Gerenciamento de resultados nos diferentes níveis de governança corporativa
Earnings management in the different governance corporate levels
Gerenciamento de resultados nos diferentes níveis de governança corporativa
Revista Base (Administração e Contabilidade) da UNISINOS, vol. 10, núm. 1, pp. 32-42, 2013
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Recepção: 27 Outubro 2010
Aprovação: 18 Setembro 2012
Resumo: O artigo objetiva investigar a correlação entre a adesão a segmentos diferenciados de governança da Bovespa e as práticas de Gerenciamento de Resultados (GR). Tem-se por hipótese que empresas com padrão superior de Governança Corporativa (GC) apresentam menor GR. Após uma revisão da literatura dos aspectos conceituais sobre accruals, accruals discricionários e não-discricionários, de gerenciamento de resultados e sua relação com os níveis de governança corporativa da Bovespa, promove-se uma pesquisa por meio da aplicação do modelo desenvolvido por Kang e Silvaramkrishnan (1995) visando identificar accruals discricionários nos diferentes níveis de governança corporativa. A pesquisa caracterizou-se como estudo descritivo e documental com abordagem quantitativa. Foram analisadas as empresas listadas na Bovespa nos diferentes níveis de governança: Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado, no período de 2000 a 2007. Diferente dos resultados apresentados nos estudos internacionais, a pesquisa não permitiu inferir que um maior nível de governança significa necessariamente um menor grau de gerenciamento de resultados. Conclui-se, ainda, que o comportamento das empresas no gerenciamento dos lucros é semelhante entre os diferentes níveis de governança da Bovespa, em especial, naquelas que se encontram nos dois grupos de lucratividade positiva descritos neste estudo. Isso sugere, também, que o nível de governança não interfere em tal comportamento dos gestores.
Palavras-chave: gerenciamento de resultados, níveis de governança corporativa, accruals discricionários.
Abstract: The article investigates the correlation between adherence to different levels of Bovespa corporate governance and earnings management. We take the hypothesis that firms with higher standard of corporate governance have lower earnings management. After a review of the literature on conceptual aspects of accruals, discretionary and non-discretionary accruals, earnings management and its relationship to the levels of Bovespa corporate governance, a research is promoted by applying the model developed by Kang and Silvaramkrishnan (1995) to identify discretionary accruals at different levels of corporate governance. The survey is characterized as descriptive and documentary, with a quantitative approach. We analyzed the companies listed on Bovespa in different governance levels: Level 1, Level 2 and Novo Mercado, in the period between 2000 and 2007. Unlike the results reported in international studies, research has not allowed us to infer that a higher level of governance necessarily mean a lower degree of earnings management. It is also concluded that the behavior of firms in earnings management is similar between the different levels of governance of the Bovespa, especially those found in two groups of positive profitability described in this study. This suggests that the level of governance does not interfere in such behavior of managers.
Keywords: earnings management, corporate governance levels, discretionary accruals.
INTRODUÇÃO
As melhores práticas de governança corporativa têm sido consideradas importantes para garantir transparência, diminuindo a assimetria da informação entre investidores e demais envolvidos. O objetivo principal é aumentar a confiabilidade, elevando assim o potencial de valorização das ações e outros ativos emitidos pela companhia.
No Brasil, a Bovespa criou segmentos especiais de listagem destinados a empresas com padrões diferenciados de governança corporativa. As organizações aderem de forma voluntária aos segmentos diferenciados, que objetivam evidenciar o comprometimento, a transparência e as melhores práticas de governança corporativa, aos stakeholders.
Segundo Martinez e Ramos (2006) a adoção de práticas de governança corporativa é apontada como uma condição essencial para o desenvolvimento do mercado de capitais. Isso se faz por meio de princípios que regem a governança corporativa como a transparência, equidade, responsabilidade da prestação de contas e obediências às leis visando melhor estruturação e solução dos conflitos sociais.
Devido ao fato de a contabilidade preconizar, essencialmente, o trabalho com itens passíveis de mensuração objetiva e quantitativa (monetária), surge a síndrome da exatidão: esse reducionismo da visão contábil, segundo Beuren e Colauto (2006, p. 3), implica em “dificuldades na quantificação de informações de natureza subjetiva. Uma das dificuldades relaciona-se à presença de accruals, pois contém informações discricionárias e não discricionárias, que trazem implícito certo grau de subjetividade”.
Segundo Hendriksen e Van Breda (1999, p. 93), as divulgações financeiras devem fornecer informações que sejam “úteis para investidores e credores atuais e em potencial, bem como para outros usuários que visem a tomada racional de decisões de investimento, crédito e outras semelhantes”. Assim, assume-se que uma das finalidades da divulgação de informações financeiras é proporcionar aos usuários informações úteis para tomada de decisão.
Um dos objetivos inerentes à divulgação dos relatórios financeiros é demonstrar a situação econômico-financeira da empresa. Entretanto, existe certa subjetividade na mensuração e divulgação das informações disponibilizadas pelas empresas. Como afirmam Hendriksen e Van Breda (1999, p. 23), existem atualmente, e sempre existirão, “muitas decisões contábeis a serem tomadas pelas empresas, que envolvem uma escolha entre alternativas para as quais nenhum padrão terá sido ainda promulgado, ou uma escolha entre maneiras diferentes de aplicar um determinado padrão”.
Entende-se também que os regulamentos a serem seguidos pelos níveis diferenciados de governança corporativa, instituídos pela Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), somados aos princípios contábeis já existentes, funcionam como mecanismos que minimizam as escolhas que uma empresa tem para ajustar seus dados.
Segundo Cardoso (2004, p. 19), a “Governança Corporativa é um meio para se atingir o fim, que no caso é a redução da assimetria informacional entre o gestor dos recursos (agente) e o proprietário desses recursos (principal)”.
Com base no exposto, elaborou-se a seguinte pergunta de pesquisa: qual a correlação entre a adesão a segmentos diferenciados de listagem da Bovespa e as práticas de Gerenciamento de Resultados? A partir das considerações apresentadas, a premissa subjacente deste estudo se fundamenta na suposição de que a função principal dos níveis de governança corporativa está acoplada à geração de informações confiáveis e transparentes para o processo decisório.
Portanto, analisa-se, por meio de tratamento estatístico, a influência dos accruals discricionários nos diferentes níveis de governança corporativa. Assim, este estudo objetiva verificar se existe ou não correlação entre a adesão a segmentos diferenciados de listagem da Bovespa e as práticas de Gerenciamento de Resultados.
Buscou-se identificar se o aumento do nível de governança corporativa influencia no grau de gerenciamento dos resultados. Tem-se como hipótese que o aumento do nível de governança corporativa indicaria uma diminuição no nível gerenciamento de resultados. O artigo ainda analisa se existe diferença de comportamento entre empresas que obtiveram lucro no período analisado e aquelas que tiveram prejuízos nos diferentes níveis de governança corporativa.
Destacam-se alguns estudos na revisão de literatura internacional que abordaram Governança Corporativa e Gerenciamento de Resultados, como os trabalhos realizados por Dechow e Skinner (2000), Xie et al. (2003) e Chen et al. (2007). No presente estudo, buscou-se evidenciar a realidade do mercado de capitais brasileiro quanto ao gerenciamento de resultados e as boas práticas de governança corporativa, analisando-se os diferentes segmentos de listagem da Bovespa, contribuindo para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao mercado de capitais brasileiro e de pesquisas que objetivam esclarecer as questões que cercam as práticas de gerenciamento de resultados nas organizações.
O estudo está estruturado em sete seções, iniciando com esta introdução. Em seguida, apresenta a fundamentação teórica, que faz uma incursão em abordagens sobre Accruals, Gerenciamento de Resultados e, por, Governança Corporativa e Gerenciamento de Resultados. Na sequência, são apresentados os procedimentos metodológicos. Após, expõe a análise dos dados coletados e finaliza com as conclusões do estudo.
ACCRUALS
Segundo Glautier e Underdown (1976), o accrual é a distinção entre o recebimento de caixa e o direito de recebimento de caixa, e entre o pagamento de caixa e a obrigação legal de pagamento. Nesse sentido, Goulart (2007, p. 42) acrescenta que “os accruals referem-se às receitas e às despesas reconhecidas com base no regime de competência, e não em decorrência do efetivo recebimento da receita em caixa ou do efetivo pagamento da despesa”.
No regime de competência, as transações contábeis são consideradas em razão do seu fato gerador, e não em função dos recebimentos e pagamentos efetivamente realizados, pois objetivam mensurar o resultado no sentido econômico, independentemente da realização financeira. Desta forma, as receitas são reconhecidas com a sua realização e no mesmo período confrontam-se com as despesas necessárias para a efetivação daquela receita. Em contrapartida, no regime de caixa registram-se, exclusivamente, as entradas e saídas de caixa (Martinez, 2001, p. 15).
Martinez (2001, p. 15) explica que o registro dos accruals na contabilidade objetiva mensurar o resultado no sentido econômico, representando o efetivo acréscimo na riqueza patrimonial da unidade econômica, independentemente da realização financeira. Segundo McNichols e Wilson (1988, p. 30), o resultado contábil inclui accruals, pois o conjunto de accruals mais as disponibilidades medem melhor o desempenho econômico do que apenas as disponibilidades.
Fuji e Carvalho (2005, p. 6) afirmam que os accruals são considerados “como a diferença entre o lucro líquido (obtido conforme o regime de competência) e o fluxo de caixa líquido (obtido pelo regime de caixa)”. Ou seja, os accruals seriam todas aquelas contas de resultado que entraram no cálculo do lucro ou prejuízo acumulado, mas que não implicam em movimentação financeira.
É possível, por exemplo, ser registrada uma receita com aumento do saldo de duplicatas a receber sem ter existido a entrada de caixa, gerando um accrual positivo, enquanto uma provisão para devedores duvidosos irá gerar um accrual negativo. O accrual igual a zero é o momento em que não há diferença entre o lucro líquido e o fluxo de caixa líquido da empresa.
Contudo, os autores Watts e Leftwich (1977), Dechow (1994), Martinez (2001) e Horngren et al. (2005) deixam claro que o lucro contábil e o fluxo de caixa das operações são expressões de uma mesma realidade econômica, “defasados apenas temporalmente em razão das regras do regime de competência, mas que se igualariam quando a empresa ou um projeto qualquer contabilmente isolável chegassem ao final de suas existências” (Lustosa e Santos, 2006, p. 3). Ou seja, no longo prazo, os dois sistemas proporcionariam o mesmo resultado.
Assim, os accruals são a diferença entre o lucro líquido e o fluxo de caixa líquido. Quanto maior o valor dos accruals, maior é a diferença entre o lucro contábil e o caixa gerado. Dentro deste conceito, os accruals são ainda divididos em accruals não discricionários e accruals discricionários.
Goulart (2007, p. 40) explica que, devido à regulamentação e aos padrões contábeis serem flexíveis, há oportunidade para que os “gestores exerçam o que se chama de discricionariedade na escolha dos critérios e procedimentos contábeis que serão adotados”.
Em princípio, a ocorrência de accruals na empresa não tem nenhum problema, como afirma Goulart (2007, p. 40) ela pode ser benéfica, pois flexibiliza os procedimentos contábeis, dando aos gestores de empresas, com diferentes ambientes operacionais, maior liberdade, não precisando ficar presos num conjunto de regras que, pela sua rigidez, poderia prejudicar a comunicação de uma informação. Portanto, accruals discricionários são a parcela da diferença entre o lucro contábil e o fluxo de caixa das operações, sendo que essa diferença é resultado de manipulação intencional dos gestores.
Por essa razão, torna-se relevante o estudo e análise dos resultados apresentados pelas empresas, já que o aumento inesperado do resultado líquido de um ano para outro pode significar, de fato, uma melhoria na rentabilidade da empresa ou apenas uma contabilidade “agressiva” por parte dos gestores.
Martinez (2001, p. 17) oferece distinção elucidativa entre as duas modalidades:
Considerando que eventualmente o “gestor” possa tomar decisão de aumentar ou diminuir as acumulações [accruals] por motivos alheios à realidade do negócio, cria-se a necessidade didática de subdividir essas em: acumulações discricionárias (discretionary accruals) e acumulações não discricionárias (non discretionary accruals). Estas últimas seriam as exigidas de acordo com a realidade do negócio, e as primeiras seriam artificiais como único propósito “gerenciar” o resultado contábil.
Conforme Teoh et al. (1998, p. 67), os accruals não discricionários são proxies para o reconhecimento de accruals fora do controle de julgamento dos gestores, e os accruals discricionários são proxies para o gerenciamento de resultados. Segundo Kothari (2001, p. 161), os accruals discricionários e o gerenciamento de resultados são usados como sinônimos na literatura.
GERENCIAMENTO DE RESULTADOS
Para Stolowy e Breton (2003), o tema gerenciamento de resultados é relevante e já vem sendo objeto de pesquisa em vários países, como: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália, Finlândia e França. Essa relevância deve-se ao impacto que esse item tem sobre as demonstrações financeiras que influenciam os stakeholders nas suas tomadas de decisões.
Para Healy e Wahlen (1999, p. 368), o gerenciamento de resultados ocorre quando os gestores usam do julgamento na elaboração dos relatórios financeiros e na estruturação das transações com o intuito de alterar os relatórios financeiros e não chamar, ou chamar, a atenção de alguns stakeholders sobre o desempenho econômico-financeiro da empresa ou para influenciar os resultados de eventuais contratos que dependem dos números contábeis divulgados.
Hendriksen e Van Breda (1999, p. 23) afirmam que as empresas sempre irão se deparar com situações em que deverão julgar entre duas ou mais alternativas para as quais nenhum padrão contábil terá sido ainda promulgado. Desta forma, gerenciar os resultados, conforme afirmam os autores Healy e Wahlen (1999, p. 368), com o intuito de apresentar informações financeiras aos diversos stakeholders diferentes da realidade da empresa, parece não indeferir os princípios contábeis. Entretanto, de acordo com os atributos do conservadorismo (antecipar o registro de perdas e diferir a apropriação de ganhos) e do Princípio da Prudência, o gestor deverá adotar o menor valor para os componentes do ativo e o maior valor para os componentes do passivo sempre que se apresentem alternativas igualmente válidas para a quantificação.
O gerenciamento de resultados contábeis, segundo Martinez (2001, p. 12), caracteriza-se fundamentalmente como “alteração proposital dos resultados contábeis (intencional), visando alcançar, atender uma motivação particular. A gestão ‘maneja’ artificialmente os resultados com propósitos bem definidos, que não são os de expressar a realidade latente do negócio”.
Nesse sentido, segundo Santos e Grateron (2003, p. 2), a expressão gerenciamento de resultado está associada ao termo contabilidade criativa. Para Martinez (2001, p. 26), “a expressão contabilidade criativa tem sua origem em jornalistas especializados na área de negócios”, entretanto, pra fins acadêmicos, prefere-se o termo gerenciamento de resultados.
De acordo com Brown (1999) e Martinez (2001, p. 26) gerenciamento de resultados ou contabilidade criativa não é igual a fraude contábil. Fraude contábil, segundo as Normas Internacionais de Auditoria (IFAC, Tema 240, p. 53), é considerada "um ato intencional por parte de um ou mais indivíduos dentre os membros administrativos, empregados ou terceiros, que resulta em declarações falsas das demonstrações contábeis". Entretanto, para Naser (1993), Jameson (1988) e Omurgonulsen e Omurgonulsen (2008), contabilidade criativa e fraude significam o mesmo.
Santos e Grateron (2003), analisando estes dois conceitos, gerenciamento de resultados e contabilidade criativa, concluem que ambos os termos resultam de uma atitude consciente com o objetivo de manipular as demonstrações contábeis com vistas a enganar os usuários acerca da situação real da entidade. Nesse sentido, os autores avaliam o gerenciamento de resultados e a contabilidade criativa de forma “pejorativa da atividade e que contraria os princípios da ética profissional”. Assim sendo, as razões que potencializam as práticas de gerenciamento de resultados envolvem aspectos éticos, sendo que as principais causas estão concentradas no impacto que podem ter os informes divulgados, sobre as decisões dos investidores na Bolsa de Valores. O objetivo do gerenciamento de resultados, então, está atrelado à motivação dos gestores e/ou diretores em influenciar as percepções dos stakeholders quanto às condições da empresa.
Martinez (2001) classifica três distintos blocos de objetivos para a utilização do gerenciamento de resultados. Primeiro, o objetivo está vinculado ao mercado de capitais, isto é de modificar a imagem da empresa por pressão dos investidores, interesses em determinadas políticas de dividendos, desejo de obter recursos externos, necessidade de capital ou interesse de remuneração vinculada aos lucros. O segundo grupo de objetivos está relacionado com motivações contratuais, isto é, voltado para regular os contratos entre as companhias e seus stakeholders. O terceiro grupo seria incentivado por motivações regulamentares e custos políticos, em vistas de debilitar a imagem da empresa, visando pagar menos impostos, e/ou pelo interesse na obtenção de subvenções condicionadas à situação que atravessa a empresa.
Schipper (1989, p. 92) conclui afirmando que:
Por “gerenciamento de resultados”, quero dar a entender “gerenciamento da divulgação” no sentido de uma intervenção proposital no processo de divulgação financeira externa, com a intenção de obter algum beneficio particular (em oposição a, digamos, simplesmente facilitar a operação natural do processo).
No que tange a intenção de obter algum benefício particular, Schipper (1989, p. 92) está se referindo a uma ação deliberada no sentido de apresentar resultados de acordo com os interesses particulares, individuais dos preparadores das demonstrações contábeis, e não a de promover a transparência de informações.
GOVERNANÇA CORPORATIVA E GERENCIAMENTO DE RESULTADOS
Governança corporativa e a relação com a prática de gerenciamento de resultados pode ser percebida em algumas pesquisas internacionais, como o estudo de Dechow e Skinner (2000). Os autores estudaram a relação existente entre gerenciamento de resultados e estruturas de governança corporativa. Concluem que empresas com deficiências de governança apresentam maior tendência à prática de gerenciamento de resultados.
A pesquisa de Xie et al. (2003) verificou o papel do conselho de administração, da auditoria e do comitê executivo na prevenção do gerenciamento de resultados. Apoiados por um relatório da SEC, concluíram que os membros do comitê de auditoria, o conselho de administração e as atividades das comissões de auditoria são fatores importantes, que restringem a propensão dos administradores a praticar gerenciamento de resultados.
Buscando verificar a aplicação dos princípios das boas práticas de governança corporativa e sua associação ao gerenciamento de resultados nas entidades localizadas em Taiwan, Chen et al. (2007) verificaram se a independência dos supervisores, a experiência financeira, a formação voluntária do conselho administrativo estão associados ao gerenciamento de resultados. Os resultados indicaram que a independência das autoridades de supervisão, a experiência dos administradores financeiros e a formação voluntária do conselho de administração estão associados à menor probabilidade de gerenciamento de resultados. Os resultados são ainda mais robustos após a promulgação dos princípios das boas práticas de governança corporativa, sugerindo que esses princípios reduziram a probabilidade de Gerenciamento de resultados. A presente pesquisa busca evidenciar a realidade do mercado de capitais brasileiro, em relação ao gerenciamento de resultados e as boas práticas de governança corporativa, analisando-se os diferentes segmentos de listagem da Bovespa.
Na opinião de Goulart (2007, p. 71), empresas com práticas agressivas de gerenciamento de resultados apresentam maior probabilidade de não terem comitês de auditoria nem conselho fiscal, além de o conselho de administração ser dominado por pessoas ligadas à empresa, além de apresentarem um presidente que é o fundador da empresa e o fato de existir boas chances de esse ocupar, cumulativamente, o cargo de presidente do conselho.
Os níveis de governança corporativa, segundo Martinez (2001, p. 134), são meios alternativos que podem minimizar a prática de gerenciamento de resultados.
Como já discutido, a subjetividade existente na elaboração da informação contábil, problemas de assimetria informacional, são encontrados na relação existente entre os agentes (preparadores das demonstrações contábeis) e os principais (investidores e acionistas). Essa assimetria é estabelecida a partir do momento em que o agente detentor de informações privilegiadas, em benefício próprio, decide escolher a forma como vai mostrá-la ao principal.
Esse conflito, que é descrito pela teoria da agência, surgiu com a separação entre a propriedade (investidor, acionista, ou proprietário) e a gestão da empresa. Martinez (2001, p. 134) declara que, “em termos simples, a relação do Principal-Agente presume que o agente realizará algo pelo principal, recebendo em contraprestação uma compensação”. Nessa relação, o principal utiliza como instrumento de controle as auditorias independentes e a governança corporativa com o propósito de atestar a fidedignidade das demonstrações contábeis. Esses meios servem para as partes contratantes mensurem e monitorarem a execução dos objetivos contratuais. Esses dois instrumentos de monitoração validam e preservam as relações contratuais, constituindo-se como um fator inibidor do gerenciamento de resultados.
Ainda segundo Martinez (2001, p. 135), a governança corporativa pode ser definida como o “conjunto de processos através dos quais os investidores minimizam custos de agenciamento, por meio da nomeação de conselho de administração (board of directors) que, por força dos estatutos das companhias, são encarregados de monitorar os desempenhos dos gestores”.
Para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM, 2008), governança corporativa é o “conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como: investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital”.
Para Lopes (2001, p. 123), o papel da contabilidade tem sido reconhecido desde os primeiros estudos em governança corporativa, sendo essencial tanto para o estabelecimento de contratos entre os agentes quanto como redutora de assimetria informacional.
Por isso, a governança corporativa utiliza os principais conceitos relacionados à contabilidade, tais como transparência (disclousure), equidade (fairness), prestação de contas (accountability) com o objetivo de solucionar os conflitos existentes entre os interesses dos stakeholders. Em consequência, as empresas se tornarão mais confiáveis ao divulgar informações oportunas para todos os seus usuários internos e externos. Os agentes irão prestar contas de todos os atos praticados e serão responsáveis pela sustentabilidade ou perpetuidade da empresa.
Para a OECD (1999) os princípios da governança corporativa devem:
· promover mercados transparentes e eficientes em conformidade com as leis;
· proteger e facilitar o exercício dos direitos dos acionistas;
· assegurar tratamento equitativo de todos os acionistas, incluindo acionistas minoritários e estrangeiros;
· proteger o direito de outras partes interessadas;
· assegurar a divulgação oportuna, transparente e objetiva de todas as informações relevantes no que diz respeito a situação econômica da empresa; e
· assegurar um acompanhamento e fiscalização eficaz da gestão pelo conselho da administração.
A Bovespa contribuiu para a aplicabilidade da governança corporativa no Brasil criando, como afirma o IBGC, os segmentos especiais de listagem destinados a empresas com padrões diferenciados de governança corporativa. Foram criados três segmentos diferenciados de governança: Nível 1 (N1), Nível 2 (N2) e Novo Mercado (NM).
Segundo a BOVESPA, no folder de divulgação dos níveis diferenciados de governança corporativa, o novo mercado e os níveis 1 e 2 foram implantados em dezembro do ano de 2000. Os três níveis distintos têm um grau de exigência crescente na adoção de práticas diferenciadas de governança corporativa. As companhias no N1 caracterizam-se, segundo o Peixe (2003, p. 45), por exigir práticas adicionais de liquidez das ações e disclousure. Segundo o autor, essas empresas “comprometem-se principalmente com melhorias na prestação de informações ao mercado e com a dispersão acionária”, enquanto as companhias do N2 têm por obrigação cumprir com práticas adicionais relativas aos direitos dos acionistas minoritários e do conselho de administração, disponibilizar balanço anual conforme as normas USGAAP ou IAS, entre outras obrigações. O NM, por fim, diferencia-se do N2 pela exigência para emissão exclusiva de ações com direito a voto. Já quanto à divulgação de informações, o NM deve publicar adicionalmente a Demonstração de Fluxo de Caixa, além de demonstrações financeiras de acordo com padrões internacionais, entre outras exigências.
A migração de companhias do mercado tradicional para os níveis de governança corporativa denota maior compromisso dessas companhias com as práticas de governança e, consequentemente, com a transparência de informações para os diferentes stakeholders.
As empresas aderem voluntariamente aos níveis de governança corporativa com o objetivo de serem destacadas no mercado de capitais. O objetivo é se apresentar aos investidores e valorizar a companhia pelo seu comprometimento, transparência e melhores práticas de governança corporativa.
Conforme Peixe (2003, p. 42), a vantagem para as empresas em aderir aos níveis de governança corporativa “é que deverão conseguir melhor precificação de suas ações, conseguindo com isto menores custos de captação”, baseado no pressuposto que investidores estão dispostos a pagar prêmios maiores para essas empresas por apresentarem maior grau de transparência.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O delineamento da pesquisa caracterizou-se como estudo descritivo, em fontes primárias, com abordagem documental. De acordo com Cervo e Bervian (2002, p. 66), pesquisa descritiva é a “a pesquisa que observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los”.
A pesquisa documental baseia-se em informações registradas que possam servir para consulta, estudo ou prova. A pesquisa inclui impressos, manuscritos, registros sem modificações, independentemente do período decorrido desde a primeira publicação. Sua ênfase está nas informações que ainda não receberam tratamento analítico ou não foram ainda organizadas, tais como relatórios de empresas, obras originais de qualquer natureza, entre outros (ABNT, 2000).
A população desse estudo compreende as empresas categorizadas e denominadas pela Bovespa de Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado, conforme Tabela 1.
Níveis | Total | Amostra | Percentual |
Nível 1 | 44 | 25 | 56,8% |
Nível 2 | 19 | 6 | 31,6% |
Novo Mercado | 100 | 15 | 15,0% |
Total | 163 | 46 | 28,2% |
Na amostra entraram as empresas da governança corporativa que divulgaram no sítio da Bovespa, no período de 2000 a 2007, as informações referentes ao Balanço Patrimonial, Demonstração do Resultado do Exercício e Notas Explicativas contendo discriminado o valor da depreciação e amortização, conforme Tabela 1.
Além de a acessibilidade das informações contábeis ter sido um fator limitador, as empresas cujo ramo de negócio é financeiro também foram excluídas do estudo porque seus processos de mensuração de accruals se diferenciam substancialmente das demais empresas, e também por conterem diferenças muito relevantes na comparação com as demais companhias.
Quanto aos procedimentos sistemáticos para a descrição dos fenômenos, a pesquisa se desenvolveu num ambiente que preconizou a abordagem quantitativa. O método quantitativo, conforme Richardson e Peres (1989, p. 29) “caracteriza-se pelo emprego de quantificação tanto nas modalidades de coleta de informações quanto no tratamento delas”. Desse modo, utilizou-se como suporte ferramental estatístico o software LHStat para implementação da análise de regressão múltipla.
A pesquisa caracteriza-se como um estudo longitudinal, visto que o período de análise compreende oito anos, iniciando no exercício de 2000 até 2007. Hair Jr. et al. (2005, p. 88) enfatizam que estudos longitudinais “exigem que os dados sejam coletados das mesmas unidades de amostra em diversos pontos do tempo. Os dados representam uma série temporal de observações. Os dados longitudinais permitem mapear elementos administrativos de modo que se possam observar as tendências.”
Com base no objetivo desta pesquisa, foram coletados os dados requeridos para cálculo do modelo de Kang e Silvaramkrishnan (1999) para detectar os accruals discricionários. Em seguida, foram calculados os accruals totais (variável dependente) e as variáveis δ1, δ2 e δ3 (independentes), empresa por empresa e para cada ano estudado.
Com esses dados, foram agrupadas as empresas por níveis de governança e, por meio do software LHStat, foi aplicada a análise de regressão múltipla sobre os dados de todas as empresas de um nível de governança específico para obtenção dos coeficientes da regressão que, em seguida, foram utilizados para projeção dos accruals totais esperados de cada empresa. A diferença do accrual total (calculado) e a projeção (fruto da aplicação da análise de regressão) resulta no accrual discricionário (erro).
De posse dos accruals discricionários por empresa, calculou-se a média dos accruals discricionários por períodos ano e nível de governança. Por fim, avaliou-se o comportamento das empresas nos diferentes níveis ao redor do resultado zero (Martinez, 2001). As empresas foram classificadas de acordo com o lucro líquido (dividido pelo ativo total), enquadrando-as em quatro subgrupos entre –13% e 13% (-13,5% a -6,75%; -6,75% a 0%; 0% a 6,75%; e 6,75% a 13,5%).
ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS
Conforme Goulart (2007, p. 65), são identificados três procedimentos metodológicos para estudos empíricos na área de gerenciamento de resultados:
· distribuição de frequências (histogramas);
· análise de accruals específicos; e
· análise de accruals agregados (total accruals), com vista à estimação de accruals discricionários.
Esse estudo utiliza o terceiro procedimento metodológico, accruals totais, para estimar o que é componente discricionário (sujeito à interferência do gestor) e o que não é discricionário (receitas e despesas reconhecidas independentemente de análise subjetiva do gestor).
Há diferentes metodologias que procuram identificar o componente discricionário no resultado contábil, partindo dos accruals totais.
Para Dechow et al. (1995), Kang e Sivaramakrishnan (1995), Martinez (2001), Roychowdhury (2006), os accruals totais são encontrados pela diferença entre a variação do ativo circulante (menos as disponibilidades) e a variação do passivo circulante (diminuída da variação dos financiamentos e empréstimos de curto prazo). Já os accruals discricionários são estimados pela diferença entre os accruals totais e os accruals não-discricionários (Paulo e Martins, 2008, p. 3).
A importância da estimação do componente discricionário reside no fato de que os accruals discricionários (AD) são definidos como indicativo (proxy) do grau de gerenciamento de resultados. Considerando a magnitude e a representatividade dos AD, pode-se inferir se a empresa está ou não praticando gerenciamento de resultados (Goulart, 2007, p. 68).
Dessa forma, diversos modelos foram criados com o intuito de produzir estimativas dos AD. Segundo Lopes et al. (2007, p. 7), a estimativa do AD com precisão é um grande desafio. De acordo com McNichols e Wilson (1988, p. 2), uma das dificuldades de modelagem refere-se ao fato de que o componente não discricionário pode ser grande em relação à parcela discricionária, situação em que a proxy de gerenciamento de resultados pode ser falha e não se apresentar como estatisticamente significativa.
Considerando essa dificuldade, foram criados vários modelos, dentre os quais se destacam: Healy (1985), Jones modificado por Dechow et al. (1995) e o modelo de Kang e Silvaramkrishnan (1995), conhecido como KS.
Na opinião de Martinez (2001), no contexto brasileiro, o modelo KS representa avanço sobre os demais modelos. Thomas e Zhang (2000) revisaram seis diferentes modelos para detectar o AD e chegaram à conclusão de que somente o modelo de Kang e Sivaramkrishnan (1995) se ajusta melhor aos dados.
Por essa razão, foi utilizado neste estudo o modelo KS para detectar gerenciamento de resultados nos níveis de governança corporativa das empresas brasileiras.
No modelo KS os accruals não-discricionários são estimados por meio da fórmula 1.
Sendo:
ATit = accruals totais da empresa i no período t medidos em termos de ativos totais do período anterior para torná-los estacionários. Esses se compõem da variação do Capital de Giro Líquido (CGL) menos a Depreciação e Amortização no período t, sendo que no CGL devem ser tiradas as disponibilidades, os créditos tributários, os financiamentos de curto prazo e a provisão para impostos a pagar;
RECit = receitas líquidas da empresa i no período t (excluída a tributação sobre faturamento) medidas em termos de ativos totais do período anterior para torná-las estacionárias;
Despit = custos e despesas operacionais da empresa i no período t antes da depreciação e amortização, medidos em termos de ativos totais do período anterior para torná-los estacionários;
A.Perit = ativo permanente (investimentos, ativo imobilizado e diferido) da empresa i no período t, medido em termos de ativos totais do período anterior para torná-lo estacionário;
δ1 = CRi,t-1 / Reci, t - 1 , onde CR são as Contas a Receber da empresa i no período de t – 1;
δ2 = (CGL - CRit) / Despi, t – 1;
δ3 = DEPRi,t-1 / A.Peri, t – 1;
DEPRi,t-1 = montante das despesas com depreciação e amortização da empresa i no período de t – 1;
ф0, ф1, ф2 e ф3 = coeficientes estimados da regressão pela fórmula 1;
εit = erro de regressão (resíduo).
Para estimar os accruals discricionários, segundo Dechow et al. (1995), subtraem-se dos accruals totais os accruals não-discricionários.
Segundo Kang e Sivaramkrishnan (1995), o modelo utiliza as principais contas de resultados como regressores na sua formulação, buscando minimizar problemas de variáveis omitidas, além de trabalhar com as variações das contas do balanço patrimonial em determinado exercício contábil, evitando-se, desse modo, o indesejável problema de comparar valores em moeda de diferentes períodos para estimar os accruals discricionários, pois as suas mudanças são decorrentes da própria dinâmica do regime de competência.
Implementando o modelo KS, procura-se identificar, por meio da estimativa dos accruals discricionários, se o aumento do nível de governança corporativa influencia no grau de gerenciamento de resultados.
Na Tabela 2 são apresentadas as médias de accruals discricionários, ano a ano, relacionados aos diferentes níveis de governança corporativa.
A análise dos sete períodos permite afirmar que os três níveis de governança não têm uma tendência ou uma linha evolutiva específica. Ou seja, não se pode asseverar por meio da Tabela 2, que os níveis de governança no decorrer dos anos estão reduzindo ou aumentando o gerenciamento de resultados nas demonstrações contábeis. Contudo, o que se pode observar é que nos anos de 2003 a 2007 as empresas do N2 se destacam no gerenciamento de resultados.
Nível de Governança | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 | Média AD |
N1 | -0,0016 | 0,0017 | -0,0019 | -0,0019 | -0,0004 | -0,0032 | -0,0011 | -0,0012 |
N2 | 0,0079 | 0,0016 | -0,0204 | 0,0189 | 0,049 | -0,0963 | 0,0284 | -0,0016 |
NM | -0,0031 | 0,0093 | -0,0002 | -0,0133 | 0,0021 | -0,0014 | -0,001 | -0,0011 |
Média AD | 0,0011 | 0,0042 | -0,0075 | 0,0013 | 0,0169 | -0,0336 | 0,0088 | -0,0013 |
O ano em que ocorreu maior gerenciamento médio de resultados foi o de 2006. Isso se deu principalmente pela participação do N2 de governança, que alcançou - 0,0963 de accruals discricionários. No mesmo ano, destaca-se também a maior média de lucratividade dos sete anos pesquisados no N2 com R$ 182.484 milhões.
De acordo com a tabela 2, todos os níveis de governança gerenciam resultados, contudo não se comprova a hipótese de que níveis maiores de governança gerenciam menos seus resultados. A média de AD do NM é a menor de todos, contudo a média de AD do N2 supera a média do N1.
Contudo, deve-se levar em consideração que foram realizados testes de comparação entre médias e o resultado foi que as médias não são estatisticamente diferentes, o que também, em última análise, reprova a hipótese testada por este artigo.
O teste foi realizado com comparação de médias por dados emparelhados por meio do software LHStat. Os resultados alcançados pelo teste de comparação de médias revelam que, com um nível de significância de 95%, não existe diferença entre as médias, ou seja, as médias de gerenciamento de resultados nos níveis de governança não são estatisticamente diferentes.
Como análise complementar, como declarado anteriormente, dividiram-se as empresas dos níveis de governança em quatro grupos diferentes, dois grupos com lucratividade (lucro líquido dividido pelo ativo total) abaixo de 0% e dois grupos acima de 0%, permitindo, dessa forma, serem comparadas as médias de accruals discricionários nesses grupos, bem como a quantidade de empresas com AD positivos e negativos.
A Tabela 3 mostra a média de accruals discricionários do N1. Não ocorreram empresas no nível mais negativo de lucratividade (-13,5% a - 6,75%). O AD mais elevado encontra-se nas empresas com menor lucratividade do grupo, o que sugere a existência de empresas nesse grupo que despendem maior esforço no “gerenciamento” dos resultados no intuito de reduzir a apresentação de prejuízos.
-13,5% < LL/At < -6,75% | -6,75% < LL/At < 0% | 0% < LL/At < 6,75% | 6,75% < LL/At < 13,5% | |
A.D. Positiva | - | 1 | 4 | 7 |
A.D. Negativa | - | 1 | 8 | 4 |
A.D. Média | - | 0,0212 | -0,0150 | 0,0098 |
Contudo, percebe-se que, no primeiro grupo de lucratividade positiva, o maior número de empresas encontram-se com AD negativo, ou seja, “gerenciam” o resultado no intuito de apresentar uma menor lucratividade. No grupo mais lucrativo, a ordem se inverte: temos o maior número de empresas com AD positivo, o que sugere o “gerenciamento” de resultado num esforço de aumentar o lucro.
A mesma análise aplicada ao N2 de governança corporativa, conforme Tabela 4, apresenta comportamento semelhante no primeiro grupo de lucratividade positiva; a maioria das empresas possui AD negativo como no N1.
-13,5% < LL/At < -6,75% | -6,75% < LL/At < 0% | 0% < LL/At < 6,75% | 6,75% < LL/At < 13,5% | |
A.D. Positiva | 1 | - | 1 | 0 |
A.D. Negativa | 0 | - | 3 | 1 |
A.D. Média | 0,0050 | - | -0,0019 | -0,0066 |
No NM, demonstrado na Tabela 5, o mesmo comportamento na forma de gerenciamento dos resultados discutidos no N1 e N2 ocorre, o que sugere que não há diferença de atitudes de “gerenciamento” de resultados em virtude do grau de governança corporativa na qual a empresa se encontra.
-13,5% < LL/At < -6,75% | -6,75% < LL/At < 0% | 0% < LL/At < 6,75% | 6,75% < LL/At < 13,5% | |
A.D. Positiva | - | 1 | 2 | 3 |
A.D. Negativa | - | 1 | 5 | 2 |
A.D. Média | - | -0,0028 | -0,0082 | 0,0096 |
Apesar de apresentar a menor média de gerenciamento de resultados nos sete anos pesquisados o NM não dá sinais de diferenciação no gerenciamento de resultados nem no primeiro grupo de lucratividade positiva nem no segundo comparando-o com os resultados apresentados no N1 e N2.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para se chegar aos resultados encontrados, optou-se por uma pesquisa descritiva, com fontes primárias e abordagem documental com todas as empresas constantes dos níveis de governança corporativa da Bovespa: Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado, num total de 163 empresas. A amostra final foi de 46 empresas que possuíam todas as informações necessárias para os cálculos. Elegeu-se o modelo desenvolvido por Kang e Silvaramkrishnan (1999), conhecido como KS, e utilizaram-se análises estatísticas com o fim de encontrar o nível de gerenciamento de resultados.
O objetivo do estudo foi verificar a correlação entre a adesão a segmentos diferenciados de listagem da Bovespa e as práticas de Gerenciamento de Resultados. Buscou-se identificar se o aumento do nível de governança corporativa influencia no grau de gerenciamento dos resultados.
Tem-se como hipótese que o aumento do nível de governança corporativa indicaria uma diminuição no nível de gerenciamento de resultados. O artigo ainda analisa se existe diferença de comportamento entre empresas que obtiveram lucro no período analisado e aquelas que tiveram prejuízos nos diferentes níveis de governança corporativa.
O propósito de analisar empiricamente a relação existente entre o gerenciamento de resultados e os diferentes níveis de governança corporativa possibilitou sugerir que as exigências da Bovespa do NM influenciam no menor grau de accruals discricionários. Contudo, os resultados apresentados não permitem a confirmação de que um maior nível de governança significa, necessariamente, um menor grau de gerenciamento de resultado, refutando-se, assim, a hipótese de que o aumento no nível de governança implicaria em menor nível de gerenciamento de resultados.
As afirmações apresentadas por Dechow et al. (1996), Martinez (2001) e Goulart (2007) ao defenderem que as empresas com deficiências de governança apresentam maior tendência a práticas de gerenciamento de resultados também não pôde ser comprovada nesta pesquisa. Tanto pelo maior AD por parte das empresas do N2 em relação ao N1 quanto pelo fato de o teste de comparação de médias aplicado sobre os resultados obtidos pelo modelo KS nas empresas categorizadas nos diferentes níveis de governança não se mostrarem estatisticamente diferentes.
A incursão na literatura internacional permitiu vislumbrar que o gerenciamento de resultados é suavizado com as boas práticas de governança corporativa, porém não foi percebido o mesmo no estudo com as organizações brasileiras, dos diferentes níveis de governança corporativa da Bovespa.
Os resultados ainda permitem concluir que o comportamento das empresas no gerenciamento dos lucros é semelhante entre os diferentes níveis de governança, em especial, naquelas que se encontram nos dois grupos de lucratividade positiva descritos neste estudo. Isto também sugere que o nível de governança não interfere em tal comportamento dos gestores.
O trabalho apresenta algumas limitações; entre elas, provavelmente a principal delas seja o número reduzido de observações sob as quais foram aplicados os modelos de cálculo do gerenciamento de resultados.
Recomenda-se, para futuros estudos, a ampliação da amostra de empresas que, por exemplo, estejam ou não listadas nos segmentos diferenciados de governança corporativa, a fim de constatar se existe diferença entre as empresas listadas nos segmentos diferenciados de governança corporativa e as empresas que não fazem parte desses segmentos. Tal estudo seria importante para o entendimento da influência da governança corporativa no gerenciamento de resultados, fazendo-se importante para o fortalecimento do mercado de capitais brasileiro.
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