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Percursos atuais da literatura neopolicial
Emilio J. Gallardo-Saborido; Jesús Gómez-de-Tejada
Emilio J. Gallardo-Saborido; Jesús Gómez-de-Tejada
Percursos atuais da literatura neopolicial
Current trends of neopolicial fiction
Alea: Estudos Neolatinos, vol. 20, núm. 1, pp. 9-14, 2018
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ
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Editorial

Percursos atuais da literatura neopolicial

Current trends of neopolicial fiction

Emilio J. Gallardo-Saborido
Universidad de Sevilla, Spain
Jesús Gómez-de-Tejada
Universidad Autónoma de Chile, Chile
Alea: Estudos Neolatinos, vol. 20, núm. 1, pp. 9-14, 2018
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ

Em 10 de junho de 2015, o júri do Prêmio Princesa de Astúrias das Letras 2015 dava a conhecer em Oviedo (Espanha) sua decisão de reconhecer com esse galardão ao escritor cubano Leonardo Padura. Na ata, ressaltavam: “Na vasta obra de Leonardo Padura, que percorre todos os gêneros da prosa, destaca-se um recurso que caracteriza sua vontade literária: o interesse em escutar as vozes populares e as histórias perdidas dos outros. Desde a ficção, Padura mostra os desafios e os limites na busca da verdade”. Esse interesse pelas fronteiras da verdade e por contar as histórias dos olvidados resulta também ser um dos traços de identidade da literatura neopolicial latino-americana, da qual precisamente Padura é um dos representantes mais notáveis.

A noção de literatura neopolicial foi teorizada por diversos autores. Paula García Talaván revisa em seu artigo “La novela neopolicial latinoamericana” (2014) a intra-história do termo neopolicial e recorda sua criação pelo narrador mexicano Paco Ignacio Taibo II, em 1990. Este em uma entrevista apontava como características da nova literatura policial mexicana: “A obsessão pelas cidades; uma incidência temática recorrente dos problemas do Estado como gerador do crime, da corrupção, da arbitrariedade policial e do abuso de poder; um senso de humor negro a la mexicana e um pouco de realismo kafkiano” (ARGÜELLES, 1990, p. 14). Em outra entrevista, perguntado pela definição do gênero neopolicial frente ao gênero policial tradicional, respondia: “O que suponho que é a variante fundamental é que se abandonou um romance cujo eixo central era a anedota. O neopolicial rompeu com a tradição de um romance baseado fundamentalmente na anedota e abriu as portas experimentais até um romance cujo eixo central é a atmosfera. Essa seria a grande diferença” (RAMÍREZ & RODRÍGUEZ-SIFONTES, 1992, p. 43).

Àlex Escribá e Javier Sánchez Zapatero, nesta linha, descrevem o neopolicial -focalizado nas figuras substanciais de Taibo II, Padura e Mempo Giardinelli- como “um discurso contracultural capaz de converter-se em testemunho da realidade” (2007, p. 49). Estes autores destacam como o neopolicial se configura, nos textos teóricos e na ficção, como uma via de aprofundamento nas zonas mais críticas da sociedade e nas tramas mais corruptas do aparato governamental e policial.

Quanto às características do neopolicial, vários foram os autores que se ocuparam em demarcá-las. Uma interessante síntese a oferece a professora Francisca Noguerol (2006, s.p.), que destaca como características definidoras desta etiqueta questões como: O enfraquecimento da trama policial em benefício do olhar social sobre o entorno; a expressão da corrupção das forças políticas e da ordem; a visão do criminoso ou da vítima em numerosas ocasiões toma protagonismo acima da perspectiva do detetive ou do policial; a presença da cultura popular através da música, dos quadrinhos ou do cinema; a intertextualidade, a metatextualidade e -acrescentamos- a autorreferencialidade, como forma de ludismo literário; bem como, ocasionalmente, a focalização da pesquisa em torno a tramas literárias.

Além de Paco Ignacio Taibo II, outros escritores de literatura policial latino-americana contemporânea se preocuparam em teorizar sobre o gênero. Destacam-se assim nomes como o de Ricardo Piglia (1976), Mempo Giardinelli (El género negro: orígenes y evolución de la literatura policial y su influencia en Latinoamérica, 1984 [2013]), ou Leonardo Padura (Modernidad, posmodernidad y novela policial1, 2000). Se Piglia se limita a diferenciar o romance enigma do romance duro e compara a importância de “Os crimes da Rua Morgue”, de Poe, à de “Os assassinos”, de Hemingway, nas respectivas irrupções de ambas as tradições, Padura vai mais adiante: explicita e detalhadamente se ocupa, após traçar os precedentes europeus e estadunidenses do gênero, do “neopolicial ibero-americano”. Para o criador de Mario Conde, a modalidade policial é sempre um gênero à contracorrente das principais tendências literárias e vê na nova narrativa policial iniciada em meados dos setenta, especialmente no México, Argentina e Chile - continuada em Cuba nos noventa -, o cruzamento de características próprias da modernidade e da pós-modernidade. Deste modo, para Padura, a ampla preocupação política do neopolicial, para a qual o autor pós-moderno volta as costas, enlaça-se com uma série de características formais próprias da época vinculadas à cultura de massas, à paródia, à hibridez genérica e ao pastiche (PADURA FUENTES, 2000, p. 136-137).

Mempo Giardinelli presta especial atenção ao estabelecimento das semelhanças e das diferenças entre o romance policial estadunidense e o latino-americano. Aponta que o individualismo patente nos textos do romance noir estadunidense não se compara ao peso do coletivo que se aprecia em seu par latino-americano. Da mesma forma, e para citar tão somente duas mais de suas ideias sobre o contraste entre ambas as literaturas, assinala a importância que o político e o social têm para estas últimas narrações: “É evidente que um dos caracteres diferenciais mais claros do gênero, entre norte-americanos e latino-americanos, radica em que estes quase sempre põem em seus argumentos um pouco de sal e pimenta políticos” (GIARDINELLI, 2013, p. 229). Ademais, a falta de confiança na polícia ou, para ir mais além, um olhar pessimista sobre o sistema nacional seria outra pedra de toque que separaria a ambos os conjuntos de produções: “A imensa maioria das instituições policiais da América Latina não só não são confiáveis para a literatura policial, bem como são questionadas desde o mais profundo do corpus social” (GIARDINELLI, 2013, p. 236).

Junto com esse labor teorizador, outra das características destacadas pela crítica é a forte implicação de alguns destes escritores na promoção do gênero através de coleções editoriais, revistas, festivais, prêmios e oficinas. Neste marco, o labor de Taibo II na Semana Negra de Gijón o converteu durante anos em porta-voz da difusão do neopolicial em ambas as margens do Atlântico. Piglia, comenta Noguerol, dedicou parte de sua crítica literária a enfocar a produção do momento e incorporou a edição da coleção Série Negra, onde recopilou alguns dos autores clássicos do noir estadunidense (2006, s.p.). Um labor de impulsão contínua foi o realizado por Lorenzo Lunar em Cuba através de oficinas de escritura - aplicadas junto a Rebeca Murga, com quem também editou a antologia Confesiones (Nuevos cuentos policiales cubanos) em 2011 -, da organização do prêmio Fantoches de conto policial e da gestão da livraria La Piedra Lunar.

Neste número da Alea dedicado ao neopolicial e seus caminhos na contemporaneidade, decidimos incluir dois artigos dedicados à literatura brasileira e um conjunto de artigos que indagam a produção de autores do universo hispano-americano.

O professor Jaime Ginzburg abre o número com seu artigo “Contos brasileiros contemporâneos: notas sobre a narrativa noir”. Ali leva a cabo uma detalhada análise da coleção de contos São Paulo noir (2016), revisando o uso da etiqueta noir nesta antologia. Em seguida, em “Violência e refinamento discursivo em A grande arte, de Rubem Fonseca”, Murilo Eduardo dos Reis e Maria Célia de Moraes Leonel se aproximam da figura chave deste autor brasileiro, interessando-se particularmente por sua plasmação, através de diversas técnicas narrativas, da violência vinculada às desigualdades sociais em A grande arte (1983).

A literatura cubana está especialmente bem representada no número, dado que os três artigos seguintes se ocupam dela. Em “La mirada crítica de Mario Conde: del desencanto a la herejía”, Paula García Talaván leva a cabo um esclarecedor exercício de análise e síntese da produção de Padura dedicada a seu melhor personagem: o policial Mario Conde. Por sua vez, Jesús Gómez-de-Tejada se ocupa, em “Alacranes en La Habana: el cuento policial cubano de Lino Novás Calvo”, de um dos autores fundacionais do gênero policial em Cuba, prestando-lhe também especial atenção a sua vinculação com o conto curto. Por último, encontramos o texto de Carlos Uxó González “El neopolicial cubano desciende a los infiernos: la pentalogía de Amir Valle”, indagando com perspicácia a narrativa de um dos escritores cubanos do gênero policial que maior reconhecimento teve internacionalmente, a partir de seu polêmico Habana Babilonia. La cara oculta de las jineteras (2008; Jineteras, 2006).

Como não podia deixar de ser, dada a sua transcendência histórica e atual para o gênero policial, a literatura do Cone Sul também está presente. Dois dos escritores mais reconhecidos neste sentido são trabalhados nos textos de Mónica Bueno (“El comisario Croce: la forma del policial de Ricardo Piglia”) e de Julia González-Calderón (“The irrelevant mystery, the involuntary detective, the melting clue: notes on La pista de hielo, a neopolicial by Roberto Bolaño”). Bueno analisa a figura do investigador Croce, criado por Piglia como expressão prática de sua concepção do policial, na novela Blanco nocturno (2010) e no conto “La música” (2013). Por sua vez, González-Calderón se acerca de La pista de hielo (1983) para revisar como Bolaño confronta e reconfigura neste texto algumas das engrenagens chaves da narrativa policial clássica, tais como o enigma e o detetive. Por sua parte, Román Pablo Setton se ocupa, em “El otro hermano, animalidad, razón utilitaria y política como pilares constructivos del noir en la actualidad”, do diálogo entre cine e literatura policial, abordando especificamente o filme El otro hermano (2017), de Adrián Caetano, baseado no romance Bajo este sol tremendo de Carlos Busqued.

Por fim, a literatura policial escrita na América Central é tratada em um artigo sobre um dos autores mais relevantes desta área geográfica, o guatemalteco Dante Liano. Víctor Manuel Sanchis Amat se aproxima de um de seus romances mais destacados, em “El hombre de Montserrat: Writings on Violence in the Latin American Crime Fiction”.

Na seção Entrevista, incluímos um diálogo com o escritor cubano Rodolfo Pérez Valero. No texto, intitulado “Lo crudo, lo cocido y lo policiaco: entrevista a Rodolfo Pérez Valero”, Emilio J. Gallardo-Saborido tem a oportunidade de perguntar ao romancista sobre um dos períodos essenciais para o desenvolvimento do gênero policial em Cuba: as décadas de 1970 e 1980.

Encerram o número duas resenhas. Hernán Morales apresenta o livro de Miriam Gárate, professora da Universidade de Campinas e valiosa pesquisadora da literatura e do cinema latino-americanos, Entre a letra e a tela. Literatura, imprensa e cinema na América Latina (1896-1932), e Nora Rodríguez Martínez realiza uma resenha de um dos textos mais recentes de dois dos maiores especialistas atuais sobre o gênero policial, os professores da Universidade de Salamanca Javier Sánchez Zapatero e Àlex Martín Escribà.

Esperamos que este número satisfaça o interesse de pesquisadores, professores e leitores em geral pelo tema da literatura neopolicial e sua permanente reconfiguração na literatura ibero-americana desde a segunda metade do século XX até hoje. E que sirva também, extensivamente, a todos aqueles interessados em pensar os caminhos contemporâneos da narrativa em nossas literaturas.

Tradução de Luciano Prado da Silva

UFRJ, Rio de Janeiro

Material suplementar
Referências bibliográficas
ARGÜELLES, Juan Domingo. El policiaco mexicano: un género hecho con un autor y terquedad (entrevista con Paco Ignacio Taibo II). Tierra Adentro, n. 49, 1990, p. 13-15.
GARCÍA TALAVÁN, Paula. La novela neopolicial latinoamericana: una revuelta ético-estética del género. Cuadernos Americanos, n. 148, 2014, p. 63-85.
GIARDINELLI, Mempo. El género negro: orígenes y evolución de la literatura policial y su influencia en Latinoamérica. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2013.
MARTÍN ESCRIBÁ, Àlex; SÁNCHEZ ZAPATERO, Javier. Una mirada al neopolicial latinoamericano: Mempo Giardinelli, Leonardo Padura y Paco Ignacio Taibo II. Anales de Literatura Hispanoamericana, n. 36, 2007, p. 49-58.
NOGUEROL JIMÉNEZ, Francisca. Neopolicial latinoamericano: el triunfo del asesino. Ciberletras: Revista de Crítica literaria y de cultura, n. 15, 2006.
PADURA FUENTES, Leonardo. Modernidad, posmodernidad y novela policial. La Habana: Ediciones Unión, 2000.
PIGLIA, Ricardo. “Sobre el género policial”. Encuesta de Jorge Lafforge y Jorge B. Rivera. Crisis, n. 30, janeiro de 1976. In: PIGLIA, Ricardo. Crítica y ficción. Barcelona: Anagrama, 2001, p. 59-62.
RAMÍREZ, Juan C.; RODRÍGUEZ-SIFONTES, Verónica. Paco Ignacio Taibo II: La lógica de la terquedad o la variante mexicana de una locura. Mester, v. 21, n. 1, 1992, p. 41-50.
Notas
Notas
1 NT: novela policial (espanhol) = romance policial (português).
2 Emilio J. Gallardo-Saborido. Professor na Faculdade de Educação da Universidade de Sevilha. Doutor pela mesma instituição. Autor das obras: El martillo y el espejo: directrices de la política cultural cubana (1959-1976) (2009); Gitana tenías que ser: las Andalucías imaginadas por las coproducciones fílmicas iberoamericanas (2010); e Diseccionar los laureles: los premios dramáticos de la Revolución cubana (1959-1976) (2015). Com outros colegas editou Investigaciones sobre la enseñanza del español y su cultura en contextos de inmigración (2014); Presumes que eres la ciencia. Estudios sobre flamenco (2015); Escribir en las disciplinas: intervenciones para desarrollar los géneros académicos y profesionales en la Educación Superior (2017); e Asedios al caimán letrado: literatura y poder en la Revolución cubana (2018). Também publicou artigos, resenhas e entrevistas em periódicos acadêmicos, como o Hispanic Research Journal, Bulletin of Spanish Studies, Hispanófila, Latin American Theater Review, Confluencia e Anuario de Estudios Americanos, entre outros. E-mail: egallardo2@us.es
Jesús Gómez-de-Tejada. Professor e investigador na Universidad Autónoma de Chile. Coordena o projeto “Calibre corto: sendas del cuento policial cubano” (CONICYT, Chile). Autor de El negrero de Lino Novás Calvo y la biografía moderna (2013) e editor de Erotismo, transgresión y exilio: las voces de Cristina Peri Rossi (2017) e de Vidas extraordinarias. Crónicas biográficas y autobiográficas (1933-1936) (2014). Em colaboração com outros colegas editou Asedios al caimán letrado: literatura y poder en la Revolución cubana (2018). Tem publicado artigos, resenhas e entrevistas em periódicos acadêmicos, como Bulletin of Hispanic Studies, Revista Chilena de Literatura, Hispamérica ou Atenea, entre outros. E-mail: jgomezdetejada@us.es
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