Recepção: 05 Setembro 2011
Aprovação: 18 Setembro 2012
Resumo: Estruturas piramidais de controle são comuns nas empresas brasileiras, e representam uma forma de desviar do princípio “uma ação, um voto”. A literatura acadêmica sobre esse mecanismo e seus impactos é farta, mas ainda recente sobre as motivações da sua adoção. Entre elas, surgem: as vantagens de financiamento; o seguro implícito oferecido pela possibilidade de transferir caixa entre as empresas; vantagens fiscais; e o risco moral percebido pelo mercado. Esta pesquisa investiga essas razões analisando as estruturas de propriedade de 271 empresas brasileiras listadas em bolsa de valores no ano de 2004, e 257 em 2006. As participações diretas e indiretas sobre o controle e o caixa são observadas até o acionista último. Os dados mostram uma evolução em direção a estruturas menos concentradas e com menores desvios de direitos. As motivações são analisadas por meio de variáveis econômico-financeiras e de estrutura de propriedade, utilizando regressões lineares múltiplas e modelos logit. A vantagem de financiamento surge como motivação relevante. As pirâmides também potencializam os desvios de direitos, o que agrava o problema do risco moral. Entretanto, há relação positiva entre características de estruturas piramidais e payout de dividendos, e negativa com a disponibilidade de caixa, o que pode sinalizar iniciativas de amenizar o risco de expropriação percebido pelo mercado, reduzindo o caixa disponível ao livre arbítrio dos gestores. Algumas entrevistas com auditores, advogados e conselheiros foram feitas com o objetivo de explorar outras possíveis explicações. Surgiram como relevantes: a reputação do controlador; reestruturações societárias por motivos de natureza fiscal, separação de negócios ou para organizar participações familiares; e melhores alternativas de distribuição de resultados.
Palavras-chave: governança corporativa, estrutura de propriedade, pirâmides de controle.
Abstract: Pyramidal ownership structures are widespread among Brazilian companies, and represent a way of deviation from the “one share, one vote” principle. The literature about the incidence and consequences of this mechanism is extensive; however, only recently the motivations have been studied. Among the motivations, there are: financing advantages, the implicit insurance offered by the chance of cash flow transfers between companies, fiscal advantages and the moral risk. This paper investigates these motivations analyzing the ownership structure of 271 Brazilian companies traded in the stock exchange in 2004 and 257 in 2006. Cash flow and control rights are observed until the ultimate owner. The data shows an evolution of structures toward a less concentrated and lower mismatch between cash flow and voting rights. Motivations are analyzed through economic and financial variables using multiple linear regressions and logit models. Financing advantages emerge as a relevant reason. Pyramids also leverage the mismatch between cash flow and voting rights exacerbating the moral risk problem. However, there is a positive relationship between pyramidal structures characteristics and dividend payout, and negative with cash availability. These lessen the risk of expropriation since the cash flow available to the discretion of controlling managers is lower. Some interviews with board directors, auditors and lawyers were done to explore other possible reasons. As relevant reasons were cited: the reputation of the controlling shareholder; partnership reorganization for fiscal, business separation and family members ownership arrangements; the construction of better profit distribution alternatives.
Keywords: corporate governance, ownership structure, pyramids.
Introdução
A partir de Berle e Means (1932) iniciam-se as discussões sobre os efeitos sobre as corporações da separação entre controle (exercido pelos gestores) e a propriedade (dispersa entre vários pequenos acionistas).
As consequências dessa separação sobre o alinhamento de interesses entre os acionistas e gestores levaram ao desenvolvimento da Teoria da Agência. Jensen e Meckling (1976) definem custos de agência e como se apresentam aos diversos tipos de fornecedores de capital dada a separação entre controle e propriedade.
A configuração de propriedade estudada nestas pesquisas é comum em países como EUA e Reino Unido, nos quais a maioria das ações está dispersa nas mãos de um grande número de pequenos acionistas.
Entretanto, a partir de La Porta et al. (1999), foi possível identificar que, fora dos EUA e do Reino Unido, o modelo que prevalece é o da concentração de controle em mãos de poucos acionistas. Os autores investigaram estruturas de propriedade em 27 diferentes países, observando estruturas diretas e indiretas de controle. O conflito preponderante não é entre acionistas e gestores, mas sim entre acionistas controladores e acionistas minoritários. Além da concentração de controle, a pesquisa identificou que o poder dos acionistas controladores sobre as firmas é significativamente maior que os direitos desses sobre o caixa distribuído. Essa discrepância é o que define o desvio de direitos, que agrava os conflitos de interesse entre as partes.
O desvio de direitos também representa um afastamento do princípio “uma ação, um voto”, reconhecido como boa prática de governança corporativa (IBGC, 2009). Entre os recursos usualmente utilizados para obter essa separação estão (i) estruturas piramidais de propriedade; (ii) emissão de ações sem direito a voto; (iii) posse cruzada de ações e (iv) acordos de votos (Aldrighi e Mazzer Neto, 2007).
As pesquisas sobre estrutura de propriedade, desvios de direitos e seus mecanismos é extensa; entretanto, não há consenso acerca de seus impactos sobre valor e desempenho das firmas. Demsetz e Lehn (1985) não encontram relação entre concentração de controle e desempenho, Demsetz e Villalonga (2001) não a encontram entre estrutura de propriedade e performance, assim como Himmelberg et al. (1999). Esses trabalhos concentraram-se no mercado norte-americano. Hughes (2005), analisando empresas no Reino Unido, encontra impacto negativo apenas quando os direitos sobre voto são mais do que o dobro dos direitos sobre o caixa distribuído. Entretanto, pesquisas realizadas em outros países chegam a resultados diferentes. Claessens et al. (2002) e Da Silva e Leal (2006), analisando respectivamente países do sudeste asiático e o Brasil, encontram relação positiva do valor com os direitos sobre o caixa e negativa com os desvios de direitos.
A utilização de estruturas piramidais de controle é intensa no Brasil. Segundo Aldrighi e Mazzer Neto (2007), 50,5% das empresas de capital aberto analisadas no período 1997 a 2002 possuíam algum grau de estrutura piramidal. A literatura existente, extensa na análise da presença e impactos das estruturas piramidais, ainda é recente na formulação de teorias para sua adoção. Os trabalhos relacionados ao objetivo desta pesquisa são apresentados na revisão de literatura a seguir.
A presente pesquisa concentra-se nesse tipo de estrutura de propriedade. O objetivo é identificar os motivos da adoção dessa forma de desvio de direitos. É possível observar as motivações apontadas na literatura, tais como: alavancagem do controle, vantagens de financiamento, menor pagamento de impostos, formação de mercado de capitais interno? É possível identificar outras razões?
Para a investigação do problema as participações acionárias são calculadas até se chegar ao acionista último. As análises quantitativas são feitas a partir de variáveis econômico-financeiras e de estrutura de propriedade, utilizando modelos de regressão linear múltipla e de escolha qualitativa (logit). Como as análises quantitativas ficam restritas às variáveis financeiras e de estrutura de propriedade, procurou-se identificar outras possíveis respostas para o problema por meio de entrevistas com profissionais de mercado (auditores, conselheiros e advogados). As entrevistas são utilizadas apenas como fontes de outras possíveis motivações para a adoção de pirâmides de controle, não sendo possível extrair delas conclusões que possam ser generalizadas.
Revisão de literatura
As pesquisas sobre motivações para formação de pirâmides de controle estão ainda longe de algum consenso. Os principais trabalhos são aqui relatados e organizados pelos motivos investigados com maior frequência.
Obtenção do controle com menor investimento
Estruturas piramidais de controle podem ser mais efetivas na apropriação de direitos de controle do que outras formas de desvios de direitos, conforme explicam Lim e Kim (2005). Como exemplo, suponha que uma firma A considere investir em uma firma B. Se o controle é obtido com a posse de 20% da empresa e o acionista detém 20% das ações de A, B pode ser estabelecida como uma subsidiária controlada por A, ou seja, a firma A investiria em 20% das ações de B. Dessa forma, o acionista de A controla A e B, com direito a 4% apenas do fluxo de caixa de B. Se B fosse estabelecida em uma estrutura horizontal, independente de A, o acionista teria que investir em 20% das ações de B. Para que conseguisse o controle investindo os mesmos 4% dos direitos sobre fluxo de caixa do arranjo piramidal, a firma B precisaria ser estabelecida com 20% de ações com direito a voto e 80% com ações sem direito a voto. Mesmo assim, o acionista estaria investindo mais, pois, além dos 20% de A, teria que adquirir 4% de B. Ou seja, do ponto de vista do controlador, a pirâmide é mais eficiente na obtenção do controle com menor investimento. O arranjo piramidal oferece ainda a vantagem, segundo os autores, de reduzir o risco de uma tomada de controle, pois, no caso da pirâmide, o controle custaria os 20% das ações de B, mas sob o esquema de ações sem direito a voto bastaria obter 20% das ações com direito a voto, ou seja, 4% do total de ações.
O exemplo acima leva a explicação tradicional da utilização de pirâmides de controle como forma de obter o controle com menor investimento, ou seja, com elevados desvios entre direitos sobre fluxo de caixa e controle. Entretanto, há evidências empíricas contrárias a essa visão em diversos países. Leal et al. (2002), analisando as estruturas de controle direto e indireto das empresas brasileiras, concluem que a utilização de pirâmides como um mecanismo de manutenção de controle a um custo menor, isto é, com um investimento menor no capital total, não é muito comum. Os acionistas controladores brasileiros investem em média muito mais do que o mínimo necessário para manter o controle nas suas companhias.
Leal e Da Silva (2006) mostram que estruturas piramidais e ações sem direito a voto continuam sendo largamente utilizadas para concentrar o controle com reduzido investimento na companhia. Os autores observam que valor e performance são positivamente relacionados com a concentração do fluxo de caixa e negativamente relacionados com a concentração do controle.
Esses estudos contestam a visão de que pirâmides existem para separar direitos de controle e de fluxo de caixa. As evidências mostram que no Brasil essa separação não é grande. Também se observam pirâmides sendo utilizadas em níveis de separação entre direitos de controle e caixa que poderiam ser atingidos com emissão de ações sem direito a voto. Segundo Aldrighi e Mazzer Neto (2007) a motivação precisa do uso de pirâmides merece ainda esclarecimentos.
Vantagens de financiamento
No modelo teórico desenvolvido por Almeida e Wolfenzon (2006), a escolha entre estrutura piramidal ou horizontal é baseada em variáveis tais como nível de proteção legal, investimentos e receitas geradas pela empresa a ser implantada e desvio da receita na nova empresa. Esse modelo prevê que é possível sim observar pirâmides com alto nível de concentração de controle, o que ocorre em ambientes de baixa proteção legal ao investidor e alta demanda de investimento com baixo retorno no novo negócio. As pirâmides oferecem, segundo os autores, uma vantagem de financiamento sobre as estruturas horizontais na medida em que o controlador da firma de origem tem acesso a todo o caixa gerado por essa e que pode ser utilizado na implantação da nova firma.
Masulis et al. (2009), analisando estruturas piramidais em 45 países e os impactos sobre o valor da firma, encontram evidências favoráveis à vantagem de financiamento, sendo os grupos empresariais um importante substituto para o mercado financeiro como fonte de financiamento de projetos, especialmente em mercados pouco desenvolvidos.
Aldrighi e Postali (2011), analisando empresas de capital aberto brasileiras no período 1997-2002, tentam identificar as motivações para adoção de pirâmides por meio de modelos de escolha qualitativa (probit). Encontram evidências em parte coerentes com a teoria acima descrita e uma relação fraca com o argumento mais comum sobre expropriação.
Formação de um mercado de capitais interno
Riyanto e Toolsema (2008), por meio de modelo teórico, relacionam a existência da propriedade piramidal com os fluxos de caixa entre companhias, resultado de transações com partes relacionadas. Os autores usam duas definições: tunneling e propping. O tunneling refere-se à transferência de recursos de uma empresa na base da pirâmide para as que estão nos níveis superiores beneficiando os controladores, e o propping ocorre no sentido contrário, com o objetivo de salvar as empresas na base da pirâmide. Para os autores, o tunneling só justificaria a existência das pirâmides se os investidores fossem “míopes”; caso contrário, antecipariam esse risco e ajustariam o preço que estariam dispostos a pagar pelas ações da empresa. Com o propping, entretanto, eles estariam dispostos a aceitar algum nível de expropriação em troca do seguro implícito contra dificuldades financeiras, representado pela possibilidade de receber recursos das empresas no topo da pirâmide. No modelo teórico, a pirâmide surge como solução ótima quando a probabilidade de dificuldades financeiras é alta e o investidor racional considera o seguro implícito na transferência de recursos de cima para baixo na pirâmide.
O funcionamento de um mercado de capitais interno nos grupos empresariais indianos é estudado por Gopalan et al. (2007). Os autores identificam que, por meio de empréstimos, os recursos são transferidos entre empresas para auxiliar as que estão em dificuldades financeiras. A justificativa para tal reside nas consequências negativas da falência de uma empresa do grupo sobre todas as demais, como uma maior dificuldade de financiamento.
Masulis et al. (2009) estudam as relações intra-grupo em 45 países e, ao contrário de trabalhos anteriores, que ressaltavam o risco de expropriação de minoritários, encontram, após controlar problemas de endogeneidade, que a estrutura do grupo ajuda a incrementar o valor da firma. As empresas localizadas no fim da pirâmide têm maior Q de Tobin[1]. As análises no nível dos países mostram que financiamento externo, taxação e fatores regulatórios são mais relevantes na explicação do surgimento das pirâmides do que o ambiente de governança de cada país.
Motivações relacionadas à tributação
Segundo Morck (2003), a dupla taxação de dividendos, quando distribuídos a empresas (e não indivíduos), implantada nos EUA a partir do New Deal em 1932, é a explicação para a pouca incidência de pirâmides de controle naquele país. Havendo várias empresas na cadeia de participações da pirâmide até o acionista último, a taxação dos dividendos passou a ser custosa. Para o autor, as estruturas piramidais estão associadas a problemas de governança e concentração de poder econômico, podendo também ser uma forma de reduzir o pagamento de tributos.
Essa visão, entretanto, é contestada por Bank e Cheffins (2010). Os autores, a partir da análise de documentos antigos, mostram que as estruturas piramidais já eram raras antes da mudança na taxação de dividendos em 1932. As pirâmides só eram comuns entre as empresas de utilidades (ex.: energia, Telecom, ferrovias). Entretanto, os autores não apresentam uma explicação alternativa à diferente configuração americana em relação ao modelo predominante no resto do mundo.
Procianoy (2001) analisa as razões para formação de grupos econômicos no Brasil, com especial interesse nos grupos com mais de uma companhia aberta. Entre as motivações, o autor analisa a taxação sobre lucro e receita, e conclui que, sob esse aspecto, não seria interessante a formação de estruturas piramidais.
Risco moral
A literatura mostra que o risco moral tem relação com a estrutura de propriedade. Ambientes com baixa proteção legal aos investidores minoritários apresentam problemas de risco moral. Investidores externos, incertos sobre as decisões dos gestores e controladores, aceitam pagar menos por essas ações. Como consequê
A literatura mostra que o risco moral tem relação com a estrutura de propriedade. Ambientes com baixa proteção legal aos investidores minoritários apresentam problemas de risco moral. Investidores externos, incertos sobre as decisões dos gestores e controladores, aceitam pagar menos por essas ações. Como consequência, o financiamento interno, via caixa de uma empresa já estabelecida, surge como solução, favorecendo a formação de estruturas piramidais (Masulis et al., 2009; Almeida e Wolfenzon, 2006). Para Himmelberg et al. (1999), em empresas mais arriscadas o escopo para problemas com risco moral é também maior. Os autores utilizam como proxies para risco moral variáveis como: tamanho da firma, tangibilidade dos ativos, fluxo de caixa e taxa de investimentos entre outras.
O desempenho das ações no mercado também influencia a estrutura de propriedade. Helwege et al. (2007) encontram que o desempenho e a liquidez das ações no mercado favorecem uma menor concentração de controle. Essas empresas, por estarem sob maior monitoramento do mercado, provavelmente terão menor risco de expropriação de minoritários.
Em uma pesquisa com empresas canadenses no período de 1994 a 1996, Attig et al. (2004), investigam várias motivações e percebem que a probabilidade de filiação a uma estrutura piramidal de controle aumenta com o desvio de direitos entre controle e fluxo de caixa, e com os investimentos. O tamanho e o fato de ter família no controle também afeta positivamente a probabilidade. Os pagamentos de dividendos tendem a satisfazer as preferências do acionista último, tendo relação positiva com a probabilidade de formar pirâmide quando o acionista último é uma família.
Metodologia
Bases de dados e definição da amostra
A base de dados objeto da pesquisa é composta de empresas financeiras e não financeiras listadas na BOVESPA em 2004 e 2006. A amostra foi restrita às empresas que tiveram suas ações negociadas pelo menos uma vez ao longo de cada ano. Foram observadas 271 empresas no ano de 2004 e 257 empresas em 2006. Os dados contábeis e financeiros foram obtidos na base de dados Economática.
Para análise da estrutura de propriedade foram observadas as participações direta e indireta, e a existência de ações sem direito a voto. As participações indiretas são investigadas até que se encontre o acionista último na cadeia de participações. O acionista último é em geral uma pessoa física, uma sociedade limitada ou empresa internacional, casos em que não se identificam participações posteriores.
As composições acionárias foram obtidas no site Infoinvest que organiza as informações da cadeia de participações acionárias até o último acionista. Esses foram classificados em: empresa estrangeira, governo, pessoa física, fundo de investimento internacional, fundo de investimento nacional, fundo de pensão, bancos, empresa nacional e fundação.
Cálculo das participações diretas e indiretas e critério de classificação das estruturas de propriedade
Como no Brasil é permitida a emissão de ações com e sem direito a voto, foram analisados dois tipos de participação: participação no controle e participação total. A participação total leva em conta a quantidade total de ações, sejam elas com ou sem direito a voto, de um acionista, e representa os direitos daquele acionista sobre o fluxo de caixa gerado pela empresa. A participação no controle leva em conta somente a quantidade de ações com direito a voto de cada acionista. As participações são calculadas para o maior, 3 e 5 maiores acionistas.
Os cálculos de participações direta e indireta basearam-se na metodologia desenvolvida por Da Silva (2002). O método supera a dificuldade da metodologia internacional que considera para o cálculo do percentual de controle o menor percentual na cadeia entre o acionista último e a empresa que se está observando. Nessa abordagem, a soma dos percentuais de controle indireto de mais de um acionista pode ultrapassar 100%. Da Silva (2002) também usa o critério do menor valor na cadeia de direitos de voto, porém limita o somatório dos menores valores à participação direta na cadeia de direitos de voto. O autor usa como exemplo a situação descrita na Figura 1. As participações na propriedade seguem o critério da multiplicação dos percentuais. Assim, X tem 35,70% (51% x 70%), Y tem 28% (40% x 70%), W tem 6,30% (9% x 70%) e Z tem 30%. Os percentuais de participação no controle serão: 70% para X, pois esse tem o controle de A, que detém os 70%; Y e W indiretamente ficam com 0% de B, e Z tem direta e indiretamente 30% do controle de B. A soma dos percentuais de controle é de 100%, e não os 130% que se encontraria com o método do menor percentual da cadeia de participações (51% de A + 40% de Y + 9% de W + 30% de Z).
Como o presente trabalho tem como objetivo principal entender o que determina, no caso brasileiro, uma dada estrutura de propriedade, foi criado um critério inicial de classificação. Os diferentes tipos de organização da estrutura de propriedade foram divididos em grupos de acordo com a lógica descrita na Figura 2. O critério separa as empresas de acordo com o controle (se há acionista majoritário, se o controle é compartilhado por até cinco acionistas ou disperso em mais do que cinco acionistas), com a estrutura (se é piramidal ou horizontal) e se o controle é diluído ou concentrado ao longo da cadeia de participações.
Métodos quantitativos e definição das variáveis
A investigação do que determina a estrutura de propriedade piramidal é feita por meio da análise de variáveis dependentes dicotômicas e métricas.
A análise da probabilidade de formação de estrutura piramidal de controle é feita pelos modelos logit. Como variáveis dependentes, são utilizados dois tipos de classificação gerados a partir do critério de classificação descrito anteriormente. As empresas são separadas primeiramente entre as que têm estrutura horizontal e as em pirâmide; o segundo critério soma às horizontais aquelas empresas que têm pirâmides com acionista último com mais de 50% dos votos, ou seja, com controle direto.
Duas importantes características das estruturas de propriedade são o desvio de direitos e a quantidade de níveis na pirâmide de controle até a identificação dos acionistas últimos. O desvio de direitos é relevante na medida em que, quanto maior, maior o incentivo para a expropriação de minoritários. A quantidade de níveis relaciona-se à complexidade da estrutura de participações. Na amostra são observadas estruturas com até 12 níveis. Assim, investiga-se se é possível identificar características especiais nessas estruturas mais longas. Essas análises são feitas com modelos de regressão linear múltipla, estimadas por mínimos quadrados ordinários com erros robustos à heterocedasticidade de White.
Como variáveis explicativas nos modelos logit e de regressão linear múltipla, buscou-se definir proxies adequadas a partir de variáveis econômico-financeiras. Os valores médios são sempre referentes a três anos, 2002 a 2004 para as empresas observadas em 2004 e 2004 a 2006 para as de 2006. As variáveis podem ser agrupadas da seguinte forma de acordo com as teorias apresentadas na revisão de literatura:
Obtenção do controle com menor investimento: desvio de direitos (razão entre direitos de voto e direitos sobre caixa).
Vantagens de financiamento: variação percentual no imobilizado; crescimento da receita bruta nos últimos três anos; média do logaritmo natural do valor dos ativos.
Formação de um mercado de capitais interno: média do relacionamento com controladas sobre o ativo total (o valor do relacionamento é a soma dos valores a pagar e receber de curto e longo prazo).
Motivações relacionadas à tributação: média da provisão para IR sobre o EBIT.
Risco Moral: média do lucro operacional, média do payout, média das despesas financeiras, razão dívida líquida/patrimônio líquido, liquidez da ação mais líquida, beta no ano calculado pela Economática.
Entrevistas
As entrevistas tiveram como objetivo identificar, a partir da visão de profissionais atuantes no mercado, possíveis motivações para a estrutura de propriedade em pirâmide que ainda não tivessem sido abordados pela literatura acadêmica, ou que fossem de difícil definição a partir de variáveis econômico-financeiras.
O objetivo não é tirar ou generalizar conclusões, e sim obter insights sobre outros motivos, mesmo que esses não possam ser refletidos nas análises quantitativas desta pesquisa. A definição dos entrevistados foi feita buscando-se profissionais com experiência relevante para análise da questão e por conveniência do pesquisador.
Foram entrevistados: (i) dois conselheiros de administração, sendo um deles representante de um importante fundo de pensão, (ii) um auditor fiscal sócio de uma grande empresa de auditoria e (iii) um advogado da área societária, sócio de um escritório que tem assessorado inúmeras empresas em suas colocações de ações no mercado. As entrevistas foram feitas em reuniões presenciais com os entrevistados e aconteceram entre setembro e novembro de 2009. As entrevistas não seguiram um questionário de forma rígida, permitindo que o entrevistado falasse livremente sobre o tema.
Resultados
Os resultados das análises são apresentados em quatro partes, compreendendo: (i) a análise das entrevistas, (ii) das estruturas de propriedade, (iii) dos modelos logit e (iv) dos modelos de regressão linear múltipla.
Da análise das entrevistas
A diversidade das experiências dos profissionais escolhidos para as entrevistas permitiram observar a opinião de diferentes públicos importantes no relacionamento das empresas com o mercado: conselheiros de administração, auditores, advogados societários e investidores institucionais.
Em algumas questões, a visão desses diferentes profissionais se aproxima, em outras, as diferenças mostram os enfoques e interesses dos diferentes papéis. O ponto em comum mais relevante foi a importância da reputação do controlador. Na experiência desses profissionais, uma estrutura complexa em vários níveis pode ser aceita se o mercado entende que quem a controla tem competência na gestão dos negócios. Foram citados exemplos como o grupo GP, banco Pactual, e o empresário brasileiro Eike Baptista.
Outro ponto em comum é a questão do financiamento, abordado também na literatura acadêmica. Para esses profissionais, a organização em pirâmide surge muitas vezes como forma de viabilizar investimentos de maior porte. O conselheiro do fundo de pensão citou como exemplo uma indústria intensiva em capital como a de papel e celulose. Se há oportunidade para uma nova unidade de produção, mas a empresa atual não dispõe de todo o capital necessário, uma solução pode ser montar uma subsidiária, atraindo um novo sócio que aporte uma parte do investimento e que não detenha o controle da nova empresa.
Apesar de entender essa vantagem o conselheiro do fundo de pensão citou como inconveniente o fato de que essa linha de ação de uma empresa investida pode levar o fundo de pensão a participar de negócios de forma involuntária, dificultando a gestão das participações.
Quanto à utilização de pirâmides como forma de diluir o risco por meio do fluxo de caixa entre as empresas (empréstimos entre companhias, investimentos), o advogado societário não acredita ser essa uma razão importante; na sua experiência em reorganizações societárias, antes das ofertas de ações ele observa que o controlador acredita no negócio e, se pudesse, investiria mais nele. O objetivo da pirâmide não é ter o controle com um capital mínimo, mas sim viabilizar investimentos atraindo novos sócios e, se possível, sem abrir mão do controle. O auditor fiscal também mencionou clientes que jamais conseguiriam conviver com o compartilhamento do controle ao longo de uma cadeia de participações de uma pirâmide. Essas colocações estão coerentes com os dados de concentração de controle desta pesquisa e de artigos acadêmicos citados na revisão de literatura.
Para o advogado societário, a organização em pirâmides nunca é o objetivo, mas sim a consequência. Em reestruturações anteriores à abertura de capital, elas podem surgir por razões de natureza fiscal (incorporações para aproveitamento de prejuízos e benefícios fiscais), por natureza de separação de negócios (p. ex., para separar patrimônio imobiliário do operacional), ou para proteger a família de uma tomada de controle. A questão familiar foi citada por todos os entrevistados. Quando a família está na segunda ou na terceira geração, a organização das participações em holdings ajuda a “blindar” a empresa das questões familiares. A pirâmide também pode proteger o controle quando esse está distribuído entre acionistas em uma aliança instável.
No Brasil, as alternativas de distribuição de lucros mais frequentemente utilizadas pelas empresas são os dividendos e os juros sobre capital próprio (JSCP), sendo quase a totalidade dos lucros distribuídos por meio desses (Decourt e Procianoy, 2009). Na entrevista com o auditor tributário, essas alternativas foram apresentadas e a desvantagem da distribuição por JSCP em pirâmides com muitos níveis ficou clara, como mostraremos a seguir. Considere-se uma cadeia de participações que se inicia em uma empresa A que tem como acionista último uma empresa D, entre elas havendo as empresas B e C. A empresa A tem $100 em lucro a ser distribuído (ver Figura 3) e capital igual a $150. A distribuição por dividendos representa um recebimento pela empresa B de $66; esse valor é contabilizado em B como resultado de equivalência patrimonial e não é tributado. A empresa C receberá integralmente os mesmos $66 sem que haja redução por qualquer tributação e o repasse a D será no mesmo valor de $66.
A opção de distribuir parte do lucro como Juros Sobre Capital Próprio (JSCP) permite à empresa que o distribui contabilizar o valor pago como despesa financeira, abatendo-o da base de cálculo do imposto de renda (IR). O valor máximo a ser distribuído é $15, supondo uma taxa de juros de longo prazo igual a 10% (TJLP x Capital Próprio = 10% x $150 = $15). Para o acionista que recebe o JSCP, há retenção de IR na fonte de 15%; no exemplo B, recebe $12,75 ($15,00 - $2,25), e não os $15 integralmente. Além desse valor, B recebe $56,10 do lucro de A como dividendos. O JSCP recebido por B é contabilizado como receita financeira, mas, ao repassar a C, ele também pode ser distribuído como JSCP, anulando os efeitos sobre o IR de B. Além disso, o imposto que já foi retido na fonte pela empresa operacional que gerou o lucro também pode ser repassado. Dessa forma, o repasse aconteceria integralmente sem nenhuma redução. A redução ocorre devido ao imposto que incide sobre a receita financeira. A receita financeira normalmente não paga PIS e COFINS, mas para os JSCP há dispositivo especial estipulando o pagamento. PIS e COFINS somam 9,25%, e assim o valor líquido recebido por B e repassado a C é de $11,57. Considerando os dividendos recebidos, o valor total recebido por B é de $67,67.
O repasse de B a C reproduz os valores de dividendos distribuídos a B, e o recebimento de $11,57 como JSCP paga novamente PIS e COFINS. C, portanto, recebe $66,60, ainda vantajoso em relação à distribuição exclusiva por dividendos.
A vantagem é perdida a partir do terceiro repasse. D receberá como JSCP o valor de $10,50 e, com o pagamento de PIS/COFINS e os dividendos, resulta em $65,63, valor inferior ao que receberia se a distribuição fosse somente por dividendos. Portanto, sob a ótica dos JSCP, a estrutura de propriedade mais simples é a mais eficiente.
A criação de holdings pode, entretanto, ser vantajosa para a distribuição de lucros quando em estruturas diversificadas em vários negócios há prejuízos em alguns. Na Figura 4 na Situação 1 o acionista A terá que contabilizar o prejuízo de $10, mas na Situação 2 a criação de mais uma holding permite a ele receber o caixa da distribuição do lucro de $20 por meio da holding A, e em separado contabilizar o prejuízo de $30 recebido da holding B. Quando um novo negócio é iniciado, intensivo em capital e com período de maturação longo, é comum colocá-lo na estrutura sob uma holding até que ele comece a dar lucros, quando então pode ser incorporado à estrutura existente, eliminando a holding criada e um nível da estrutura de propriedade.
Nas duas figuras anteriores estão situações relacionadas ao fluxo do dinheiro “para cima”, ou seja, o retorno do dinheiro ao acionista. Entretanto, há casos em que, no fluxo “para baixo”, a criação de estruturas indiretas de controle também pode ser uma solução. Quando um determinado negócio é capital intensivo, como geração de energia, por exemplo, o imobilizado é muito alto e os prazos de depreciação são longos. A depreciação leva a uma acumulação de caixa de difícil distribuição aos acionistas, é o chamado trapped cash. Essa situação gera uma oportunidade de aplicar esse caixa por meio do investimento em novas empresas, podendo ser uma justificativa para a formação de novas empresas em pirâmides de controle. Outra forma de retornar esse caixa ao acionista seria pela redução de capital; entretanto, isso pode significar um sinal ruim ao mercado de que a continuidade da empresa pode ser comprometida ou que ela não consegue encontrar boas oportunidades de investimento.
Da análise das estruturas de propriedade
Nas amostras como um todo foram observadas reduções na participação do maior acionista tanto direta (de 64,75% em 2004 para 59,03% em 2006) quanto indiretamente (de 49,66% em 2004 para 46,36% em 2006). O desvio de direitos, avaliado como a relação entre os direitos de controle e propriedade, também foi reduzido tanto para o maior (1,81 para 1,67) quanto para os três (1,67 para 1,49) e cinco maiores acionistas (1,62 para 1,43). Esses dados mostram uma melhora em direção a estruturas com menores desvios e menor concentração de controle. Em relação à identidade do maior acionista último observou-se um aumento na presença de fundos de investimento internacionais e empresas nacionais e redução na presença de empresas estrangeiras e fundações. Essas e outras estatísticas não são apresentadas por questões de espaço e podem ser fornecidas quando solicitadas.
O modelo de classificação apresentado na Figura 2 foi aplicado às amostras de 2004 e 2006. A Tabela 1 apresenta algumas características dos grupos. A frequência de pirâmides e estruturas horizontais na amostra não se altera muito de 2004 para 2006, sendo a estrutura horizontal cerca de 23% das amostras. As classes em que há um acionista majoritário e essa condição se mantêm ao longo da estrutura (HDEFDIR e PCONTDIR), e tiveram sua representatividade reduzida de 2004 para 2006 (43% para 38% na soma das duas classes em 2004 e 2006 respectivamente).
Em algumas situações a participação direta majoritária não se mantém ao longo da pirâmide e a concentração do controle pode diminuir. Neste caso, a classificação identifica dois grupos: um em que o controle é compartilhado por até cinco acionistas (PDILCOMP) e aquele em que o controle é disperso entre mais de cinco grandes acionistas (PDILDISP). O critério adotado não leva em consideração os acordos de acionistas, pois se entende que, se a maioria dos votos está concentrada em um grupo pequeno de acionistas, a possibilidade de votações em acordo ocorre mesmo que não existam acordos formais. Além disso, o acordo de acionistas ocorre no primeiro nível, ou seja, entre os acionistas com participação direta na empresa, e a pesquisa analisa a estrutura indireta até o último acionista que pode estar várias empresas abaixo na pirâmide de participações e não diretamente signatários do acordo de acionistas. O controle é considerado disperso se mais de 50% dos votos não estão nas mãos dos cinco maiores acionistas. Essas duas classes representavam 29% da amostra em 2004 e 27% em 2006.
Quando não há participação direta de um acionista majoritário, o controle pode ser compartilhado ou disperso. Na estrutura horizontal, as classes HCOMP e HDISP representavam 8% da amostra em 2004 e 9% em 2006. Nas organizações em pirâmide as classes PCONTCOMP e PCONTDISP tiveram aumento de 19% para 23% das amostras de 2004 e 2006. Esses dados, em conjunto com a redução nas participações do maior acionista e no desvio de direitos, são resultados da tendência em relação à menor concentração do controle ao longo da cadeia de participações.
Os menores desvios de direitos ocorrem na estrutura horizontal com controle disperso, ou seja, em que mais de 50% dos votos não se concentram em até cinco acionistas (1,18 em 2004 e 1,03 em 2006). Em outro extremo, está o controle disperso nas pirâmides com acionista majoritário, ou seja, nas situações em que o controle direto é diluído em mais de cinco acionistas até o final da cadeia de participações. Nessa classe (PDILDISP), o desvio de direitos médio em 2004 foi de 2,21, e em 2006 foi de 1,99. Embora seja esse um grupo de desvio de direitos altos, também se observou uma melhora de 2004 para 2006.
As pirâmides mais extensas, com maior quantidade de níveis até o acionista último, são, conforme esperado, aquelas em que ocorre a diluição do controle e, consequentemente, observam-se maiores desvios de direitos. Nas amostras, os grupos PDILCOMP e PDILDISP têm entre 3,7 e 6 níveis em média.
Quanto à identidade do maior acionista último, é interessante observar que as empresas estrangeiras são mais frequentes nas estruturas piramidais em que o controle majoritário é mantido ao longo da cadeia (PCONTDIR). Já os fundos de investimento internacionais são mais frequentes nas estruturas horizontais em que o controle é dividido por mais de cinco acionistas (HDISP). O governo é o maior acionista com maior frequência no grupo em que a estrutura é horizontal com controle majoritário (HDEFDIR).
Dos modelos logit
A seguir, as características das estruturas são avaliadas por meio de modelos logit, com resultados reportados na Tabela 2. As estruturas foram separadas de acordo com dois critérios: o primeiro separando pirâmides de estruturas horizontais (Painel A) e o segundo separando as estruturas com muitos níveis das com poucos níveis (Painel B).
onde é uma variável binária conforme descrito nos Painéis A e B abaixo. é um vetor de variáveis de acordo com cada modelo descrito abaixo. As amostras de 2004 e 2006 foram tratadas conjuntamente com o possível efeito do ano sendo tratado por variável dummy (dano). Valores médios, variações e crescimentos foram sempre calculados com base em 2002 a 2004 para a estrutura observada em 2004; e 2004 a 2006 para a estrutura observada em 2006. Variáveis binárias representando os setores da base de dados Economática foram consideradas em algumas regressões com coeficientes não reportados por questões de espaço. Modelos calculados com erros padrão robustos. Estatísticas z entre parênteses e ***, ** e * representam significância estatística respectivamente a 1%, 5% e 10%.
Os dados do Painel A mostram três modelos. O primeiro inclui a medida beta de risco, que, por depender da liquidez das ações, está disponível em um menor número de empresas da amostra. Para aumentar o número de observações, no modelo 2, essa variável é retirada. O modelo 3 testa os resultados, incluindo dummies por setor.
Nos três modelos, observa-se o efeito positivo do desvio de direitos sobre a probabilidade de a estrutura ser piramidal, o que sinaliza que a teoria sobre a obtenção do controle com menor investimento pode explicar em parte a motivação. O resultado é também coerente com o encontrado por Attig et al. (2004) em pesquisa sobre as empresas canadenses.
Resultado semelhante também foi encontrado em relação à variável tamanho, com relação positiva com a probabilidade de ser pirâmide. Aqui, a teoria que parece se confirmar é a da estrutura piramidal como vantagem de financiamento.
A identidade do acionista último só afeta a probabilidade quando esse é governo, sendo a relação negativa. No Brasil, as empresas estatais têm o governo como acionista majoritário em estruturas de controle mais simples, o que explica o resultado encontrado. Apesar de ser o tipo mais frequente na amostra (ver Identidade do Maior Acionista Último na Tabela 1), pessoa física como acionista último não afeta a probabilidade, ao contrário do encontrado na amostra canadense por Attig et. al. (2004).
Também surge de forma consistente nos três modelos a relação significativa do pagamento de dividendos (média do payout) com sinal positivo em relação à probabilidade de ser pirâmide. O maior pagamento de dividendos pode ser para reduzir o risco moral, assegurando ao acionista externo que não há excesso de recursos na empresa sujeitos a expropriação por gestores ou controladores. Esse resultado também é coerente com o explicado anteriormente sobre a vantagem dos dividendos sobre o JSCP como forma de distribuição de lucros em estruturas piramidais extensas.
O pagamento de impostos afeta positivamente a probabilidade de existir estrutura piramidal de propriedade. Esse resultado enfraquece explicações em que as pirâmides trariam formas de reduzir o pagamento de impostos.
É possível observar na amostra pirâmides com até 12 níveis até o acionista último. A caracterização da opção por mais níveis foi feita na pesquisa até aqui dividindo a amostra em um grupo com até quatro níveis na estrutura e outro com mais de quatro níveis. A investigação com modelos logit é apresentada no Painel B da Tabela 2. Quando observada dessa forma, as características que mais consistentemente diferenciam os grupos são o tamanho e o desvio de direitos do maior acionista último. Ambos têm relação forte e negativa com a probabilidade de ter menos de quatro níveis na estrutura, favorecendo, respectivamente, as teorias sobre vantagem de financiamento e obtenção do controle com menor investimento.
A provisão para impostos e o pagamento de dividendos que foram relevantes quando o desvio de direitos foi analisado em regressões, e aqui surgem como pouco significativos, embora os sinais negativos estejam coerentes com as conclusões anteriores.
Dos resultados das regressões lineares múltiplas
A Tabela 3 apresenta os resultados das principais regressões realizadas. Foram observadas duas variáveis dependentes: desvio de direitos e quantidade de níveis até o acionista último.
Para a variável dependente desvio de direitos, foram testadas as variáveis relacionadas às teorias expostas nesta pesquisa e incluídas três variáveis: quantidade de níveis e duas variáveis dummies para identificar as estruturas piramidais. O objetivo é verificar se essas características potencializam, de fato, os desvios de direitos. A questão é relevante, uma vez que desvios também podem existir em estruturas horizontais com ações sem direito a voto.
A relação positiva da quantidade de níveis na estrutura até o acionista último com o desvio de direitos mostra que pirâmides extensas permitem uma maior alavancagem dos direitos de voto.
Quando a quantidade de níveis é substituída pelas dummies que identificam pirâmides e pirâmides sem acionista último com mais de 50% dos votos, essas mostram relação positiva com significância estatística maior do que a quantidade de níveis. Isso mostra que a estrutura em pirâmide potencializa os desvios de direitos.
Outras duas variáveis apresentaram relevância estatística de forma consistente entre os diversos modelos avaliados: a provisão para imposto de renda em relação ao EBIT, e o lucro operacional. A relação é positiva com a provisão de imposto de renda, o que é contrário à visão de que pirâmides poderiam facilitar o planejamento tributário reduzindo o pagamento de impostos. O lucro operacional usado como proxy para disponibilidade de caixa tem relação negativa com o desvio de direitos. Ressalvas feitas à adequação dessa proxy, os resultados aqui são contrários à argumentação do risco moral. Empresas com menor disponibilidade de caixa têm maior desvio de direitos, quando a teoria sinalizaria o contrário, com maior caixa sujeito ao livre arbítrio dos gestores e controladores.
As proxies para tamanho (média do ln do ativo total), investimento (variação no imobilizado e crescimento da receita bruta), fluxo de caixa entre empresas (média do relacionamento com controladas sobre o ativo total) e pagamento de dividendos (média do payout) não são significativas nas regressões em relação ao desvio de direitos.
Outra característica das estruturas é a extensão da estrutura de propriedade, avaliada pela quantidade de níveis até o acionista último. As regressões de (4) a (6) têm a quantidade de níveis como variável dependente. Nessas, o tamanho tem relação forte e positiva com a quantidade de níveis; empresas maiores tendem a se organizar em pirâmides com mais níveis, o que reforça a teoria da vantagem de financiamento destas estruturas.
O pagamento de impostos tem efeito pequeno, porém significativamente positivo, contrário à ideia de que essas estruturas trariam vantagens fiscais.
A disponibilidade de caixa, aproximada pelo lucro operacional, mostra relação significativa e negativa com a quantidade de níveis até o acionista último. Pelo exposto pela teoria do risco moral, seria esperado que estruturas mais longas apresentassem maior disponibilidade de caixa, sujeito à discricionariedade dos gestores. O resultado contrário e a relação positiva e significativa do pagamento de dividendos (média do payout) com a quantidade de níveis podem ser uma tentativa das firmas de sinalizar ao mercado um menor risco de expropriação, uma vez que há menor caixa disponível para tal.
Conclusão
A pesquisa investigou possíveis determinantes à adoção de estruturas piramidais de controle em empresas brasileiras. Foram estudadas 271 empresas em 2004 e 257 em 2006, todas listadas na Bovespa, investigando-se as participações acionárias até o acionista último. As estruturas foram classificadas de acordo com um critério desenvolvido na pesquisa, e os resultados mostraram uma tendência em relação a estruturas com menor concentração de controle e menores desvios de direitos de 2004 para 2006.
Estruturas piramidais potencializam sim o desvio de direitos, e são tanto maiores quanto mais níveis até o acionista último. A organização das participações acionárias em pirâmide tem maiores desvios de direitos do que as estruturas horizontais, mesmo considerando os desvios de direitos resultantes das ações sem direito a voto nessas últimas.
A teoria que discute o risco moral associa o maior desvio de direitos à maior chance de expropriação de minoritários. A relação positiva do pagamento de dividendos com a probabilidade de ter estrutura piramidal, e a relação negativa entre o lucro operacional (proxy para disponibilidade de caixa) e o desvio de direitos, não mostraram como era esperada, relação entre uma possível expropriação de minoritários e estruturas em pirâmide. O maior pagamento de dividendos pode atender às preferências de remuneração dos acionistas últimos, mas também pode, somado à evidência sobre menor caixa disponível, ser uma forma de diminuir o caixa disponível ao livre arbítrio dos controladores, sinalizando ao mercado menor risco de expropriação.
A teoria sobre a vantagem de financiamento das estruturas em pirâmide pôde ser comprovada nas amostras. O tamanho da empresa afeta positivamente a probabilidade de haver estrutura piramidal e tem relação positiva com a quantidade de níveis até o acionista último. Portanto, empresas maiores e intensivas em capital são mais frequentes entre as organizadas em pirâmides com maior quantidade de níveis.
Já a teoria sobre o “seguro” fornecido pela possibilidade de fluxo de caixa entre empresas de uma pirâmide não encontrou forte comprovação nas análises. Entretanto, cabe a ressalva em relação às proxies contábeis utilizadas, que podem não refletir adequadamente as transações financeiras entre as empresas na cadeia de participações. Um exemplo disso seriam contratos comerciais ou de serviços que podem ocorrer e que não estariam refletidos nas variáveis contábeis utilizadas.
A taxação dos dividendos entre companhias é discutida na literatura para explicar a ausência de pirâmides de controle nos EUA. As hipóteses levantadas em pesquisas nacionais sobre possíveis vantagens tributárias dessas estruturas no Brasil não se confirmaram nos dados desta pesquisa. A variável utilizada para observar o pagamento do IR mostrou relação positiva com todas as métricas de estrutura piramidal.
A relação é consistentemente positiva também com o pagamento de dividendos. Aqui, a estrutura tributária no Brasil pode explicar o resultado, uma vez que a alternativa com maior benefício fiscal (a distribuição por meio de juros sobre capital próprio) é desvantajosa em estruturas piramidais com mais de três níveis até o acionista último.
Esta pesquisa buscou investigar a validade de algumas teorias sobre as motivações para adoção de estruturas piramidais de controle. Em relação à teoria sobre o “seguro implícito” oferecido por essas organizações, a análise aqui apresentada utilizou variáveis contábeis que refletem em parte o conjunto de transações financeiras que podem ocorrer entre empresas do grupo. A construção de novas proxies a partir de informações de contratos com partes relacionadas divulgadas pelas empresas pode trazer novas evidências.
Apesar de os impactos das estruturas piramidais sobre o valor da firma não serem objeto deste estudo, considerando os achados de Leal e Da Silva (2006) sobre os efeitos negativos sobre o valor da concentração de controle, fica a pergunta sobre qual o impacto da existência de estrutura piramidal e especialmente o efeito da extensão delas. O desvio de direitos obtido exclusivamente por meio de ações sem direito a voto tem menor impacto sobre o valor do que as estruturas piramidais?
As entrevistas realizadas apontaram explicações para a definição da estrutura de propriedade que não são facilmente materializáveis a partir de variáveis econômico-financeiras, como, por exemplo, a reputação do controlador/empreendedor. Além disso, estudos longitudinais, que investiguem a evolução das estruturas ao longo do tempo, também podem trazer outras evidências. Para esses tipos de estudos, entretanto, outras metodologias podem ser mais adequadas, como os estudos de casos.
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Notas