Artículos Originales
Contextos sociais na formação de treinadoras de ginástica rítmica: a aprendizagem ao longo da vida
Contextos sociales en la formación de entrenadores de ginástica rítmica: el aprendizaje al largo de la vida
Contextos sociais na formação de treinadoras de ginástica rítmica: a aprendizagem ao longo da vida
Revista Argentina de Ciencias del Comportamiento, vol. 12, núm. 3, pp. 32-40, 2020
Universidad Nacional de Córdoba

Recepción: 26 Noviembre 2019
Aprobación: 12 Mayo 2020
Resumo: O objetivo foi analisar a influência dos contextos sociais de treinadoras de Ginástica Rítmica, considerando as aprendizagens adquiridas ao longo da vida. Participaram do estudo cinco treinadoras. Os dados foram coletados a partir de uma entrevista semiestruturada. Este estudo baseia-se no pressuposto de que os contextos sociais são espaços e tempos de aprendizagem que se relacionam com as escolhas e experiências profissionais das treinadoras. Considera-se que a influência da família é significativa para a inserção e a manutenção no esporte, além do destaque no ambiente escolar e esportivo como contextos de relevância para a escolha profissional. Conclui-se que os contextos de aprendizagem tornam-se oportunidades de aquisição de conhecimentos, valores e crenças que influenciam a trajetória pessoal e profissional das treinadoras.
Palavras-chave: formação profissional, educação física, treinador, ginástica.
Resumen: El objetivo fue analizar la influencia de los contextos sociales de los entrenadores de gimnasia rítmica, considerando el aprendizaje adquirido a lo largo de la vida. Cinco entrenadores participaron en el estudio. Los datos fueron recolectados de una entrevista semiestructurada. Este estudio se basa en el supuesto de que los contextos sociales son espacios y tiempos de aprendizaje relacionados con las elecciones y experiencias profesionales de los entrenadores. Se considera que la influencia de la familia es significativa para la inserción y el mantenimiento en el deporte, además del hecho destacado en el entorno escolar y deportivo como contextos de relevancia para la elección profesional. Se concluye que los diferentes contextos de aprendizaje se convierten en oportunidades para adquirir conocimientos, valores y creencias que influyen en la trayectoria personal y profesional de los entrenadores.
Palabras clave: formación profesional, educación física, entrenador, gimnasia.
Introdução
A ginástica rítmica vem acompanhando um importante movimento, que se desenvolve ao redor do mundo, visando compreender a trajetória pessoal e profissional de treinadores esportivos. Ela tem assumido particular relevância no entendimento das experiências vivenciadas por estes especialistas e da influência exercida no desenvolvimento de suas carreiras.
Ponderando a formação de treinadores esportivos, o modo como aprendem, a importância atribuída ao papel por eles desempenhado e seu relevante protagonismo, evidencia-se, em estudos recentes, mais especificamente no cenário brasileiro (Galatti et al., 2016; Marques, Nunomura, & Menezes, 2016; Milistetd, Duarte, Ramos, Mesquita, & Nascimento, 2015; Milistetd, Trudel, Mesquita, & Nascimento, 2014; Ramos, Graça, Nascimento, & Silva, 2011; Tozetto, Galatti, & Milistetd, 2018; Tozetto, Galatti, Scaglia, Duarte, & Milistetd, 2017) e internacional (Gilbert & Rangeon, 2011; Mesquita, Ribeiro, Santos, & Morgan, 2015; Paquette & Trudel, 2018; Rangeon, Gilbert, & Bruner, 2012), a compreensão de que esses profissionais desenvolvem, durante toda a vida, processos de formação de aprendizagem, inseridos em contextos sociais.
A aprendizagem está intimamente ligada aos domínios da prática, ou seja, a situações reais de aprendizagem, as quais direcionam os conhecimentos do treinador esportivo. Orientados por sua intervenção, estes conhecimentos tornam-se diferenciados, devendo ser adequados às necessidades de cada modalidade esportiva (Maciel & Moraes, 2008), daí derivando a necessidade da formação orientada para a atuação prática. O elo entre prática e aquisição de conhecimentos, por meio da formação informal e não formal, pode ser considerado como o principal meio de aprendizagem dos treinadores esportivos, por ocorrer, em diferentes situações e contextos, no decorrer da vida.
A teoria da aprendizagem ao longo da vida de Peter Jarvis (2006; 2009), que embasa este estudo, esclarece que o indivíduo é capaz de aprender desde o nascimento, persistindo durante toda a sua vida. Por conseguinte, o sujeito torna-se, por diversos meios, alguém na sociedade, ou seja, assume uma identidade em um ambiente social (Jarvis, 2006). A pessoa aprende através de suas experiências, atribuindo-lhes significados pela reflexão, pela emoção, pela ação, as quais constituem-se como filtros no processo de aprendizagem (Jarvis, 2006). Especificamente, as experiências de aprendizagem são sistematizadas por processos de socialização, considerando que o local onde os indivíduos situam-se afeta sua experiência e, por consequência, seu aprendizado (Jarvis, 2006; 2009).
No contexto de atuação e de intervenção do profissional que atua com a modalidade de ginástica rítmica, a socialização constitui-se por uma série de processos de aprendizagem que ocorrem em conexão com as experiências pessoais de vida (Jarvis, 2009). Mesmo as primeiras experiências já influenciam os treinadores em seu processo de aprendizagem (Trudel, Gilbert, & Werthner, 2010; Werthner & Trudel, 2009). Neste cenário, as experiências dos treinadores resultam das interações com as pessoas de seu entorno, como familiares e amigos, bem como daquelas ocorridas em ambientes escolares, esportivos, profissionais, entre outros espaços (Callary, 2012). Estas experiências –processos de socialização – são denominadas por Jarvis (2006) socialização primária e socialização secundária.
A socialização primária envolve as interações iniciais das crianças, geralmente com seus cuidadores primários e com membros da família, em especial com o pai e a mãe (Jarvis, 2009). Nesta socialização, surge o primeiro e genuíno modelo de aprendizado, no qual a criança interpreta a linguagem do mundo social por meio das pessoas que lhe são próximas (por exemplo, os país, que se tornam a ponte entre a criança e o mundo social estabelecido), implicando oportunidades iniciais de experiências de vida (Jarvis, 2006). Esse legado pode se transformar, a posteriori, em fatores situacionais manifestados em condutas e normas familiares que ultrapassam a experiência social imediata, pois permitem construir experiências sociais subsequentes mais sólidas para sua relação com o mundo e com os outros (Billett, 2006).
A socialização secundária pauta-se nas relações establecidas para além dos contextos familiares, seja nos primeiros anos escolares, na formação profissional ou nas relações pessoais que se concretizam em diferentes contextos (Jarvis, 2006). A principal diferença entre a socialização primária e a secundária é que, nesta, o indivíduo torna-se apto a mediar as próprias experiências com o mundo social, ou seja, ele mesmo estabelece significado para suas experiências, tendo por base sua biografia (Jarvis, 2006, 2009).
Visando à importância do processo de formação de treinadores e à melhor compreensão desse fenômeno no Brasil, bem como avaliando a escassez de trabalhos científicos sobre ginástica rítmica (He, Trudel, & Culver, 2018), este estudo propõe-se analisar a influência dos contextos sociais primários e secundários em treinadores de ginástica rítmica, considerando as aprendizagens por eles adquiridas durante sua vida.
Materiais e método
O estudo caracteriza-se como descritivo com abordagem qualitativa dos dados coletados. Foram seguidas as orientações para estudos qualitativos, que indicam para autores e revisores as normas de adequação a eles referentes (Levitt et al., 2018).
Fizeram parte do estudo cinco treinadoras de ginástica rítmica, atuantes no Brasil, selecionadas intencionalmente, as quais atendiam os seguintes critérios: experiência de 10 anos no ensino da modalidade; vivência em competições internacionais na função de treinadora; com atletas por elas treinados que estiveram ou estejam na seleção brasileira de ginástica rítmica; atuação profissional vinculada a equipes de rendimento nas categorias juvenil e adulto; com brevet 1, 2 ou 3 de treinador expert FIG (certificação dada pela Federação Internacional de Ginástica).
Como instrumento adotou-se a entrevista semiestruturada adaptada de Callary (2012) e organizada visando ao aprofundamento das questões relacionadas à aprendizagem a partir dos contextos sociais. As entrevistas, com tempo médio de 55 minutos cada, foram gravadas em gravador digital. Os dados obtidos foram transcritos literalmente e armazenados em microcomputador com auxílio dos programas Windows Media Player e Microsoft Word 2010. Posteriormente, as transcrições foram encaminhadas às participantes para confirmação das informações e autorização de seu uso na investigação.
Na coleta de dados, as profissionais foram contatadas por e-mail para obtenção das informações necessárias e explanação do estudo. Todas as entrevistas foram agendadas em horário e ambiente de conveniência e escolha das treinadoras. A interlocução, com base na teoria da aprendizagem ao longo da vida e dos estudos sobre aprendizagem de treinadores esportivos (Callary, 2012; Gearity, Callary, & Fulmer, 2013), desenvolveu-se através de temas geradores: socialização primária, socialização secundária, experiência como assistente técnico, experiência como treinador.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, conforme o parecer 1.487.555. Com a finalidade de salvaguardar a identidade e preservar o anonimato das respondentes, foi utilizada a consoante T com números de 1 a 5 para a identificação de cada treinadora.
Na análise dos dados, adotou-se a técnica de análise do conteúdo, com auxílio do software NVIVO 9.2 (QRS International), que permite a análise, a organização e a categorização de dados qualitativos. Neste processo, foram seguidas categorias a priori, para a socialização primária: indicativos da teoria da aprendizagem ao longo da vida – contexto familiar, relação da família na escolha profissional, experiências na infância trazidas ao longo da vida – e, para socialização secundária: formação escolar, práticas esportivas e experiência como atleta. Seguiram-se também categorias a posteriori com os dados advindos das falas de cada treinadora, considerando influências pessoais, sociais e do contexto de intervenção.
Resultados
Socialização Primária
O Quadro 1 evidencia os episódios relevantes para aquisição de aprendizagens no contexto social primário, os quais foram integralmente destacados nas falas das cinco treinadoras entrevistadas.
Verifica-se que T1 cresceu em uma família com seis irmãos e, desde cedo, aprendeu a cuidar da casa e dos irmãos mais novos, não houve grande influência dos pais para a prática de esporte, mas ainda assim seguiu carreira esportiva. T2 nasceu e viveu em um regime socialista, iniciou a carreira esportiva ainda criança e veio para o Brasil acompanhando o marido, que também é treinador esportivo. T3 nasceu em uma família exclusivamente feminina, foi influenciada para as artes, o que se tornou significativo para que ela seguisse carreira na ginástica rítmica. T4 teve na família a base que sustentou sua carreira olímpica. T5 vem de uma família com estrutura inconsistente, teve de trabalhar cedo e, por forte influência dos familiares, sempre se dedicou aos estudos como possibilidade de mudança de vida.
Os sentimentos imprimiram às aprendizagens e à aquisição de experiências uma marca importante para a vida das treinadoras T1, T3, T4 e T5. As famílias ofereceram a cada uma das cinco treinadoras um contexto social que determinou suas biografias, tendo permitido sua escolha profissional e influenciado sua opção de tornaram-se treinadoras.
Para T1, muito do que aprendeu na infância é reflexo da família. Ela, com muita ênfase, refere às aprendizagens relacionadas aos limites e aos valores, os quais traz consigo até hoje. Para T3, a formação e as estruturas familiares permitiram que enxergasse o mundo através de seu contato muito próximo com as artes, especialmente a dança e a música. T4 relembra situações da infância: o forte elo com sua irmã, sua companheira de equipe por vários anos, e a influência dos pais para que alcançasse os objetivos. T5, desde a infância e por influência indireta de seus pais, aprendeu a ser forte e a lutar por suas metas, traçou-as e alcançou-as por meio do estudo, embora com dificuldade.
Quanto ao envolvimento inicial com o esporte por influência familiar, T2, T3 e T4 revelaram que, ainda pequenas, por meio de incentivo e investimento, iniciaram algum esporte: T2, aos cinco anos, por influência da avó; T3 por influência da mãe, que gostaria de ter sido bailarina e como não teve esta oportunidade incentivou a filha a praticar a dança; T4 juntamente com sua irmã ia às atividades esportivas após o horário de aulas escolares. Os pais, no começo, se opuseram, mas, ao ver que elas tinham talento para a ginástica, permitiram sua permanência no esporte e as incentivaram.
Os laços esportivos constituídos na socialização primária exercem influência sobre as entrevistadas até os dias atuais. T1, além de ser treinadora da filha, divide o local de trabalho com a irmã e a cunhada, igualmente treinadoras no mesmo clube. Seu marido, também treinador esportivo, acompanha suas atividades profissionais, o que para ela é algo positivo, por ambos entenderem a rotina dos treinamentos, as viagens e as competições. Por compreender que as aprendizagens são biográficas e seguem uma estrutura adjacente, ou seja, uma fonte de experiências necessárias para a consolidação do novo conhecimento, a forte relação afetiva evidenciada pelas treinadoras constitui um marco importante de seu processo formativo.
T3 destaca que sua personalidade interferia na competitividade demonstrada pela filha, de quem foi treinadora. T4 relata que a família ainda acompanha de perto sua carreira de treinadora, o que facilita o entendimento de seu cotidiano – a irmã, que foi sua colega de clube e de seleção, até hoje se mostra envolvida com sua carreira. T5 ressalta ter vivenciado a experiência de ser treinadora da própria filha.
| Tabela 1 | |||||||
| Socialização primária na aprendizagem de treinadores | |||||||
| Socialização Primária | Dados | Treinadoras | |||||
| 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |||
| Local de Nascimento | Florianópolis/SC | Erevan/Armênia | Vitória/ES | Londrina/PR | Realeza/PR | ||
| Ano de Nascimento | 1968 | 1972 | 1963 | 1977 | 1966 | ||
| Infância | Ajudava a mãe com as atividades de casa Iniciou na GR aos 12 anos | União soviética Participou de Projeto esportivo Iniciou na GR aos 5 anos | Praticou ballet clássico, jazz e outras danças | Irmã com quem dividia o quarto e a vida – também foi atleta Iniciou na GR aos 8 anos | Começou a trabalhar cedo para ajudar a família Praticou atletismo | ||
| Família | Família humilde Destaque valores Pai ciências contábeis 6 irmãos União estável 1 filha | Incentivadores para praticar esporte Casou-se aos 19 anos Veio para o Brasil aos 22 anos 2 filhos | Família voltada às artes Mãe professora Pai bancário 1 irmã Casada 1 filho 1 filha (in memorian) | Família classe média baixa 2 irmãos de sangue e 1 de coração Incentivadores da carreira Casada 2 filhos | Família com boa situação financeira – pai perdeu tudo Mãe doente Incentivavam aos estudos Divorciada 2 filhas | ||
Socialização Secundária
O Quadro 2 evidencia episódios de aprendizagens relevantes na carreira das entrevistadas que marcam as experiências adquiridas em todo o processo do contexto secundário. As informações foram integralmente obtidas nas falas das cinco treinadoras
| Tabela 2 | ||||||
| Socialização secundária na aprendizagem de treinadores | ||||||
| Socialização Secundária | Dados | Treinadoras | ||||
| 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ||
| Esportes | Ginástica Rítmica na escola | Ginástica Rítmica em projeto esportivo | Dança | Ginástica Rítmica na escola | Atletismo em projeto esportivo | |
| Atleta | Ginástica Rítmica dos 12 aos 20 anos | Ginástica Rítmica dos 5 aos 18 anos | Não foi atleta de Ginástica Rítmica | Ginástica Rítmica dos 8 aos 23 anos | Não foi atleta de Ginástica Rítmica | |
| Primeiros Contatos com a GR | Aos 12 anos | Aos 5 anos | Na universidade | Aos 8 anos | Na universidade | |
| Escola | Importante para sua formação e entrada no esporte | Não destacou relevância para esse contexto | Foi na escola que inspirou a vontade de cursar Educação Física, tinha as professoras como espelho | Escola primordial para a iniciação na GR | Os estudos sempre foram incentivados pela família | |
| Universidade | Educação Física | Educação Física e Fisioterapia | Educação Física | Educação Física | Educação Física | |
| Pós-graduação | Mestrado | Não possui | Mestrado | Especialização | Especialização | |
| Assistente Técnica | Sim | Sim | Não | Sim | Não | |
Na análise dos dados referentes à socialização secundária das treinadoras investigadas, evidencia-se que esse processo de interação esteve situado de forma inicial no ambiente escolar, nas relações entre a escola e o esporte, nas experiências esportivas, na vida como atleta e na escolha profissional. Momentos esses perpassados por episódios de aprendizagem que traduzem importantes momentos da vida e da carreira de cada treinadora.
Evidenciam-se, nas falas das treinadoras, elementos de sua socialização secundária, como nestes dois depoimentos. T1 foi apresentada ao esporte dentro da escola, a professora de ginástica rítmica a convidou para um teste, a partir do qual iniciou os treinamentos aos 12 anos. Algo similar ocorreu com T4, que, no ambiente escolar, entrou para as aulas de iniciação à ginástica rítmica, sendo encaminhada aos treinamentos por demonstrar talento e predisposição para a modalidade.
Com relação à experiência como atleta, T1, T2 e T4 tiveram experiência na ginástica rítmica em diferentes níveis (estadual, nacional e internacional). T5 vivenciou o treinamento do atletismo, T3 não teve experiência como atleta, mas foi bailarina e perpassou diferentes modalidades de dança. Todas as experiências vivenciadas foram significativas para a descoberta de que seus comportamentos influenciam as atitudes de seus atletas. T4 explica que vê muito de si em suas atletas e se vê em sua treinadora, corroborando o quanto as influências da socialização secundária podem ser significativas nos comportamentos e nos valores trazidos e reafirmados durante a trajetória profissional.
T1 e T4 destacaram a importância do esporte na aprendizagem das condutas esportivas e na consolidação de valores – como honestidade, responsabilidade e autonomia – visando à conquista de objetivos. Até hoje, elas conservam estes preceitos consigo e em sua abordagem de trabalho. A escolha profissional articulou-se com o contexto social e com o momento cronológico da vida das treinadoras, pois estavam finalizando a etapa básica dos estudos e precisavam ingressar em um contexto formal de qualificação profissional, a universidade. T3 relatou que a escola foi o ambiente determinante para sua escolha profissional, por ver as professoras de Educação Física como um espelho no qual queria se refletir. T5, acredita ter sido a sua vivência no esporte o fator determinante para sua escolha. T1, T2 e T4 expõem ter sido a vivência no esporte, especialmente o treinamento em ginástica rítmica, que influenciou a escolha profissional. T1 escolheu Educação Física, pois seu foco sempre foi o treinamento. T2 diz não poder escolher outro caminho, pois sempre praticava ginástica e isto era o que sabia fazer de melhor, desejando, por isso, repassar seu conhecimento para as futuras ginastas. T4 treinava dentro de uma universidade e a vivência com o esporte foi importante para que optasse pelo curso de Educação Física.
À medida que chegam à maturidade na carreira esportiva, as atletas acabam por se assemelharem a suas treinadoras, em consequência do tempo destinado ao treinamento, da relação construída por muitos anos e da confiança que aproxima atleta e treinador, como evidenciam as biografias de três das cinco treinadoras entrevistadas: T1, T2 e T4.
Discussão
Socialização Primária
Nota-se que cada treinadora percorreu distintas trajetórias de vida e de profissão, demonstrando não haver um único caminho a ser trilhado para se chegar à expertise, ou seja, elas apresentam biografias diferenciadas, vivenciaram diversificadas experiências, refletiram e aprenderam em díspares momentos. Cada novo conhecimento advém da bagagem de aprendizado adquirida no decorrer da vida, desde o contexto social primário até atingir a expertise na carreira (Chambers, 2014).
A relação entre o contexto social primário no processo de aprendizagem ao longo da vida das treinadoras e as interações que aí ocorrem são entendidas como significativas para o reconhecimento das experiências futuras (Jarvis, 2009). A família configura-se como a ligação entre a criança e o mundo à sua volta, como se depreende da fala das entrevistadas, devido à recorrente referência a lembranças desse momento de suas vidas (Nash & Sproule, 2009; Trudel, Culver & Richard, 2016). Cada uma delas cresceu em um ambiente familiar distinto (Callary, 2012), o que se evidencia na disparidade de experiências primárias de socialização que trazem consigo.
No que tange às trajetórias iniciais, destaca-se a aproximação das treinadoras pela forte aprendizagem dos sentimentos (Jarvis, 2009) primários e da complexidade afetiva gerada entre os familiares e a criança. O ambiente familiar destaca-se como a fonte de construção identitária e de experiência cultural (Jarvis, 2006), contribuindo para a aquisição de comportamentos, de valores e de práticas que são levados desde a infância até a fase adulta (Macphail & Kirk, 2006; McNamara, Padilla-Walker, Madsen, & Nelson, 2008).
Compreender o efeito subjetivo das experiências em socialização, especialmente a primária, conduz ao entendimento de que a qualidade e a intensidade das relações socioafetivas são caracterizadas, na infância e na adolescência, como relevantes e centradas nas aprendizagens. A aquisição de valores nessa fase guiou as carreiras das treinadora e podem ter sido significativas para o desenvolvimento de sua filosofia de trabalho (Gearity et al., 2013).
As aprendizagens decorrentes desses aspectos centram-se nos sentimentos e nas emoções (Jarvis, 2006). A socialização inicial das entrevistadas esteve fortemente ligada a questões afetivas. Aprendizagens sobre persistência e responsabilidade percorrem toda a sua trajetória profissional. É particularmente relevante compreender os contextos nos quais as experiências foram vivenciadas, sob a perspectiva biográfica das treinadoras: elas se mostram aprendendo com as relações emocionais e com os sentimentos, em especial no que tange aos sentimentos maternos e familiares (Wright, Trudel, & Culver, 2007).
Estudos indicam que as influências primárias recebidas na infância tornam a família uma peça-chave para o envolvimento inicial e continuado com o esporte; para as escolhas esportivas; para a manutenção da carreira como atleta. As experiências vividas na subcultura do esporte são, conforme alguns autores, experiências importantes para aprender, ainda como atleta, como é o trabalho de treinador. A escolha da carreira, o modo de encarar o treinamento e, principalmente, o modelo de treinador a ser seguido, para muitos autores, constituem, nesse período, elementos de influência (Callary, 2012; Callary, Werthner, & Trudel, 2011; Côté, 1999; Jones, Armour, & Potrac, 2002; Nash & Sproule, 2009).
É possível identificar que a influência da socialização primária de cada treinadora prolongou-se até sua vida adulta. Os laços afetivos criados no ambiente social e cultural da família formam o arcabouço das experiências, principalmente daquelas ligadas à aprendizagem pelo sentimento. Cada experiência evidencia quão o peculiar contexto social de relação com os membros familiares pode se tornar, na fase madura, uma rica possibilidade de aprendizagem Conforme alguns autores, isto tende a contribuir para o modo de comportamento adulto (Macphail & Kirk, 2006; Côté & Fraser-Thomas, 2007; Mcnamara et al., 2008). O componente de reflexão sobre o contexto social primário, como conscientização das próprias experiências informais, influencia as decisões, escolhas e abordagens de treinadoras, sendo, nesse momento de suas vidas, ainda uma importante ferramenta de entendimento dos conhecimentos (Callary, 2012).
Socialização Secundária
O contexto social secundário envolve o processo de tornar-se membro dos diferentes grupos que constituem seu mundo circundante. À medida que as crianças crescem e desenvolvem-se, interagem com maior número de pessoas e aprendem, em outros contextos, a se tornarem um ser social. As situações informais de aprendizagem ocorrem por toda a vida. Nessa perspectiva, qualquer pessoa ou situação exerce influência sobre aquilo que o indivíduo aprendeu, aprende e aprenderá no futuro (Duarte & Culver, 2014; Trudel et al., 2016).
Por esse viés, o processo de socialização torna-se significativo na vida e na carreira de treinadores, uma vez que as relações criadas nos ambientes secundários, como a escola, promovem possibilidades de aproximação com outros contextos. Frequentemente, o esporte está inserido no ambiente escolar, resultando da relação com os professores e com os treinadores o apoio e o encorajamento para o desenvolvimento esportivo (Macphail & Kirk, 2006).
Estudos mostram que, no período de formação escolar, as crianças sofrem influência da filosofia de trabalho não somente dos professores, mas também e principalmente de seus treinadores. A maior parte da aprendizagem é atribuída às experiências pessoais vivenciadas, na infância e na adolescência, através do treinamento (Callary et al., 2011; Nash & Sproule, 2009). O período escolar é uma importante etapa de familiarização com a docência e de experimentação de diferentes abordagens de ensino. As influências positivas e negativas dessas experiências tendem a resultar em auxílio para a construção de identidade pessoal e profissional das treinadoras.
O acúmulo de experiências, advindo de mudanças e de oportunidades de desenvolvimento no esporte, é um elemento impactante na trajetória profissional das treinadoras (Gearity et al., 2013). Nas falas das entrevistadas, evidencia-se que tal influência está ligada, principalmente, à sua permanência no esporte, pois as oportunidades de ficar na modalidade e de transmiti-la a outros permitiram-lhes escolher essa profissão para si. O contexto em que ocorre o desenvolvimento esportivo também se manifesta importante. As tendências observadas no estudo são consistentes com os resultados obtidos pelos pesquisadores anteriormente referidos. As vivências passadas que influenciaram o futuro como treinadora (Cushion, Armour, & Jones, 2003) mostraram-se sensíveis às influências sociais e às experiências vivenciadas no período em que estavam expostas ao treinamento, tendo a experiência como atletas influenciado a maneira como elas se aproximaram de seu futuro ofício.
A compreensão da cultura do esporte na fase inicial de socialização secundária, por meio de interação com os agentes propulsores de experiências, foi importante para a aprendizagem dos conhecimentos específicos do esporte e para a realização de atividades e rotinas esportivas. As experiências episódicas vivenciadas no esporte evidenciaram-se valiosas para as treinadoras, pois é a partir do amor pelo treinamento que surgem as aprendizagens significativas, a aquisição de conhecimentos (Jarvis, 2006; Gearity et al., 2013).
Conforme a teoria da aprendizagem ao longo da vida, a escolha profissional evidencia que o ingresso na carreira de treinador esportivo pode sofrer influência da exposição prolongada ao ambiente de prática esportiva, o qual favorece a aprendizagem de particularidades da cultura esportiva, naturalmente adquiridas tanto em situações de treinamento e de competições como no trato com os treinadores (Brasil, Ramos, Barros, Godtsfriedt, & Nascimento, 2015; Callary et al., 2011; Trudel & Gilbert, 2006).
Considerações finais
Conclui-se que as treinadoras aprenderam, na diversidade de situações, em diferentes contextos sociais, como resultado das socializações primária e secundária: na família, na infância, nos espaços educacionais, nas situações desportivas – situações essas que as "moldaram" como treinadoras. No que tange aos valores e à filosofia de vida e de trabalho, as entrevistadas foram influenciadas por situações advindas da família, que contribuíram para a aquisição da sensibilidade. e por contextos secundários, especialmente pelas experiências atléticas, seja na ginástica rítmica, seja em outro ambiente esportivo.
O estudo visou compreender a aprendizagem dos treinadores e seu impacto no conhecimento, na prática e na formação como treinador, especificamente na ginástica rítmica, em cujo contexto se torna um importante ponto, tal qual discutido neste trabalho. Os principais achados empíricos originais, que tornam este estudo pioneiro em relação à ginástica rítmica no Brasil, e a contribuição para o conhecimento nessa área estão sintetizados na abordagem das questões de pesquisa, levando em consideração as implicações e as recomendações para a pesquisa qualitativa.
Apresenta-se como limitações deste estudo a ausência de observações sistemáticas e do acompanhamento do processo formativo das treinadoras, não sendo possível identificar o impacto ou o desenvolvimento de suas trajetórias profissionais no decorrer de suas vidas.Texto correspondiente a los agradecimientos y financiamientos.
Referências
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Notas de autor
Enviar correspondencia a: Vaz de Campos Pereira, M. P. E-mail: marcosp.pereira46@gmail.com
Información adicional
Citar este artículo como: Breggue da Silva Sampaio, G., Milistetd, M., de la Rocha Freitas, C., Milan, F. J., Vaz de Campos Pereira, M. P. & Oliveira Farias, G. (2020). Contextos sociais na formação de treinadoras de ginástica rítmica: a aprendizagem ao longo da vida. Revista Argentina de Ciencias del Comportamiento, 12(3), 32-40
Enlace alternativo
https://revistas.unc.edu.ar/index.php/racc/article/view/26505/32503 (pdf)