem formação superior na área da saúde, esses desafios se tornam ainda maiores. Então, eu tenho que produzir, eu tenho que dar assistência, tenho que faturar em cima daquilo que eu propus. Tenho vários funcionários, vários indicadores que vão mostrar para diretoria se está tudo dentro do que ele propôs para gente gerenciar, que é bom financeiramente, estrategicamente no mercado. Isso pelo fato de eu ter dez anos de casa. Pra mim, foi um ganho muito grande, porque na nossa profissão a gente não aprende isso na escola, e com as acreditações a gente teve que aprender muita coisa e com isso o setor ficou mais organizado. Profissionalmente também eu ganhei muito porque meu tempo de formada eu formei em 1985 quer dizer, se eu não estivesse nessa empresa eu estaria hoje bitolada somente no fazer, e hoje eu consigo associar o fazer com números, com resultados que são palpáveis, que eu posso ver onde é que eu tenho que atuar na minha equipe (GR5).
Do ponto de vista dos entrevistados, os gerentes passaram por uma experiência desafiadora, um período de mudanças organizacionais e de ações gerenciais. Eles careceram de uma atuação com eficiência e eficácia após a inserção das ferramentas da qualidade. E no meu trabalho, o que mais mudou foi a parte gerencial, porque a gente ficava muito ligada à assistência e a gente ficava completamente perdida dentro desse âmbito de análise, de instrumentos administrativos. Com relação a indicador, o que isso influencia? Se vai mudar? A minha visão mudou. O hospital cresceu muito não só estruturalmente, mas intelectualmente. As coisas ficaram mais fáceis de enxergar e trabalhar com resultados (GR3).
Os gerentes discorrem sobre uma gestão que se tornou mais complexa, exigindo mais conhecimento, mais produção e melhor desenvolvimento. Eu vi o tanto que eu cresci aqui dentro. Eles te dão oportunidades. Você tem que saber aproveitar essa oportunidade e colocar para frente. Então, assim, acrescentei em conhecimento, crescimento profissional, pessoal, qualquer empresa lá fora te pega na hora. São cursos, vou pra São Paulo, empresas que fazem curso aqui, e abrem vagas pra gente, e pagam cursos para gente, a gente ganha muito, muito conhecimento. No início, como a gente não tinha experiência, estava todo mundo assim: “nossa tem que fazer, tem que fazer”, muita pressão, pelo amor de Deus! O que aconteceu? Chegou Organização Nacional de Acreditação, pegou muito estrutura, processo, resultado, veio NAIHO, (International Organization for Standardization), seguindo o paciente, a assistência do paciente, quer dizer, nós viramos mulher- maravilha (GR5).
Os relatos apresentados nesta categoria permitem inferir que uma das maiores dificuldades dos gerentes foi utilizar os instrumentos que envolviam avaliação dos resultados, entretanto proporcionou sentimentos de superação e oportunidade profissional.
Discussão
O processo de acreditação hospitalar, sob a ótica dos entrevistados, contribuiu para uma atuação gerencial com mais segurança e autonomia para tomada de decisões, com desenvolvimento de habilidades de comunicação, liderança e conhecimento. Portanto, houve o desenvolvimento de habilidades técnicas, pessoais e profissionais, com um gerenciamento mais efetivo, qualificando o serviço e atendendo às expectativas da organização. São habilidades em utilizar conhecimentos, experiências, métodos, técnicas e equipamentos para alcançar metas e objetivos. A liderança também aparece nos resultados como uma habilidade humana que caracteriza-se pela capacidade de trabalhar com pessoas em equipe, interagir, saber ouvir, motivar e coordenar10.
Ressalta-se que conforme a filosofia da qualidade era inserida na organização, mais o trabalho exigia habilidades e capacitação profissional. Assim, a mudança organizacional estabeleceu posturas diferenciadas do próprio gerente.
Os resultados apresentados apontaram que os recursos ou meios disponíveis para a ação gerencial foram orientados pelo Manual das Organizações Prestadoras de Serviços de Saúde; o Manual Brasileiro de Acreditação; para o alcance dos objetivos propostos1.
O planejamento estratégico é o instrumento administrativo que mais tem contribuído para a eficácia da organização, criado para estabelecer políticas para atingir os objetivos na década de 1960 e tem forte interação com os planejamentos táticos e operacionais dos setores, assertiva que corrobora ao presente estudo11. O princípio do planejamento estratégico consiste em apresentar os planejamentos setoriais de forma interligada e interativa, ou seja, o planejamento estratégico de forma isolada é insuficiente11.
Além de planejar, os gerentes estabeleceram indicadores com objetivo de mensurar o processo de trabalho de maneira sistemática. O uso de indicadores permite concentrar esforços e aprender mais rapidamente sobre questões de segurança e qualidade assistencial. Como regra, os indicadores devem cobrir uma ampla base com vários níveis de segurança e qualidade12. A Joint Commission on Acreditation of Health Care Organization elaborou indicadores, padrões e critérios para a melhoria dos cuidados prestados e o trinômio avaliação, educação e consultoria, o que passou a ser enfatizado na tentativa de garantir a qualidade dos serviços de saúde13.
Para a certificação nacional, esses indicadores precisam ser alinhados e correlacionados às estratégias da organização. Além disso, é pré-requisito para a instituição ser acreditada em Excelência, cumprir o monitoramento e o controle dos resultados do programa, por meio de metas pré definidas1, aspectos apontados neste estudo.
A adoção e manutenção dos indicadores é relevante, uma vez que permite o monitoramento e a identificação de pontos de melhorias de todos os setores para o alcance da qualidade. Sua análise orienta a decisão gerencial sobre as ações prioritárias14.
Outro instrumento apontado nos resultados deste estudo incide na análise crítica das ações, que constitui em ações gerenciais para estabelecer uma relação de causa e efeito entre os indicadores, em que o resultado de um influencia os demais, bem como permite a análise crítica do desempenho e a tomada de decisão. Assim, o gerente identifica oportunidades de melhorias e de inovações decorrentes deste processo contínuo de análise crítica, assegurando o comprometimento com a excelência1.
Há também a cadeia cliente-fornecedor. O gerente identifica seus fornecedores e clientes e desenha a sua interação sistêmica; isto é, formaliza a interação dos processos entre cliente e fornecedores, avaliando sua efetividade e promovendo ações de melhoria e aprendizado1. É um tratado de acordo entre as partes cliente e fornecedor para melhorar os resultados, cumprir o dever quanto ao prazo estabelecido com mais eficiência e eficácia. A cadeia cliente-fornecedor é uma ferramenta simples e fácil de aplicar. Ela auxilia a realização das ações de forma correta pela primeira vez e ajuda no relacionamento com as partes envolvidas, desenvolvendo uma maior interação.
Porém, mesmo com instrumentos específicos, para melhorar a qualidade da assistência, todos os profissionais devem estar comprometidos com a filosofia da qualidade, capacitados a utilizar essas ferramentas e, principalmente, ser verdadeiros conhecedores de todo o processo organizacional. Também é importante salientar a necessidade de haver expectativas conciliadas entre a alta direção e o colaborador, o que reforça a necessidade de manutenção de um fluxo de comunicação e informação eficiente.
Nesta mesma linha de pensamento, a gestão dos riscos envolve os ciclos de prevenção, detecção e mitigação do risco, visando a um sistema seguro1. A gestão dos riscos se traduz como esforços transdisciplinares combinados para atingir objetivos como diminuir riscos que culminem em um possível evento adverso, considerado como qualquer dano ou lesão causado ao paciente pela intervenção da equipe de saúde, causando prejuízos inestimáveis15. Assim, o gerenciamento dos riscos tem o intuito de promover a segurança nas ações, melhorando o cuidado ao paciente e a segurança profissional15. Quesito como gerenciamento dos riscos foram encontrados nos resultados deste estudo, pois, devem ser atendidos desde nível 1 da certificação pela Organização Nacional de Acreditação. Esses níveis seguem padrões definidos em complexidade crescente e com princípios específicos: nível 1 (Acreditado), com o princípio da segurança; nível 2 (Acreditado Pleno), com o princípio da gestão integrada; e nível 3 (Acreditado com Excelência), com o princípio da excelência em gestão1.
A análise da causa raiz, citada pelos entrevistados, é um instrumento usado para identificar os fatores básicos ou causais responsáveis pela variação do desempenho, incluindo a ocorrência, ou quase ocorrência, de um evento adverso, lesões permanentes ou morte16. Entretanto, ela deve ser analisada interdisciplinarmente, ou seja, envolvendo vários gerentes, conforme o problema. Continuamente, aprofunda os cinco porquês (técnica do 5W: o quê fazer, quem, quando, onde e por que) em cada nível da causa. É um método que identifica quais alterações têm que ser realizadas no sistema ou nos processos para evitar variações16.
A análise de causa raiz é uma ferramenta para identificar estratégias de prevenção, pensando na segurança do paciente e profissional, realizando revisão de sistemas e processos. O objetivo é descobrir o que aconteceu, por que aconteceu e o que fazer para prevenir novas ocorrências. Neste sentido, organizar os processos constitui descreve-los formalmente, com revisão constante, agilizando o trabalho, refletindo também na redução dos custos e do retrabalho, conforme explicitado em outras pesquisas2,4.
Portanto, para o alcance da acreditação hospitalar, foi necessária uma capacitação imbuída nos princípios da qualidade, sendo possível desenvolver competências profissionais relacionadas à liderança, a apropriação de novos conhecimentos e o alcance de uma assistência organizada, relacionados com o desenvolver habilidades de trabalho em equipe e comunicação2.
Deve-se reforçar a relevância dos instrumentos da qualidade para auxiliar na melhoria contínua, contudo, a sua incorporação justifica-se somente se os gerentes aliarem os dados e utilizarem as informações registradas para avaliar e reorganizar as práticas de gestão e de saúde. Cabe aqui uma abordagem da área da administração, que é a transformação organizacional, uma composição na organização por meio de ação integrada, ou seja, só é capaz de acontecer quando há ação de seus membros, e essa ação pode trazer sentidos atribuídos ao trabalho17. Conhecer as características do trabalho, a fim de dar sentido para aqueles que o realizam, pode orientar as decisões e as intervenções dos responsáveis no processo de transformação organizacional18.
O trabalho é essencial na vida das pessoas18, ao inserir novos instrumentos e mudanças nas ações gerenciais, pode se provocar um novo aprendizado, o que, por sua vez, gera conhecimento, tarefas, autonomia, reconhecimento e segurança, fundamentais para dar sentido no trabalho18.
No entanto, ressalta-se, que ação de gerenciar vai além de implantação de normas e rotinas, organização, controle e educação; envolve inovação e perseverança19. Com a inovação, há comprometimento de ações comuns, gera receios sobre a possibilidade de controle das novas rotinas.
Neste sentido, as mudanças devem ser gradativamente aperfeiçoadas e, com o passar do tempo, incorporadas na rotina de trabalho. Portanto, a acreditação é um processo contínuo, com etapas a serem galgadas, devendo ser um processo periódico (com intervalos de dois ou três anos)1, pois a qualidade é um processo de construção e reconstrução permanente.
A medida que o profissional reage à mudança e às situações problemáticas, transita por um modelo denominado aprendizado contínuo, que consiste em reconhecer que conhecimentos, competências e atitudes devem ser renovados para manter um nível de qualidade profissional adequada20. É importante a perspectiva de reconhecer a mudança como emergente da aprendizagem, como um canal para buscar novas ideias, educação continuada20, cabendo a organização dar incentivo às pessoas nesta busca.
Conclusão
Este estudo identificou mudanças nas ações gerenciais desenvolvidas após a acreditação hospitalar. Foram incorporados mais métodos no trabalho do gerente com uma perspectiva de melhoria contínua. Houve organização do trabalho gerencial o que implicou adoção de novos instrumentos administrativos, fundamentais para uma função gerencial pautada na política de qualidade; adicionadas às responsabilidades pessoais que os operam, pois é por meio desta responsabilidade que eles passaram a realizar o seu trabalho. Entretanto, surgiram desafios a serem superados.
Com relação às limitações do estudo, destaca-se que embora realizado em um hospital de referência em qualidade, acreditado em Excelência, não pode expressar a realidade de outras instituições. Assim, novos estudos devem ser realizados para maiores generalizações dos resultados.
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Autor notes
Siman AG contribuiu com a concepção do projeto, coleta, organização, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e versão final a ser publicada. Cunha SGS contribuiu na construção do artigo e auxiliou nas revisões. Brito MJM contribuiu com o projeto, a organização, análise, interpretação dos dados e auxiliou nas revisões.
Autor correspondente: Andréia Guerra Siman. Av. Peter Henry Rolfs, s/n - Campus Universitário, CEP: 36570-900. Viçosa, MG, Brasil. E-mail: ago.80@hotmail.com