Resumo: Quais são os mecanismos que conectam políticas de transferência de renda e voto para presidente? As explicações usuais focam, de modo geral, o “efeito direto”, ou seja, o seu impacto apenas nos beneficiários do programa social. A partir da análise do Programa Bolsa Família, argumento que o “efeito indireto” na decisão de voto dos eleitores não beneficiários que conhecem beneficiários pode ser tão ou mais importante que o efeito direto para o resultado eleitoral. Apresento mecanismos plausíveis para essa hipótese e proponho um modelo empírico a partir de surveys de 2006 e 2010. Contrariando visões correntes sobre o impacto regional da política social, os resultados mostram a importância do efeito indireto positivo especialmente para o voto no PT na região Sudeste. Assim, chamo atenção para o fato de que contatos sociais são mecanismos importantes para conformar o efeito eleitoral de políticas públicas.
Palavras chave: Programa Bolsa FamíliaPrograma Bolsa Família,eleições presidenciaiseleições presidenciais,clientelismoclientelismo,comportamento eleitoralcomportamento eleitoral,políticas de transferência de rendapolíticas de transferência de renda.
Abstract: What are the mechanisms that link conditional cash transfers and presidential elections? Current explanation focuses, in general, in the “direct effect”, meaning the impact of social policies only in its beneficiaries. Analyzing the case of Bolsa Família, I argue that the “indirect effect” in the electoral decision of the no-beneficiaries who know beneficiaries can be as or more important to general electoral results. I present plausible mechanisms and I propose an empirical model applied to 2006 e 2010 surveys. Against regular approaches regarding the regional impact of the social policy, the results show that the indirect effect is positive important especially in the PT’s vote in Southeast. Therefore, I emphasize the fact that social contacts are important mechanisms to shape the electoral impact of public policy.
Keywords: Bolsa Família Program, presidencial elections, clientelism, electoral behavior, conditional cash transfer.
Resumen: ¿Cuáles son los mecanismos que vinculan las políticas de transferencias monetarias y el voto a presidente? Las explicaciones habituales se centran, en general, en el “efecto directo”, es decir, en su impacto solo en los beneficiarios del programa social. Con base en el análisis del Programa Bolsa Família, sostengo que el “efecto indirecto” en la decisión de voto de los votantes no beneficiarios que conocen a los beneficiarios puede ser igual o más importante para el resultado electoral. Presento mecanismos plausibles para esta hipótesis y propongo un modelo empírico a partir de surveys de 2006 y 2010. Contrariamente a las opiniones actuales sobre el impacto regional de la política social, los resultados muestran la importancia del efecto indirecto positivo especialmente para el voto del PT en el región Sureste. Por eso, llamo la atención sobre el hecho de que los contactos sociales son mecanismos importantes para moldear el efecto electoral de las políticas públicas.
Palabras clave: Programa Bolsa Familia, elecciones presidenciales, clientelismo, comportamiento electoral, políticas de transferencias monetarias.
Résumé: Quels sont les mécanismes qui lient les politiques de transfert de revenus et le vote pour le président? En général, les explications mettent en exergue “l’effet direct”, c’est-à-dire, l’impact du programme social exclusivement sur ses bénéficiaires. En analysant le Programme Bourse-Famille, on argumente que “l’effet indirect” sur la décision des électeurs non bénéficiaires (et qui connaissent les bénéficiaires de ce programme social) n’est pas peu important pour le résultat électoral. On présente des mécanismes plausibles pour bien soutenir cette hypothèse, et puis en appuyant sur les enquêtes obtenus entre 2006 et 2010 on propose un modèle empirique. Bien au contraire des points de vues actuels sur l’impact régional du programme social, les résultats présentent l’importance du effet indirect positif surtout en ce qui concerne le vote du PT (Le Parti des Travailleurs) dans la région Sud-ouest du Brésil. En ce faisant, on jette la lumière sur le fait que les contacts sociaux sont des mécanismes importants pour comprendre l’effet électoral des politiques publiques.
Mots clés: Programme Bourse-Famille (Bolsa Família, élection présidentielle, clientélisme, comportement électoral, politiques de transfert de revenus.
Artigos
Efeitos diretos e indiretos do Programa Bolsa Família nas eleições presidenciais brasileiras
Direct and indirect effects of Bolsa-Família Program in Brazilian presidential elections
Efectos directos e indirectos del Programa Bolsa Família en las elecciones presidenciales brasileñas
Des effets directs et indirects du Programme Bourse-Famille (Bolsa Família) sur les élections présidentielles brésiliennes
Recepção: 05 Novembro 2019
Aprovação: 07 Janeiro 2021
Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos 1990, diversos países da América Latina adotaram programas de transferência de renda condicionada como forma de combate à pobreza endêmica da região. A originalidade desse tipo de política social, em contraposição às políticas tradicionais de caráter muitas vezes regressivo, e a centralidade que assumiu nas agendas de diversos governos de variados matizes ideológicos ensejaram uma série de estudos que buscaram verificar seu efetivo impacto social e econômico ( Fizbein et al., 2009 ; Paes de Barros et al., 2007 ; Rawlings e Rubio, 2005 ).
Uma vertente importante da literatura se volta à análise do impacto eleitoral dessas políticas, com estudos de caso e comparativos ( Layton e Smith; 2012 ; Corrêa, 2015a; Winters, 2010; Nupia, 2011 ; Linos, 2013 ; Manacorda, Miguel e Vigorito, 2011; Corrêa e Cheibub, 2016 ; De La O, 2013 , 2015 ). Alguns trabalhos mostram que partidos formuladores dessas políticas sociais se engajam na mobilização eleitoral e no credit claiming dos seus resultados, e, de fato, é razoável esperar que a transferência de dinheiro diretamente às parcelas mais pobres da população constitua um importante ativo eleitoral dos incumbentes 3 ( De La O, 2015 ; Hall, 2006 , 2008 ; Sandberg e Tally, 2015 ).
No entanto, mais do que isso, o interesse no impacto eleitoral dessas políticas tem afinidades eletivas com a visão segundo a qual a política na América Latina seria permeada pelo clientelismo ( O’Donnell, 1996 ; Sewall, 2008 ; Stokes, 2005 ; Hagopian, 1996 ; Fenwick, 2009 ). Assim, parece natural que analistas considerem que políticas focadas nos mais destituídos podem ser apenas mais uma expressão “of the old story of using the government to build clientelistic support” ( Hunter e Power, 2007 , p. 9).
Sobre o caso brasileiro, um dos mais estudados e centrais da literatura, as interpretações dominantes, ainda que com exceções e matizes importantes, são de que o Programa Bolsa Família (PBF) é uma das principais explicações – se não a principal – para os resultados eleitorais presidenciais desde 2006 até ao menos 2014, contribuindo para conformar uma base eleitoral do PT assentada em regiões e eleitores mais pobres do país ( Hunter e Power, 2007 ; Nicolau e Peixoto, 2007 ; Zucco, 2008 , 2013 , 2015 ; Soares e Terron, 2008 ; Canêdo-Pinheiro, 2015 ; Zucco e Power, 2013 ; Corrêa, 2015b; Lício, Rennó e Castro, 2009 ; Magalhães, Silva e Dias, 2015; Marzagão, 2013 ).
No registro jornalístico e no debate político brasileiro, não é incomum a visão de que a relação política ensejada pelo PBF é permeada pelo clientelismo e personalismo, com a criação de “currais eleitorais” e de relação direta entre os beneficiários e o incumbente federal. Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, declarou em outubro de 2016 que: “Com o Bolsa Família, generalizado, querem um modelo de fidelização que pode levar à eternização no poder. A compra de voto agora é institucionalizada” 4 . Uma nota editorial do PSDB, publicada em seu portal eletrônico em 2004, dizia que: “O principal programa social petista [o PBF] reduziu-se, enfim, a um projeto assistencialista. Resignou-se a um populismo rasteiro 5 “. César Benjamin, em 2006, candidato do PSOL – partido formado por dissidentes à esquerda do PT – à vice-presidência da República, declarou na campanha eleitoral que o “O Bolsa Família (...) é uma máquina de clientelismo 6 “.
Na produção acadêmica, o cenário é mais nuançado. A maior parte dos autores assume que o desenho da política não permitiria, ao menos não em nível suficiente, a alocação de benefícios de acordo com a direção do comportamento eleitoral dos eleitores 7 , definição de política clientelista ( Stokes, 2009 ), e alguns defendem o mecanismo do voto retrospectivo como a explicação de seu retorno eleitoral ( Zucco, 2013 ), seguindo modelos de política distributiva ( Golden e Min, 2013 ). Ainda assim, é comum encontrar em parte da literatura ressalvas quanto ao possível uso eleitoral do PBF, que acabaria por deturpar os objetivos da política ( Hevia, 2011 ; Sewall, 2008 ; Hall, 2006 ).
Um ponto comum à maior parte das análises, seja baseado em uma lógica clientelista, seja nos modelos de política distributiva, é a posição segundo a qual o efeito eleitoral do PBF ocorre no plano individual ou, quando muito, no domiciliar. Em outros termos, apenas o eleitor beneficiado diretamente pelo programa teria a sua decisão eleitoral afetada. Essa preocupação revela um suposto geral de que políticas públicas focadas nos mais pobres afetam única, direta e mecanicamente os votos de seus beneficiários, sendo causa suficiente para alterar seu comportamento eleitoral. De acordo com essa visão, os demais indivíduos, tanto os pobres não beneficiários quanto a classe média e a classe alta, seriam indiferentes ou alheios, na decisão de voto, à existência desse programa de transferência de renda. Em resumo, para essa visão, a estratégia de identificação causal deveria levar em conta apenas os “efeitos diretos” do PBF.
Alternativamente, a tese defendida neste artigo é que é razoável supor que programas sociais em geral, e o PBF em particular, também podem ter um impacto eleitoral “indireto”, entendendo por isso sua influência na decisão do voto do eleitor não beneficiário. Utilizando vocabulário experimental, chamo atenção para o fato de que essa política teria um importante componente spillover , devido à dinâmica da competição partidária, da mobilização política e, especificamente importante para este artigo, de contatos pessoais entre eleitores beneficiários e não beneficiários.
O impacto eleitoral substantivo do PBF, bem como o de qualquer outra política pública, ocorre em um contexto social e político no qual bandeiras políticas são construídas, disputadas e mobilizadas ( Przeworski e Sprague, 1986 ) 8 . O PT, no decorrer do tempo, elegeu o programa como a política símbolo do seu governo, e o PBF está no centro do debate político-ideológico brasileiro. Antes que uma relação direta e mecânica entre receber benefício e votar no incumbente ou formulador da política, importa ressaltar como o conjunto do eleitorado que tem contato com o programa de diversas maneiras pode ser impactado na sua decisão de voto.
Com base nessa discussão, busco aqui elaborar um modelo empírico de modo a analisar e testar a importância do efeito direto e de um dos efeitos indiretos do PBF. Recorrendo a surveys eleitorais, adiciono aos modelos usualmente encontrados na literatura informações sobre o conhecimento de beneficiários do PBF. Alguns estudos já mostraram que conhecer beneficiários enseja avaliações mais positivas do programa social ( Castro et al., 2009 ; Kerstenetzky, 2009 ). Minha hipótese é que essa variável também altera cálculos de decisão de voto do eleitor não beneficiário. Além disso, incluir esse conjunto na análise é ainda mais importante se levarmos em consideração o tamanho dos subgrupos: enquanto os beneficiários diretos constituem sempre menos de um quarto do eleitorado, a maioria da população conhece um beneficiário. Ou seja, do ponto de vista da conformação ou do impacto nos resultados eleitorais presidenciais, os efeitos indiretos do PBF podem ser mais importantes do que os diretos.
Minha análise se concentra nas eleições presidenciais de 2006 e 2010 e na análise de dois surveys nacionais, uma pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi (Vox Populi, 2006) e o Estudo Eleitoral Brasileiro de 2010 (Eseb, 2010), survey nacional pós-eleitoral realizado pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp desde a eleição presidencial de 2002, por meio de regressões logísticas multivariadas com controles de variáveis sociais e geográficas. Os resultados são teoricamente relevantes: em 2006, os efeitos indiretos são importantes e até mais cruciais para determinar a direção do voto a favor do PT em comparação aos efeitos diretos. As análises para o pleito de 2010, por seu turno, são menos robustas, mas apontam na mesma direção. Mais do que isso, um resultado importante diz respeito à variação regional desse efeito, uma vez que, ao contrário do que seria de esperar, os impactos estimados na direção do voto são menores no Nordeste e maiores no Sudeste 9 , revelando a pertinência de uma análise que vai além do beneficiário direto.
As consequências analíticas e teóricas desses achados são significativas, justificando uma reconsideração dos mecanismos explicativos por meio dos quais o impacto do PBF, e de qualquer política social, sobre o voto tende a ser modelado. Antes de tratar apenas como uma relação direta e automática entre receber o benefício e apoiar o governo, chamo atenção para a importância da mobilização política e de contatos pessoais entre eleitores que perpassam a efetividade de qualquer política pública e estratégia partidária.
Após esta “Introdução”, apresento, em “PBF e o resultado eleitoral: efeitos diretos e indiretos”, o debate da literatura sobre efeito eleitoral do PBF, problematizando aspectos metodológicos e levantando explicações alternativas. Em seguida, apresento “Proposta empírica: conhecimento de beneficiários”, “Análise empírica: ser e conhecer beneficiário” e “Análise empírica: impacto eleitoral”. Posteriormente, seguem-se as “Considerações finais”.
Para esquadrinhar o impacto eleitoral do PBF, a literatura brasileira trabalha com dois tipos diferentes de unidades de análise: municípios (ou estados), ou seja, dados agregados; e surveys com indivíduos. Para além de debates sobre os resultados encontrados, parte da discussão se volta para as possibilidades de explicação que cada nível de análise permite. Mais especificamente, para grande parte da literatura, mesmo a que trabalha com dados agregados, informações que não podem ser diretamente atribuídas ao comportamento do eleitor beneficiário do programa social ou são espúrias ou devem ser vistas com cautela. Ou seja, tem-se o suposto de que apenas efeitos individuais e diretos são analiticamente válidos.
Bohn (2011 , 2013 ), por exemplo, afirma que os resultados advindos de dados agregados por municípios ou estados, como os trabalhos de Zucco (2008) , Hunter e Power (2007) e Soares e Terron (2008) , mostram apenas que existe uma correlação positiva entre porcentagem de famílias beneficiárias do PBF e os votos do PT no município. Por si só, esses resultados não permitem afirmar que são os indivíduos beneficiários do PBF que estão votando no PT, sob pena de se cair na falácia ecológica. Ou seja, Bohn (2011 , 2013 ) defende que o mecanismo explicativo do voto, ou o “elo perdido” nas palavras de Lício, Rennó e Castro (2009) , não seria comprovado pelas análises de dados agregados. Para tanto, nessa visão, é necessário verificar associações entre a intenção de voto e ser ou não beneficiário do programa, com foco apenas no indivíduo e unicamente no efeito direto do PBF.
Na sua réplica a Bohn (2011) , Zucco e Power (2013) afirmam que os resultados da autora estariam comprometidos devido à diferença temporal entre o momento eleitoral e a ocasião em que o survey analisado foi coletado, o que acarretaria erros de medida em algumas respostas, enviesando as estimativas. Os autores contestam, assim, apenas a confiabilidade dos dados trazidos à baila por Bohn (2011) , mas não o mecanismo pressuposto de foco sobre o efeito direto, no indivíduo beneficiário.
Essa é uma posição geral mesmo em estudos que se baseiam exclusivamente em dados agregados, onde não é possível inferir o comportamento individual. Canêdo-Pinheiro (2015) , por exemplo, nota que: “por conta do mecanismo do voto secreto, é necessário o uso de dados agregados para investigar o impacto do Programa Bolsa Família” (p. 34). Afirma que “alguns autores tentam contornar esse problema usando dados individuais extraídos de pesquisas de opinião. Entretanto, muitas dessas pesquisas sequer conseguem reproduzir o percentual de votação obtido pelos candidatos nas eleições de 2006. Desse modo, não há como escapar do uso de dados agregados ” (p. 34, grifos meus).
Zucco (2013) , após análise de um conjunto de dados agregados, afirma que “the ultimate test of CCT’s effects on the voting behavior of beneficiaries must rely on a comparison of individuals who receive the benefit with otherwise similar individuals who do not” (p. 8). A utilização de matching propensity score por Zucco (2013 , 2015 ) e Zucco e Power (2013) corrobora a leitura que estou propondo. Esse procedimento metodológico procura aproximar a análise de dados observacionais de situações experimentais, criando um pareamento de covariáveis em indivíduos beneficiários e indivíduos não beneficiários ( Ho et al., 2007 ; Morgan e Wiship, 2007 ). A análise de survey realizada pelos autores, então, é restringida a dois grupos de eleitores semelhantes em tudo, exceto em receber o BF. Em vocabulário experimental, Zucco (2013 , 2015 ) e Zucco e Power (2013) estimam o ATT ( average treatment effect on the treated ), o efeito do tratamento nos tratados. No caso, os eleitores que recebem o Bolsa Família (BF) 10 .
Em suma, a leitura que proponho é que o conjunto da literatura gira em torno de especificações e mensurações que permitem identificar apenas o efeito eleitoral direto do PBF: o efeito da renda transferida sobre a decisão individual do eleitor afetado diretamente pelo programa. Como pressupostos desse desenho de pesquisa, tem-se a visão de que benefícios transmitidos podem gerar votos automaticamente, sem passar por mobilização eleitoral, por competição partidária e, especificamente de interesse para este artigo, por contatos e relações pessoais. Para além da similaridade entre essa visão e a relação ensejada por políticas clientelistas, à revelia da posição assumida por grande parte da literatura, é importante sublinhar que tal suposto se encontra mesmo nos modelos de competição eleitoral conhecidos como “política distributiva” ( distributive politics ).
Esses modelos estabelecem que os eleitores decidem seu voto com base em duas dimensões, preferência partidária ou ideológica, de um lado, e benefícios oriundos da distribuição de recursos ou políticas públicas pelos partidos em competição, de outro ( Cox e McCubbins, 1986 ; Lindbeck e Weibull, 1987 ; Dixit e Londregan, 1996 ; Cox, 2010 ; Stokes et al., 2013 ; Golden e Min, 2013 ). Para o ponto que interessa na presente discussão, cabe ressaltar que a componente “benefícios” ocorre em via puramente individual, na qual apenas o eleitor diretamente beneficiário é afetado na sua decisão de voto. Quando contatos e relações pessoais são incorporados na explicação, isso ocorre, via de regra, sob o prisma do clientelismo e da compra de votos ( Stokes, 2005 ; Stokes et al., 2013 ; Schaffer e Baker, 2015 ). Essa ênfase ou enfoque teórico deixa de lado outros mecanismos por meio dos quais a política pública pode ter efeito para um grupo social maior.
Ainda que beneficie uma parcela minoritária do eleitorado, o conhecimento sobre a existência e as características básicas do PBF é difundido na sociedade brasileira. Uma pesquisa nacional conduzida em 2005, ou seja, no momento inicial de implementação do programa, constatou que mais de 90% dos entrevistados “conheciam” ou “tinham ouvido falar” do PBF ( Brandão et al., 2008 ).
Quando perguntado diretamente, o eleitor tende a apoiar o programa social. Almeida (2010) relata em pesquisa de 2009 que 83% da população se dizia favorável ao PBF. A pesquisa “Medindo o grau de aversão à desigualdade da população brasileira” ( Lavinas e Waltenberg, 2012 ), conduzida por pesquisadores da UFRJ, constata que 73% dos eleitores apoiam a manutenção do programa. No entanto, questões específicas sobre a política pública revelam aspectos importantes e mais controversos, como também ressaltam Mundim et al. (2019) . O survey de 2012 mostra que o apoio não ocorre sem reservas: 42% dos respondentes discordariam de um aumento do valor do benefício 11 . Os dados apresentados por Almeida (2010) também mostram um aspecto interessante: quando confrontados com uma escolha dilemática, 80% dos eleitores relataram preferir um presidente que reduza impostos de alimentos a um que aumente o PBF. Ou seja, ainda que em contornos gerais exista um apoio ao programa social, ele não está isento de críticas em suas dimensões nem imune a possíveis mobilizações políticas em sua oposição.
Enquanto Corrêa (2015b) e Corrêa e Cheibub (2016) analisaram o efeito eleitoral negativo de políticas de transferência de renda em indivíduos contrários aos programas redistributivos, minha proposta é que um efeito oposto ocorre em não beneficiários que conhecem beneficiários 12 . Assim, avanço a sugestão de Zucco (2015) , para quem “examining the indirect electoral effect of Bolsa Família over non-beneficiaries is a promising avenue for future research” (p. 135).
A política social pode ter efeitos positivos em prol do partido mandatário ou formulador nos eleitores não beneficiários por diversos mecanismos. Um deles, com afinidades com a teoria do voto econômico sociotrópico ( Kiewiet, 1983 ), diz respeito a benefícios por eles auferidos de maneira indireta. Diversos estudos quantitativos e qualitativos mostram que a distribuição do PBF é importante para o funcionamento da economia nacional ( Mostafa et al., 2010 ; Neri et al., 2013 ) e, principalmente, para a economia local dos pequenos municípios, devido ao seu efeito multiplicativo sobre o comércio de alimentos, medicamentos e vestuário, afetando, assim, as condições econômicas de não beneficiários ( Paes-Sousa e Vaitsman, 2007 ; Denes, Komatsu e Menezes-Filho, 2018; Cohn, 2012 ; Marques, 2005 ).
Outros mecanismos possíveis são o “efeito informação” e a importância das redes de contatos sociais para a formação de opiniões políticas ( Huckfeldt e Sprague, 1987 ; Zuckerman, 2005 ; Alesina e Giuliano, 2011 ). Enquanto setores da mídia, alguns atores políticos e elites econômicas não raras vezes expressam críticas a aspectos do desenho, da implementação e da fiscalização do PBF ( Biroli e Mantovani, 2010 ; Corrêa, 2015b; Corrêa e Cheibub, 2016 ; Kerstenetzky, 2009 ; Lindert e Vincensini, 2010 ), algumas pesquisas mostram que não beneficiários que conhecem beneficiários têm opiniões mais favoráveis a essa política social em comparação a não beneficiários que não os conhecem 13 ( Castro et al., 2009 ; Kerstenetzky, 2009 ), provavelmente por testemunharem o impacto positivo na vida dos mais pobres, ressoando a tese de Moy, Domke e Staumm (2001) acerca da importância de microrrelações no comportamento político. Numa síntese após avaliação de uma série de questões, Castro et al. (2009) concluem que: “Houve uma importante diferença entre a opinião daqueles que conhecem beneficiários e a daqueles que não os conhecem, sendo que os primeiros se manifestaram de forma mais positiva em relação aos resultados e foram mais cautelosos nas críticas” (p. 350). Para uma política pública central nos debates políticos e eleitorais, conhecer beneficiários pode ser um fator que, além de ensejar avaliações mais positivas ao programa, também altera cálculos de decisão de voto do eleitor na direção do partido formulador ou mandatário.
A aplicação da proposta teórica é feita pela análise de dois surveys nacionais, a pesquisa do Instituto Vox Populi para a eleição de 2006 (Vox Populi, 2006) e o Estudo Eleitoral Brasileiro para o pleito de 2010 (Eseb, 2010), que contêm questões aptas a mensurar o efeito eleitoral indireto do PBF. As eleições analisadas são centrais para o debate, especialmente a de 2006, por ser a primeira que ocorreu após a implementação do PBF e por ser considerada, pela literatura, uma eleição crítica pelo estabelecimento do realinhamento eleitoral ( Singer, 2012 ). Esse conceito faz referência à suposta inversão de bases eleitorais do PT, que, a partir daquele ano, teria deixado de receber maior apoio nas grandes metrópoles do Sudeste e Sul e entre eleitores com maior renda e escolaridade, para se assentar no Nordeste e nas pequenas cidades, e entre eleitores de perfil social mais destituído, sendo o PBF um dos principais responsáveis por esse movimento.
A pesquisa Vox Populi foi feita em 16 e 17 de outubro de 2006, pouco mais de 15 dias depois do primeiro turno e pouco mais de 10 dias antes do segundo turno das eleições presidenciais 14 . Nesse sentido, é pouco provável que ela sofra do problema de lapso temporal identificado por Zucco e Power (2013) no debate com Bohn (2011) . Para mensurar o efeito direto da política de transferência, a pergunta utilizada foi: “Você ou alguém que mora aqui na sua casa recebe Bolsa Família ou algum outro benefício como Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, etc.?” 15 . Para mensurar o conhecimento de pessoas beneficiárias, considerei a resposta para duas perguntas do questionário. A primeira foi “Alguém da sua família que não mora aqui na sua casa recebe Bolsa Família ou algum outro benefício como Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, etc.?” e “Você conhece alguém, como vizinho, amigo, conhecido ou outro parente mais distante, que recebe Bolsa Família, ou algum outro benefício como Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, etc.?”. Uma resposta positiva em qualquer uma dessas questões foi considerada como conhecimento de beneficiário do PBF.
A outra pesquisa analisada é o Eseb 16 . Colhida em novembro de 2010, ou seja, após o segundo turno da eleição presidencial, essa base de dados é amplamente utilizada na literatura brasileira ( Peixoto e Rennó, 2011 ; Nicolau, 2014 ; Bezerra e Mundim, 2011 ). No entanto, nenhum estudo procurou mensurar o efeito eleitoral de se conhecer beneficiário do PBF. Para mensurar o recebimento direto do benefício, a pergunta utilizada foi: “O(a) sr(a). participa do Programa Bolsa Família?”. O conhecimento de uma pessoa que recebe o BF foi mensurado por: “Alguém da sua família ou algum conhecido do(a) sr(a). participa do Programa Bolsa Família?”. Noto que existe uma diferença na redação das perguntas entre os surveys : a pesquisa Vox Populi questiona se alguém no domicílio recebe o programa, ao passo que o Eseb pergunta se o respondente participa do PBF. Essa diferença pode ter consequências empíricas importantes, como tratarei adiante.
Inicialmente, antes de estimar modelos sobre o impacto de receber ou conhecer quem recebe o BF no voto, é importante reportar algumas estatísticas descritivas dos surveys . O objetivo é ressaltar dois aspectos: a similaridade entre o nível de cobertura, o perfil social de beneficiários das pesquisas e os dados governamentais oficiais (ainda que, no caso do número de beneficiários, exista certa dissonância entre os dados do Eseb e os dados oficiais), e a maior heterogeneidade social no caso de se conhecer beneficiário em comparação a receber o Bolsa Família, o que revela a possibilidade de que o PBF impacte um perfil maior do eleitorado. Abaixo segue a distribuição de ser e conhecer beneficiário

A porcentagem de pessoas que relatam morar em um domicílio incluído no PBF se aproxima dos dados oficiais na pesquisa do Vox Populi de 2006. Enquanto o survey observa 22%, os dados governamentais indicam 19% ( MDS, 2016 ). A pesquisa Eseb apresenta uma defasagem maior: 16%, enquanto os números oficiais mostram 22% em 2010 ( MDS, 2016 ). Essa subestimação pode se dever a um ponto notado também por Nicolau (2014) : a redação da pergunta questiona sobre participação direta no PBF, ignorando que o programa é direcionado ao domicílio, o que pode ter contribuído para problemas de mensuração. De qualquer forma, importante para meu problema de pesquisa é que a porcentagem de pessoas que relatam conhecer alguém beneficiário do programa é considerável, atingindo a maioria do eleitorado nas duas pesquisas.
O Gráfico 2 apresenta a porcentagem de pessoas que se encontram em cada possibilidade de cruzamento de ambas as perguntas: beneficiário que conhece beneficiário; beneficiário que não conhece beneficiário; não beneficiário que conhece beneficiário; e não beneficiário que não conhece beneficiário:

A soma entre beneficiário e não beneficiário que conhece pessoas incluídas no programa atinge a maioria dos eleitores tanto em 2006 quanto em 2010. Além disso, no primeiro ano, mais da metade dos não beneficiários do PBF conhece alguém que participa do programa social. Essa informação tem potencial importante para estimar o efeito eleitoral indireto do PBF, pois, cabe lembrar, os não beneficiários representam mais de três quartos do eleitorado. A literatura, ao focar ou interpretar apenas o impacto do programa entre os beneficiários, pode estar ignorando a dimensão do impacto do PBF.
Para finalizar esta seção, apresento resultados de modelos de regressão logística multivariados sobre os determinantes de ser e de conhecer beneficiário do PBF. Utilizo variáveis independentes relacionadas às características individuais: escolaridade, renda, gênero, idade; e às localidades de moradia: região, porte do município e se este é urbano ou rural 17 . Os erros-padrão são clusterizados por unidade da federação.
Esse exercício empírico é importante para confirmar que o perfil social dos beneficiários nas pesquisas aqui analisadas condiz com as informações oficiais oriundas do Cadastro Único para Programas Sociais 18 , diferentemente de outros surveys analisados pela literatura, e também para mostrar que as características sociais importam menos para predizer o conhecimento de beneficiário do que para ser um, o que reforça a importância da mensuração aqui adotada.
Para facilitar a visualização, mostro aqui apenas os intervalos de confiança de 95% das razões de chance das variáveis renda e região 19 . A primeira é uma proxy importante da posição dos indivíduos na estratificação social. A escolha de focar também a distribuição regional se deve à importância que essa variável assume no debate sobre as eleições presidenciais recentes, em que o efeito do PBF é conjugado a uma visão maior sobre um realinhamento que teria ocorrido a partir de 2006, como dito anteriormente. Os resultados completos de todas as variáveis encontram-se no Anexo.


Os resultados encontrados são condizentes com os perfis sociais oficiais dos beneficiários ( Camargo et al., 2013 ): renda apresenta associação negativa com receber BF, indicando que as pesquisas apresentam mensuração adequada. Esses resultados se diferenciam dos encontrados por Bohn (2011) e Lício, Rennó e Castro (2009) , que não observaram diferenças significativas no perfil social entre beneficiários e não beneficiários na análise do Lapop 20 .
Além disso, uma comparação entre as razões de chance dos diferentes modelos indica que as diferentes categorias de renda predizem menos conhecer que ser beneficiário, ou dito de outro modo, que o perfil de renda de quem conhece beneficiário tende a ser ligeiramente mais heterogêneo do que o de quem recebe o BF. Isso é analiticamente importante pois levanta a possibilidade de o PBF influenciar o comportamento eleitoral de um leque social maior do eleitorado, possibilidade essa que o foco apenas nos beneficiários não permite acessar 21 .
Nesta seção, emprego modelos multivariados que procuram estimar determinantes do voto nos candidatos incumbentes do PT no segundo turno de 2006 e 2010 22 . Como mostra a Tabela 1 , os dados dos surveys são similares aos resultados eleitorais oficiais, o que contribui para trazer confiabilidade 23 às pesquisas utilizadas:

Para cada ano, utilizo dois modelos. O primeiro contém apenas a variável de interesse que mensura ser beneficiário do PBF. Esse é o modelo-padrão da literatura, a partir do qual se costuma derivar o impacto total do programa social no comportamento eleitoral. Chamo-o de efeito direto . O segundo modelo adiciona a variável que mensura conhecimento de beneficiário do PBF. Chamo-o de efeito direto e indireto . A partir dele, pode-se verificar se o fato de conhecer um beneficiário tem efeito no comportamento eleitoral, além de comparar a magnitude e a importância substantiva de ambos os efeitos 24 .
Mantenho as mesmas variáveis de controle utilizadas acima, ou seja, escolaridade, renda, gênero, idade, porte e tipo do município, e da mesma forma os erros-padrão estão ajustados pelos estados. Não incorporo algumas variáveis tradicionais da literatura, como ideologia, identificação partidária e avaliação de governo, por razões metodológicas e substantivas. Ideologia apresenta muitos missing cases , e, além disso, é questionável o significado substantivo atribuído pelo eleitor à escala esquerda-direita ( Ames e Smith, 2010 ; Oliveira e Turgeon, 2015 ). Identificação partidária não foi mensurada na pesquisa de 2006, de modo que decidi não a incorporar para manter maior similaridade entre as análises. Avaliação de governo, por seu turno, tem o problema de ser um controle endógeno, enviesando as estimativas ( Elwert e Winship, 2014 ).
Assim como nos modelos anteriores, de modo a facilitar a visualização dos resultados no corpo do texto, privilegio apenas o intervalo de confiança de 95% das razões de chance das variáveis referentes ao PBF (receber e conhecer quem recebe) e às regiões (Sudeste, Nordeste, Sul e Norte, tendo Centro-Oeste como referência). Os resultados completos de todas as variáveis de controle encontram-se no Anexo.


Os resultados para a eleição de 2006 são claros: indivíduos que recebem o BF têm maior probabilidade de votar no PT, como a literatura já ressalta; mas, além disso, pessoas que conhecem beneficiários do PBF apresentam maior razão de chance de sufragar o partido. A magnitude dos impactos é também semelhante. Ou seja, a importância do PBF para o pleito de 2006 vai muito além de seu impacto positivo em direção ao incumbente ou formulador entre os beneficiários. Pessoas que relatam que conhecem alguém da família, vizinhos, amigos, parentes mais distantes beneficiários do programa de transferência – um grupo muito maior – apresentam também maior probabilidade de votar no PT. E esse resultado ocorre mesmo após “controlar” o efeito de ser o próprio respondente beneficiário, raciocínio que aprofundarei adiante. Cabe notar, além disso, que a dummy Nordeste apresenta um resultado positivo e significativo. Esse resultado mostra que eleitores do Nordeste têm maior propensão a votar no PT independentemente do PBF 25 .
Vejamos agora o resultado dos modelos para o pleito de 2010:


Os resultados para a eleição de 2010, ainda que menos robustos, caminham no mesmo sentido. No modelo do efeito direto, beneficiários do Bolsa Família têm 35% de chances a mais de votar na candidata do PT. No modelo dos efeitos direto e indireto, essa variável mantém magnitude semelhante, ainda que significativa apenas a 0,10, ao passo que conhecer beneficiário apresenta força similar, mas com menor erro-padrão. Ou seja, novamente o fenômeno de conhecer beneficiário é eleitoralmente importante, mesmo controlando por ser beneficiário, renda, escolaridade, gênero, idade, porte e tipo do município e região.
Para dimensionar substantivamente os impactos diretos e indiretos do PBF, calculo o AME ( average marginal effect ), que permite verificar o impacto na probabilidade de voto no PT quando s e alteram apenas algumas variáveis de interesse, mantendo as demais variáveis tais como observadas em cada unidade de análise26 .
Procedo a esse exercício da seguinte maneira: a partir do modelo de efeitos direto e indireto, verifico, para toda a amostra, qual seria o impacto na probabilidade de voto no PT se todos fossem beneficiários do PBF. Depois, o impacto se todos conhecessem beneficiários. Por último, o impacto se, entre os respondentes que não são beneficiários, todos conhecessem beneficiários, sempre com as outras variáveis mantidas tais como observadas.
Esses diferentes cenários permitem verificar a importância de conhecer beneficiário na decisão do voto. Para além da magnitude e da significância estatística do efeito das variáveis, o objeto de que estou tratando (eleição no segundo turno) permite um critério substantivo claro. Limiares de probabilidade de efeito marginal médio acima de 0,5 implicam que o PT teria maioria em relação ao PSDB. Logo, é importante verificar quando os efeitos médios implicam cruzamento ou ultrapassam esse ponto de corte da probabilidade de voto. Nessa perspectiva, conforme mostrarei adiante, os resultados mostram que o efeito indireto é, em geral, mais importante que o direto.
De modo a verificar como esses efeitos ocorrem regionalmente, repito os mesmos cálculos para subamostras de indivíduos residentes no Nordeste e no Sudeste, as regiões mais importantes para o debate sobre realinhamento e efeito do PBF. Conforme veremos, de maneira inversa ao que seria de esperar, os resultados mostram que, de modo geral, o programa foi mais importante para decidir o resultado eleitoral no Sudeste que no Nordeste.
Vejamos:

Na pesquisa sobre o pleito de 2006, todos os efeitos marginais médios de ser beneficiário e conhecer uma pessoa com esse perfil são estatisticamente significativos. No entanto, alguns cenários indicam que esse último efeito é mais importante substantivamente. Na amostra nacional, o impacto de receber o BF na decisão de voto incide sobre uma baseline de eleitores já inclinados a votar no partido, pois a probabilidade média estimada de voto no PT quando se atribui valor 0 à variável sobre ser beneficiário do PBF e se mantêm todas as outras variáveis tais como observadas é de 0,579. Em outros termos, receber o BF atua mais como reforço de uma tendência de direção de voto já constituída por outros fatores.
Alterações na direção da preferência do eleitor ocorrem, antes, por meio da variável que mensura conhecimento de beneficiário. Na amostra nacional, entre eleitores que não são beneficiários, o fato de conhecer indivíduo incluído no programa de transferência de renda implica alterações na probabilidade de direção de voto, cruzando o limiar de 0,5.
Os efeitos regionais também mostram resultados importantes analiticamente: tanto o efeito direto quanto o indireto têm maior magnitude pontual na subamostra do Sudeste que na do Nordeste 27 . Pode-se verificar que, no Nordeste, a probabilidade de votar no PT é extremamente alta, independentemente de ser ou conhecer beneficiário do PBF. No Sudeste, ao contrário, esse apoio eleitoral depende mais da política social: ser beneficiário e conhecer beneficiário, mantendo as outras variáveis tais como observadas, são cruciais para alterar uma situação de maior propensão de voto no PSDB em direção à maior propensão de voto no PT.
Vejamos agora esses mesmos cálculos para a pesquisa sobre a eleição presidencial de 2010:

No pleito de 2010, os resultados dos diferentes efeitos são mais homogêneos entre os diversos subgrupos. Cabe ressaltar, no entanto, que, ainda que exista sobreposição no intervalo de confiança de 95%, novamente no Sudeste o efeito de conhecer beneficiário é mais importante para a definição do voto a favor do PT que no Nordeste, dado que a baseline não é tão favorável ao partido naquela região em comparação com esta.
Qual é o mecanismo que transforma "bolsas em votos"? Como políticas de transferência de renda impactam eleições presidenciais? Neste artigo, examinei essas perguntas a partir da análise do impacto do Programa Bolsa Família nas eleições presidenciais brasileiras de 2006 e 2010. Como procurei defender aqui, grande parte da literatura tem como pressuposto que o PBF influencia o resultado eleitoral apenas por meio de seu impacto na decisão do voto do eleitor beneficiário do programa – o que chamei de efeito direto. Os demais indivíduos, cerca de 80% dos eleitores, seriam alheios ou indiferentes ao programa de transferência de renda. Essa visão tem como suposto ou implica um modelo no qual as políticas públicas impactam única, direta e mecanicamente seus beneficiários, sem passar pela lógica da competição eleitoral nem por mobilizações ou contatos pessoais. Com base em uma lógica clientelista ou nos modelos de política distributiva, tem-se como pressuposto que os benefícios alocados pelo governo aos mais pobres podem constituir causa suficiente para afetar seu comportamento eleitoral, ao passo que os demais eleitores decidiriam seu voto com base em outras questões.
Procurei ressaltar fatos, mecanismos e teorias que reforçam a importância de fatores indiretos e contextuais na conformação dos comportamentos individuais. Antes que uma relação direta e mecânica entre receber benefício e votar no incumbente ou formulador, importa analisar como o conjunto do eleitorado que tem contato com o programa de diversas maneiras pode ser impactado na sua decisão de voto. Nas palavras de Przeworski e Sprague (1986 , p. 7), “the causes of individual behavior are produced by people in interaction with one another”.
Empiricamente, utilizei surveys que permitiam verificar o que chamei de efeito indireto do PBF: conhecer beneficiário interfere na decisão de voto? O suposto é que contatos pessoais com beneficiários podem influenciar a decisão de voto do eleitor não destinatário da política, dado que o Bolsa Família é fortemente mobilizado eleitoralmente. As análises para a eleição de 2006 indicam que o efeito indireto foi tão ou mais importante que o direto na decisão de voto do eleitor: indivíduos que conheciam pessoas incluídas no programa social apresentam um aumento na probabilidade de votar no PT. Mais do que isso, essa variável é mais importante para alterar a probabilidade da direção do voto do que ser beneficiário. As análises para a eleição de 2010 apresentam resultados menos conclusivos, mas na mesma direção. Em suma: conhecer alguém que seja beneficiário do Bolsa Família impacta mais na decisão do voto em direção ao PT do que simplesmente ser beneficiário do PBF.
Por fim, os resultados revelam um aspecto crucial para o debate entre o PBF e o realinhamento das eleições presidenciais brasileiras. Ainda que a magnitude seja estatisticamente semelhante, o impacto direto e indireto da política social é mais importante substantivamente no Sudeste que no Nordeste para alterar a direção de voto em direção ao PT, pois naquela região o partido tem apoio eleitoral menos favorável.
Como conclusões gerais, gostaria de ressaltar uma de caráter mais metodológico e de desenho de pesquisa, e outra mais substantiva. Na primeira, penso que o debate sobre as diferenças entre dados agregados e individuais pode tomar outro rumo. Para além de discutir as limitações impostas pela inferência ecológica ou pelos erros de mensuração de surveys , trata-se de pensar como cada tipo de unidade de análise se relaciona com os problemas de pesquisa colocados e como pode iluminar partes do fenômeno.
Do ponto de vista substantivo, a discussão aqui proposta toca na necessidade de repensar os mecanismos por meio dos quais políticas públicas influenciam o resultado eleitoral, indo além do caso do PBF e do Brasil. Nesse sentido chamo atenção para a importância da mobilização política e de contatos pessoais entre eleitores, que perpassam a efetividade de qualquer política pública e estratégia partidária.

– Determinantes de receber e conhecer quem recebe o BF – 2006
Nota : *p < 0.10, **p < 0.05, ***p < 0.01. São apresentadas as razões de chance e, entre colchetes, encontram-se os intervalos de confiança de 95%. Categorias-base estão em negrito. Erros-padrão clusterizados por UF.















– Determinantes de receber e conhecer quem recebe o BF – 2006
Nota : *p < 0.10, **p < 0.05, ***p < 0.01. São apresentadas as razões de chance e, entre colchetes, encontram-se os intervalos de confiança de 95%. Categorias-base estão em negrito. Erros-padrão clusterizados por UF.

