Comentário Editorial
Normas Apa para A Redação de Artigos: A Voz Ativa e o Antropomorfismo
Normas Apa para A Redação de Artigos: A Voz Ativa e o Antropomorfismo
Revista Ibero Americana de Estratégia, vol. 17, núm. 2, pp. 1-4, 2018
Universidade Nove de Julho
Recepción: 05 Abril 2018
Aprobación: 29 Abril 2018
COMENTÁRIO EDITORIAL
A maioria dos pesquisadores têm dificuldade com a redação dos seus artigos . A qualidade da redação dos textos e artigos é um elemento fundamental num texto acadêmico. A qualidade da redação influencia a capacidade de o leitor (ou revisor) entender as ideias , argumentações e contribuições . Dificilmente uma boa ideia ou um trabalho de alta qualidade s ão veiculados em textos pobremente redigidos . Então, s e não há boa ciência em textos pobres , é importante ens inarmos e debatermos algumas regras para aprimorar a qualidade da redação. Artigos pobremente redigidos , s em foco, confusos no es tilo e na escrita, onde é difícil distinguir o que é revisão de literatura do que s ão argumentos próprios dos autores , entre outras deficiências , dificilmente passarão na revisão do editor de um periódico. Não é, assim, incomum que em muitos dos pareceres que fazemos para conferências ou para periódicos – e que recebemos aos nos s os artigos – façam menção a aspectos de redação. O trabalho científico não é, afinal, apenas aplicação de técnicas ou extensões teóricas , o cuidado com a redação é um dos elementos primordiais para a publicação. Ou, como colocam Falas ter, Ferreira e Canela (2016), a fraca qualidade da redação é um dos motivos de rejeição das submissões a periódicos.
O processo científico – desde o planejamento da pesquis a a publicação – envolve, necessariamente, que os pesquisadores exponham o s eu trabalho em texto. Ou seja, que es crevam e detalhem todo o trabalho realizado, seguindo uma estrutura que tende a ser padronizada (Ferreira, 2015). Na redação do trabalho é importante seguir algumas normas e regras que s e vão tornando comuns , e que s ão detalhadas em inúmeros artigos e comentários editoriais (ver, por exemplo, Barley, 2006; Sparrowe & Mayer, 2011; Ragins , 2012; Zhang & Shaw, 2012) e livros (por exemplo, Booth et al., 2003; Strunk & White, 2000).
Na redação do texto é precis o atender as normas vigentes . Uma das normas , ou conjunto de normas , que é a s eguida pela RIAE/IJSM, é expos ta pela American Psychological Association (APA). As normas APA não s e referem apenas à formatação de referências (que podem s er vis tas em http://www.anpad.org.br/rac/rac_guia_apa.pdf), e incluem as pectos divers os s obre a redação, como fazer citações , as pecto vis ual de tabelas e figuras , utilização da voz ativa, etc.
Dois as pectos s obre a redação que focamos nes te comentário, pela frequência com que ocorrem e prejudicando as avaliações dos trabalhos , s ão o us o de voz pas s iva e o antropomorfis mo. Certamente há muitos outros as pectos que mereceriam atenção (Ferreira et al., 2014), mas talvez es tes dois s ejam es pecialmente difíceis de corrigir por es tarem imbuídos em aprendizados anteriores , numa tradição de forma, ou es tilo, de redação que é neces s ário ajus tar para s e publicar internacionalmente.
Neste comentário editorial abordamos dois aspectos que fazem parte das normas APA. Muitos periódicos nacionais utilizam já as normas APA, es tando progressivamente a ser abandonadas as normas da ABNT. Es ta mudança de normativo s e deve a preocupação com a internacionalização do conhecimento gerado no Brasil. A APA desenvolveu um manual para dar suporte segundo princípios de objetividade, transparência, ética e clareza. A APA, em s eu manual, explicita a necessidade de us o de voz ativa. O us o do es tilo APA estimula uma mudança no padrão de escrita para a publicação, evidenciando es tilo simples , direto, conciso, específico, com frases curtas , com voz ativa, e uma organização sequencial bem estruturada dos parágrafos (Ferreira, Canela & Pinto, 2014). O antropomorfismo s ignifica dar características humanas ou pessoais a algo que não é. Assim, neste comentário editorial, apres entamos dicas es pecíficas relacionadas ao us o de voz ativa e de agência na redação de artigos.
A escrita acadêmica de um artigo
Um artigo acadêmico necessita conter um conjunto de componentes que s ã o já bem conhecidos , seguindo uma estrutura (usualmente devemos seguir a estrutura padrão), onde s e incluem elementos como a questão de pesquisa, a contribuição, a abordagem teórica, a metodologia, os resultados , as limitações , etc. (ver Ferreira, 2015, para um detalhamento da estrutura a seguir num artigo). No entanto, além da teoria que é sempre fundacional em qualquer trabalho acadêmico da área, e da eventual aplicação (referimos aqui a utilização de metodologia qualitativa ou quantitativa na coleta e análise de dados ), também a redação é fundamental. A qualidade da redação determina a clareza, objetividade e correção da escrita.
A realidade é que, embora possamos ter a crença que os pesquisadores mais prolíficos possuem o “dom da escrita”, o que estes pesquisadores têm é foco, esforço e perseverança (Ferreira, Canela & Pinto, 2014) na melhoria gradual da qualidade dos seus trabalhos. Esta melhoria, usualmente, decorre ao longo das múltiplas e sucessivas revisões do texto. Uma redação de qualidade exige mais de reescrita e revisão do que de inspiração inicial na identificação de uma questão de pesquisa interessante ou de um paradoxo que alimenta a pesquisa. Ou seja, desde uma versão inicial de um trabalho até a sua forma final publicada, intermedeia o trabalho minucioso (cansativo, demorado e penoso) na revisão continuada do texto e na atenção aos detalhes na escrita, que incluem desde a estrutura formal à organização interna dos elementos (Ferreira, 2015). Uma parte deste trabalho é relativamente simples porque pode beneficiar de olhar como foi feito em outros artigos publicados em bons periódicos. Outra parte do trabalho pode ser mais difícil porque envolve a alteração de conceitos e formas de fazer que aprendemos ao longo do ensino fundamental, e mesmo durante a graduação, sobre como redigir um texto. Mas, todo este trabalho precisa ocorrer antes da submissão a um periódico. Num texto pobremente redigido é comum, por exemplo, não se conseguir distinguir o que é revisão de literatura (o que outros dizem) do que é a proposta específica (ou argumentação) do próprio autor. A palavra de ordem é, então, reescrever, reescrever, reescrever, reescrever. Um artigo não fica pronto na primeira versão, mesmo com grande capricho e mesmo quando é redigido por um pesquisador experiente. Reescrever, reescrever, reescrever, apresentar a colegas, apresentar em eventos, reescrever e reescrever novamente, faz parte do processo. É ao longo das sucessivas reescritas e melhorias que o artigo ganha forma, a qualidade da comunicação melhora, e as ideias ficam mais fluídas e coerentes. Ou seja, é ao longo deste processo, possivelmente longo, que o artigo melhora.
O uso de voz ativa
O uso da voz ativa na redação é o padrão que usualmente observamos nos artigos internacionais. A voz ativa torna o texto mais curto, mais direto, mais claro de entender e, pelo menos de certa forma, mais semelhante ao modo como falamos (Ferreira, 2015). Para a utilização da voz ativa o pesquisador precisa abandonar a impessoalidade e assumir a autoria; o que contrasta com a tradição de não assumir a autoria. Ou seja, o modelo moderno, ou internacional, que precisamos adotar contrasta com o aprendizado tradicional.
A APA (APA, 2010, p. 77), na seção 3.18, recomenda o uso de voz ativa para dar clareza e objetividade ao texto. Na escrita em voz ativa o sujeito da sentença desenvolve a ação que é expressa pelo verbo. A argumentação é que o uso da voz passiva torna difícil ao leitor identificar o sujeito. Esta dificuldade fica agravada quando o pesquisador utiliza frases longas (também um hábito comum entre nós) – a APA também recomenda o uso de frases curtas. Exemplificamos ocorrências de voz ativa e voz passiva. Lembramos que a voz ativa implica no sujeito precedendo o verbo, colocando ênfase no sujeito gerador da ação. O sujeito usualmente fica expresso no início da frase. Voz passiva: Na seção anterior, o referencial teórico foi apresentado, e os principais constructos foram expostos. Voz ativa: Na seção anterior apresentamos o referencial teórico e principais constructos.
De modo a compreendermos mais completamente a distinção entre voz ativa e voz passiva vejamos dois exemplos: a). O cão correu atrás da bola. b). A bola foi corrida atrás. Na primeira frase a), podemos questionar quem correu? A resposta está no sujeito, o cão. O sujeito é quem ativamente realiza a ação; o verbo correr e o objeto bola
Na segunda frase b) podemos perguntar qual é o sujeito. O que o sujeito está a fazer? Não há um sujeito expresso e a frase não é de entendimento imediato. Dependendo do contexto podemos nem sequer entender quem pode ser o sujeito (exemplos de sujeitos que poderiam correr atrás de uma bola: cachorro, jovem, jogador de futebol, policial, gato, jogador de vôlei, etc, etc). Podemos completar a frase com “pelo cão” no final da frase e teremos “A bola foi corrida atrás pelo cão”. O sujeito está passivamente (implícito?) na frase e designamos esta formulação por voz passiva. A voz passiva apenas pode ser necessária se quisermos ocultar o sujeito ou obscurecer o que ocorre; o que não deve ser o caso num trabalho científico
Antropomorfismo
A APA explicita claramente que o antropomorfismo não é adequado (APA, 2013, p. 69), embora seja bastante usual na forma como redigimos. Anthropomorphism é “uma interpretação do que não é humano ou pessoal em termos de características humanas ou pessoais”, segundo o dicionário MerriamWebster. É um dos erros comuns, apontados pela APA como uma “atribuição indesejável” (APA, 2013, p. 69). O antropomorfismo pode assumir diversas formas como, por exemplo, quando se diz que um artigo faz algo. O artigo não faz; quem faz é o autor. O artigo não mostra, quem mostra é o autor. Ou seja, recordamos que a ação não é realizada por um objeto mas sim por um agente (provavelmente o pesquisador).
No passado, o uso de um agente indefinido era uma forma de se manifestar modestamente e de passar impessoalidade na publicação. Atualmente, existe o reconhecimento de que a escrita ativa e pessoal conecta o leitor com o artigo e torna a escrita mais fluída, direta, curta e dinâmica (Ferreira, 2015). Ou seja, mais fácil e mais clara. Em essência o que isto significa é que o pesquisador precisa assumir a agência do próprio trabalho - no caso de um autor explicitando “eu” e de vários autores “nós”. Por exemplo, em um parecer recente a um periódico internacional (submissão de um dos autores), o avaliador colocou especificamente no seu parecer o seguinte comentário:
“Use the first person voice. The APA Publication Manual actually recommends using the first person (I or we) and to avoid anthropomorphism. As the Manual notes (p. 69), an experiment cannot “attempt to demonstrate” but I or we can. This style error is evident frequently in this manuscript. For example: page 1, line 9 – The paper aims to provide 2; page 3, line 28 – The present study aims to develop… correct throughout.”
A forma correta implica no uso da primeira pessoa do singular ou plural, em geral, para dar clareza ao texto. É importante caracterizar a agência adequadamente, seja dos autores, ou outro sujeito que esteja envolvido na ação de pesquisa, como, por exemplo, entrevistados. Em alguns casos a ausência de autoria torna impossível inclusive distinguir o que é revisão de literatura do que é a proposta original dos autores num artigo. Vale salientar então que verbos de ação implicam na necessidade da ação ser tomada por um indivíduo ou grupo; ou outro agente capaz de ter ação. Em conclusão, aos nossos estudantes de mestrado e doutorado, convidamos a reler os seus trabalhos e identificar, e corrigir, situações onde escrevem frases que apresentam expressões antropomórficas relacionadas a verbos de ação: “Os resultados mostraram...”, “Este estudo explorou …”, “A figura explora...”, “A tabela apresenta ...”, “Os dados demonstram ...”, “A teoria indica ...”, “Este trabalho discute...”. Convidamos, portanto, a assumir a autoria.
COMENTÁRIOS FINAIS
Não há boa ciência em textos mal ou pobremente redigidos. Assim, além de toda a componente teórica, as metodologias (Zhang & Shaw, 2012), de estabelecer argumentos coerentes para as suas propostas (hipóteses ou proposições) (Sparrowe & Mayer, 2011) e fazer análises adequadas dos dados, o pesquisador precisa atender a qualidade do texto nos seus artigos (Ragins, 2012). Recomendamos aos nossos estudantes a utilização intensiva de alguns excelentes livros e artigos que ensinam a escrever melhor. Por exemplo, o trabalho de Ferreira (2015) “Pesquisa em Administração e Ciências Sociais Aplicadas”, mas também outros livros como o de Strunk e White (2000) “The elements of style” e o “The craft of research” de Booth et al. (2003).
Embora a qualidade da redação envolva inúmeros aspectos, neste comentário editorial abordamos apenas dois elementos – que constam das recomendações da APA – e que vão além do formato das citações e referências. Especificamente, reforçamos uma explicação, ainda que breve sobre o uso de voz ativa na redação e de evitar o antropomorfismo. Como mencionamos em comentário anterior, “a escrita de um artigo acadêmico vem com a prática e perseverança, mas mesmo assim, existem alguns aspectos fundamentais que podem servir de orientação para os autores de forma a reduzir a possibilidade de rejeição, ou melhorar a qualidade da submissão”.
Referências
American Ps ychological As s ociation. (2010). Publication manu al of the American Psychological Association, 6th ed., Was hington, DC: Author.
Barley, S. (2006). When I write my mas terpiece: Thoughts on what makes a paper interes ting. Academy of Management Journal, 49(1), 16-20.
Booth, W., Colomb, G., Colomb, G., Williams , J., & Williams , J. (2003). The craft of research. Chicago, MA: Univers ity of Chicago Pres s .
Falas ter, C., Ferreira, M., & Canela, R. (2016). Motivos de rejeição dos artigos nos periódicos de Administração. Organizações & Sociedade, 23(77), 285-306.
Ferreira, M. (2015). Pesquisa em administração e ciências sociais: Um guia para publicação de artigos acadêmicos. Rio de Janeiro: RJ, Editora LTC.
Ferreira, M., Canela, R., & Pinto, C. (2014). O proces s o editorial nos periódicos e dicas para a publicação. Revista de Gestão e Secretariado , 5(2), 1- 22.
Levy, M. & Grewal, D. (2007). Publis hing pers pectives from the editors . Journal of Retailing , 83(3), 247-252.
Ragins , B. (2012). Reflections on the craft of clear writing. Academy of Management Review , 37(4), 493- 501.
Serra, F., Fiates , G., & Ferreira, M. (2008). Publicar é difícil ou faltam competências ? O des afio de pes quis ar e publicar em revis tas científicas na vis ão de editores e revis ores internacionais . Revista de Administração McKenzie, 9(4), 32-55.
Sparrowe, R., & Mayer, K. (2011). Publis hing in AMJ - Part 4: Grounding hypothes es . Academy of Management Journal, 54(6), 1098-1102.
Zhang, Y., & Shaw, J. (2012). Publis hing in AMJ - Part 5: Crafting the methods and res ults . Academy of Management Journal, 55(1), 8-12.
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