Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Acesso ao exame Papanicolau por usuárias do sistema único de saúde
Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, vol. 17, núm. 2, pp. 198-207, 2016
Universidade Federal do Ceará

Artigo Original


Recepção: 19 Outubro 2015

Aprovação: 26 Janeiro 2016

DOI: https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000200007

Objetivo: compreender como se dá o acesso das usuárias do serviço público de saúde ao exame Papanicolau.

Métodos: estudo qualitativo, com 52 mulheres que apresentaram alteração no exame Papanicolau, questionando a frequência de realização do exame e as dificuldades de acesso a este e às consultas. Desenvolveu-se análise temática à luz do referencial de acessibilidade de Fekete.

Resultados: emergiram três categorias: acesso à informação sobre a frequência do exame Papanicolau, despontando a realização do exame atrelada unicamente à solicitação do profissional; acesso ao exame Papanicolau, em que a maioria das mulheres não possui dificuldade; acesso à consulta de retorno, mostrando a dificuldade das mulheres conseguirem voltar ao serviço após o exame.

Conclusão: a maioria das mulheres tem facilidade de acesso para a realização do citopatológico, porém, há limitações quanto à consulta de retorno, dificultando o estabelecimento de ações imediatas para o início do tratamento.

Palavras chave: Acesso aos Serviços de Saúde, Teste de Papanicolau, Prevenção Secundária, Enfermagem.

Introdução

Dentre os anos de 1980 a 2010, o número de casos de câncer do colo do útero no mundo aumentou 0,6% ao ano e o número de mortes ocasionadas por ele cresceu em 0,4% ao ano, impulsionado pelo aumento e envelhecimento da população, respectivamente(1).

A discussão de tal temática é necessária tendo em vista o fato de que este câncer é o mais incidente na região Norte (23,5/100 mil), o segundo mais frequente nas regiões Centro-Oeste (22,1/100 mil) e Nordeste (18,7/100 mil), o quarto na região Sudeste (10,1/100 mil) e o quinto mais frequente na região Sul (15,8/100 mil), demorando anos para se desenvolver. Para o ano de 2014, no Brasil, foram esperados 15.590 casos novos de câncer do colo do útero, com um risco estimado de 15,3 casos a cada 100 mil mulheres(2).

Apesar de sua alta incidência, esse tipo de câncer é detectado precocemente com medidas fáceis e de baixo custo, como é o caso do citopatológico. Em uma investigação no norte do Paraná, com mulheres que realizaram o citopatológico pelo Sistema Único de Saúde, foi verificada a baixa cobertura de exames, sendo que no ano de 2006 a cobertura foi de 7,6% entre mulheres de 25 a 59 anos(3).

Portanto, não basta apenas oferecer o citopatológico nas unidades básicas, é preciso incentivar as mulheres quanto à sua realização. A despeito das estratégias empregadas nos programas de prevenção, estas esbarram, principalmente, na falta de informações, culminando com diagnósticos tardios e aumento da mortalidade(4).

Isso significa que o acesso precisa estar assegurado integralmente, desde o nível primário da atenção até o terciário, em busca da satisfação de necessidades apresentadas no processo saúde-doença. Portanto, somente a realização da coleta do exame de Papanicolau não é suficiente, é necessário que o serviço de saúde disponibilize e se responsabilize por todo o seguimento da mulher no caso de alterações no exame.

O rastreamento do cancer de colo do útero engloba um processo complexo que implica realização do exame papanicolau, na identificação dos casos positivos (suspeitos), na confirmação diagnóstica e no tratamento adequado(5).

Ao adentrar na questão da acessibilidade, é imprescindível pensar na relação entre a necessidade da população e a oferta de serviços de saúde para satisfazer tais necessidades. O acesso aos serviços não depende apenas da disponibilidade de recursos, mas, também, da garantia da sua utilização. A acessibilidade é garantida através da combinação de diversas dimensões, entre as quais, acessibilidade geográfica (distância), acessibilidade organizacional (tempo de espera para o atendimento), acessibilidade sócio-cultural e acessibilidade econômica(6).

O acesso ao sistema de saúde ainda mostra-se deficitário, necessitando maiores investimentos, como se percebe através de pesquisas desenvolvidas na temática. Um estudo realizado em Minas Gerais mostrou que a dificuldade no acesso aos serviços para a realização do exame teve como fatores concorrentes: a crença que o exame é pago; não terem acesso a unidades de saúde que realizem o exame; as unidades que realizam o exame funcionarem em horário de trabalho; a unidade alega falta de material para realização do exame; não conseguirem marcar o exame na unidade de saúde(7). Assim, no exemplo citado, pode-se perceber claramente as dimensões de acessibilidade geográfica e acessibilidade econômica prejudicadas, o que compromete o acesso ao sistema como um todo.

Pesquisa realizada no Rio Grande do Sul revelou que, entre as dificuldades encontradas para a efetivação do citopatológico, está a desinformação sobre a realização do exame(8), o que se conforma como acessibilidade sociocultural.

Pensando que a acessibilidade ao sistema de saúde está intrinsecamente relacionada ao primeiro contato com os serviços, uma vez que este é o ponto de partida para a prevenção do câncer do colo do útero, percebe-se a importância de investigar esta temática. Para isto, questionou-se como é o acesso das mulheres ao serviço público de saúde para a realização do exame Papanicolau, estabelecendo-se como objetivo deste estudo: compreender como se dá o acesso das usuárias do serviço público de saúde ao exame Papanicolau.

Métodos

Estudo qualitativo, desenvolvido com mulheres que realizaram o exame citopatológico no período de janeiro de 2010 a julho de 2011, no serviço público de saúde do município do Rio Grande/RS, Brasil.

O critério de inclusão foi resultado do exame apresentando alguma das seguintes alterações: células atípicas de significado indeterminado; lesão intraepitelial de baixo grau; lesão intraepitelial de alto grau e; adenocarcinoma in situ e invasor.

No período estipulado, a rede do Sistema Único de Saúde do município realizou 9.681 exames citopatológicos, sendo que 186 apresentaram alguma das alterações mencionadas . Destes, 14 trataram-se de exames repetidos, portanto, obteve-se o número de 172 resultados alterados. Os critérios de exclusão utilizados foram: residência na área rural, endereço incompleto para realização da entrevista, endereço não existente.

Ao iniciar a busca das mulheres que se adequavam aos critérios de inclusão e exclusão, houveram algumas dificuldades como: endereço fornecido pertencer a outra pessoa, falecimento da paciente, não terem sido encontradas após a realização de duas visitas domiciliares em horários diferentes. Ainda, houve a perda de duas entrevistas por problemas técnicos do gravador. Sendo assim, 52 mulheres constituíram-se como participantes do estudo.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista individual, no segundo semestre de 2011, por quatro acadêmicas de Enfermagem e uma mestranda, que se deslocavam até o domicílio dos sujeitos após contato telefônico. Foi utilizado um roteiro norteador da entrevista, contendo as seguintes questões: Você costuma realizar o exame preventivo de câncer de colo de útero? Com que frequência? Onde costuma fazer seu exame? Tem dificuldade para marcar e realizar o exame?

Após a ordenação das entrevistas e organização dos dados, foi realizada análise temática com interpretação à luz do referencial de avaliação da acessibilidade de Fekete, buscando uma relação dos dados apresentados com as dimensões: acessibilidade geográfica (distância), acessibilidade organizacional (tempo de espera para o atendimento) e acessibilidade sociocultural(6).

Os depoimentos foram identificados pela numeração sequencial da ordem de realização do Papanicolau, tendo sido selecionados os mais significativos, que proporcionassem uma identificação clara com as categorias elencadas.

O estudo respeitou as exigências formais contidas nas normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

Resultados

Inicialmente, buscou-se o local de realização do citopatológico, despontando que 37 mulheres o realizaram na Unidade Básica de Saúde próxima à sua residência, 12 se submeteram à coleta no Hospital Universitário do município, duas (2) em consultório particular e um (1) dos instrumentos estava sem essa resposta.

De posse dos dados oriundos das entrevistas, o olhar foi direcionado em busca de regularidade e similaridade e, então, emergiram três categorias: acesso à informação sobre a frequência do exame Papanicolau, acesso ao exame Papanicolau e acesso à consulta de retorno. A seguir estão apresentadas as categorias elencadas.

Acesso à informação sobre a frequência do exame Papanicolau

Esta categoria surgiu a partir da relevância assumida pela informação como forma de fortalecer o acesso aos serviços de saúde. Com relação à frequência na realização do exame, as mulheres demonstraram estar vinculada à solicitação dos profissionais de saúde: Eu fazia de ano em ano, quando eu tive ferida, elas mandaram fazer de seis em seis meses (E05). Eu não costumo realizar muito. Só quando eles vêm aqui mandar eu fazer, os agentes (E06). Sempre que o médico pede, eu realizo, acho que de dois em dois anos (E12).

Em semelhante direção, outro fator que chamou a atenção nesta categoria foi a realização do citopatológico atrelada ao período gestacional. A consulta pré-natal aparece como oportunidade concreta de prevenção às mulheres que ainda não adquiriram o hábito de realizar o citopatológico periodicamente: É, eu fiz quando estava grávida e depois não fiz mais. Eu morava lá no interior do interior, aí não tinha muita pressa, eu fui deixando e vim fazer grávida dela agora (E15) ...fiz o pré-natal com a doutora ... e ela, depois, disse que eu tinha que fazer o exame. Aí eu fiz (E49).

Acesso ao exame Papanicolau

Esta categoria foi formada no sentido de direcionar para o foco deste estudo que é o acesso aos serviços de coleta de citopatológico. Na análise dos depoimentos, pode-se observar que a maioria das mulheres não possui dificuldades de acesso aos serviços que prestam esse exame, não havendo, também, interveniências na realização: Não. Fazem em seguida. Chega lá, marca e toda quinta-feira eles colhem o material (E21). Não, não. São todas as quintas-feiras a partir das 8 h. É só marcar, só ir fazer. Tu já vais de manhã, vai um pouquinho mais cedo, já tiras a ficha e já faz no mesmo dia (E05).

Pode-se perceber, porém, em alguns relatos, que o acesso ao serviço de citopatológico nem sempre é fácil. Uma das entrevistadas comentou, inclusive, que prefere realizar o exame no serviço particular de saúde, pela demora no atendimento na rede pública: Para marcar que a gente tem mais dificuldade, porque tem fila, e o pessoal chega cedo. Aí a gente tem que enfrentar a fila (E12). Aí, às vezes, tu tens que sair fora, pagar, para ser mais rápido um pouquinho (E16).

Acesso à consulta de retorno

Essa categoria foi elencada a partir do questionamento sobre as dificuldades para marcar e realizar o exame, através do entendimento de que a universalidade assegurada pelo Sistema Único de Saúde necessita ser garantida em todos os níveis de assistência. Por isso, mesmo tendo poucos relatos de algum tipo de dificuldade, existe a necessidade de explorar essas falas, no sentido de traçar estratégias para minimizar a problemática.

Dentre as poucas dificuldades relatadas, a mais citada foi o retorno ao serviço de saúde para conhecer o resultado do exame e para o encaminhamento de uma nova consulta: Ah! Tenho. Tem muita dificuldade. A gente tem que ir às quatro horas da manhã para lá, e são só cinco fichas. Tem dia certo, mas aí depois tu consultas. O teu problema é só consultar (E07). Ah! No postinho, a gente tem dificuldade, de três a quatro meses até um ano (E11). O mais difícil é marcar a consulta mesmo, e acho que, às vezes, demora um pouco também. Se estiver com pressa, é mais complicado; mas, se não está, aí não (E12).

Também, observou-se que a dificuldade não é somente só na marcação da consulta de retorno, pois duas mulheres queixaram-se da demora na análise do exame e obtenção do resultado: ...O problema que fica atrasado é vir de lá, para vir de lá, para tu saber o resultado, se tem alguma coisa ou não tem (E04). Para marcar é fácil, o problema é chegar a devolver o exame (E08).

Discussão

Pode-se observar que o acesso ao serviço de coleta do citopatológico está facilitado, pois a maioria das mulheres acessou esse serviço na Unidade Básica de Saúde mais próxima de seu local de moradia. Este é um achado importante porque facilita o acesso das usuárias, as quais não precisam efetuar grandes deslocamentos no sentido de cuidar de sua saúde.

Esse tipo de oferta está de acordo com a proposta da Atenção Primária à Saúde, que apregoa que o primeiro contato realizado na unidade mais próxima da residência dos usuários faz com que a dimensão da acessibilidade geográfica se efetive(6).

Já adentrando no conteúdo dos depoimentos que originaram as categorias, há que se destacar a questão da informação sobre a necessidade e importância de realização do Papanicolau. O acesso à informação sobre a realização do exame pode ser visto de duas maneiras. Primeiro, percebe-se que os profissionais da saúde estão solicitando e orientando as mulheres quanto à realização do exame. Segundo, as mulheres não têm o exame como algo rotineiro em suas vidas, não buscando realizá-lo espontaneamente. Ficou nítido, nas falas, que muitas somente realizam o citopatológico quando há solicitação do profissional. O mesmo foi evidenciado em estudo desenvolvido em Minas Gerais, em que as mulheres com diagnóstico de câncer de colo uterino manifestaram que antes de descobrir esse diagnóstico, só realizavam o exame preventivo quando solicitado pelo médico(7).

Esse achado é contrário ao estudo desenvolvido em Roraima no ano de 2013, o qual detectou alta prevalência de adesão ao exame e com 79,5% do motivo de realização deste ser a rotina periódica(9).

Portanto, ainda se visualiza a necessidade de investimentos na informação da população quanto à importância da prevenção do câncer de colo do útero e na realização do exame de Papanicolau. Muitas mulheres não parecem ter adquirido a cultura de cuidados preventivos e de promoção de sua saúde. A dependência das mulheres em relação ao profissional de saúde para a prevenção de doenças, que despontou no presente estudo pode estar relacionada a dificuldades na acessibilidade sociocultural. A acessibilidade sociocultural é caracterizada como um conjunto de fenômenos que determinam a busca pela assistência à saúde, sendo que uma das características desse tipo de acessibilidade é a percepção que o indivíduo tem sobre o seu corpo e as doenças(6).

A frequência na realização do citopatológico, estabelecida pelo Ministério da Saúde, em 1988, permanece atual, apregoando que esse exame seja realizado uma vez ao ano e, após dois exames anuais consecutivos negativos, a cada três anos. No caso de alguma alteração, a periodicidade do exame pode variar(5).

Porém, sabe-se que algumas mulheres não adquiriram o hábito de realizá-lo da forma periódica como recomendado pelo Ministério da Saúde, por isso, o profissional de saúde não pode perder nenhuma oportunidade de orientar a mulher acerca da importância da realização rotineira do citopatológico e aproveitar as oportunidades que surgirem de ofertar a coleta de material para sua realização. A mulher não deve perder a oportunidade para a realização de rastreamento quando se encontra grávida(10).

Nesse sentido, desponta a assistência pré-natal, pois muitas mulheres frequentam os serviços de saúde apenas para estas consultas, portanto, é necessário que, nesse período, seja investigada a data do último exame citopatológico realizado, se necessário, podendo ser coletado em qualquer momento da gestação(5). Neste estudo, a conexão que apareceu entre a coleta desse exame e o pré-natal sugere que os pré-natalistas estão desenvolvendo seu trabalho adequadamente. No entanto, esse achado reforça a ausência do hábito das usuárias em fazer o Papanicolau, o que demonstra que entre essas mulheres ainda não existe a cultura de cuidado com a própria saúde.

Porém, a importância da periodicidade do Papanicolau está posta justamente no monitoramento permanente do exame, evitando que as alterações celulares progridam para processos neoplásicos, prevenindo que o câncer de colo de útero se instale(10).

O Ministério da Saúde identifica a importância de tal temática e vem atuando há muitos anos para a prevenção ao câncer de colo do útero. Nesse sentido, foi criado o Viva Mulher, Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama, em 1998. O programa instituiu uma rede integrada que permitiu ampliar o acesso das mulheres aos serviços de saúde(11).

As unidades do serviço público de saúde parecem desenvolver o trabalho de prevenção do câncer de colo de útero, ampliando o acesso das mulheres aos serviços com ênfase na promoção da saúde e detecção precoce de problemas. Diante dos resultados apresentados, também, supõe-se não haver dificuldades de acesso ao citopatológico nas Unidades Básicas de Saúde ou nas unidades de Estratégia Saúde da Família que atendem a maioria das mulheres em questão, uma vez que elas estão conseguindo realizar o exame.

Um fator que contribui para o aumento da facilidade de acesso é a existência de unidades de Estratégia Saúde da Família, pois esse tipo de unidade trabalha com áreas de abrangência delimitadas, o que facilita o acesso da comunidade, assim como a busca ativa, quando necessário. As grandes distâncias a serem percorridas em busca dos serviços de saúde afetam a procura pelo atendimento, o que demonstra a ocorrência do câncer do colo do útero relacionada com as condições socioeconômicas da população, principalmente em áreas subdesenvolvidas e com acesso restrito aos serviços de saúde(12).

Outra vantagem da Estratégia Saúde da Família é sua composição por equipe multiprofissional, e que atuam com objetivo de facilitar a entrada dos usuários ao serviço de saúde. No caso específico da mulher, a Estratégia Saúde da Família pode ajudar no reconhecimento dela como sujeito partícipe do seu cuidado(13).

O modelo assistencial da Estratégia Saúde da Família inclui os recursos e a organização do serviço, visando o desenvolvimento de ações que facilitem a obtenção dos cuidados e o acesso aos serviços. O acesso tem sido considerado como um dos principais elementos de atenção à saúde(14).

Percebe-se que uma das alternativas das mulheres quando há uma dificuldade no acesso aos serviços públicos é procurar o serviço particular, o qual consideram mais ágil e eficaz. Normalmente, entre os fatores de satisfação desse tipo de serviço estão o acesso e o fluxo rápido no atendimento(15).

Da mesma forma, um estudo desenvolvido em Minas Gerais constatou que a maioria das mulheres não realiza o citopatológico pela qualidade do atendimento e organização do trabalho, relatando a preferência pela agilidade de serviços privados(14).

A mesma questão foi encontrada em outro estudo, desenvolvido no Ceará, em que as mulheres não buscaram a consulta de retorno agendada pelo serviço público, alegando para isso o fato de já terem procurado outro lugar(16).

São necessárias mudanças no sistema organizacional, sendo primordial a disposição da coleta do citopatológico em horários diferenciados, para permitir o acesso da mulher trabalhadora aos profissionais de saúde(15).

É imperioso que, no nível da atenção primária à saúde, haja planejamento em que as ações do controle do câncer do colo do útero sejam programadas, garantido o acesso, mantendo registros dos exames realizados e busca ativa para as faltosas, especialmente para aquelas de maior risco(14).

Essas são questões que merecem maior atenção por parte dos gestores e profissionais da saúde, em vista que parece haver fragilidade na organização dos serviços. Essa reflexão é feita com base nas dificuldades relatadas pelas mulheres quanto ao agendamento do exame, retratando problemas na acessibilidade organizacional, como filas e demora no atendimento. Um estudo realizado no Nordeste constatou a falta de vaga como dificuldade para a realização do citopatológico, caracterizando uma barreira institucional no acesso ao serviço. Além disso, apontou o horário fixo para realização do exame como causador da desistência de busca pelo serviço(17).

Essa problemática da demora na análise dos exames e agendamento da consulta de retorno para o recebimento do resultado demonstra, mais uma vez, dificuldades na acessibilidade organizacional. A demora nos resultados de exames traz grandes transtornos ao usuário, ocasionando perda de tempo, prejuízo financeiro, pelas vindas repetidas ao serviço na tentativa de saber o resultado e prejuízos emocionais ante a incerteza dos resultados. Isso gera descrédito na instituição e nos profissionais(14).

Com isso, percebe-se que não basta apenas oferecer uma parte do serviço, a coleta do Papanicolau. É necessário que a mulher tenha informação sobre o resultado desse exame e seja assegurado o acompanhamento necessário, garantindo a resolutividade de cada situação. Há estudo expondo as dificuldades na confirmação diagnóstica, no acompanhamento e no tratamento das lesões intraepiteliais e malignas por parte dos serviços públicos, afirmando que a cobertura adequada do rastreamento colabora com o controle do câncer do colo do útero apenas se as etapas subsequentes forem cumpridas(9).

A agilidade nesse processo é determinante na qualidade da assistência, uma vez que, no caso de o exame apresentar atipias, quanto maior a espera por intervenções, menor é a chance de prognóstico favorável. É inadmissível uma espera grande para esse tipo de consulta, a qual condiciona a sequência da atenção que deve ser dispensada à mulher. Ressalta-se que os participantes desta pesquisa são mulheres que tiveram alterações no exame de papanicolau e necessitavam do seguimento adequado do caso para evitar o desenvolvimento do câncer de colo do útero e danos graves à saúde.

Em alguns serviços, têm sido encontradas limitações em relação à organização do Sistema Único de Saúde, com dificuldade de acesso e de ações de controle da doença, sendo que as mulheres com neoplasias não chegam a terminar o tratamento do câncer do colo uterino, por falta de organização da equipe da saúde e planejamento(18).

Dentre os diversos objetivos da Política Nacional de Atenção Oncológica, instituída em 2005, destaca-se a organização de linhas de cuidado que englobam todos os níveis de atenção e o estabelecimento de fluxos de referência e contrarreferência para garantir o acesso e o atendimento integral aos usuários(19).

Além disso, a Política Nacional de Atenção Oncológica teve o propósito de aprimorar a atenção através do estabelecimento de diretrizes nacionais para a atenção oncológica(19). E a orientação da conduta que deve ser tomada diante dos resultados do exame Papanicolau está posta nas Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer de Colo do Útero, a qual especifica o procedimento a ser tomado diante de cada alteração(5).

No município investigado, existe um protocolo de atenção à saúde da mulher que especifica as orientações, subsidiando o trabalho dos profissionais e garantindo autonomia para encaminhamentos e tratamento. Esse protocolo alia-se ao manual de condutas do Ministério da Saúde na orientação da continuidade da atenção que deve ser dispensada às mulheres que apresentam alterações no exame.

Além disso, a Secretaria Municipal de Saúde tem um serviço de referência em ginecologia, para o qual as unidades podem encaminhar as usuárias, onde a resolutividade não é alcançada na unidade básica, agilizando as consultas, dependendo da gravidade dos casos.

Há que se considerar em relação ao acesso ao sistema de saúde, não somente o que se refere à entrada, como também a finalização das ações voltadas para a solução dos problemas de saúde detectados.

A questão do acesso aos serviços ainda mostra-se como uma fragilidade do sistema público de saúde, não somente na realidade investigada. Um estudo realizado em uma unidade de Estratégia Saúde da Família, no Mato Grosso, revelou acessibilidade parcial dos usuários, no sentido de que a assistência nem sempre era resolutiva, levando a busca por outras unidades de saúde(20).

Nessa mesma direção, apesar de mostrar outros dados, também desponta um estudo desenvolvido no Rio Grande do Sul, envolvendo os resultados do citopatológico em uma Unidade Básica de Saúde, que constata uma demora de cerca de 50 dias para que esses sejam enviados à unidade. Os autores também encontraram problemas na busca ativa das mulheres devido à inadequação dos registros nos prontuários, dificultando a entrega dos resultados de uma maneira efetiva e que possibilitasse adotar as medidas de intervenções preconizadas rapidamente(21).

Acredita-se que as dificuldades encontradas pelos participantes do presente estudo, em relação ao agendamento da consulta de retorno, possam ser ocasionadas por diversos fatores organizacionais como: demora do laboratório na entrega dos exames, sobrecarga de trabalho, número reduzido de profissionais de saúde em cada unidade, dificuldade de encontrar o endereço na realização da busca ativa das mulheres, e grande demanda de pacientes com alterações no exame.

Destaca-se a importância de dados sistematizados que possibilitem as informações necessárias para o acompanhamento das mulheres com alterações no citopatológico, bem como facilitem o rastreamento destas.

É importante que se mantenham atualizados endereços e telefones nos prontuários, tornando, assim, mais rápido e fácil o agendamento das consultas para as mulheres com exames alterados e, consequentemente, garantindo a continuidade no rumo de um atendimento eficaz e satisfatório. Reitera-se que a demora em retornar ao serviço de saúde e obter a possibilidade de investigação do caso e possível tratamento, faz com que as mulheres desistam de procurar atendimento e deixem de lado a oportunidade de cura.

Todas as instâncias organizativas e de serviço têm responsabilidade na garantia do acesso às usuárias. O Ministério da Saúde desenvolve políticas para melhorar o acesso ao serviço de saúde, mas é preciso que cada município esteja engajado em desenvolver ações que incentivem as mulheres à prevenção do câncer do colo do útero, como, por exemplo, por meio de atividades educativas. A educação em saúde é estratégia imprescindível para se abordar questões referentes à prevenção do câncer de colo uterino(10).

Enfim, entende-se que os enfermeiros e as equipes têm grande relevância e responsabilidade, no sentido de planejar ações em saúde que promovam o fortalecimento do processo de trabalho frente à necessidade do diagnóstico precoce do câncer de colo uterino e, com isso, possibilitem a garantia do melhor cuidado à população feminina.

Especificamente em relação ao profissional enfermeiro, percebe-se que este tem um papel importante na prevenção do câncer de colo uterino, pois geralmente é o profissional responsável pela chamada das mulheres para a realização do exame e pelo procedimento de coleta do Papanicolau. Ainda, cabe ao enfermeiro o gerenciamento e a administração da unidade de saúde, sendo responsável pelo monitoramento dos casos. Portanto, a enfermagem pode assumir uma função de grande importância para o programa de prevenção do cancer de colo do útero.

Conclusão

Com base nos resultados apresentados, pode-se ter uma ideia da real situação em que se encontra a prevenção do câncer do colo do útero no Sistema Público de Saúde do município investigado.

Ficou evidente que as mulheres têm facilidade de acesso para a realização do citopatológico, porém, há limitações quanto à consulta de retorno, dificultando o estabelecimento de ações imediatas para o início do tratamento.

Assim, constata-se que o Sistema Público de Saúde apresenta certa fragilidade quanto à integralidade da atenção e ao papel de viabilizar o acesso aos serviços de promoção, prevenção, assistência e recuperação da saúde da mulher, uma vez que oferece ações de realização do citopatológico e deixa a desejar na consulta de retorno.

Ao utilizar, como sujeitos deste estudo, mulheres que apresentaram alterações no resultado do exame, ressalta-se a problemática do acesso às consultas, uma vez que, nesse caso, é de extrema importância que a consulta de retorno seja agilizada para evitar o desenvolvimento do cancer de colo do útero. As ações em saúde precisam ser implementadas rapidamente, de forma a garantir uma completa recuperação e uma vida saudável à mulher. A partir dos dados visibilizados, poderão ser traçadas estratégias, no sentido de diminuir as problemáticas presentes e assistir as mulheres em sua integralidade.

Destaca-se um importante aliado na agilização desse serviço, o preenchimento adequado das informações nos prontuários, uma vez que auxilia na busca ativa às mulheres que realizaram o exame para comparecerem à consulta de retorno.

Na organização do serviço, também podem ser desenvolvidos estudos diagnósticos que, por meio de um sistema de rastreamento, apontem os motivos para a não adesão das mulheres, identifiquem a disponibilidade do serviço à comunidade, obtenham controle de qualidade dos serviços, avaliem protocolos utilizados e o método de busca ativa dos pacientes e garantam tratamento adequado às mulheres com alterações.

Referências

1. Forouzanfar MH, Foreman KJ, Delossantos AM, Lozano R, Lopez AD, Murray CJL, et al. Breast and cervical cancer in 187 countries between 1980 and 2010: a systematic analysis. Lancet. 2011; 378(9801):1461-84.

2. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância Estimativa 2014. Incidência do câncer no Brasil [Internet]. 2014 [citado 2015 maio 25]. Disponível em:http://www.inca.gov.br/estimativa/2014/estimativa-24042014.pdf

3. Soares MC, Mishima SM, Meincke SMK, Simino GPR. Câncer de colo uterino: caracterização das mulheres em um município do sul do Brasil. Esc Anna Nery. 2010; 14(1):90-6.

4. Gomes CHR, Silva JA, Ribeiro JA, Penna RMM. Câncer cervivo-uterino: correlação entre diagnóstico e realização prévia de exame preventivo em serviço de referência no norte de Minas Gerais. Rev Bras Cancerol. 2012; 58(1):41-5.

5. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação Geral de Ações Estratégicas, Divisão de Apoio à Rede de Atenção Oncológica. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. Rio de Janeiro: INCA; 2011.

6. Fekete MC. Estudo da acessibilidade na avaliação dos serviços de saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 1997.

7. Silva SR, Silveira CF, Gregório CCM. Motivos alegados para a não realização do exame de Papanicolaou, segundo mulheres em tratamento quimioterápico contra o câncer do colo uterino. Rev Min Enferm. 2012; 16(4):579-87.

8. Casarin MR, Piccoli JCE. Education in health for prevention of uterine cervical cancer in women in Santo Ângelo, state of Rio Grande do Sul, Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2011; 16(9):3925-32.

9. Navarro C, Fonseca AJ, Sibajev A, Souza CIA, Araújo DS, Teles DAF, et al. Cervical cancer screening coverage in a high-incidence region. Rev Saúde Pública. 2015; 49(17):1-8.

10. Jorge RJB, Sampaio LRL, Diógenes MAR, Mendonça FAC, Sampaio LL. Fatores associados à não realização periódica do exame Papanicolaou. Rev Rene. 2011; 12(3):606-12.

11. Instituo Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Secretaria de Assistência à Saúde. Viva mulher. Câncer de colo do útero: informações técnico-gerenciais e ações desenvolvidas. Rio de Janeiro: INCA; 2002.

12. Santos RS, Melo ECP. Mortalidade e assistência oncológica no rio de janeiro: câncer de mama e colo uterino. Esc Anna Nery. 2011; 15(2):410-6.

13. Nascimento MSS, Nascimento E, Rossi VEC, Moura JP, Maia MAC, Maciel HPF. Motivos que levaram as mulheres cadastradas no PSF Escola a faltarem ao exame Papanicolau no município de Passos (MG). Ciênc Praxis. 2010; 3(5):17-24.

14. Ribeiro MGM, Santos SMR, Teixeira MTB. Itinerário terapêutico de mulheres com câncer do colo do útero: uma abordagem focada na prevenção. Rev Bras Cancerol. 2011; 57(4):483-91.

15. Sisson MC, Oliveira MC, Conill EM, Pires D, Boing AF, Fertonani HP. Satisfação dos usuários na utilização de serviços públicos e privados de saúde em itinerários terapêuticos no sul do Brasil. Interface Comun Saúde Educ. 2011; 15 (36):123-36.

16. Gomes LM, Bezerra AKP, Moreira CTV, Falcão Junior JSP. Exame de papanicolau: fatores que influenciam as mulheres a não receberem o resultado. Enferm Global. 2010; 9(3):1-11.

17. Diógenes MAR, Jorge RJB, Sampaio LRL, Mendonça FAC, Sampaio LL. Barreiras a realização periódica do papanicolaou: estudo com mulheres de uma cidade do nordeste do Brasil. Rev APS. 2011;14(1):12-8.

18. Silva MMP, Lagana MTC, Simpson CA, Cabral AMF. Acess to health services for the control of cancer of the uterine cervix in primary care. J Res Fundam Care Online [Internet]. 2013 [citado 2015 mai 25]; 5(3):273-82. Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/2042/pdf_867

19. Ministério da Saúde (BR). Portaria n 2.439/GM, de 8 de dezembro de 2005. Institui a Política Nacional de Atenção Oncológica: promoção, prevenção, diagnóstico, reabilitação e cuidados paliativos, a ser implementada em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.

20. Corrêa ACP, Ferreira F, Cruz GSP, Pedrosa ICF. Acesso a serviços de saúde: olhar de usuários de uma unidade de saúde da família. Rev Gaúcha Enferm. 2011; 32(3):451-7.

21. Risso, BBS, Soares, MC. Avaliação dos registros do exame citopatológico em uma unidade básica de saúde em Rio Grande-RS. Rev Enferm Saúde. 2011; 1(1):84-90.

Autor notes

Colaborações

Carvalho VF e Kerber NPC contribuíram na concepção do estudo, análise, redação do artigo revisão crítica relevante e aprovação final da versão a ser publicada. Wachholz VA, Pohlmann FC, Marques LA e Francioni FF contribuíram na análise, redação do artigo, revisão crítica relevante e aprovação final da versão a ser publicada.

Autor correspondente: Nalú Pereira da Costa Kerber. Rua Visconde de Paranaguá, 102 - Centro, CEP:96203-900. Rio Grande, RS, Brasil. E-mail: nalu@vetorial.net



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por