Editorial Comment
CONSTRUTOS NA PESQUISA EM ESTRATÉGIA: DEFINIÇÃO E CLAREZA
CONSTRUTOS NA PESQUISA EM ESTRATÉGIA: DEFINIÇÃO E CLAREZA
Revista Ibero Americana de Estratégia, vol. 18, núm. 2, pp. 1-5, 2019
Universidade Nove de Julho
Recepção: 10 Dezembro 2018
Aprovação: 21 Fevereiro 2019
Não faz muito tempo que Nag, Hambrick and Chen (2007) trouxeram uma definição, a partir do consenso de pesquisadores, sobre o que é administração estratégia, ou estratégia de forma mais simples: “O campo da administração estratégica liga com as iniciativas, desejadas e emergentes, tomadas pelos gerentes gerais em nome dos donos, envolvendo a utilização de recursos, para melhorar o desempenho das empresas nos seus ambientes externos” (p. 944). O campo de administração estratégica, no entanto, não é particularmente definido por uma abordagem teórica específica (Nag, Hambrick & Chen, 2007), mas é caracterizado por perguntas de pesquisa que focam no desempenho organizacional e na influência dos gestores no desempenho (Makadok, Burton & Barney, 2018).
Já não são de hoje as críticas às pesquisas empíricas em estratégia (Fredrickson, 1986, p. 473), seja pela natureza intangível dos construtos (Mintzberg, 1977), pelas dificuldades de acesso à pesquisa no nível estratégico (Rumelt, 1979), mas também pela falta de pesquisadores bem preparados (Fiates, Serra & Martins, 2014). Em especial, as críticas mencionam não haver o desenvolvimento adequado de construtos (Fredrickson, 1986; Kerlinger & Lee, 2000; Cohen, Cohen, West, & Aiken, 2003). Como mencionam Schendel e Hofer (1979, p. 516- 517): “A definição do construto de estratégia aceito e utilizável por todos é necessária. Em particular, é necessária uma definição que proporcione a medida, e comparação entre empresas, e que possa estar relacionada com objetivos e metas, bem como com resultados de desempenho. Sobretudo, o uso descuidado e impreciso deste termo deve ser evitado”.Como a medição de construto é fundamental para garantir a qualidade das pesquisas(Kerlinger & Lee, 2000), antes é necessáriodefinir com clareza o construto que se quermedir (Suddaby, 2010).
Nosso objetivo com este comentário editorial é auxiliar estudantes e jovens pesquisadores a compreender a necessidade da clareza de construtos para o desenvolvimento da sua pesquisa.
Pelo foco de nosso periódico, os exemplos serão principalmente relacionados a trabalhos em estratégia.
O que é um Construto
“Construtos conceituais são a essência da teoria” (Makadok, Burton & Barney, 2018). Uma contribuição teórica, ou uma teoria, pode ser considerada como um sistema de construtos, “nos quais os contrutos estão relacionados entre si por proposições” (Bacharach, 1989, p. 498), no entanto, não são isoladamente substitutos para a teoria (Sutton & Stau, 1995).
Construtos podem ser definidos com abstrações conceituais de fenômenos que não podem ser observados diretamente (MacCorquodale & Meehl, 1948), ou seja, são declarações abstratas de categorias de observações (Priem & Butler, 2001a). Os constructos são conceitos que são “deliberadamente e conscientemente inventados ou adotados para um propósito específico (Kerlinger, 1973, p. 29). Ou seja, conceitos são representações abstratas de fenômenos (Huff, 1999) supostos (ex., percepções pessoais e organizacionais), ouobservados (ex., declínio organizacional).
Makadok, Burton e Barney (2018) argumentam que construtos e variáveis podem ser introduzidos, importados, questionados, removidos, redefinidos, clarificados, ampliados ou reduzidos. Também apresentam exemplos de construtos que trouxeram contribuições valiosas para a teoria de estratégia como ambiguidade causal (Lippman & Rumelt. 1982), capacidade absortiva (Cohen & Levinthal, 1990), ativos complementares (Teece, 1986), capacidades dinâmicas (Teece, Pisano & Shuem, 1997) e discrição gerencial (Hambrick & Finkelstein, 1987). No entanto, as variáveis são distintas dos construtos hipotéticos. Os construtos possuem significados que vão além das formas pelas quais podem ser medidos (MacCorquodale & Meehl, 1948). Por exemplo, capacidade absortiva pode ser medida pela escala de Jansen, Van den Bosch, and Volberda (2005), que é utilizada para medir, a aquisição, assimilação, transformação e aproveitamento de novo conhecimento. Outros pesquisadores, como no caso de Schildt, Keil e Maula (2012), a medem indiretamente. Neste caso, usaram a similaridade de conhecimento, reconhecida como preditora de aprendizagem para avaliar capacidade absortiva. Os autores utilizaram como uma das variáveis independentes, a partir de dados secundários a similaridade tecnológica pelo exame da sobreposição das patentes de uma empresa com a de seu parceiro em termos de classes de patentes.
Clareza dos Construtos
Definir claramente os construtos não é uma atividade óbvia, mas fundamental (Whetten, 1989). A compreensão de um fenômeno implica em poder ser medido a partir de fatores observáveis (Edwards, 2011). A possibilidade de medir os construtos na pesquisa em estratégia é desafiadora, pois as variáveis de interesse tendem a ser complexas e de difícil observação, como mencionado anteriormente (Godfrey & Hill, 1995).
Suddaby (2010) argumenta que a clarezados construtos incorpora quatro elementos básicos: definição; condições e circunstâncias; relação com outros construtos; argumentação teórica. A definição precisa capturar efetivamente as propriedades essenciais e características do construto. Uma boa definição deve evitar tautologia. A definição precisa ser concisa, sem perder relevância. Por exemplo, a definição de recursos proposta originalmente por Barney (1991) para a RBV, apesar de concisa, recebeu críticas por ser tautológica (Priem & Butler, 2001a, 2001b). No trabalho original de Barney (1991):
Recursos da firma incluem todos os ativos, capabilities, processos organizacionais, atributos da firma, informação, conhecimento, etc, controlados pela firma e que habilitam à firma implementar estratégias que melhoram a sua eficiência e efetividade (Barney, 1991, 101).
Recursos são valiosos quando habilitam à firma a conceber ou implementar estratégias que melhoram a sua eficiência e efetividade (Barney, 1991, 105).
Valor aparece tanto no explanandum (pergunta) e no explanans (resposta) (Kraaijenbring, Spender & Groen, 2010).
A Teoria do Alto Escalão - TAE (Hambrick & Mason, 1984), busca relacionar as características dos executivos com desempenho, fundamentalmente. Tem sido extensivamente estudada em estratégia, considerando conselhos de administração, CEOs e a equipe de alto escalão (Bergh et al., 2016). Um dos construtos importantes da TAE é o da discrição gerencial, que é a amplitude da possibilidade de ação que os executivos têm para tomar suas decisões. (Sierra et al., 2019). A medida do construto não é óbvia, e tem sido avaliada pela percepção da discrição (Carpenter & Golden, 1997). Fatores como intensidade de P&D, intensidade de publicidade, intensidade de capital e crescimento de mercado têm sido relacionados com a discrição gerencial (Hambrick & Abrahamson, 1995).
Construtos para a Contribuição Teórica
Construtos são importantes em trabalhos de qualquer natureza, sejam quantitativos ou qualitativos. Considerando autores que se dedicam predominantemente aos trabalhos qualitativos, Gioia, argumenta que uma teoria “é uma declaração dos conceitos e suas interrelações que mostram como e/ou porque um fenômeno ocorre”. (Gehman, Glaser,Eisenhardt, Gioia, Langley & Corley, 2018,290). Uma teoria “é a combinação de construtos, relacionamento entre construtos, ea lógica subjacente que liga estes construtos que são focados em explicar um fenômeno deforma genérica (Gehman et al., 2018, 291).
Em estudos quantitativos a relação entre construtos pode ser exemplificada pelo trabalho de Whetten (1989, 2008).
De forma similar à Eisenhardt, Whetten apresenta a abordagem de modeling-as- theorizing, que é a usual em trabalhos quantitativos.
A Figura 1 apresenta de forma ilustrativa um modelo usual simples e frequente em estratégia de caixas e flechas. O construto focal pode ser qualquer uma das caixas de acordo com as perguntas e respostas (Whetten, 2008): Construto focal representado por variáveis dependentes: Por que Y? Por causa de X.
Construto focal representado por variáveis independentes: Por que X? Por Y.
Construto focal representado por variáveis moderadoras: Por que Z? Porque afeta a relação entre X e Y.
No modelo conceitual do exemplo da Figura 2, a parte da esquerda apresenta dois construtos, a experiência do CEO e sua competência e as setas indicam a relação com o desempenho da empresa. Esta relação é moderada pelo construto dinamismo do setor.
Mais Leitura sobre Construtos
Este comentário editorial a presenta deforma resumida aspectos importantes sobre os construtos nos trabalhos de estratégia. No entanto, sugiro aos leitores alguns trabalhos para leitura complementar:
Boyd, B., Gove, S., & Hitt, M. (2005), Construct measurement in strategic management research: illusion or reality? Strategic Management Journal, 26, 239-257.
Crook, T. R., Shook, C. L., Morris, M. L., & Madden, T. M. (2010). Are We There Yet?: An Assessment of Research Design and
Construct Measurement Practices in Entrepreneurship Research. Organizational Research Methods, 13(1), 192–206.
Makadok, R., Burton, R., & Barney, J. (2018). A practical guide for making theory contributions in strategic management. Strategic Management Journal, 39, 1530– 1545. Suddaby, R. (2010).
Construct Clarity in Theories of Management and Organization. Academy of Management Review, 35(3), 346-357. Venkatraman, N. & Grant, J. (1986). Construct measurement in organizational strategyresearch: a critique and proposal. Academy of Management Review, 11, 71–87.
Finalmente, vale lembrar que este comentário editorial faz parte de um conjunto de documentos que estão disponíveis no site do nosso periódico na aba How to Publish (or Perish)? Como os demais, está dedicado aos jovens pesquisadores e alunos com o intuito de ajuda-los a melhorar a qualidade de seus trabalhos e artigos.
Referências
Bacharach, S. (1989). Organizational theories: Some criteria for evaluation. Academy of Management Review, 14(4), 496–515.
Barney, J. (1991). Firm Resources and Sustained Competitive Advantage. Journal of Management, 17(1), 99-120.
Bergh, D., Aguinis, H., Heavey, C., Ketchen, D., Boyd, B., Su, P., Lau, C., & Joo, H. (2016). Using meta ‐ analytic structural equation modeling to advance strategic management research: Guidelines and an empirical illustration via the strategic leadership performance relationship. Strategic Management Journal, 37(3), 477-497.
Carpenter, M., & Golden, B. (1997). Perceived managerial discretion: A study of cause and effect. Strategic Management Journal, 18, 187-206.
Cohen, W., & Levinthal, D. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128–152.
Cohen, J., Cohen, P., West, S., & Aiken, L. (2003). Applied multiple regression/correlation analysis for the behavioral sciences (3rd ed.). Mahwah, NJ: Erlbaum.
Edwards, J. (2011). The fallacy of formative measurement. Organizational Research Methods, 14(2), 370-388.
Fiates, G., Serra, F., & Martins, C. (2014). A aptidão dos pesquisadores brasileiros pertencentes aos programas de pós-graduação stricto sensu em Administração para pesquisas quantitativas. Revista de Administração, 49(2), 384-398.
Fredrickson, J. (1986). Research notes and communications: An exploratory approach to measuring perceptions of strategic decision process constructs. Strategic Management Journal, 7, 473-483.
Gehman, J., Glaser, V. L., Eisenhardt, K. M., Gioia, D., Langley, A., & Corley, K. G. (2018). Finding Theory–Method Fit: A Comparison of Three Qualitative Approaches to Theory Building. Journal of Management Inquiry, 27(3), 284–300.
Godfrey, P., & Hill, C. (1995). The problem of unobservables in strategic management research. Strategic Management Journal, 16(7), 513-533.
Hambrick, D., & Abrahamson, E. (1995). Assessing managerial discretion across industries: A multimethod approach. Academy of Management Journal, 38, 1427-1441.
Hambrick, D., & Mason, P. (1984) Upper Echelons: The organization as a reflection of its top managers. Academy of Management Review, 9, 193–206.
Hambrick, D., & Finkelstein, S. (1987). Managerial discretion: a bridge between polar views of organizations. 369-406. in: Cummings, L. L., & Staw, B. M. (eds). Research in organizational behavior. V.9. Greenwich. JAI Press.
Jansen, J., Van Den Bosch, F., Volberda, H. (2005). Managing potential and realized absorptive capacity: How do organizational antecedents matter? Academy of Management Journal, 48(6), 999-1015.
Kerlinger, F. (1973). Foundations of behavioral research. New York: Reinhart & Winston.
Kraaijenbrink, J., Spender, J.-C., & Groen, A. J. (2010). The Resource-Based View: A Review and Assessment of Its Critiques. Journal of Management, 36(1), 349–372.
Lippman, S. A., & Rumelt, R. P. (1982). Uncertain imitability: An analysis of interfirm differences in efficiency under competition. Bell Journal of Economics, 13(2), 418–438.
MacCorquodale, K., & Meehl, P. E. 1948. On a distinction between hypothetical constructs and intervening variables. Psychological Review, 55, 95–107.
Makadok, R., Burton, R., & Barney, J. (2018). A practical guide for making theory contributions in strategic management. Strategic Management Journal, 39, 1530– 1545.
Mintzberg, H. (1977). Policy as a field of management theory. Academy of Management Review, 2, 88-103.
Nag, R., Hambrick, D., & Chen, M. (2007). What is strategic management, really? Inductive derivation of a consensus definition of the field. Strategic Management Journal, 28, 935-955.
Priem, R., & Butler, J. (2001a). Is the resource-based “view” a useful perspective for strategic management research? Academy of Management Review, 26, 22-40.
Priem, R., & Butler, J. (2001b). Tautology in the resource-based view and the implications of externally determined resource value: Further comments. Academy of Management Review, 26, 57-66.
Rumelt, R. (1979). Utilization of quantitative and qualitative methods in business policy and planning research. Comments as leader of a doctoral consortium session at the Academy of Management Annual Meeting, 1979, Atlanta.
Serra, F. R., Três, G., & Ferreira, M. P. (2016). The “CEO” Effect on the Performance of Brazilian Companies: An Empirical Study Using Measurable Characteristics. European Management Review, 13(3), 193–205.
Schendel, D., & Hofer, C. (1979). Strategic Management A New View of Business Policy and Planning. Little Brown: Boston.
Schildt, H., Keil, T., & Maula, M. (2012). The temporal effects of relative and firm ‐ level absorptive capacity on interorganizational learning. Strategic Management Journal, 33, 1154-1173.
Sierra, J., Serra, F., Guerrazzi, L., & Teixeira, J. (2019). Revisão Sistemática sobre a Influência dos Executivos no Desempenho das Empresas na Perspectiva da Teoria do Alto Escalão. Future Journal, 11(2), 216-240.
Suddaby, R. (2010). Construct Clarity in Theories of Management and Organization. Academy ofManagement Review, 35(3), 346- 357.
Sutton, R., & Staw, B. (1995). What theory is not. Administrative Science Quarterly, 40(3), 371–384.
Teece, D. (1986). Profiting from technological innovation: Implications for integration, collaboration, licensing, and public policy. Research Policy, 15(6), 285–305.
Teece, D. , Pisano, G., & Shuen, A. (1997). Dynamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, 18(7), 509–533.
Whetten, D. A. (1989). What constitutes a theoretical contribution? Academy of Management Review, 14, 490-495.
Whetten, D. A. (2008). Modeling theoretical propositions. In A. S. Huff (Ed.), Designing research for publication (pp. 217-250). Thousand Oaks, CA: Sage.
Informação adicional
Como Citar:: Serra, F. (2019). Construtos na Pesquisa em Estratégia: Definição e Clareza. Revista Ibero- Americana De Estratégia, 18(2), 01-05