Artigo Original
Famílias de usuários de bebida alcoólica: aspectos estruturais e funcionais fundamentados no Modelo Calgary*
Alcoholic beverage users: structural and functional aspects based on the Calgary Model
Famílias de usuários de bebida alcoólica: aspectos estruturais e funcionais fundamentados no Modelo Calgary*
Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, vol. 20, e40226, 2019
Universidade Federal do Ceará
Recepção: 23 Janeiro 2019
Aprovação: 07 Março 2019
Objetivo: descrever os aspectos estruturais e funcionais e as redes de apoio e sustentação de famílias que convivem com usuários de bebida alcoólica.
Métodos: estudo descritivo de corte transversal, referencial metodológico do Modelo Calgary de Avaliação da Família, a partir de entrevistas semiestruturadas, com as ferramentas genograma e ecomapa, realizadas com familiares de quatro trabalhadores da construção civil internados por agravos ligados ao uso de bebida alcoólica, e notificados a um centro de informação e assistência toxicológica.
Resultados: houve redução dos filhos entre as gerações, mas o uso de drogas esteve em expansão nas famílias. Foram encontradas relações familiares distantes e conflituosas. A rede de apoio da vizinhança foi apontada com vínculo forte, porém o apoio da Atenção Primária da Saúde consistiu vínculo fraco.
Conclusão: a avaliação estrutural e funcional das famílias propiciou conhecimento para processos de promoção, tratamento e recuperação da saúde, para restabelecer as relações familiares fragilizadas.
Palavras chave: Intoxicação Alcoólica+ Relações Familiares+ Características da Família+ Modelos de Enfermagem+ Enfermagem Familiar.
Objective: to describe the structural and functional aspects and support networks of families living with users of alcoholic beverages.
Methods: a cross-sectional descriptive study, methodological reference of the Calgary Family Assessment Model, based on semi-structured interviews with the genogram and eco-map tools, carried out with relatives of four construction workers hospitalized for injuries related to alcoholic beverage use, and notified to an information and toxicological assistance center.
Results: there was a reduction of the children between the generations, but the use of drugs was expanding in the families. Distant and conflicted family relationships were found. The neighborhood support network was strongly linked, but the support of Primary Health Care was a weak link.
Conclusion: the structural and functional evaluation of the families propitiated knowledge for health promotion, treatment and recovery processes to restore fragile family relationships.
Keywords: Alcoholic Intoxication, Family Relations, Family Characteristics, Models, Nursing, Family Nursing.
Introdução
Cerca de 43,0% da população mundial com 15 anos ou mais fez uso de bebida alcoólica nos últimos 12 meses. Já o uso abusivo foi relacionado a 5,3% de mortes por todas as causas em 2016(1-2). No Brasil, a prevalência da dependência na população brasileira é de 12,3%, com maior taxa de usuários com idades entre 18 a 24 anos(3).
O uso crônico de bebida alcoólica é caracterizado pelo descontrole da ingestão ou por padrão de consumo com episódios frequentes de intoxicação aguda, causando comorbidades e lesões em vários órgãos, e está incluído no grupo das doenças crônicas não transmissíveis(4-5). Atinge o usuário, o sistema familiar, as relações sociais e o trabalho. O tratamento dessa condição geralmente é centrado no usuário, com o trabalho e a família ficando em segundo plano(6-7).
Drogas de abuso podem ser utilizadas como forma de enfrentamento da penosidade no trabalho, para amenizar o sofrimento e diminuir a sobrecarga emocional(6). No entanto, o consumo elevado dessa substância está relacionado à diminuição do desempenho do trabalhador, ao aumento do desemprego e a baixos salários, em comparação com o uso em menores quantidade e frequência(2,8).
Estudos apontam a necessidade de eleger as famílias dos trabalhadores usuários crônicos de bebida alcoólica como unidades de cuidado e sugerem estratégias de intervenção nessas famílias, indicando o ambiente familiar como fator de risco para a iniciação ou fator protetor ao uso de bebida alcoólica; ao mesmo tempo, a vivência do alcoolismo ocasiona alteração nas relações familiares e gera contínua sobrecarga familiar(2,9).
Conhecer a estrutura familiar, sua composição, as funções de seus membros e como eles se organizam e interagem entre si e com o ambiente é essencial para o planejamento do trabalho de enfermagem com famílias(4,10). Na formação de uma família, no qual cada membro participa com sua individualidade e legado de gerações anteriores, a presença de um alcoolista deve ser enfrentada como questão familiar(11-12).
O Modelo Calgary de Avaliação da Família é multiestrutural, e propõe avaliar a família e adquirir conhecimentos e habilidades para possíveis intervenções. Permite à enfermeira uma visão global sobre a família e as relações significativas, e o que é relevante para a família, que apresenta estrutura multidimensional e integrada, podendo ser estudada a partir de três principais aspectos: estrutural, de desenvolvimento e funcional(9-10). A avaliação estrutural é dividida em três subcategorias: estrutura interna, estrutura externa e contexto. Essa avaliação permite conhecer os membros da família e o vínculo afetivo entre seus membros, comparando o relacionamento com os indivíduos externos à família e seu contexto. Como instrumentos para avaliação da categoria estrutural, o Modelo dispõe de genograma (árvore familiar da estrutura interna) e ecomapa (diagrama de contato da família com a estrutura externa e o contexto social e seus vínculos afetivos, representando as conexões importantes da família com a sociedade)(4,10).
O presente estudo objetivou descrever os aspectos estruturais e funcionais e as redes de apoio e sustentação de famílias que convivem com usuários de bebida alcoólica.
Métodos
Estudo descritivo e de corte transversal, do tipo estudo de casos múltiplos no âmbito da enfermagem com famílias(10), que utilizou o referencial metodológico do Modelo Calgary de Avaliação da Família(10-11), nos aspectos estrutural e funcional. Representa o recorte de uma pesquisa de intervenção junto a famílias de trabalhadores da construção civil usuários crônicos de bebida alcoólica, que estiveram internados por agravos ligados direta ou indiretamente ao uso da droga.
Especificamente, tem como foco o desenho interativo para as ferramentas genograma e ecomapa, para delinear as estruturas internas e externas da família e auxiliar na compreensão da experiência do adoecimento pela bebida alcoólica de pessoas e famílias(10). Tais instrumentos permitem ao enfermeiro sistematizar, sintetizar e fornecer visibilidade da estrutura e dos modos como as redes para o cuidado à saúde dessas pessoas se organizam, formando dispositivos de planejamento e intervenção familiares(9).
O estudo foi desenvolvido no município de Maringá, PR, Brasil, a partir de registros de atendimentos de trabalhadores com diagnósticos médicos de efeitos do uso crônico de bebida alcoólica em um centro de informação e assistência toxicológica de um hospital ensino, em um período de três meses no ano de 2017. Os trabalhadores, ocupados na área da construção civil no dia da notificação da ocorrência toxicológica, com idade superior ou igual a 18 anos e residentes em municípios da região metropolitana de Maringá, foram considerados como casos índices nas famílias estudadas.
Os participantes eram familiares de quatro dos trabalhadores, considerados seus cuidadores, e foram alcançados pela notificação do caso índice. Cada família indicou um respondente, que se sentisse parte do processo de cuidado do familiar alcoolista, e compreendesse a estrutura da família e suas relações familiares e sociais.
Foi utilizado um roteiro semiestruturado para as entrevistas, constituído de questões para caracterização do trabalhador, do evento toxicológico e do familiar entrevistado, e uma questão disparadora: “Conte para mim sobre o uso de bebida alcoólica em sua família e a relação dos integrantes com a bebida alcoólica desde a geração anterior do Sr. “X”, e a rede de apoio social à sua família”. Essa questão era seguida de espaço para o desenho interativo das ferramentas genograma e ecomapa.
As entrevistas ocorreram em mais de um encontro domiciliar, com duração de aproximadamente 60 minutos. Os dados extraídos da questão disparadora foram registrados manualmente pela pesquisadora. Após a realização do esboço da representação gráfica do genograma e do ecomapa, os familiares puderam confirmar, completar ou alterar os desenhos.
Para a construção do genograma, procedeu-se à investigação da geração familiar antecessora dos trabalhadores (pais, trabalhador/caso índice, cônjuges, irmãos e cunhados) e da atual (filhos, sobrinhos e netos). O modelo gráfico utilizado foi adaptado(13). As relações fora representados como (1) relacionamento de superenvolvimento, se houvesse dependência emocional entre os membros, (2) relacionamento harmonioso, se existisse experiência emocional de união entre os membros, (3) relacionamento conflituoso, se fossem encontradas relações com constantes atritos e (4) relacionamento distante, quando houvesse pouco contato com os familiares.
Para a construção do modelo gráfico do ecomapa, a família apresentou-se dentro de um círculo, enquanto que os contatos da família com a comunidade (rede de sustentação e apoio) foram representados em círculos externos, interligados por traços com o tipo de vínculo (forte, fraco e inexistente)(9). O ecomapa foi desenhado a partir da família residente no mesmo domicílio, inserida no centro do desenho, e suas interligações com a rede de apoio e de sustentação.
Os genogramas e ecomapas foram incluídos no programa Microsoft PowerPoint® e analisados nos aspectos estrutural e funcional propostos pelo Modelo Calgary de Avaliação da Família. O processo analítico ocorreu por leituras e releituras dos dados, e foi utilizada uma tabela construída pela própria pesquisadora. Desse processo emergiram interpretações e inferências sobre a avaliação familiar, e as redes de apoio informal e formal no cotidiano das famílias.
Os gráficos foram agrupados em núcleos de similaridade ou por semelhança(14) em três categorias: A estrutura familiar intergeracional dos trabalhadores; Os antecedentes familiares do uso de drogas de abuso e os vínculos familiares; e As redes de apoio informal/sustentação e apoio formal no cotidiano das famílias.
Para garantir o anonimato, os participantes foram identificados pela letra F, que representa a palavra “Família”, e a ordem das entrevistas realizadas - como F1, F2, F3 e F4. O estudo respeitou às exigências formais contidas nas normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, sob parecer nº ٢.٢٨٤.٦٣٦/٢٠١٧.
Resultados
Os trabalhadores eram do sexo masculino, média de 44 anos de idade, casados ou divorciados, com baixa escolaridade, baixa renda e ocupação de pedreiro e pintor. O tempo médio de uso de bebida alcoólica era de 22 anos, com o mínimo de 12 e o máximo de 30 anos.
Dois foram internados por doenças orgânicas decorrentes do uso crônico de bebida alcoólica, com doenças do aparelho digestivo, e dois foram vítimas de violência/trauma - queda da bicicleta e agressão física. Todos utilizaram a unidade de atenção às urgências e as unidades de clínica médica ou cirúrgica do hospital de ensino. A alta hospitalar melhorada dos trabalhadores ocorreu entre dois dias, no caso do trabalhador que fez queda de bicicleta, e 15 dias, em média nove dias.
As famílias foram representadas por duas esposas (F1, F3), uma ex-esposa (F4) e uma mãe (F2), com idades de 27 a 66 anos, e média de 50 anos; três delas tinham Ensino Fundamental incompleto; todas com baixa renda individual (um a três salários mínimos), e apenas uma estava empregada (cozinheira).
A estrutura familiar intergeracional dos trabalhadores
A composição numérica das gerações das famílias era de 172 pessoas, com média de 43 pessoas por família. Quando comparados o número de pessoas da geração antecessora (pais e irmãos do trabalhador) com a atual (sobrinho, filhos e netos), aquela foi constituída por 96 familiares e esta por 76, com diminuição de 20,8% do número de membros.
Houve redução do número de filhos entre as gerações. Por exemplo, os pais do trabalhador da F1 tiveram 10 filhos e geraram 27 descendentes, mas o trabalhador teve três filhos, que geraram quatro netos.
Na geração do trabalhador, o modelo familiar nuclear foi verificado em duas famílias (F3 e F4). No entanto, observaram-se um modelo extensivo de família (um filho do trabalhador, que teve duas uniões conjugais e um filho em cada união) e um novo arranjo familiar, quando o trabalhador índice (F2), após separação conjugal, retornou à moradia dos pais.
Os antecedentes familiares do uso de drogas de abuso e os vínculos familiares
O uso abusivo de bebida alcoólica foi encontrado em todas as gerações. Entre os pais do trabalhador alcoolista, três também eram alcoolistas; das 21 pessoas que compunham a geração paterna do trabalhador alcoolista, foram identificados sete irmãos e quatro irmãs alcoolistas; e da geração do trabalhador, quatro filhos e 12 sobrinhos.
Em todas as gerações, 34 pessoas foram identificadas como usuárias de bebida alcoólica, o que perfaz uma média de 2,75% pessoas por família. Maconha e crack foram referidas em três famílias, tendo como usuários o trabalhador índice (F4), o sobrinho (F1) e o filho (F2).
Onze mulheres eram alcoolistas (F1, F3, F4), representando 32,3% dos membros alcoolistas nas famílias, na razão de uma mulher para cada dois homens (1/2). Três delas eram mães de filhos alcoolistas (F1 e F2). O uso de drogas estava em expansão nas famílias, pois, em gerações anteriores à do trabalhador, foi informado um total de 23 etilistas em 96 pessoas e, na geração do trabalhador, 16 de 48 pessoas.
No aspecto funcional, o relacionamento de superenvolvimento ficou evidente entre o trabalhador índice e seu cuidador ou aquele que auxiliava na vida cotidiana: esposas (F1 e F3), ex-esposa (F4), pais (F2), irmãos (F2) e filhos (F1 e F3). Porém, observou-se também relação harmoniosa difusa entre o trabalhador e sogros (F1 e F3), pais (F1 e F3), irmãos (F1 e F3) e filhos (F2).
Os subsistemas distantes estiveram presentes em três famílias (F1, F2 e F4) e conflituosos em três (F1, F2 e F4). Foi informado que o trabalhador índice tinha vínculos familiares conflituosos com a ex-cônjuge e relação familiar de distanciamento com a filha do primeiro casamento e um irmão da atual esposa (F1), além de conflito com a ex-esposa do caso índice com distanciamento dos filhos, ocasionado pelo uso de bebida alcoólica. A família 4, representada na Figura 1, destacou–se pelo arranjo familiar, como a presença de relacionamentos conflituosos entre o trabalhador e os demais membros.

As redes de apoio informal/sustentação e apoio formal no cotidiano das famílias
A Figura 2 ilustra o exemplo de ecomapa da família 4 estudada. Foram apontadas as redes de apoio informal/sustentação (família, amigos, vizinhos, trabalho, lazer e grupos de apoio) e formal (Unidade Básica de Saúde/Estratégia de Saúde da Família, Centro de Referência de Assistência Social, e unidades hospitalares de alta e média complexidade pertencentes à Rede de Atenção Psicossocial).

A rede de apoio representada pelas relações familiares foi apontada como inexistente (F4) e fraca (F2), mas, para duas famílias (F1 e F3), foi forte. Os amigos não representaram boa fonte de apoio, com vínculo fraco (F1, F2 e F4) ou inexistente (F3), no entanto, existia forte elo de apoio da vizinhança para todas as famílias.
Quanto às atividades laborais, todas as famílias relataram existência de desemprego, e o emprego foi apontado como vínculo fraco. Todas as famílias referiram baixo acesso às atividades de lazer, que foi inexistente para uma delas (F3) e fraco para as demais. Também foi inexistente a participação em grupos de apoio. Já a religião, ou prática religiosa, foi citada apenas por uma família como fonte modificadora ou com vínculo forte (F2); duas famílias referiram inexistência de vínculos religiosos (F1 e F4).
A Unidade Básica de Saúde/Estratégia de Saúde da Família foi apontada como vínculo inexistente para as quatro famílias. Três famílias informaram vínculo fraco com os serviços de Atenção Primária específicos da Rede de Atenção Psicossocial (F1, F3 e F4), pois desconheciam o atendimento e a linha de cuidado, mas uma entrevistada informou que o trabalhador tinha frequentado o Centro de Atenção Psicossocial e abandonou o tratamento (F4).
Em relação aos serviços especializados da Rede de Atenção Psicossocial, como hospitais de urgências psiquiátricas e gerais, as famílias referiram buscar atendimento para o trabalhador no hospital de ensino para tratamento da agudização dos sintomas ligados ao uso crônico da bebida alcoólica, que foi apontado como vínculo forte para três famílias (F1, F2 e F3).
Discussão
Apesar das limitações do estudo, como a realização com número limitado de participantes e dificuldade de coleta de algumas informações, o estudo traz uma temática pouco explorada e favorece implicações para a prática, pois seus achados mostram uma realidade passível ações de enfermagem.
Apesar da especificidade do grupo estudado, a média de idade dos trabalhadores foi similar àquela de usuários de bebida alcoólica na população geral, predominando homens em idade economicamente ativa(6,14). Dados de escolaridade e remuneração individual permitiram inferir que apresentavam baixo padrão socioeconômico e educacional, corroborando a literatura no que diz respeito a aspectos sociais do trabalho na construção civil(11).
Uma situação foi demarcadora da influência do individual (dos usuários) para o coletivo (das famílias): o comportamento aditivo do trabalhador índice por mais de 20 anos, acima da média nacional, que é de 13 anos. O longo período de convivência com as drogas, no contexto familiar, determina aumento da vulnerabilidade das famílias(1).
Verificaram-se variações na estrutura das famílias e na capacidade de adaptação do contexto familiar, para o enfrentamento das dificuldades internas e sociais. Famílias pouco numerosas parecem ter acompanhado a diminuição da taxa de fecundidade nas últimas décadas, e novos arranjos de configurações familiares delimitam os atuais modos de viver em família na modernidade e os padrões de relacionamentos familiares(15). Na geração atual, expande-se entre filhos e sobrinhos do trabalhador índice o poliuso de drogas(12), principalmente maconha e cocaína, incrementando os riscos para doenças, violências e outros problemas que abalam a estrutura familiar.
Em consequência das mudanças no papel social das mulheres, observa-se o aumento do número de mulheres usuárias de bebida alcoólica e outras drogas de abuso, o que implica em repercussões negativas sobre a saúde física, psíquica e social da mulher(1). No presente estudo, foi relevante o número de mulheres alcoolistas, sendo algumas delas também mães de filhos alcoolistas. Os riscos do uso de álcool na idade adulta são três vezes maiores naqueles filhos cujos pais são alcoolistas(3).
A história familiar e o alcoolismo parental são fatores de risco consistentes na transferência intergeracional dos problemas com a bebida alcoólica, constituindo um dos melhores preditores da iniciação e continuação do consumo abusivo na descendência(14). A influência familiar tem papel mais forte no desenvolvimento do alcoolismo do que na remissão ou recuperação(12).
O modelo de doença familiar considera o alcoolismo ou o uso nocivo de drogas como uma doença que afeta não apenas o dependente, mas também a família(3). Em famílias em que há um membro alcoolista, os filhos podem ter seu desenvolvimento afetado pela situação à qual estão expostos(1). Entende-se por “família alcoólica” aquela em que pelo menos um dos seus membros é dependente da bebida alcoólica, sendo este, majoritariamente, o elemento do sexo masculino (o marido e o pai)(15).
Com o objetivo de testar modelos de transmissão intergeracional do uso de drogas, foi avaliada três gerações: avós, pais e filhos. Houve variação quanto ao tipo de droga: para o uso de bebida alcoólica, somente associações cruzadas entre as gerações foram encontradas, e o reduzido controle inibitório e disciplina diminuída não atuaram entre as gerações(16).
No entanto, em geral, o problema dos pais alcoolistas não afeta estruturalmente a família em todos os momentos. Ainda, mais problemas relacionados a essa substância não resultam em menos controle comportamental, menos suporte geral e nem mais permissividade dos pais(16).
O alcoolismo constitui fonte importante de perturbação da dinâmica familiar, com inevitáveis repercussões sobre os demais elementos, particularmente sobre os filhos(6). O vínculo e a interação familiar saudável, com menos conflitos e mais harmonia familiar, servem como base para o desenvolvimento pleno das potencialidades dos indivíduos(14), e essas relações associam-se intrinsecamente a uma rede de apoio que possa ser buscada em momentos críticos, promovendo o sentimento de proteção, a busca de soluções e o compartilhamento de atividades.
A construção do ecomapa ofereceu elementos que permitiram avaliar o suporte e os recursos existentes para que a família pudesse cuidar (e como poderia cuidar ou buscar esse cuidado). Embora da qualidade dos vínculos que a família mantém, possibilita aos profissionais de saúde compreender as conexões que a família faz com a comunidade e entre seus próprios membros, fornece indícios importantes que necessita de maior atenção e apoio dos profissionais de saúde para melhorar seu bem-estar(10).
A rede de apoio informal/sustentação, que participa do cuidado mais constante na vida da família, é embasada na afetividade de pessoas mais próximas, como familiares, vizinhos e amigos, e se faz presente nas variadas situações de saúde e doença vivenciadas ao longo do tempo(10). Em nosso estudo, porém, a maioria dos elementos dessa rede foi informada com de vínculo fraco. A rede de apoio para o cuidado, que se materializa pela constituição de relações de menor proximidade e densidade afetiva, é acionada mais pontualmente para a garantia do cuidado externo à esfera familiar, sendo formada por pessoas e/ou instituições de saúde e outros serviços(6,10). Os limites da rede de serviços de saúde para atingir a população foram apontados com vínculo fraco, sendo formados pela Unidade Básica de Saúde/Estratégia de Saúde da Família e pelos serviços específicos da Atenção Primária da Rede de Atenção Psicossocial, que eram desconhecidos pelas famílias(17).
Conclusão
O estudo apontou que houve redução de filhos nas gerações dos trabalhadores, acompanhando as alterações da taxa de fecundidade no país e os novos arranjos familiares, porém o uso de drogas estava em expansão entre os membros das famílias, e existia um padrão intergeracional de mulheres alcoolistas com filhos alcoolistas. Foram encontradas, principalmente, relações familiares distantes e conflituosas, e vínculo forte das famílias com a rede de apoio da vizinhança.
Agradecimentos
Ao Programa de Pós-Graduação de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá, pela oportunidade de desenvolver este estudo oriundo do curso strictu sensu de mestrado.
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Autor notes
Tucci BFM e Oliveira MLF contribuíram na concepção e projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.
Autor correspondente: Beatriz Ferreira Martins. Avenida Mandacaru, 1.590 - Parque das Laranjeiras. CEP: 87083-240. Maringá, PR, Brasil. E-mail: biaferreira.martins@gmail.com