Objetivo: associar a capacidade funcional com o risco de queda de idosos em serviço de emergência.
Métodos: estudo transversal e analítico, no qual foram incluídos 101 indivíduos, com idade igual ou superior a 60 anos, de ambos os sexos, internados no Serviço de Emergência. Para avaliar a capacidade funcional, utilizaram-se as escalas de Katz e Lawton/Brody; e, para o risco de queda, a escala de Downton. Para associar a capacidade funcional com o risco de queda, utilizou-se o teste de Fisher-Freeman-Halton.
Resultados: 32,7% dos idosos foram independentes em uma função e dependentes em cinco funções básicas de vida diária, 89,1% foram totalmente dependentes para atividades instrumentais e 64,4% obtiveram alto risco de queda. Não houve associação estatisticamente significativa entre as escalas de Katz, Lawton/Brody e Downton.
Conclusão: a capacidade funcional não se associou ao risco de queda na população estudada.
Palavras chave: Idoso Fragilizado, População em Risco, Enfermagem Geriátrica.
Abstract: Objective: to associate the functional capacity with the risk of falling of the older adults in emergency service. Methods: this is a cross-sectional and analytical study, in which 101 individuals, aged 60 years old and older, of both genders, admitted to the Emergency Department. The Katz and Lawton/Brody scales were used to evaluate functional capacity and, the Downton scale was used for the risk of fallings. The Fisher-Freeman-Halton test was used to associate functional capacity with the risk of falling. Results: 32.7% of the older adults were independent in one function and dependent on five basic functions of daily living, 89.1% were totally dependent on instrumental activities and 64.4% had a high risk of falling. There was no statistically significant association between the Katz, Lawton/Brody, and Downton scales. Conclusion: functional capacity was not associated with the risk of falls in the study population.
Descriptors: Frail Elderly, Population at Risk, Geriatric Nursing.
Artigo Original
Associação da capacidade funcional com o risco de queda em idosos em serviço de emergência
Association of functional capacity with risk of falling in the older adults in emergency service
Recepção: 08 Junho 2018
Aprovação: 30 Outubro 2018
A população com idade igual ou superior a 60 anos está crescendo mais rapidamente no Brasil, quando comparada aos indivíduos das outras faixas etárias, ocasionando mudança na dinâmica populacional. A estimativa para 2040 indica que a população idosa poderá representar 23,8% da população brasileira, proporção de 153 idosos para cada 100 jovens(1). A Organização Mundial da Saúde considera idosos indivíduos a partir de 65 anos nos países desenvolvidos e 60 anos, naqueles em desenvolvimento(1).
Esse aumento da expectativa de vida vem ocorrendo devido ao controle das epidemias e às melhores condições socioeconômicas, seguidas pela prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, as quais são causas de incapacidade, dependência e óbito nesta população(1-2). Como resultado, a procura pelos serviços de saúde, as internações e o tempo de permanência no hospital aumentaram entre idosos, quando comparada a outras faixas etárias(2).
As alterações fisiológicas e biológicas que ocorrem no processo de envelhecimento, como diminuição de massa muscular, principalmente de membros inferiores, diminuição da acuidade visual e auditiva, e déficit de equilíbrio, aumentam o risco de quedas nos idosos, resultando na perda de funcionalidade e diminuição da qualidade de vida(3).
Portanto, a capacidade funcional pode sofrer alterações durante a hospitalização do idoso, por se tratar de evento complexo em momento de fragilidade e desequilíbrio, quando o idoso é retirado do próprio meio e transferido para um ambiente que, muitas vezes, é visto como adverso(4).
No ambiente hospitalar, muitas vezes, o nível de dependência está relacionado com o prognóstico do paciente, podendo ser utilizado para diferenciar o tipo de atendimento que cada paciente deve receber(4). Este nível de dependência está diretamente relacionado com a capacidade funcional do idoso, ou seja, à habilidade deste em realizar atividades diárias de maneira independente e para cuidar de si, podendo ser medida através de instrumentos padrões que verificam a performance dos idosos nas atividades básicas de vida(5) e nas atividades instrumentais(2).
Além disso, outro fator que pode alterar a capacidade funcional de idosos é a ocorrência de quedas, sendo esta mudança não intencional do corpo para um ponto inferior à posição inicial, sem a capacidade de correção em tempo suficiente, podendo ser causada por questões multifatoriais, como as próprias alterações fisiológicas relacionadas ao envelhecimento, consideradas fator intrínseco, além das razões extrínsecas, como o ambiente a que o idoso está exposto(3).
A atuação da equipe de enfermagem deve estar centrada no processo educativo com idosos e respectivos familiares, tendo como finalidade a independência funcional destes, a prevenção de complicações secundárias e sua adaptação e da família à nova situação de comprometimento funcional(2), além de promover saúde e bem-estar de forma permanente a esta população(1). A avaliação da capacidade funcional de idosos e do risco de quedas permite a identificação de demandas para assistência de enfermagem e da equipe multidisciplinar que, uma vez trabalhadas, podem minimizar ou evitar a perda funcional e a ocorrência de quedas.
Assim, o objetivo deste estudo foi associar a capacidade funcional com o risco de queda de idosos em serviço de emergência.
Estudo transversal, realizado no Serviço de Emergência do Hospital São Paulo, entre julho a setembro de 2016. A amostra foi por conveniência, na qual foram incluídos 101 idosos, com idade igual ou superior a 60 anos, de ambos os sexos, internados no Serviço de Emergência, acompanhados ou não de cuidador, que procuraram o serviço com queixas clínicas e cirúrgicas e aceitaram participar voluntariamente da pesquisa.
A coleta de dados foi realizada cinco vezes por semana. Aqueles idosos que contemplavam os critérios de inclusão eram convidados a fazer parte do estudo e entrevistados individualmente. A leitura dos instrumentos foi realizada pela pesquisadora, em um único momento, com duração média de 30 minutos.
Foi utilizado questionário estruturado, com informações sobre idade, sexo, escolaridade, estado civil, ocupação, cor de pele, uso de medicamentos, comorbidades, presença de cuidador, presença de dor (sim ou não, localização e duração) e história de queda no último ano. A avaliação da capacidade funcional do idoso para realizar as atividades básicas de vida diária foi procedida por meio da Escala de Katz, traduzida, adaptada e validada no Brasil (Alfa de Chronbach de 0,80 a 0,92)(5), que avalia o nível de independência ou dependência funcional do idoso para realizar as seguintes atividades: tomar banho, vestir-se, alimentar-se, transferência, ir ao banheiro e continência. As opções de respostas são dicotômicas e a pontuação varia de 0 a 6 pontos, sendo 0: indivíduo independente em todas as seis atividades básicas; 1: independente em cinco funções e dependente em uma função; 2: independente em quatro funções e dependente em duas; 3: independente em três funções e dependente em três; 4: independente em duas funções e dependente em quatro; 5: independente em uma função e dependente em cinco funções e 6: dependente em todas as seis atividades básicas de vida diária(2,5).
Para avaliar as atividades instrumentais de vida diária, foi utilizada a Escala(2) de Lawton e Brody, traduzida, adaptada e validada no Brasil (Alfa de Chronbach 0,94), composta pelas seguintes atividades: usar telefone, viajar, fazer compras, preparar refeições, fazer tarefas domésticas, tomar medicações e manusear dinheiro. As opções de respostas são dicotômicas e cada item da escala recebe de 3 pontos (independente) a 1 ponto (totalmente dependente), variando de 7 a 21 pontos, em que quanto maior a pontuação, mais independente é o paciente(2,5).
O risco de quedas nos idosos participantes foi avaliado pela Escala de Downton, traduzida, adaptada e validada no Brasil, e que inclui cinco variáveis: quedas prévias; uso de medicações; presença de déficit sensorial; estado mental do idoso e qual o tipo de marcha. As opções de respostas são dicotômicas e sua pontuação varia de 0 a 11 pontos, sendo que pontuação igual ou superior a três indica que o idoso possui alto risco de quedas(3).
A análise dos dados foi realizada pelo programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 19. Utilizou-se análise descritiva para caracterização sociodemográfica, clínica e a presença de cuidador. Para as variáveis numéricas, calcularam-se média, desvio padrão, mediana, mínimo e máximo; e para variáveis categóricas, frequência e percentual.
Para relacionar as variáveis categóricas com as escalas(2-3), utilizou-se o teste Qui-Quadrado e, quando necessário, o Exato de Fisher. Para relacionar a idade com as escalas(2-3,5), aplicou-se a Análise de Variância. Foi considerado nível de significância 5% (p<0,05) para todas as análises. Para aproveitamento da Análise de Variância, foi testada a normalidade através do Teste de Kolmogorov-Smirnov. Além disso, foi verificada a homogeneidade das variâncias (homoceidasticidade).
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, conforme parecer nº 1.601.766.
A idade média dos pacientes (n=101) foi de 75±9,4 anos, a maioria era do sexo feminino, 55 (54,5%); cor branca, 64 (64,0%); casados, 57 (56,4%); aposentados, 89 (88,1%); ensino fundamental incompleto, 63 (62,4%); e com cuidador, 60 (59,4%).
As comorbidades mais prevalentes nos pacientes deste estudo foram hipertensão arterial sistêmica, 70 (69,3%); diabetes mellitus, 46 (45,5%); doença do aparelho respiratório, 33 (32,7%); doença musculoesquelética, 26 (25,7%); dislipidemia, 25 (24,8%); e doença renal, 25 (24,8%). Os medicamentos mais utilizados foram: anti-hipertensivos, 70 (78,7%); analgésico, 48 (53,9%); antiulceroso, 50 (56,2%); hipoglicemiante, 37 (41,6%); e hipolipemiante, 25 (28,1%).
Dos entrevistados, 96 (95%) relataram não praticar nenhuma atividade física, 36 (35,6%) sofreram queda uma vez no último ano e 48 (47,5%) apresentaram pelo menos uma queda neste ano. Além disso, referiram presença de dor, 68 (67,3%), sendo que 48 (72,7%) com duração igual ou superior a seis meses; e as regiões acometidas com maior frequência pelas queixas álgicas foram em membros inferiores, 37 (56,1%); e em coluna, 22 (33,3%).
Os níveis de dependência para atividades de vida diária e instrumentais não tiveram relação estatisticamente significativa com o risco de queda (Tabela 1).

Os idosos com maior dependência para atividades básicas de vida diária apresentaram maior percentual de cuidador (p=0,018). Tanto os idosos independentes quanto aqueles com maior dependência nas atividades básicas apresentaram percentual elevado de dor, com duração igual ou superior a seis meses (p=0,021), sendo que estes indivíduos apresentaram dependência, principalmente, para tomar banho.
O nível de dependência para atividades instrumentais não teve relação estatisticamente significativa com as variáveis sociodemográficas, uso de medicamentos, realização de atividade física e presença de dor.
A Tabela 2 mostra que os pacientes com dependência total para atividades instrumentais de vida diária apresentaram maiores percentuais em relação à presença de cuidador. Os indivíduos com dependência parcial apresentaram maiores percentuais de dislipidemia e doenças do aparelho urinário, com associação estatisticamente significante.

Constatou-se associação estatisticamente significante entre o risco de queda e a idade, presença de hipertensão arterial, demência e história de queda no último ano. Idosos com alto risco de queda apresentaram maior idade, maiores percentuais de demência, de Hipertensão Arterial Sistêmica e de queda no último ano (Tabela 3).

A limitação do estudo deve-se ao fato de ter sido realizado em um único hospital, pertencente ao sistema público de saúde brasileiro, o que pode não representar outras realidades, além de tamanho da amostra relativamente pequeno.
Algumas características da amostra deste estudo, como idade, maioria de mulheres, aposentadas, com baixa escolaridade e necessidade de cuidador são resultados semelhantes aos encontrados em outros estudos(6-7). A faixa etária encontrada está de acordo com a transição demográfica observada no Brasil, além disso, tem se observado maior longevidade para o gênero feminino(6), o que pode aumentar a susceptibilidade a fatores sociais envolvidos na promoção da saúde nesta população.
As principais comorbidades observadas nos pacientes desta pesquisa foram hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e doenças do aparelho respiratório. Semelhante ao observado em estudo que avaliou declínio funcional em idosos após atendimento no serviço de emergência(8). Estas patologias estão mais prevalentes nestes indivíduos, possivelmente devido ao aumento da expectativa de vida da população, que com a diminuição das doenças infectocontagiosas, permitiu amplificar a presença das doenças crônicas não transmissíveis.
As medicações mais utilizadas foram anti-hipertensivos, antiulcerosos e analgésicos. Com relação às medicações, trabalho realizado em unidade básica de saúde, verificou que os medicamentos mais utilizados pelos idosos foram os que atuam no aparelho cardiovascular, no sistema musculoesquelético e no aparelho digestivo, dados semelhantes aos da presente pesquisa(9). É oportuno salientar que a ocorrência de doenças cardiovasculares aumenta com o avanço da idade e pode elevar o consumo de medicações.
Os níveis de dependência para atividades de vida diária e instrumentais não tiveram relação estatisticamente significativa com o risco de queda nesta população. Na literatura, não há consenso sobre a associação entre a capacidade funcional e o risco de queda(10-11). A relação entre quedas e incapacidade funcional pode estar sujeita ao viés de causa e efeito, sendo que as quedas em idosos podem ter como consequência a incapacidade funcional, assim como limitações funcionais podem dificultar a realização de atividades e aumentar o risco de queda(11). O comprometimento da capacidade funcional dos indivíduos com mais de 60 anos afeta diretamente a qualidade de vida, além de atingir, simultaneamente, a família, a comunidade e o sistema de saúde em que está inserido. Observa-se que quanto maior a dificuldade em realizar as atividades básicas de vida diária, mais dependente é este idoso(12).
Com relação à funcionalidade, nesta pesquisa, avaliada pelas Escalas de Katz e Lawton e Brody, os idosos independentes para realizar as atividades de vida diária eram os que possuíam menor percentual da presença de cuidador, enquanto os mais dependentes apresentaram percentual maior. Sabe-se que quanto menor a funcionalidade do idoso, maior é a necessidade de cuidados, com múltiplas tarefas, de forma frequente, exigindo, muitas vezes, dedicação total de quem cuida(12), sobretudo se este idoso apresentar algum tipo de demência, como foi observado neste estudo.
A presença de dor limita a autonomia do idoso, outro evento que interfere negativamente na funcionalidade, independência e qualidade de vida(13). A maior parte dos entrevistados referiu dor há mais de seis meses, principalmente em membros inferiores e coluna. A dor crônica foi igualmente relatada pela maioria dos idosos em estudo nacional(14).
As atividades de vida diária, tanto as instrumentais quanto as básicas, podem ser afetadas devido à presença de dor. Neste estudo, os indivíduos, com dor superior a seis meses, apresentaram dependência, principalmente para tomar banho. Em outra pesquisa que verificou a incidência de dor crônica em idosos, descreveu que a dor crônica também esteve presente na vida dos idosos avaliados, afetando, de alguma forma, a realização das atividades básicas de vida diária(15). Isto destaca o quanto a dor é limitante para a funcionalidade do idoso, prejudicando autonomia e bem-estar. Portanto, o profissional de saúde precisa estar atento quanto à avaliação e orientação adequadas dessas condições.
Os indivíduos com dependência parcial para atividades instrumentais nesta pesquisa apresentaram maiores percentuais de dislipidemia e doenças do aparelho urinário. Em um trabalho realizado em instituição de longa permanência, foi visto que idosos com maior dependência para realizar atividades básicas também apresentavam incontinência urinária, tal fato se deve, também, possivelmente, a dificuldade em alcançar o local desejado em tempo hábil e não somente por serem incontinentes de fato(15). Além disso, a incontinência urinária é considerada preditor de quedas na população idosa, que pode estar relacionada à maior frequência de idas ao banheiro para urinar, aumentando, assim, o risco de cair(12,16).
Os entrevistados com alto risco de queda apresentaram maior idade, maiores percentuais de demência, de hipertensão arterial sistêmica e queda no último ano. Estes resultados corroboram com os de outro estudo brasileiro, realizado em três hospitais de grande porte, em que os idosos, com maior probabilidade de cair, tiveram maior razão de prevalência de serem portadores de hipertensão e apresentarem déficit cognitivo(17).
Idosos dependentes apresentaram maiores percentuais de necessidade de ter cuidador e demência. Estudo concluiu que apoiar os cuidadores pode contribuir para o gerenciamento da sobrecarga destes indivíduos, frequentemente familiares, além de melhorar a qualidade do cuidado e da saúde de ambos(18).
Portanto, a utilização de instrumentos adequados pode auxiliar a equipe de enfermagem e multidisciplinar a adequar os recursos e cuidados nas unidades hospitalares que recebem este perfil de paciente. Logo, aponta-se a importância da discussão a respeito de eventos incapacitantes nesta população idosa, que vem crescendo exponencialmente, já que este tipo de acontecimento contribui, muitas vezes, para sua perda funcional, como a ocorrência de quedas, o que acarreta restrição de atividades, aumento da dependência, declínio na saúde e aumenta o risco de institucionalização(19).
A independência e a autonomia, pelo maior tempo possível, são metas a serem alcançadas na atenção à saúde aos idosos(19). A identificação da capacidade funcional e sua associação com o risco de quedas pode oferecer subsídios para profissionais e gestores que atuam junto a esta população, de modo a proporcionar a criação de estratégias de prevenção e controle dos fatores de risco, promovendo envelhecimento saudável.
Não houve associação entre a capacidade funcional, avaliada pelas Escalas de Katz e Lawton/Brody, com o risco de queda, analisado pela Escala de Downton.
Antunes JFS colaborou na concepção do projeto, obtenção e análise dos dados e redação do artigo. Campanharo CRV, Lopes MCBT, Batista REA e Okuno MFP contribuíram com a concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual.
Autor correspondente: Cássia Regina Vancini Campanharo. Rua Napoleão de Barros, 754, CEP: 04024-002. São Paulo, SP, Brasil. E-mail: cvancini@unifesp.br


