Resumo: Este artigo se insere nos estudos sobre o impacto do dinheiro sobre o desempenho eleitoral de candidatos em eleições legislativas. Mais especificamente dialogamos com a literatura que analisa se os recursos financeiros importam mais para candidatos com determinados perfis. Para as eleições de 2010 e 2014 para os cargos de deputado federal e estadual, verificamos que, para os candidatos que se apresentam como evangélicos, o dinheiro tem um peso menor para alavancar as campanhas eleitorais. Identificamos esses candidatos através do seu nome de urna, uma técnica usada em pesquisas anteriores. O mecanismo causal que explica esse efeito menor do dinheiro sobre as candidaturas evangélicas é a mobilização do capital simbólico e real das igrejas protestantes. Esse resultado se alinha com outras pesquisas que mostram o valor relativo do dinheiro para alavancar o desempenho nas urnas. Candidatos que dispõem de outros mecanismos para acessar e mobilizar potenciais eleitores, como o apoio institucional da igreja, o acesso aos fiéis e os recursos não contabilizados, dependem menos dos recursos financeiros declarados do que os seus competidores.
Palavras-chave:financiamento de campanhafinanciamento de campanha,eleiçõeseleições,religiãoreligião.
Abstract: This article analyzes the impact of campaign spending on the voting record of individual candidates in legislative elections in Brazil. We more specifically examine the existence of a Jacobson effect for candidates with access to other resources providing leverage to their campaigns. For the 2014 elections for Federal and State Deputy, we find money has less impact on the voting record of candidates presenting themselves as pertaining to an evangelical church. To identify this religious framing of individual campaigns, we resort to the official nickname candidates are allowed to use in electoral campaigns in Brazil. This technique has been successfully applied in previous research. The causal mechanism behind this lesser effect of money on the voting record of candidates evoking a religious connection represents the symbolic and real power of Protestant Churches in the electoral process in Brazil. This result is similar to other studies showing that the value of money in election campaigns varies depending on other candidate characteristics. Candidates who have other mechanisms at their disposal to access and mobilize potential voters, such as the support of a church either in the form of an institutional endorsement, access to voters or unaccounted funding, are less dependent on officially accounted for resources than other competitors.
Keywords: campaign finance, election, religion.
Resumen: El presente artículo se inserta en los estudios sobre el impacto del dinero sobre el desempeño electoral de candidatos en elecciones legislativas. Dialogamos más específicamente con la literatura que analiza si los recursos financieros tienen más importancia para candidatos con determinados perfiles. En las elecciones de 2010 y 2014, para los cargos de Diputado Federal y Estatal, verificamos que para los candidatos que se presentan como evangélicos, el dinero tiene un peso menor para apalancar las campañas electorales. Identificamos estos candidatos a través de sus datos de registro, una técnica usada en pesquisas anteriores. El mecanismo causal que explica este efecto menor del dinero sobre las candidaturas evangélicas es la movilización del capital simbólico y real de las iglesias protestantes. Este resultado se alinea con otras pesquisas que muestran el valor relativo del dinero para apalancar el desempeño en las urnas. Candidatos que disponen de otros mecanismos para alcanzar y movilizar potenciales electores, como el apoyo institucional de la iglesia, el acceso a los fieles y a los recursos no contabilizados, dependen menos de los recursos financieros declarados que sus competidores.
Palabras clave: financiamiento de campaña, elecciones, religión.
Résumé: Cet article s´insère dans le cadre des études sur l´impact de l´argent sur le niveau de performance électorale de candidats aux élections législatives. Nous dialoguons plus particulièrement avec la littérature qui analyse si les ressources financières ont plus d´importance pour des candidats ayant un certain profil. Aux élections de 2010 et de 2014, pour les postes de député au niveau des états ainsi que fédéral, nous avons vérifié que pour les candidats qui se présentaient en tant qu´évangéliques, l´argent avait moins d´importance pour promouvoir leur campagne électorale. Nous avons identifié ces candidats à travers leur nom d´usage, une technique utilisée dans de précédentes recherches. Le mécanisme causal qui explique ce moindre effet de l´argent sur les candidatures évangéliques est la mobilisation du capital symbolique et réel des églises protestantes. Ce résultat s´aligne sur d´autres recherches qui montrent la valeur relative de l´argent pour stimuler une bonne performance dans les urnes. Les candidats qui disposent d´autres mécanismes pour atteindre et mobiliser de potentiels électeurs, comme le soutien institutionnel de l´église, l´accès aux fidèles et aux ressources non comptabilisées, dépendent moins des ressources financières déclarées que leurs concurrents.
Mots-clés: financement de campagne, élections, religion.
ARTIGOS
O dinheiro importa menos para os candidatos evangélicos?
Does money matter less to evangelical candidates?
¿El dinero importa menos para los candidatos evangélicos?
L´argent a moins d´importance pour les candidats évangéliques?
Recepção: 18 Agosto 2016
Aprovação: 1 Dezembro 2017
As pesquisas sobre a dinâmica das campanhas eleitorais avançaram bastante nos últimos anos no Brasil. Um dos desafios clássicos é a identificação dos fatores responsáveis pelo desempenho dos candidatos nas urnas e, com isso, as chances de sucesso eleitoral. Entre esses fatores figuram o apoio por grupos sociais organizados e o papel dos recursos financeiros. Este artigo combina a análise das duas influências, investigando especificamente como o vínculo entre candidatos e igrejas evangélicas e a mobilização de recursos em campanhas interagem na produção de votos em eleições legislativas.
A análise dialoga com duas vertentes de literatura que estão crescendo nos últimos anos no Brasil. Por um lado, há uma produção intensa sobre a questão do crescimento das igrejas evangélicas no Brasil, da sua influência sobre a política e mais especificamente sobre as disputas eleitorais. Por outro, há um avanço nas pesquisas sobre a relação entre dinheiro e política, com enfoque sobre o impacto dos recursos sobre as campanhas eleitorais. O objetivo deste artigo é avançar a discussão nas duas frentes, através de uma análise que mostra que o dinheiro importa menos para candidatos que conseguem sugerir ao eleitorado seu pertencimento a um dos cultos evangélicos.
Com isso, juntamos dois fenômenos que até o presente momento são tratados separadamente pela literatura de ciência política: por um lado, a importância do fator religião nas eleições, por outro, a relevância do dinheiro nas campanhas eleitorais. Analisamos se candidatos que exploram a questão da identificação religiosa, apresentando-se como evangélicos, possuem um perfil de financiamento de suas campanhas que os diferencia dos demais candidatos. Mais especificamente, analisamos se os candidatos evangélicos arrecadam menos doações do que os outros e, principalmente, se o efeito das despesas financeiras sobre o sucesso eleitoral é menor para os candidatos evangélicos em comparação com os outros candidatos.
O texto é organizado da seguinte forma: na primeira seção, “A literatura sobre a participação dos evangélicos na política”, discorremos sobre o crescimento dos evangélicos na sociedade brasileira concomitante ao aumento da participação na política. Na segunda seção, “A literatura sobre a importância do dinheiro para as campanhas eleitorais”, discutimos o quadro teórico dos principais trabalhos sobre a importância do dinheiro nas campanhas eleitorais e seu impacto no sucesso eleitoral dos candidatos. A terceira seção, “Hipóteses do trabalho”, é voltada a explicar as hipóteses do artigo e a operacionalização e formulação das variáveis utilizadas. As duas últimas seções, “Resultados” e “Considerações finais”, são compostas pela análise dos resultados e pela conclusão.
O rápido crescimento do protestantismo na América Latina a partir da segunda metade do século XX fez com que Stoll (1990) questionasse: “Is Latin America turning Protestant?”. Essa mesma configuração também se apresentou no Brasil, onde, desde os anos 1980, observa-se o crescimento constante da religião evangélica no país, passando de cerca de 6% nessa década para 22% da população em 20101. Segundo Mariano (1999) o termo “evangélico” designa tanto as igrejas protestantes históricas (Luterana, Presbiteriana, Congregacional, Anglicana, Metodista e Batista) como as pentecostais (Congregação Cristã do Brasil, Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo, Deus é Amor, Casa da Bênção, Universal do Reino de Deus etc.). A ascensão do número de evangélicos tanto nos países da América Latina quanto, mais especificamente, no Brasil se deu por conta principalmente do crescimento das igrejas pentecostais.
Simultaneamente ao crescimento da população evangélica no Brasil, mensurada pelo IBGE desde 1980, também há um crescimento da participação desse grupo na política do país. O eleitorado evangélico passa a buscar opções de candidatos que possam vir a representar seus interesses no Parlamento em concordância com os princípios da religião, e um número crescente de candidatos e políticos eleitos se declara publicamente como evangélico, utilizando o discurso da religião para atrair votos dos fiéis e justificando a sua atuação política fazendo referência à sua pertença ao grupo dos evangélicos. A expressão mais visível dessa tendência é a candidatura de políticos evangélicos para cargos executivos, como Anthony Garotinho, pertencente à igreja Presbiteriana e eleito governador do Rio de Janeiro (1999-2002) e candidato à presidência da República em 2002, ou Marina Silva, pertencente à Assembleia de Deus, reeleita senadora pelo estado do Acre em 2002 e candidata à presidência em 2010 e 2014, ou mais recentemente o governador Rodrigo Rollemberg de Brasília, convertido à igreja Ministério Amigo Íntimo em cerimônia pública no exercício do seu mandato em 2015, para mencionar apenas alguns exemplos. Em relação ao Congresso Nacional, mais especificamente à Câmara dos Deputados, a partir de dados recolhidos de Gonçalves (2011) e do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), verifica-se que desde 1999 a bancada evangélica nas legislaturas vem crescendo, com exceção da 53ª legislatura (Gráfico 1).

Parte da literatura acadêmica se dedica à análise das razões e motivações do crescimento de representantes evangélicos na política. De forma genérica, a principal resposta sobre o porquê do aumento da inserção de evangélicos na política seria que os representantes evangélicos eleitos tenderiam a defender os interesses e benefícios de igrejas evangélicas e de seus fiéis (Oro, 2011) e buscariam também pautar políticas públicas de acordo com seus interesses (Machado e Burity, 2014). Houve maior inserção desse grupo religioso na política brasileira, pois as igrejas evangélicas passaram a abandonar uma postura tradicional de que a “religião não se mistura com a política” para uma nova configuração de que os “irmãos devem votar em irmãos”. Assim, o Brasil passou a ser um caso de sucesso eleitoral desse grupo de religiosos (Boas, 2013).
Ao longo dos anos, o interesse da ciência política em estudar candidatos e eleitores evangélicos cresceu bastante, o que pode ser verificado principalmente em trabalhos que buscam avaliar o impacto do fator religião sobre o processo eleitoral. A maioria dos estudos produzidos sobre o tema segue uma das duas vertentes seguintes: trabalhos que analisam a identificação partidária e a intenção de voto dos eleitores evangélicos (Mariano e Pierucci, 1992; Bohn, 2007; Boas, 2014); e trabalhos que analisam o perfil de candidatos ou representantes evangélicos eleitos (Mariano e Pierucci, 1992; Borges, 2007; Oliveira, 2012).
O presente artigo segue essa segunda linha, analisando o desempenho eleitoral de candidatos que sinalizam durante a campanha a sua vinculação com uma das igrejas evangélicas. Perguntamos se, dada a disputa de eleições por candidatos que se apresentam publicamente como pertencentes ao grupo evangélico, esses candidatos apresentam perfil diferente em relação a um dos componentes principais de campanhas bem-sucedidas: a arrecadação e aplicação de recursos financeiros. A relevância dessa questão fica evidente depois da próxima seção, em que discutimos como a literatura apresenta o tema de financiamento eleitoral. No final, apresentamos as hipóteses a serem testadas para o caso mais específico dos candidatos evangélicos.
A importância dos recursos nas campanhas eleitorais teve maior atenção da ciência política a partir da disponibilidade de dados sobre fontes e volumes de recursos alocados nas campanhas. No Brasil, isso ocorreu a partir de reformas no financiamento em duas etapas: primeiro, com as reformas estabelecidas entre 1993 e 1997, obrigando os partidos e candidatos a prestar contas de forma detalhada sobre a origem e o destino dos recursos das organizações partidárias e das campanhas eleitorais; e, depois, com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de receber as prestações de contas em formato eletrônico e de divulgá-las publicamente a partir de 2002.
Desconsiderando a parte da produção acadêmica que discute questões de ordem normativa, os trabalhos a partir dos dados empíricos se dividem em três linhas. Um primeiro grupo de trabalhos descreve os fluxos financeiros e sua distribuição, respondendo questões sobre as principais fontes de financiamento, sobre o perfil de arrecadação de recursos por partidos e candidatos e sobre as atividades de campanha custeadas pelos candidatos2. Uma segunda linha de análise tenta explicar os fatores responsáveis pelo financiamento, incluindo entre estes os atributos dos candidatos e partidos que se apresentam ou dos cargos disputados e circunstâncias das eleições3. Uma terceira abordagem do tema do financiamento se ocupa em analisar o impacto dos recursos sobre uma série de fenômenos políticos, entre estes as eleições, o comportamento dos políticos financiados e eleitos e as vantagens concedidas aos financiadores pelo Estado, nas diferentes interfaces da administração pública4. Nosso artigo dialoga com esta última abordagem, mais especificamente com enfoque nos trabalhos sobre o impacto do dinheiro sobre o voto. Por esse motivo analisaremos essa produção em mais detalhe. Os trabalhos sobre a relação entre dinheiro mobilizado na campanha e desempenho eleitoral adotam diferentes estratégias para responder à pergunta: dinheiro rende votos?
Na literatura sobre financiamento de campanha no Brasil, diversos estudos atestam que o dinheiro de fato é um dos atributos mais importantes para explicar o sucesso ou o fracasso eleitoral. Samuels (2001) identificou um efeito significativo dos recursos financeiros sobre os votos para a eleição de deputados federais em 1994. O autor também concluiu que há um efeito decrescente dos recursos sobre os votos. Vários pesquisadores aprofundaram essas análises a partir de dados mais sólidos das eleições subsequentes.
Pereira e Rennó (2007) buscaram investigar os determinantes do sucesso eleitoral nas eleições de 1998 e 2002 entre os candidatos à reeleição para a Câmara dos Deputados. Para as eleições de 1998, os autores verificaram que aqueles candidatos que gastaram mais em suas campanhas obtiveram mais votos, tendo maior chance de ser reeleitos; ou seja, há uma relação positiva e significativa entre dinheiro e sucesso eleitoral. Entretanto, esse padrão não se confirma para as eleições de 2002, quando outras variáveis foram mais importantes para o sucesso eleitoral, como, por exemplo, o número de projetos aprovados na Câmara.
Analisando as eleições legislativas de 2010, Peixoto (2012) buscou verificar o impacto dos gastos de campanha sobre os votos obtidos pelos candidatos, assim como analisou de que forma as características individuais dos candidatos impactam sobre os resultados eleitorais. O autor verificou que, com o aumento em 1% nas despesas dos candidatos, espera-se um aumento de 0,65% no percentual de votos dos candidatos a deputado estadual e 0,62% de votos para os candidatos a deputado federal; ou seja, para ambos os cargos há uma associação positiva e significativa para o impacto dos gastos de campanha sobre os votos. Ser mulher reduz o percentual de votos obtidos em 0,68% para deputado estadual e 0,85% para deputado federal.
Figueiredo Filho et al. (2013) analisaram os resultados eleitorais nos pleitos municipais de 2012 para prefeito em função dos gastos de campanha. Os autores tinham como objetivo testar a hipótese clássica da literatura sobre financiamento de campanha que aponta a correlação entre maior investimento nas campanhas eleitorais e maior retorno de votos obtidos pelo candidato. Figueiredo Filho et al. corroboram a hipótese inicial demonstrando que o acréscimo de 1% na receita de campanha aumenta em 0,57% o percentual de votos do candidato. Com relação aos estados, Rio de Janeiro é o que apresenta a maior média de gastos de campanha, enquanto Acre, Rio Grande do Sul e Piauí são os que possuem gastos abaixo da média nacional.
Em artigo de 2013, Speck e Mancuso analisam os fatores determinantes para o sucesso nas mesmas eleições para prefeito em 2012. Os autores apontam a relação entre gastos de campanha e sucesso eleitoral: candidatos com despesas, em média, de 10 mil reais possuem um resultado de mil votos (em média), podendo-se inferir, nessa situação, que os recursos financeiros não possuem um impacto significativo na quantidade de votos; já em relação aos candidatos que possuem despesas maiores que 10 mil reais, há um aumento significativo na quantidade de votos.
Todos esses trabalhos analisam o impacto do dinheiro sobre o voto ou o sucesso eleitoral recorrendo a modelos aditivos de regressão que mostram impacto positivo e significativo dos recursos sobre o desempenho dos candidatos. Uma linha complementar de investigação analisa se o dinheiro tem o mesmo impacto para todas as campanhas e para todos os candidatos disputando a mesma eleição. A análise do efeito mediador de diferentes variáveis sobre a efetividade dos recursos para as campanhas eleitorais remonta a uma linha de análise iniciada por Jacobson (1978) para o caso americano. O autor em sua análise para as eleições de 1972 e 1974 de senadores e deputados dos Estados Unidos, encontrou impactos distintos do dinheiro para os incumbentes e para os candidatos desafiantes. O autor verificou que, para os candidatos à reeleição (incumbentes), os gastos de campanha tinham impacto negativo sobre os votos enquanto para os desafiantes o impacto era positivo. Nesse sentido, Jacobson identificou um caso extremo de mediação, em que uma relação positiva entre dinheiro e voto se torna negativa, dadas outras circunstâncias. A explicação do caso norte americano está no caráter reativo do gasto dos incumbentes. Eles elevam seu gasto somente quando são ameaçados por desafiantes fortes. Nessa condição já apresentam candidaturas fragilizadas. O gasto maior é a expressão dessa fragilidade e a causa do efeito aparentemente negativo que gastos elevados têm sobre a probabilidade de sucesso eleitoral.
Porém, o argumento do “efeito Jacobson” não se limita somente aos incumbentes nas eleições para o Congresso americano. O argumento se estende potencialmente a outros grupos que compensam a falta de diferentes formas de capital político com a mobilização de dinheiro. Nessa perspectiva os recursos podem ser mais importantes para mulheres, para candidatos sem experiência prévia na política, sem visibilidade na mídia ou para os que não estão inseridos em sindicatos, igrejas ou organizações sociais. Para esses candidatos, o dinheiro, sendo o único recurso, rende mais votos. O “efeito Jacobson” analisa efeitos compensatórios do dinheiro na ausência de outros recursos não monetarizados nas campanhas eleitorais.
Nessa linha, Speck e Mancuso (2014) buscaram analisar o efeito do financiamento de campanha sobre os resultados eleitorais de candidatos a deputado estadual e federal no Brasil nas eleições de 2010. Utilizando regressão logística, os autores verificaram que a hipótese principal do trabalho foi confirmada: o financiamento de campanha tem impacto positivo e estatisticamente significativo sobre o desempenho eleitoral. Adicionalmente, quando os candidatos são incumbentes, a probabilidade de angariar mais votos e, consequentemente, ser eleito é maior. A mesma constatação vale para os homens, que têm maior probabilidade de serem eleitos do que as mulheres. A novidade do trabalho em relação aos anteriores é a comprovação de que o dinheiro importa mais para os grupos que largam com desvantagem. Para os desafiantes e as mulheres, grupos que têm maior dificuldade em convencer os eleitores (por quaisquer razões que seja), o dinheiro tem um peso maior. Esses grupos alavancam suas campanhas com a aplicação de recursos financeiros, compensando a sua desvantagem inicial. Isso significa que, partindo do mesmo patamar de financiamento, cada Real gasto adicionalmente por uma candidata rende mais votos do que cada Real adicional gasto por um candidato. Em termos estatísticos, essa relação é captada através da inclusão de termos de interação entre as variáveis independentes da regressão.
Seguimos, neste artigo, a mesma linha de raciocínio, buscando analisar até que ponto o efeito do dinheiro sobre o sucesso eleitoral é moderado pelo fato de os candidatos vincularem a sua candidatura a religiões protestantes.
Os estudos da ciência política sobre os evangélicos e sobre a importância dos recursos financeiros para as campanhas eleitorais constituem dois eixos temáticos essenciais para o presente artigo. A partir desses dois temas, pretendemos formular as hipóteses a serem trabalhadas e estudadas por meio de análise quantitativa. Nossa principal questão é se candidatos evangélicos possuem um perfil de financiamento de campanha diferente do de outros candidatos. Essa indagação geral se desdobra em duas perguntas específicas: O volume de receita que esses candidatos arrecadam difere do de outros candidatos? O impacto do dinheiro sobre o sucesso eleitoral é diferente no caso dos candidatos evangélicos se comparados ao de outros candidatos? Desse modo, exploramos duas principais hipóteses neste artigo.
H1: Os candidatos evangélicos arrecadam menos recursos de campanha em comparação aos outros candidatos.
A primeira hipótese é de que os religiosos arrecadam menos recursos financeiros porque dependem menos desses recursos. Os mecanismos causais por trás dessa relação seriam três: primeiro, candidatos evangélicos contam com um eleitorado cativo, formado de evangélicos que tenderiam a votar mais facilmente em candidatos da mesma religião (Boas, 2014); segundo, os candidatos evangélicos contam com apoio institucional das lideranças nas igrejas, e essa recomendação de voto por bispos e pastores vale ouro; e terceiro, candidatos pertencentes a essa religião teriam a possibilidade de fazer campanha eleitoral dentro da igreja contando com recursos não contabilizados da igreja, como a impressão de folhetos, o uso de espaços para reunião, custeio de viagens e transporte, e mobilização de fiéis para comícios. O mero fato de candidatos concentrarem – na maioria das vezes – suas campanhas eleitorais nas igrejas evangélicas poderia reduzir o custo de suas campanhas (Bohn, 2004; Oliveira, 2012; Boas, 2014). Os três motivos expostos para que os evangélicos tenham menores receitas estão de certa forma entrelaçados. O raciocínio é que candidaturas evangélicas dependeriam menos de recursos financeiros e, como consequência, dedicariam menor esforço para a arrecadação de doações de campanha das diferentes fontes.
Nesse caso, trabalhamos o volume total de arrecadação como a variável dependente e a condição de o candidato se apresentar como evangélico como a variável binária independente, incluindo ainda diferentes variáveis de controle.
H2: Para os candidatos evangélicos, o efeito entre despesa de campanha e sucesso eleitoral é menor do que para os outros candidatos.
Baseado no mesmo raciocínio anterior a respeito do acesso dos candidatos evangélicos a outros recursos não financeiros, argumentamos que o dinheiro gasto nas campanhas tem um impacto menor sobre o seu desempenho eleitoral. Na mesma linha que Speck e Mancuso (2014), argumentamos que o mesmo incremento do gasto em campanha tem impacto diferente sobre os votos, dependendo das circunstâncias de cada candidatura. Para os candidatos evangélicos, cada Real adicional tem menos impacto sobre a votação do que para outros candidatos não evangélicos. As três razões elencadas acima, na verdade, identificam esses recursos não financeiros à disposição dos candidatos evangélicos. O eleitorado cativo, o apoio institucional e o apoio financeiro não contabilizado são mobilizados pelos candidatos que se identificam como evangélicos. Autores como Boas (2014) apontam que, quando candidatos evangélicos declaram abertamente a sua religião, acabam tendo um retorno maior de votos do eleitorado pertencente à sua religião. A proximidade dos candidatos com seu eleitorado, através da igreja, é um recurso importante para obter votos. Esse mecanismo não passa pela arrecadação. A nossa hipótese é que o dinheiro importa menos para os candidatos evangélicos porque eles recorrem a esses recursos alternativos para se eleger.
Desse modo, a variável dependente passa a ser o sucesso eleitoral dos candidatos, e as variáveis explicativas são a condição de ser evangélico, o volume de despesas durante a campanha e a interação entre as duas variáveis.
Para a análise quantitativa, utilizamos os dados divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre as eleições de 2010 e 2014 para deputados estadual e federal em todos os estados do Brasil. Com os dados obtidos pelo TSE, criamos um banco de dados para ambas as eleições no qual a unidade de análise são as candidaturas individuais. A seguir explicitamos como as variáveis contidas no banco de dados e que são analisadas no presente artigo foram operacionalizadas.
Evangélicos: O maior desafio desse tipo de análise é a identificação e a codificação dos candidatos que se declaram pertencentes à religião evangélica. Para as eleições de 2014, tivemos 17.693 candidatos concorrendo às vagas para os cargos de deputado estadual/distrital e federal no Brasil, e para a eleição anterior tivemos 14.489 candidatos para os mesmos cargos5. Como há milhares de candidatos, não é possível fazer uma avaliação caso a caso para identificar candidatos endossados ou apoiados por uma das igrejas evangélicas ou que se apresentem aos eleitores como candidatos evangélicos6.
Ademais, no registro de candidatura do TSE não há o questionamento sobre a religião à qual o candidato pertence, apesar de existirem informações sobre outras características deste, como escolaridade, estado civil, idade e outras. Assim, não há como saber quais candidatos pertencem a uma determinada religião7. O nome de urna do candidato é o que aponta, muitas das vezes, sua característica principal, a bandeira que defende, o bairro onde mora ou até mesmo onde trabalha; por exemplo, “Professora Carla”, “Dr. Fernando”, “Luiz do Capão Redondo” etc. Analisando os candidatos religiosos pelo banco de dados do TSE, verifica-se que constam como nomes de urna dos candidatos inúmeros “Apóstolos”, “Reverendos”, “Bispos”, “Padres”, “Pastores”, “Irmãos” e “Missionários”8.
Boas (2014) recorre ao nome de urna dos candidatos para classificar os candidatos evangélicos. O autor utiliza “Pastor” como o nome de urna do candidato para realizar um experimento sobre comportamento eleitoral. Para este artigo, seguiremos parcialmente os passos de Boas (2014) em relação à seleção dos candidatos pelo seu nome de urna. Assim, selecionamos aqueles que possuem o nome de urna: Apóstolo, Bispo, Irmão, Missionário e Pastor, bem como os seus correspondentes femininos. A escolha por selecionar esses candidatos que se autoprojetam com um perfil evangélico se baseia no pressuposto de que estes também tenham acesso aos recursos acima mencionados de candidaturas endossadas pelas igrejas evangélicas: eleitorado cativo, apoio institucional e recursos não contabilizados.
A seleção de candidatos que se declaram como pastores, missionários, bispos, apóstolos e irmãos é a melhor forma de aproximação daqueles que se apresentam como evangélicos. Ela demonstra que os próprios candidatos já se apresentam de um modo diferenciado ao eleitorado, ou seja, como pertencentes a uma determinada religião e visando à defesa dos interesses desta. É importante ressaltar que a inclusão desses nomes de urna do candidato não apresenta somente sua profissão atual ou seu status dentro de uma determinada igreja, mas também pode ser considerada uma propaganda política indireta que tem como objetivo mostrar aos eleitores aqueles candidatos que se assemelham a eles com relação à religião. De certa forma, para um eleitor evangélico que não possui um candidato de preferência, descobrir que há um candidato evangélico na corrida eleitoral pode fazer com que ele tenda a votar nele por conta da similaridade com relação à religião.
No entanto, é importante ressaltar que a identificação dos candidatos evangélicos pelo nome de urna é apenas uma proxy para identificar os candidatos oficialmente endossados ou apoiados na prática por igrejas evangélicas. A imprecisão resulta do fato de haver candidatos apoiados por igrejas e sacerdotes que não fazem nenhuma referência a essa condição no seu nome de urna, como também candidatos que se autoidentificam como evangélicos, mas na prática não gozam do apoio institucional.
A proxy criada para mensurar os candidatos evangélicos a partir de seu nome de urna pode conter um viés de mensuração, pois pode subestimar ou sobre-estimar a quantidade real de candidatos evangélicos. Contudo, essa mensuração da variável é confiável a partir do momento em que ela é passível de replicação e produz observações idênticas às que foram coletadas9. Isto é, se replicarmos a mesma metodologia de coleta de candidatos evangélicos com os mesmos nomes de urna para a mesma eleição, obteremos os mesmos candidatos anteriores. Com relação à validade da variável, podemos afirmar que esta mede o que é pretendido: selecionar com razoável precisão candidatos evangélicos a deputado federal e deputado estadual para as eleições de 2010 e 2014. Apesar de o nome de urna captar os candidatos evangélicos, sabemos que é possível que alguns desses candidatos não sejam selecionados por não indicarem seu nome de urna como Apóstolo(a), Bispo(a), Irmão(ã), Pastor(a) ou Missionário(a). Entretanto, esse tipo de mensuração irá aumentar a possibilidade de falsos negativos devido à subestimação, mas não cria um cenário de falsos positivos.
Apesar de considerarmos que os candidatos evangélicos têm um maior apoio das igrejas para a sua candidatura, é importante ressaltar que há uma heterogeneidade em relação ao apoio desses candidatos. Segundo Oro (2003), a Igreja Universal do Reino de Deus é considerada uma igreja evangélica que faz apoio institucional formal aos seus candidatos, enquanto a Assembleia de Deus não orienta claramente os fiéis da igreja a votar no candidato apoiado por ela e não impede uma concorrência interna entre o candidato oficial e outro candidato. Esses dois exemplos ilustram que, apesar de haver o apoio das igrejas evangélicas aos candidatos, ainda assim há uma heterogeneidade nesse processo. A dificuldade em classificar o grau de apoio das igrejas evangélicas para cada candidato nos permite afirmar que a classificação dos candidatos pelo nome de urna é uma boa seleção para definir quais deles são evangélicos.
Desse modo, todos os candidatos evangélicos que incluíram uma das denominações “Apóstolo”, “Bispo”, “Pastor”, “Irmão” ou “Missionário” ou seus correspondentes femininos no nome de urna receberam o valor 1 e todos os outros candidatos o valor 0; construindo, assim, uma variável dummy. Seguindo esses procedimentos, codificamos 540 candidatos evangélicos, entre deputados estadual e federal, com o valor de 1. Os outros candidatos foram classificados com valor de 0.

Receitas e despesas: O volume de recursos de campanha, bem como o dos votos, depende fortemente do tamanho da circunscrição e do número de candidatos disputando a eleição. Em estados pequenos, a arrecadação de 10 mil reais pode ter um impacto grande, enquanto, em estados grandes, esse valor não fará muita diferença; ou seja, o candidato do Acre que arrecadou essa quantia para sua candidatura pode fazer com que o dinheiro renda mais do que um candidato de São Paulo, por exemplo. Para criar parâmetros comparáveis para medir as despesas eleitorais, recorremos a um indicador usado em pesquisas anteriores (Sacchet e Speck, 2011; Speck e Mancuso, 2014). Calculamos a porcentagem de recursos que o candidato arrecada em relação à soma de todos os recursos arrecadados pelos seus concorrentes para o mesmo cargo no mesmo estado e para o mesmo ano de eleição. Por exemplo, se todos os candidatos de Alagoas em disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados arrecadaram 100 mil reais e um candidato em questão arrecadou mil reais, a porcentagem dele será de 1%.
As prestações de contas são compostas por dados sobre as receitas e as despesas. Usamos os dados das prestações de contas dos candidatos sobre suas receitas disponibilizadas pelo TSE10. Uma vez que as contas eleitorais dos candidatos contabilmente devem ser zeradas até o final das campanhas, esses valores estão muito próximos. A análise da composição das receitas permite verificar a dinâmica da arrecadação de diferentes fontes de ingresso, que são as doações de empresas (pessoas jurídicas), de cidadãos (pessoas físicas), de recursos próprios (do candidato), além de transferências de partidos e candidatos. Para fins de análise dos dados, somente consideramos os candidatos com receitas e despesas maiores que zero, ou seja, desconsideramos aqueles que não tiveram nenhum tipo de receita e despesa. Ademais, consideramos somente os recursos legais e contabilizados na campanha pelo TSE.
Sucesso eleitoral: Os dados sobre os resultados eleitorais foram igualmente obtidos do TSE11. Foram codificados com o valor 1 todos os candidatos eleitos e com o valor 0 todos os candidatos que não se elegeram; ou seja, essa variável dummy operacionaliza os candidatos eleitos e não eleitos.
As variáveis a seguir serão consideradas como variáveis de controle para entender o efeito de X sobre Y; sendo, na primeira hipótese, o efeito de ser evangélico (X) sobre as receitas de campanha (Y) e, na segunda hipótese, o efeito do dinheiro (X) sobre o sucesso eleitoral obtido na eleição (Y)12.
Cargo: Para efeitos de análise, separamos os cargos de deputado estadual e deputado federal e iremos analisar os modelos de regressão para cada cargo em separado por considerarmos que são competições eleitorais diferentes.
Sexo: A variável sexo assume o valor 0 para homens e 1 para mulheres. A inclusão dessa variável é significativa visto que a literatura aponta que há diferenças significantes e substantivas na diferença entre o volume de dinheiro de campanhas eleitorais para homens e mulheres (Speck e Mancuso, 2014; Sacchet e Speck, 2011).
Magnitude do distrito: A variável corresponde ao número de cadeiras disponíveis para a disputa eleitoral para as Assembleias Legislativas de cada estado e para a Câmara dos Deputados em cada eleição.
Competição eleitoral: A variável é calculada a partir da relação candidato/vaga para cada estado e para a disputa de cada cargo; ou seja, é calculada a proporção de candidatos que concorreram em um estado para o mesmo cargo em relação ao número de cadeiras em disputa para cada eleição.
Partido: Criamos dummies para todos os partidos. O partido usado como referência é o PCB (Partido Comunista Brasileiro).
Para a última variável apontada, é importante ressaltar que não estamos interessados nos coeficientes e na eventual significância dessas correlações. Apenas queremos evitar a possibilidade de confundir o impacto de um fenômeno partidário com a influência do fator de ser candidato evangélico. A opção de selecionar o PCB como partido de referência se justifica por este apresentar a menor concentração de candidatos evangélicos. Como o objetivo do presente artigo é estudar candidatos evangélicos, o contrafactual da nossa análise seria o partido em que há a menor concentração de candidatos evangélicos, tendo, ainda assim, um tamanho de amostra representativo. Ademais, é possível verificar também que há partidos políticos com uma maior concentração de candidatos evangélicos, como é o caso do PRB e do PSC.
Uma comparação inicial entre os grupos de candidatos evangélicos e não evangélicos pode ser realizada a partir de estatística descritiva básica sobre suas receitas e despesas de campanha eleitoral. Essas informações são importantes no sentido de verificarmos se as hipóteses formuladas para o presente artigo são plausíveis.
A Tabela 2 ilustra a diferença entre receitas e despesas de campanhas eleitorais recebidas pelos candidatos evangélicos e não evangélicos separados por cargos de competição. Verificamos que a média de receitas e despesas dos candidatos evangélicos são muito menores do que as dos candidatos não evangélicos para os dois cargos proporcionais em disputa. Esse é um primeiro indício de que há diferenças substantivas entre a proporção de volume arrecadado e a do despendido entre os dois grupos. Ademais, verificamos que essa diferença é ainda mais significativa quando comparamos as disputas por cargo: candidatos evangélicos que concorrem ao cargo de deputado federal arrecadam cerca de 0,26% de dinheiro em comparação aos candidatos não evangélicos, que arrecadam em média cerca de 0,60% de receitas, se comparados aos seus concorrentes para o mesmo cargo e distrito eleitoral; ou seja, os últimos arrecadam, em média, um pouco mais do que o dobro do dinheiro dos primeiros.

Não há diferenças discrepantes em relação ao dinheiro arrecadado e ao despendido pelos candidatos que tiveram uma campanha mais barata e localizaram-se no 25º percentil das observações para ambos os cargos. Em contrapartida, a diferença entre o grupo de candidatos evangélicos e o de não evangélicos nas campanhas mais caras (localizadas no 75º percentil) é maior. Os primeiros candidatos arrecadaram menos que os demais para ambas as disputas para deputado federal e estadual; sendo 1,2 vez mais para o grupo de candidatos não evangélicos para deputado federal e 1,7 vez mais para o mesmo grupo que concorre a deputado estadual.
A primeira hipótese deste artigo é verificar se os candidatos evangélicos possuem um volume total de arrecadação das campanhas eleitorais menor que o dos outros candidatos. Souza (2009), Santos (2013) e Valle (2013), em seus estudos sobre diferentes candidatos evangélicos em diferentes igrejas, apontaram que os candidatos fazem campanha dentro das próprias igrejas, o que poderia reduzir os custos de campanha deles.
Essa forma de representação na política ajuda-nos a corroborar a teoria de que os fiéis são estimulados a votar em candidatos da mesma religião, havendo um comprometimento na hora do voto; ao mesmo tempo, também nos ajuda a articular essas técnicas com o volume de recursos financeiros recebidos pelos candidatos. Por exemplo, podemos pensar que a maior presença desses candidatos religiosos em cultos e a divulgação indireta (ou direta) de sua campanha tendem a reduzir as despesas das campanhas eleitorais.
Desse modo, analisamos quantitativamente o efeito que ser um candidato evangélico possui no volume total de receitas desses candidatos em comparação com os demais. Para isso, utilizaremos a regressão linear multivariada que pode ser demonstrada como:
Nessa equação do modelo de regressão, a variável dependente é o volume total de receitas dos candidatos (Y) e a principal variável independente é ter a condição de ser um candidato evangélico (χ1), ou seja, uma variável dummy. Com o objetivo de obter um melhor modelo explicativo, inserimos quatro variáveis independentes de controle: sexo (χ2), magnitude do distrito (χ3), competição dos candidatos (χ4) e partidos (χ5).
Com o objetivo de melhorar a estimação do modelo e aproximar a distribuição da variável dependente (receitas) à normalidade, optamos por fazer transformação logarítmica natural13.
Para cada cargo de disputa eleitoral e aplicado o logaritmo natural à variável dependente, temos o seguinte modelo estimado de regressão linear:

A partir do modelo estimado, podemos inferir que um candidato a deputado estadual e federal evangélico possui 0,17 ponto percentual a menos de receitas de campanha com relação aos outros candidatos. Entretanto, o resultado não é estatisticamente significante; ou seja, isso quer dizer que as receitas de campanha obtidas pelos candidatos evangélicos para cargos a deputado estadual ou federal não se diferenciam dos outros candidatos quando controlamos essa relação por sexo, magnitude do distrito, competição entre os candidatos e o partido ao qual o candidato pertence14.
A segunda hipótese a ser analisada refere-se ao efeito das despesas de campanha sobre a chance de ser eleito para os candidatos evangélicos em comparação com os outros candidatos. Esperamos que, para os evangélicos, o efeito dos recursos financeiros seja menor do que para os outros candidatos, porque o dinheiro gasto na campanha dos evangélicos teria um impacto menor em função de outros recursos mobilizados na campanha.
Recorrendo ao argumento de Boas (2014), o autor explicita que, quando o candidato evangélico expõe abertamente o seu pertencimento à religião, ele mobiliza o seu eleitorado com o objetivo de arrecadar mais votos. Pertencer a uma religião pode produzir efeitos de identidade de grupo, ou seja, o eleitor em busca de um candidato da mesma religião espera que este possua características e ideias muito próximas à coletividade do grupo para, assim, votar nele. Da mesma forma, a escolha do nome de urna pode ser considerada uma estratégia de campanha, pois a identificação do candidato pelo eleitorado a partir desse recurso simbólico tem como objetivo arrecadar mais votos, e esse tipo de recurso não passa pelas despesas de campanha. Mencionamos acima que a esse fator, do eleitorado cativo, são acrescentados outros mecanismos que tornam os recursos financeiros relativamente menos centrais, como o apoio institucional das igrejas protestantes através das lideranças religiosas, os recursos financeiros não contabilizados que podem ser mobilizados ou a economia de recursos quando os candidatos têm acesso ao seu eleitorado nas igrejas e não precisam se deslocar ou mobilizar recursos para a comunicação.
Desse modo, buscamos explorar se, para os candidatos evangélicos, o dinheiro importa menos, pois eles teriam outros tipos de recurso para mobilizar durante a campanha. Com o objetivo de mensurar esse efeito entre as despesas de campanha e o sucesso eleitoral obtido pelos candidatos, utilizamos o seguinte modelo de regressão logística:
onde, a variável dependente (Y) passa a ser uma dummy para os candidatos eleitos (1) e não eleitos (0). As principais variáveis independentes são: a porcentagem de despesa do candidato em relação aos candidatos para o mesmo cargo e no mesmo estado (χ1); ser candidato evangélico (χ2); e a interação entre as duas variáveis, χ1 e χ2, resultando na variável χ3. Para um maior controle do modelo estimado, temos as mesmas variáveis independentes de controle: sexo (χ4), magnitude do distrito (χ5), competição eleitoral (χ6) e partidos (χ7). Assim como no primeiro modelo, logaritmizamos a variável independente (despesas) para obter uma melhor estimação do modelo e separamos os modelos para os dois cargos em disputa.
A primeira conclusão da Tabela 4 é que as despesas de campanha possuem uma associação positiva e significante com o sucesso eleitoral dos candidatos em disputa para ambos os cargos. A segunda conclusão é que somente ser um candidato evangélico não possui impactos significativos e substantivos para o candidato conseguir se eleger. Terceiro, quando há a interação entre gastos de campanha e ser um candidato evangélico, com o aumento de 1% nos gastos de campanha, há 47% de chance de o candidato evangélico se eleger para deputado estadual, em comparação com outros candidatos com o mesmo incremento de gasto eleitoral, e 57% para se eleger a deputado federal.

Não podemos analisar somente o coeficiente do β3 da regressão para verificar o impacto da variável interativa entre ser evangélico e as despesas. Desse modo, temos que verificar o efeito deβ1 + β3 (Brambor, Clark e Golder, 2006). Para isso, precisamos verificar, de fato, o efeito marginal das despesas (X) sobre o sucesso eleitoral (Y) quando há a presença de evangélicos (Z). O objetivo de estimar o efeito marginal das despesas sobre o sucesso eleitoral para o grupo de evangélicos é verificar se, para esse grupo, o dinheiro importa mais ou menos para conseguir se eleger. Em outras palavras, o dinheiro rende mais ou menos para os evangélicos? Para isso, seguimos os passos de Brambor, Clark e Golder (2006) e estimamos esse efeito visualizado nos Gráficos 2 e 3:


O objetivo dos Gráficos 2 e 3 é verificar qual o efeito marginal do dinheiro sobre o sucesso eleitoral para cada grupo, bem como avaliar se uma eventual diferença é estatisticamente significativa. Podemos inferir que o efeito marginal do dinheiro para os não evangélicos é maior (grupo 0), enquanto, para os candidatos evangélicos, o efeito é menor (grupo 1) para ambas as disputas de cargo. Esses achados empíricos querem dizer que o dinheiro rende menos para os candidatos evangélicos e que a diferença no efeito marginal é significativa. Ou seja, os não evangélicos dependem mais do dinheiro de campanha e os evangélicos precisam menos dos recursos financeiros.
Esse resultado corrobora a hipótese de que os candidatos evangélicos fazem render o dinheiro de campanha de forma diferenciada por vários motivos: (i) possuem um eleitorado-alvo composto de fiéis das igrejas, onde podem ter maior quantidade de votos; (ii) possuem uma rede de contatos também a partir da igreja; (iii) possuem um capital simbólico (ser evangélico) que não passa pela questão do dinheiro; (iv) se identificam abertamente como pertencentes à religião evangélica por já terem em seu nome de urna um indicativo; (v) há a possibilidade de fazer campanha nas igrejas. Desse modo, verificamos que o dinheiro rende menos para os candidatos evangélicos e identificamos como mecanismo causal a mobilização de outros recursos por esses candidatos.
Este artigo buscou analisar o financiamento de campanha eleitoral dos candidatos evangélicos. Mais especificamente, a pergunta norteadora era se esse grupo de candidatos possui um perfil de financiamento diferente dos demais. Para isso, analisamos dois aspectos essenciais: o volume dos recursos financeiros arrecadados e o efeito do dinheiro sobre o sucesso eleitoral.
A primeira hipótese explorada é a de que os candidatos que se apresentam como evangélicos possuem o volume total de arrecadação das campanhas eleitorais menor que o dos outros candidatos. Verificamos que, em média, os candidatos evangélicos não arrecadam nem mais nem menos do que os seus concorrentes. Não há diferenças significantes e substantivas com relação ao volume de dinheiro recebido pelos dois grupos de candidatos para ambos os cargos proporcionais.
A segunda hipótese foi construída para verificar o efeito do dinheiro nas campanhas de candidatos que se apresentam como evangélicos sobre a probabilidade de serem eleitos. Esperávamos que, para esses candidatos, o impacto do dinheiro fosse menor em função de outros recursos mobilizados durante a campanha eleitoral. Alguns exemplos desses recursos não financeiros são: rede de contatos à qual o candidato evangélico tem acesso para mobilizar sua candidatura; eleitorado mais próximo da igreja; possibilidade de fazer campanha dentro desta; e a escolha do nome de urna do candidato já como uma indicação do pertencimento à religião. Para o segundo modelo de regressão, a interação de gastos de campanha e ser um candidato evangélico reduzem para 47% as chances de o candidato obter sucesso eleitoral para o cargo de deputado estadual, e para 57% as chances de se eleger para deputado federal, em comparação com os outros candidatos que tiveram o mesmo aumento de gastos. A análise do efeito marginal condicional do dinheiro sobre os votos revela que o dinheiro rende menos para o grupo dos candidatos evangélicos e que a diferença é estatisticamente significativa.
É importante apontar que os resultados obtidos no artigo se referem às eleições de 2010 e 2014 para cargos de deputado estadual e deputado federal. Apesar de acreditarmos que a seleção dos candidatos evangélicos ao longo das duas eleições é a que mais se aproxima de ser uma proxy da realidade, é válido ressaltar que essa classificação não consegue diferenciar candidatos evangélicos pentecostais e históricos ou se os estes obtiveram apoio completo ou parcial das igrejas às quais pertencem. Nosso argumento é de que o nome de urna consegue captar um capital simbólico que perpassa a importância significativa do dinheiro.
Ademais, como apontado na literatura, o dinheiro sempre importa nas campanhas eleitorais. Contudo, há uma distinção entre alguns grupos de candidatos para os quais o dinheiro importa mais, como é o caso dos desafiantes (Jacobson, 1978) e das mulheres (Speck e Mancuso, 2014), ou menos, como é o caso dos incumbentes (Jacobson, 1978). Os resultados obtidos no presente artigo indicam um “efeito Jacobson” para os candidatos evangélicos, ou seja, em média, o dinheiro importa menos para candidatos evangélicos serem eleitos.












