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A GÊNESE DA TRANSUMÂNCIA NO BAIXO RIO AMAZONAS: ARRANJOS FUNDIÁRIOS, RELAÇÕES DE PODER E MOBILIDADE ENTRE ECOSSISTEMAS

THE GENESIS OF TRANSHUMANCE IN THE BRAZILIAN AMAZON: LAND ARRANGEMENTS, POWER RELATIONS AND MOBILITY BETWEEN ECOSYSTEMS

LA GENESE DE LA TRANSHUMANCE EN AMAZONIE BRESILIENNE: ARRANGEMENTS FONCIERS, RAPPORTS DE POUVOIR ET MOBILITE ENTRE ECOSYSTEMES

Ricardo Theophilo Folhes
Universidade Federal do Pará, Brazil

A GÊNESE DA TRANSUMÂNCIA NO BAIXO RIO AMAZONAS: ARRANJOS FUNDIÁRIOS, RELAÇÕES DE PODER E MOBILIDADE ENTRE ECOSSISTEMAS

Boletim Goiano de Geografia, vol. 38, núm. 1, pp. 138-158, 2018

Instituto de Estudos Sócio-Ambientais

Recepção: 15 Novembro 2017

Aprovação: 10 Janeiro 2018

Resumo: Este artigo analisa os arranjos fundiários que sustentam a transumância na região do Lago Grande de Curuai, uma área de transição entre os ecossistemas de várzea e terra firme no baixo rio Amazonas paraense. "Sociedades", "permissões" e "arrendamentos" são os principais arranjos estabelecidos com vistas ao acesso sazonal à terra e aos recursos forrageiros na várzea e na terra firme. O estudo da transumância permite avaliar o ordenamento territorial recente que não levou em consideração a mobilidade das populações ribeirinhas entre os ecossistemas e pouco interferiu em relações de poder herdadas do período colonial.

Palavras-chave: Transumância, Amazônia, várzea, Projeto de Assentamento Agroextrativista.

Abstract: This article analyzes the land arrangements that support transhumance in the Big Lake Grande of Curuai, a transition area between the floodplain and mainland ecosystems in the Brazilian Amazon. "Societies", "permits" and "leases" are the main arrangements established for seasonal access to land and forage resources in the floodplain and in the mainland. The study of transhumance allows evaluating the recent territorial planning and creation of territorial units that did not take into account the mobility of the riverine populations between the ecosystems and little interfered in power relations inherited from the colonial period.

Keywords: Transhumance, Amazon, floodplain, Agro-Extractivist Settlement.

Résumé: Cet article analyse les arrangements fonciers qui soutiennent la transhumance dans la région do Lago Grande de Curuai, une zone de transition entre deux ecosystèmes :la plaine d'inondation et la terre ferme, dans le bas cours de la fleuve Amazone au Brésil. La mobilité du bétail et des personnes s'articule autour de trois instruments : Les « sociétés » (sociedade) entre agriculteurs, les « permissions » (permissões) d'usage et les « locations » (arendamentos) de pâtures. A partir de l'analyse de la transhumance dans cette région,il est possible de montrer que les récentes politiques d'aménagement du territoire et de création d'unités territoriales, qui ne tiennet pas compte de la mobilité entre les écosystèmes, ont finalement peu interféré sur les relations de pouvoir héritées de la période coloniale.

Mots-clés: Transhumance, Amazonie, plaine d'inondation, Projet d'Établissement Agro-extractive.

Introdução

Transumância é um sistema tradicional de pecuária extensiva baseado na mobilidade territorial sazonal de rebanhos e criadores com vistas ao acesso a pastagens por todo o ano. Ocorre em aproximadamente 25% das terras mundiais, envolvendo cerca de 200 milhões de criadores. Os percursos podem abarcar regiões e ecossistemas entre gradientes de altitude, como nas cordilheiras da Ásia, Europa e América Latina, ou entre distintas condições sazonais de temperatura e umidade, como nas planícies de inundação e zonas áridas e semiáridas da África (Dong, 2016). Em alguns casos, as distâncias percorridas não passam de 10 km, mas podem ser maiores que 1000 km e ultrapassar fronteiras nacionais. Ao longo dos percursos é comum a realização de outras atividades agrícolas e mercantis (Ki-Zerbo, 2000). Como o objetivo dos criadores é ir para onde há pastagens, transumar significa mudar de terra com certa frequência, o que não é nada trivial na atualidade, dados os conflitos que cercam a apropriação fundiária por todo o mundo (Barrière, 2015).

Nas várzeas do baixo rio Amazonas paraense, enchentes fluviais sazonais impelem o deslocamento do gado e dos criadores à terra firme, em percursos que variam de 10 até pouco mais de 200 km (Folhes, 2016). Nesta região, a apropriação da terra e o acesso às pastagens na várzea e na terra firme ao longo do ano são mediados por práticas sociais e normas jurídicas. A legislação define um tratamento diferenciado à dominialidade da terra na várzea e na terra firme. Perante o código civil brasileiro, a terra firme é considerada um bem dominical sobre o qual pode ocorrer tanto a alienação definitiva do Estado a particulares quanto a emissão de autorizações de uso com vistas ao cumprimento da função social e ambiental da terra. Já as várzeas são definidas como sendo "bens público de uso comum do povo", um tipo de bem público só passível de uso e moradia por particulares a partir da emissão de autorizações de uso concedidas pelo poder público (Benatti, 2016).

Apesar das prerrogativas jurídico-legais prescreverem diferenças dominiais entre várzea e terra firme, as características ecológicas complementares fundamentam estratégias e práticas de ocupação que são baseadas na apropriação e no uso da terra em ambos os ecossistemas. Porém, no presente artigo não me prendo a uma interpretação naturalizante da circulação sazonal entre os dois ecossistemas como se ela representasse e exemplificasse apenas um processo de adaptação humana aos padrões ecológicos e climáticos. Através da análise das relações de poder, problematizo as estratégias de apropriação e de uso dos recursos naturais pelos segmentos sociais locais, levando em consideração no exame das transformações socioeconômicas as influências da história e da política.

A pecuária é atividade tradicional no baixo rio Amazonas desde o período colonial, época em que ocorria exclusivamente na várzea e era associada aos colonos europeus mais abastados. A partir de meados do século XX, a pecuária se estendeu à terra firme por meio da transumância e se popularizou entre as comunidades ribeirinhas, para quem funciona como importante reserva financeira e alimentar (Folhes, 2016). Para estes grupos, a pecuária - "a criação" - é uma atividade de grande prestígio e objeto de investimento dos recursos financeiros obtidos em outras atividades econômicas (Gentil, 1988; Costa; Inhetvin, 2007). Logo, nas vezes em que utilizo no texto a categoria "criador", não pretendo subestimar a importância da pesca, da agricultura, do extrativismo e da pequena atividade mercantil como práticas que complementam os meios de vida, mesmo daqueles que encontram na "criação" sua principal atividade econômica.

Mas, nas áreas de transição várzea-terra firme do baixo rio Amazonas, quais seriam as estratégias postas em prática pelos ribeirinhos para acessarem terras e recursos naturais nos dois ecossistemas? Como o Estado vem intervindo para promover o ordenamento territorial nessa região?

Para responder estas questões, este artigo examina por meio de uma abordagem histórica e etnográfica os fundamentos, os arranjos fundiários e as implicações socioecológicas que cercam a transumância no baixo rio Amazonas paraense. Os dados etnográficos aqui analisados, coletados entre 2012 e 2015, focam na "região do Lago Grande do Curuai", uma área de transição entre os ecossistemas de terra firme e várzea, localizada na confluência dos municípios paraenses de Juruti, Óbidos e Santarém, próxima à foz do rio Tapajós (Figura 1). "Região do Lago Grande" é a maneira pela qual seus moradores nomeiam o espaço social e territorial em que vivem. Corresponde ao território abrigo e ao território efetivamente usado (Santos, 2005), onde se desdobra uma rede de relações ao mesmo tempo complementares e conflitantes. Na "Região do Lago Grande", aproximadamente 20.000 pessoas vivem em pouco mais de 50 comunidades originadas em um antigo processo de ocupação baseado na utilização complementar dos dois ecossistemas (Folhes, 2016).

Disposição da várzea e da terra firme e a região do Lago
							Grande
Figura 1
Disposição da várzea e da terra firme e a região do Lago Grande
Fonte: Ricardo Folhes, 2018.

Após esta introdução, apresento na próxima seção algumas das principais características ecológicas da várzea e da terra firme e as percepções das comunidades locais em relação aos contrastes e complementaridades entre os dois ecossistemas. Depois, examino as condicionantes socioecológicas que influenciaram a gênese da transumância no baixo Amazonas paraense, para, em seguida, analisar os arranjos fundiários que a sustentam na atualidade. Nas considerações finais, ressalto a necessidade do ordenamento territorial implantado pelo Estado nas áreas de transição entre a várzea e a terra firme na Amazônia ser revisado, e saliento a importância de serem efetivamente implantadas políticas públicas já existentes, mas que por não saírem do papel mantêm a situação de dependência social das populações ribeirinhas amazônicas.

Dicotomias e complementaridades nas áreas de transição entre os ecossistemas de várzea e de terra firme

Várzeas, igapós, mangues e pântanos são ecossistemas de áreas úmidas (Junk et al., 2012). Na Amazônia, a cor da água dos rios ajuda a distinguir tipos específicos de áreas úmidas (Sioli, 1984). A água pode ser branca, clara ou preta em função da carga de sedimentos que carrega. As várzeas conformam apenas as áreas inundáveis pelos rios de água "branca", ou barrenta, como o Solimões, o Amazonas e o Madeira (Prance, 1980). A cor barrenta deriva da acentuada quantidade de sedimentos em suspenção na água. Tais sedimentos favorecem a reprodução de peixes e garantem a fertilização dos solos aluviais, incrementando os estoques pesqueiros e elevando a aptidão agrícola das várzeas. Já os rios de águas pretas e claras, como o Tapajós e o Arapiuns, possuem poucos sedimentos e por isso apresentam menor capacidade de fertilização das áreas sazonalmente alagadas (igapós) e menor piscosidade quando comparados aos rios de água barrenta (Figura 2).

Encontro das águas dos rios Tapajós (clara) e Amazonas (barrenta) em
							Santarém-Pará
Figura 2
Encontro das águas dos rios Tapajós (clara) e Amazonas (barrenta) em Santarém-Pará
Fonte: Erik L. Jennings Simões, 2003.

Nas áreas de transição entre várzea e terra firme, como é a região do Lago Grande do Curuai, é possível observar que as distintas características ecológicas dos ecossistemas, associadas às relações de poder que condicionaram o uso e a ocupação da terra, ajudam a gerar percepções dicotômicas entre os moradores. Não sendo fertilizada pelos alagamentos sazonais que caracterizam a várzea, a terra firme é constituída por solos menos férteis, salvo as reputadas manchas de terra preta de origem antropogênica (Denevan, 1996). Assim, embora a terra firme seja percebida regionalmente como sinônimo de segurança e estabilidade, por se manter livre das enchentes, ela é ao mesmo tempo lembrada como o ecossistema da "fome", enquanto a várzea é reputada como o ecossistema da "fartura" (Stoll, 2014; Alencar, 2002; Costa; Inhetvin, 2007) (Figura 3).

"Fartura" na várzea
Figura 3
"Fartura" na várzea
Fonte: (Folhes, 2016, p. 24).

A vida social local é altamente afetada pelo regime de cheias e vazantes. Quando as águas do rio Amazonas atingem sua cota mais baixa, em novembro, período chamado localmente de "verão", as festas religiosas e profanas, o pastoreio do gado, a pesca e a agricultura têm seu lugar na várzea. O gado de centenas de criadores se mistura durante o dia nas pastagens nativas que brotam vistosas nos solos aluviais. À noite, o gado é recolhido em currais individuais ou coletivos. Com o passar dos dias e a subida das águas, o gado vai sendo deslocado pelos criadores para as partes mais altas da várzea até que, em fevereiro/março, a maioria dos rebanhos já foi transferida para a terra firme. Estamos então no "inverno", quando as cheias do Amazonas atingem sua cota máxima, em maio/junho, e são poucas as famílias que permanecem na várzea da região do Lago Grande do Curuai. No "inverno", a vida social é mais dinâmica na terra firme, onde os criadores cuidam do gado em "terrenos" próprios ou arrendados. Em julho as águas começam a descer, até que em agosto/setembro o gado retorna à várzea. Como os criadores da região do Lago Grande do Curuai praticam também a pesca, a agricultura e o extrativismo, há, ao longo da transumância, atividades variadas que envolvem todo o grupo doméstico (Folhes, 2016).

Fazenda na Várzea, "colônia" na terra firme: as bases históricas da transumância no baixo rio Amazonas

Cacaualistas, pecuaristas e comerciantes aviadores foram os segmentos mais abastados das vilas coloniais do baixo rio Amazonas, e encontravam nas várzeas as terras mais aptas à agricultura e à pecuária (Harris, 2010). Conforme mostra o relatório produzido por Domingos Soares Ferreira Penna, em 1868, em meados do século XIX, as maiores e mais vistosas fazendas de gado do baixo rio Amazonas estavam localizadas nas várzeas da região do Lago Grande do Curuai, onde havia, segundo este autor, 8.000 cabeças distribuídas por 52 fazendas de criadores de Óbidos e Santarém (Penna, 1869, p. 54).

No final do século XIX a Amazônia tinha como principal atividade econômica o extrativismo de borracha, ancorada no controle da força de trabalho por meio do sistema de aviamento (Santos, 1980). Mas, em Óbidos e Santarém, na região de transição entre terra firme e várzea, a exploração gomífera foi menos expressiva; o cacau cultivado e a pecuária continuaram a ser economicamente mais importantes. Os grandes aviadores de Santarém e Óbidos ao passo que eram proprietários de terra, gado e cacauais eram também seringalistas no médio curso do rio Tapajós (Folhes, 2016). Para os aviadores com terras na região do Lago Grande do Curuai, os recursos auferidos no Tapajós eram investidos em gado na várzea e na abertura de fazendas em terra firme. Por meio do adiantamento de mercadorias aos migrantes nordestinos que chegavam ao baixo rio Amazonas fugindo das secas em suas regiões de origem, os fazendeiros aviadores formavam "colônias" em suas fazendas ou em áreas confinantes reputadas como "terras livres". Ganhava o nome de "colônia" o lugar onde o trabalho era fundado, ou "aberto", por grupos domésticos, fora ou dentro de fazendas (Folhes, 2016).

Enquanto algumas "colônias" assumiam um caráter itinerante, outras tornavam-se povoamentos estáveis, com uma composição social marcada pelo parentesco entre grupos de irmãos, primos e cunhados, todos vivendo sob uma hierarquia mantida pelo primeiro a abrir trabalho no lugar (Stoll; Folhes, 2014). O procedimento de abertura de "colônias" na região do Lago Grande do Curuai fez parte de um fenômeno mais amplo, já bem analisado na Amazônia. Por meio de relações paternalistas e clientelistas (Araújo, 1993; Geffray, 1995; Léna, 1996), o comerciante aviador mantinha sob sua dependência seus clientes (os "colonos") e empregados (os "peões"), tornando-se o "homem forte rural" (Gross, 1973, p. 124), graças também às relações políticas e comerciais que mantinha com a cidade. As festas das colônias também eram capitalizadas simbolicamente pelos "patrões" da várzea, que doavam bois, além de "registros"1 e imagens de santos às celebrações. As doações faziam deles os patronos das festas, no âmbito das quais, nas rodas de fogueira, eram celebradas relações de apadrinhamento e de compadrio que vinculavam no plano simbólico e econômico diferentes segmentos sociais, fenômeno largamente difundido na Amazônia, como bem mostrou Wagley (1964).

A criação de "colônias" e a transumância do gado para a terra firme ganhou um lento impulso a partir de meados da década de 1910, depois de repetidos prejuízos proporcionados pelas enchentes nas várzeas. Danos materiais causados por grandes enchentes aos fazendeiros do baixo rio Amazonas já vinham sendo registrados desde o século XIX, conforme mostra Penna (1869, p. 243) para a cheia de 1859 e Barbosa Rodrigues (1875, p. 19) para a enchente de 1868. Danos materiais ainda mais contundentes foram registrados por Le Cointe (1903, 1905) e Walle (1911), que descreveram os prejuízos que as enchentes extraordinárias de 1892, 1895, 1900 e 1904 trouxeram a pecuaristas e cacaualistas do baixo rio Amazonas. Marombas2 foram muito utilizadas até a década de 1950. Posteriormente, seu uso foi quase inteiramente inviabilizado na região do Lago Grande do Curuai, devido ao aumento dos rebanhos bovinos e à introdução de búfalos nas décadas de 1970 e 1980. O pastejo agressivo dos búfalos causou a excassez das espécies nativas de capim, inviabilizando o suprimento de forragem aos animais confinados em marombas.

Na segunda metade do século XX, a coincidência de fatores climáticos (cheias altas, repentinas e prolongadas), produtivos (o crescimento dos rebanhos) e institucionais (programas governamentais de concessões de créditos e incentivos fiscais à pecuária) levou ao crescimento dos rebanhos e à intensificação da transumância. Inicialmente restrita às elites, a transumância tornar-se-ia uma prática realizada por todos os perfis de criadores (Folhes, 2016).

A demanda por pastagens estimulou a abertura de "colônias" cada vez mais nos interiores de terra firme, convertendo áreas de roçados, capoeiras deixadas em pousio e florestas em "campos de invernada", designação local dada às pastagens abertas em terra firme. Mesmo durante o período em que a produção de juta na várzea foi a principal atividade comercial da região (1958 a 1979), os rendimentos auferidos eram, sobretudo, investidos na pecuária e na pesca (Gentil, 1988). Terminado o período da juta, a terra firme foi incorporada definitivamente ao sistema de pecuária transumante.

A partir de meados da década de 1970, o Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Santarém e o Movimento de Educação de Base (MEB) começaram a atuar na região do Lago Grande do Curuai (Leroy, 1991). Como resultado da formação política desses movimentos, muitas localidades de várzea e "colônias" da terra firme passaram a se chamar "comunidades" (Stoll; Folhes, 2014; O'Dwyer, 2005). Compostas por grupos de colaterais de várias gerações (irmãos, primos, tios, sobrinhos e seus cônjuges) e referenciada a um território definido, as colônias tinham como unidade básica decisória sobre os usos da terra os grupos residenciais, característica que não se alterou com as comunidades (Stoll; Folhes, 2014). Com a intensificação da transumância nas décadas seguintes, os territórios dos grupos residenciais, formados por florestas, capoeiras e roçados, passaram a ser constituídos cada vez mais também por "campos de invernada".

Os arranjos fundiários da transumância no baixo rio Amazonas

O problema de ordem prática para os criadores transumantes é conseguir acessar pastagens por todo o ano. Nesse sentido, arranjos fundiários são fundamentais à atividade pastoral transumante. Na região do Lago Grande do Curuai, as "sociedades", as "permissões" e os arrendamentos são os principais arranjos praticados.

As "sociedades" são uma importante prática local de parceria na pecuária, entre criadores com perfis socioeconômicos semelhantes (pequenos criadores com pequenos criadores) e diferentes (grandes criadores com pequenos criadores). Longe de ser uma exclusividade do baixo Amazonas, parcerias na pecuária vêm sendo registradas em diversas regiões do Brasil desde o século XVII, com registros de ocorrência nas várzeas do baixo rio Amazonas desde pelo menos o fim do século XIX (Lôbo, 1993).

Na primeira metade do século XX, as "sociedades" eram celebradas apenas nas várzeas. Eram constituídas por um "sócio" capitalista que investia nos animais, e por outro "sócio" que doava à "sociedade" a terra e seus próprios braços no trabalho de acompanhamento direto do gado (Lôbo, 1993, p. 6). Em seu arranjo mais comum, os sócios capitalistas cediam à "sociedade" de 5 a 60 reses. O número de animais cedidos variava em função da capacidade do seu "sócio" conseguir mantê-los em segurança durante a cheia, a partir "do uso alternado do pasto nativo da várzea alta (sede da fazenda) e várzea baixa (retiro), em uma forma de transumância de acordo com o ciclo da cheia/vazante" (Lôbo, 1993, p. 6). Ao final do prazo determinado pelas partes, o sócio cedente das primeiras reses tinha direito de reaver os animais dados no início da parceria e 50% dos bezerros nascidos no prazo de vigência da sociedade.

De acordo com os dados etnográficos levantados em campo é possivel dizer que na região do Lago Grande do Curuai havia uma peculiaridade: o "sócio" mais capitalizado da parceria, além de ceder os animais cedia também a terra na várzea. Sendo um membro do seleto grupo de famílias que concentrava terras, para este "sócio" o maior problema não era a falta de terras, mas sim conseguir braços que cuidassem dos animais sem ter que investir recursos monetários. Seus parceiros eram escolhidos no interior do seu próprio grupo de "fregueses", parentes e compadres (Folhes, 2016). Diante da impossibilidade de materializar os limites confinantes das fazendas por meio de cercas, dado a força das correntes fluviais, o gado dos proprietários de terra, e aqueles colocados em sociedade, faziam uso comum das pastagens nativas da várzea. Aos demais criadores era vedado o livre acesso às pastagens nativas. Porém, em situações especiais, os donos de terra na várzea forneciam "permissões" a quem não fosse "dono". Na região do Lago Grande do Curuai, "permissões" dizem respeito principalmente às autorizações de uso dos solos aluviais para o pastoreio animal, concedidas por "proprietários de terras na várzea" aos criadores sem a mesma sorte. Nas primeiras décadas do século XX, muitas permissões eram formalizadas em papel e registradas em cartório (Folhes, 2016).

A característica peculiar das sociedades no baixo rio Amazonas, na segunda metade do século XX, reside na sua funcionalidade à transumância. Com o aumento dos rebanhos e do rigor e frequência das enchentes acima das médias conhecidas até então, principalmente com os grandes prejuízos causados pela cheia de 1953,3 o direcionamento do gado para terra firme passou a ser uma condição necessária para os criadores. Logo, realizar parceria com "colonos" da terra firme passou a ser estratégico para os pecuaristas da várzea. As "sociedades" foram os meios postos em operação. Para manter o controle sobre o acesso dos "coloneiros" aos solos aluviais da várzea, o instituto da "permissão" foi largamente utilizado, mas com algumas alterações estruturais em relação à primeira metade do século XX. Após 1953, além de entrar com o trabalho, o "sócio" menos capitalizado, "dono de terreno" na terra firme, passa também a entrar com a terra. Como afirma Lôbo (1993), a crescente demanda por terra firme passaria a ser suprida pela multiplicação de "sociedades", com pequenos "colonos" da terra firme.

A importância crescente da terra firme para a rentabilidade da "sociedade" deve-se às mudanças de várias ordens sentidas a partir da década de 1960 no quadro institucional da região amazônica. Os investimentos públicos (hidroelétricas, estradas, mineração, Zona Franca de Manaus), a criação de incentivos fiscais à pecuária e a criação de leis e organizações responsáveis pelo cadastro e destinação de terras públicas, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), serviram de estímulo à mudança no sistema de produção da pecuária. O estímulo mais significativo foi "a busca por terras firmes mais distantes da margem do Amazonas por médios e grandes criadores e o crédito subsidiado para a implantação do pasto, permitir a expansão do plantel e a redução da vulnerabilidade em relação à cheia" (Lôbo, 1993, p. 10).

Caso o "colono" não possuisse um "terreno" de tamanho suficiente para manter alimentado o rebanho durante a "invernada", ele teria que arrendar pastos na terra firme de outros "colonos". Inicialmente, o arrendamento, raramente formalizado em contrato, ocorria nos terrenos do próprio grupo residencial do colono. Com o aumento da demanda, alguns "colonos" passaram a se especializar e a ter os arrendamentos de "campos de invernada" como importante fonte de renda. Vale salientar que as regras de divisão dos bezerros que nasciam durante as "sociedades" na primeira metade do século XX, grosso modo, persistiram no período procedente, embora com algumas variações. Não obstante na atualidade as parcerias continuem a ser celebradas entre fazendeiros e pequenos criadores, são usuais os casos em que ambos os parceiros são pequenos criadores destituídos de capital, mas com pequenos "terrenos" na terra firme e na várzea. Nestes casos, podem acontecer simples "permutas" baseadas na reciprocidade, ou seja, o parceiro da várzea aceita receber o gado do parceiro da terra firme durante o "verão" desde que este receba o gado daquele durante o "inverno" (Canto, 2007).

Na região do Lago Grande do Curuai, pequeno criador é aquele que tem menos de 50 reses, médio é aquele que possui entre 50 e 200 reses e, grande, o que possui mais de 200 reses. Geralmente, o criador com mais de 200 reses é chamado localmente de "fazendeiro". No entanto, em diversas situações, pude constatar que os moradores dessa região empregam o termo criador também para se referirem aos grandes pecuaristas, e fazendeirinho para se referirem aos médios e pequenos.4 Na ausência de dados cadastrais atualizados, a partir dos trabalhos etnográficos realizados em campo é possível dizer que a maior parte dos criadores da região do Lago Grande tem rebanhos com menos de 10 reses, enquanto poucos têm mais de 100 e uma seleta minoria tem mais de 500 reses. Aproximadamente 60% das reses dos mais abastados criadores são mantidas em "sociedades" com dezenas de pequenos criadores, o que torna complexo quantificar o rebanho por perfil de criador (Folhes, 2016).

As relações de compra, venda e arrendamento de terrenos na várzea obedecem a algumas regras. "Braça" (2,20 metros) e "tarefa" (2.500,00 m²) são as principais referências métricas utilizadas pelos moradores da região do Lago Grande. Duas braças é o tamanho mínimo permitido localmente para a venda de um terreno na várzea, mas dá o "direito" ao comprador de colocar na várzea uma quantidade ilimitada de reses. Nota-se que a noção de área não é, neste caso, bidimensional, mas sim uma medida unidimensional que possui como referência a margem do lago, rio, ou igarapé.

Um criador que compre duas braças pode passar a dar permissões a outros criadores. Apesar da aparente abertura da prática, não foi possível encontrar em campo quem, após ter comprado apenas duas braças, tenha levado à várzea uma quantidade superior a cinquenta animais. No entanto, a compra mínima estende ao grupo de parentes e compadres da terra firme os benefícios do acesso à várzea. Mais que uma posição geográfica ou uma medida métrica precisa, a quantidade de "braças" que um determinado criador possui na várzea ajuda a mensurar seu perfil econômico e também seu prestígio em relação ao grupo de usuários com os quais ele divide os solos aluviais. O fato de possuir duas ou quinhentas braças colocam os usuários dos recursos forrageiros em posições de poder e acesso muito diferentes em relação ao manejo e uso comum das pastagens nativas.

Na terra firme, por sua vez, o gado circula por "terrenos" medidos em "tarefas", uma medida bidimensional (25m x 25m). Uma tarefa é o tamanho mínimo para o arrendamento de pastos. Por possuir centenas de "sociedades" com pequenos criadores da terra firme, os grandes fazendeiros quase nunca arrendam terrenos. O mercado de arrendamento é mais aquecido entre os pequenos e médios criadores.

Transumância e a especificidade no baixo rio Amazonas de um problema global

Por todo o mundo, a pecuária transumante é baseada no acesso comum aos recursos forrageiros e à água, acessíveis nas terras de percurso a grupos de usuários socialmente definidos. Porém, o crescimento industrial e populacional, o aumento de áreas urbanas e a conversão de terras pastorais para a agricultura têm ocasionado a apropriação privada de terras de uso comum, alterando assim os padrões territoriais e os arranjos fundiários que sustentam a transumância (Dong, 2016).

A partir da década de 1950, grandes organizações multilaterais internacionais como, por exemplo, o Banco Mundial, financiaram programas nacionais de cadastro fundiário e de titulação individual de terras nos países em desenvolvimento. Tais programas fundiários baseavam-se na suposição de que o desenvolvimento rural, o crescimento da produtividade agrícola e o financiamento bancário da produção rural demandariam, como precondição para ocorrer, a titulação individual de terras. Ao incentivar e financiar a titulação individual, os programas fundiários incrementaram o mercado mundial de terras e muitas vezes desorganizaram sistemas costumeiros de uso, propriedade e transmissão da terra (Colin; Le Meur; Léonard, 2009). Na Amazônia brasileira, resultaram em grilagem5 (Torres, 2012; Bennati; Santos; Gama, 2006) e na expropriação violenta de territórios de indígenas e camponeses (Loureiro; Pinto, 2005).

A partir da década de 1980, a valorização do multiculturalismo e a ambientalização da questão agrária (Merlet, 2007), bem como o reconhecimento do vínculo entre segurança alimentar e segurança fundiária (Fao, 2017), contribuíram para que os países do hemisfério sul passassem a reconhecer, proteger e titular terras de uso comum (Colin; Le Meur; Léonard, 2009). Na Amazônia, no âmbito do socioambientalismo (Araújo; Léna, 2010), o incremento do reconhecimento de terras indígenas (TI), a titulação de territórios quilombolas, a criação de reservas extrativistas (Resex) e de Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAE), são exemplos das mudanças institucionais ligadas à governança fundiária. Entretanto, a partir de 2009, esse quadro foi alterado com a edição do Programa Terra Legal (Cunha, 2009), que, nos moldes liberais dos programas fundiários das décadas de 1950, 1960 e 1970, vem promovendo a titulação individual de terras em inúmeros casos ocupadas por grupos sociais que reivindicam o reconhecimento de TI, a titulação de territórios quilombolas e a criação de Resex e PAE (Torres, 2012).

No caso específico dos PAE há um elemento geográfico importante. Entre 2004 e 2006, o Incra criou mais de uma centena de PAE no Pará, visando reconhecer os direitos fundiários de populações reconhecidas pelo Estado como tradicionais.6 Nas regiões de transição entre a várzea e a terra firme entre os municípios de Faro e Prainha, no baixo rio Amazonas, foram criados 49 PAE. A disposição dos perímetros da maioria dos PAE criados apresenta, no entanto, uma contradição em relação ao uso conjugado dos dois ecossistemas: ou ficaram restritos às várzeas ou ficaram inteiramente contidos em terra firme. Apenas quatro PAE abarcaram terras nos dois ecossistemas, e somente um PAE recebeu a CDRU (Henrique Lima, 2012). Na região do Lago Grande do Curuai, por exemplo, o PAE Lago Grande, criado pelo Incra em 2005, não recebeu a CDRU, e anexou apenas a faixa de terra firme, deixando as várzeas de fora (Folhes, 2016).

Considerações finais

A pecuária é uma atividade econômica popular entre as comunidades ribeirinhas da Amazônia, em muitos casos mesmo entre aquelas presentes em PAE (Henrique Lima, 2012) e Resex (Hoelle, 2015). Nas áreas de transição entre a várzea e a terra firme, onde a pecuária é transumante, os rebanhos circulam por pastagens utilizadas "em comum" nos solos aluviais de várzea, e em terrenos privados (raramente titulados) ou arrendados na terra firme. Na região do Lago Grande do Curuai não há uma "cultura cowboy" - expressão utilizada por Hoelle (2015) para se referir ao avigoramento da pecuária entre certas populações extrativistas do Acre e de manifestações culturais associadas (música sertaneja, estética, calças e chapéus "cowboy", festas de rodeio). Ao mesmo tempo, não se deve negar o prestígio local da pecuária e a vontade compartilhada por muitos que não são pequenos criadores de o serem. Na região do Lago Grande do Curuai, a pecuária é pensada como um meio de existência valorizada, que permite a ascensão social e econômica das famílias que a praticam. Neste sentido, o acesso regular às várzeas e à terra firme é condição essencial para que as comunidades ribeirinhas possam se desfazer da relação de dependência social mantida com os grandes fazendeiros e comerciantes.

"Sociedades", "permissões" e arrendamentos são os principais arranjos fundiários que sustentam a transumância no baixo rio Amazonas, sendo mediados por relações de poder entre pequenos criadores da terra firme (destituídos de "terreno" na várzea, o ecossistema da "fartura") e grandes "fazendeiros" da várzea, que, através das "sociedades" e arrendamentos conseguem acessar milhares de hectares de pastagens em terra firme (o ecossistema da "fome").

O passado oligárquico da várzea, derivado da apropriação desse ecossistema pelas elites coloniais, contribui para que ainda hoje haja um grande prestígio associado ao fato de ser "proprietário" de terras e gado neste ecossistema. Apesar das normas estabelecidas no código civil brasileiro limitarem a propriedade de terras na várzea, admitindo apenas autorizações de uso, os solos aluviais da região do Lago Grande possuem donos reconhecidos localmente. Não são as leis formais, mas sim as práticas locais que, em última análise, definem as condições de acesso e de exclusão de acesso aos solos aluviais. Embora os campos naturais nestes solos sejam de fato de uso comum, as relações de poder e as condições de acesso aos recursos são desiguais. O acesso é restrito a quem seja "dono de um terreno" ou tenha "permissão" no âmbito de uma "sociedade" ou permuta.

Os grupos de usuários dos solos aluviais são definidos por laços de parentesco, compadrio e clientelismo. Em cada grupo de usuários há um pequeno número de grandes criadores e donos de terras que ocupam a hierarquia do poder econômico e político do grupo, enquanto a maior parte dos demais componentes é formada por pequenos criadores. Para estes, gerenciar alianças ou relações de dependência com os grupos dominantes significa mediar relações de parentesco e de clientela para que tenham acesso aos recursos.

Na região do Lago Grande, a circulação sazonal entre os ecossistemas é fundamental aos meios de vida das populações locais, sendo a transumância uma das práticas que comprovam a importância da mobilidade. No entanto, sem que houvesse impedimento legal, as várzeas não foram incluídas no perímetro do PAE Lago Grande do Curuai, diminuindo, assim, a capacidade de mediação estatal nas relações de poder desiguais historicamente construídas na região. As relações desiguais de poder geram condições materiais desproporcionais, mantendo na pobreza e na dependência social milhares de famílias.

De maneira geral, até a década de 1950, a pecuária na Amazônia esteve praticamente restrita às pastagens nativas presentes nas savanas de terra firme e nos solos aluviais de várzea. A partir da década de 1960, a implantação de políticas de incentivo fiscal, associadas à ausência de controle fundiário, permitiram que através da grilagem de terras e do desmatamento a pecuária tivesse franca expansão na terra firme (Tourrand, 2004).

Nas áreas de transição entre várzea e terra firme no baixo rio Amazonas, a pecuária vem se acentuando em terra firme depois da década de 1950, não sendo, entretanto, este crescimento decorrente em maior grau das políticas de incentivo fiscal, embora essas também tenham atuado. Se até meados do século passado a pecuária esteve restrita aos fazendeiros da várzea, ela se popularizou nas últimas décadas, sendo marcante atualmente a existência de pequenos criadores transumantes com menos de 10 reses, que jamais conseguiram acessar recursos públicos diretamente distribuídos a essa atividade. Foram, sobretudo, as redes de parentesco e clientelismo, e a construção de uma noção que associa duplamente a posse de bois a um prestígio localmente importante e a uma poupança doméstica de alta liquidez, que fizeram a pecuária crescer.

Não importa qual seja o perfil socioeconômico do criador, a pecuária transumante no baixo rio Amazonas contribui com a alteração das características primárias dos ecossistemas, pois, na terra firme, gera a conversão de florestas e capoeiras em pastagens, enquanto nas várzeas impacta os recursos pesqueiros. Apesar dos danos ambientais, a pecuária transumante cresce a partir de arranjos estabelecidos entre os diferentes perfis socioeconômicos de criadores que se utilizam de terras e recursos naturais nos dois ecossistemas. Conforme mostrei neste artigo, a pecuária na várzea é atividade tradicional que goza de prestígio entre as comunidades ribeirinhas, o que talvez explique a dificuldade em debatê-la no âmbito dos muitos programas de desenvolvimento sustentável direcionados a este ecossistema. Por outro, não debatê-la e não reconhecer o seu crescimento entre as comunidades ribeirinhas incluídas em PAE e Resex acaba por negligenciar e aumentar os laços de dependência social que as constrangem. Essa constatação releva a necessidade de serem resgatados os princípios de equidade, justiça social e reconhecimento de direitos fundiários que basearam a criação dos PAE no ordenamento territorial no baixo rio Amazonas, mesmo que para isso a pecuária transumante tenha que ser mais estudada, para ser discutida de forma mais clara, lúcida e realista.

Agradecimentos

Pesquisa financiada pela CAPES e pelo projeto CAPES/COFECUB: "Reconfigurações fundiárias e elaborações identitárias na Amazônia brasileira". Agradeço a Maurício Torres, Paulo Coutinho e Emilie Stoll pela leitura e pelos comentários.

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Notas

1 Segundo uma moradora de Santa Luzia, uma comunidade de terra firme da região do Lago Grande do Curuai, “registro do santo” podia ser um quadro com uma foto ou uma pintura à mão do santo patrono.
2 Maromba é o nome dado ao estrado flutuante de madeira no interior do qual se mantém o gado durante o período de enchentes. O fornecimento de forrageiras ao gado em marombas é um trabalho reputado como extenuante pelas comunidades ribeirinhas (Sternberg, 1998).
3 Entrevistas realizadas em diferentes comunidades de terra firme e várzea da região do Lago Grande revelam a cheia de 1953 como a maior acontecida até 2009, que a teria superado. Sternberg (1998) em “O Homem e a Várzea do Careiro”, descreve em detalhes os impactos da cheia de 1953 na pecuária e como ela influenciou a intensificação da transumância em uma região de transição terra firme/várzea próxima a Manaus, AM.
4 É necessário, mais uma vez, ressaltar que na região do Lago Grande do Curuai, o criador não deve ser relacionado a uma categoria étnica, identitária ou a uma especialidade profissional exclusiva. Pequenos e médios criadores são também agricultores, extrativistas e pescadores e conjugam estas atividades ao longo da transumância, enquanto os fazendeiros são, normalmente, absenteístas. No entanto, em certa medida, todos os que têm gado, mesmo os pequenos criadores, são percebidos como aqueles que possuem melhores condições materiais em relação aos demais, e mesmo entre aqueles considerados pequenos, são percebidas internamente diferenças materiais significativas entre quem tem 5 e 50 reses (Folhes, 2018).
5 A expressão “grilagem” nasceu da prática de se trancafiar documentos falsos e grilos em uma caixa para que os excrementos destes últimos oxidassem os primeiros, conferindo-lhes uma aparência envelhecida, que, de outro modo, apenas o tempo lhes daria. Envelhecidos, os documentos falsos ganhariam uma aparência de legalidade. Com o tempo, o termo passa a referir-se a diversos modos de apropriação irregular de terras públicas (Torres, 2012).
6 O Decreto nº 6.040/2007 instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, definindo estes últimos como sendo “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tal, que possuem formas de organização social que lhes são próprias, que ocupam e utilizam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (art. 3-I). O referido Decreto até início de 2017 não havia sido regulamentado.

Autor notes

Ricardo Theophilo Folhes - possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras. Mestrado em Ciências Ambientais, Universidade Federal do Pará. Doutor em Geografia pelo Instituto de Altos Estudos da América Latina, Universidade Paris 3 Sorbonne Nouvelle, realizado em cotutela com o Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade Federal do Pará na área de concentração Dinâmica Socioambiental na Amazônia. Pós-doutorando do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Pará. Pesquisador Colaborador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5518-7357.
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