Resumo: O objetivo deste trabalho consiste em analisar a relação existente entre as âncoras de carreira e o comprometimento organizacional, a partir da perspectiva dos servidores técnico-administrativos em educação de uma instituição de ensino superior pública. Para o alcance desse objetivo, realizou-se uma pesquisa de caráter descritivo do tipo survey, para levantamento e análise dos resultados. O instrumento preenchido por 655 servidores foi baseado no Inventário de Âncoras de Carreira e na Escala de Bases do Comprometimento Organizacional (EBACO). Os principais resultados encontrados expõem o predomínio das Âncoras Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa, Estilo de Vida e Segurança/Estabilidade. Constatou-se, também, entre os servidores, o maior Comprometimento Afetivo e Obrigação pelo Desempenho. Considerando a relação entre os construtos, percebeu-se, de maneira geral, a associação positiva e baixa entre as âncoras de carreira e o os fatores do comprometimento organizacional.
Palavras-chave:carreiracarreira, comprometimento organizacional comprometimento organizacional, instituição de ensino superior instituição de ensino superior.
Abstract: The objective of this study is to analyze the relationship between career anchors and organizational commitment from the perspective of technical and administrative staff in education from an institution of public higher education. To achieve this goal, we carried out a descriptive research of the survey type to analyze the results. The instrument was completed by 655 employees and it was based on the Career Anchors Inventory and on the Scale Bases of Organizational Commitment (EBACO). The main findings expose the predominance of the anchors Will to Serve/Dedication to a Cause, Lifestyle and Safety/Stability. We also found among the servers the most Affective commitment and Performance Obligation. Considering the relationship between the constructs, we found, in general, a positive and weak association between career anchors and organizational commitment factors.
Keywords: career, organizational commitment, higher education institution.
ÂNCORAS DE CARREIRA E COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL: AMPLIANDO A SUA COMPREENSÃO
Career Anchors and Organizational Commitment: Extending their understanding
Recepção: 27 Dezembro 2012
Aprovação: 24 Novembro 2013
As transformações nos modelos de administração e no contexto do trabalho influenciaram as perspectivas dos indivíduos acerca das aspirações sobre suas carreiras profissionais, interferindo em seu comportamento no ambiente laboral. Nesse cenário, a conveniência de equilibrar as necessidades individuais aos interesses das organizações tem sido amplamente debatida nos estudos organizacionais, fazendo emergir novas discussões sobre a relação entre perspectivas de carreira e o comprometimento organizacional (Ghalavandi et al., 2012; Coetzee et al., 2007; Costa e Dutra, 2011).
Pesquisas indicam que os motivos e valores dos indivíduos sobre carreira, descritos por sua âncora de carreira, têm um impacto sobre a tomada de decisão acerca de sua trajetória profissional e seu apego psicológico a uma ocupação (Coetzee e Schreuder, 2011; Kniveton, 2004; Schein, 1996). Nesse sentido, o reconhecimento das âncoras de carreira possibilita às organizações o desenvolvimento de políticas que possam combinar os talentos ou valores individuais às necessidades da instituição. Do ponto de vista das pessoas, constitui-se em um importante recurso para a compreensão de eventuais tensões que possam existir na relação com o trabalho, possibilitando, da mesma forma, a adoção de iniciativas que levem aos ajustes requeridos.
Ainda, as âncoras fornecem uma estrutura útil para examinar como as âncoras de carreira dos indivíduos se relacionam com seus níveis de comprometimento organizacional (Coetzee et al., 2007; Ghalavandi et al., 2012). Nesse sentido, Coetzee et al. (2007) defendem que o comprometimento organizacional é considerado um resultado das escolhas de carreira que são determinadas por âncoras de carreira individuais. Sob esse aspecto, os indivíduos cujo desenvolvimento de carreira permite a integração das necessidades pessoais aos objetivos organizacionais e as exigências do trabalho tendem a estar mais comprometidos com a organização.
Como afirmam Ghalavandi et al. (2012), o comprometimento organizacional está associado a uma ligação psíquica do indivíduo com a organização, manifesto através da aceitação e do compromisso com as metas e os valores organizacionais e do desejo em permanecer como membro da organização. Assim, o comprometimento assume grande relevância na gestão de pessoas, contribuindo com o desempenho organizacional.
No entanto, como afirma Medeiros et al. (2003), algumas questões importantes acerca do comprometimento ainda não foram respondidas, principalmente no que tange as interações dos padrões de comprometimento dos indivíduos com a organização e com a carreira e sua evolução ao longo da trajetória profissional. Da mesma forma, Coetzee et al. (2007) afirmam que a relação entre as âncoras de carreira e o comprometimento organizacional não foram claramente definidas.
A temática em foco assume importância ainda maior no contexto do setor público, principalmente nas instituições de ensino superior públicas, que, nos últimos anos, vêm passando por uma ampliação de seu quadro funcional e por mudanças estruturais. Ainda, deve ser considerado que entender as motivações pelas quais um trabalhador ingressa e, na maioria dos casos, permanece toda a sua vida no serviço público vai além do estudo das relações governamentais, institucionais e também das legislações que regulam o desenvolvimento profissional do funcionário público (Salles e Nogueira, 2010). Tal entendimento é complexo, sendo que a análise sobre as âncoras de carreira dos servidores e sua interação com o comprometimento organizacional pode contribuir para aprofundar a compreensão dessas questões.
Diante desse cenário, este estudo buscou responder à seguinte questão central de pesquisa: “Qual a relação entre as âncoras de carreira e o comprometimento organizacional, segundo a perspectiva de servidores técnico-administrativos em educação de uma instituição de ensino superior pública?”
Frente a este questionamento, a fim de contribuir para a exploração do tema, este estudo tem como objetivos: (i) identificar as âncoras de carreira predominantes entre os entrevistados; (ii) identificar a importância atribuída pelos servidores às bases Afetiva, Instrumental, Normativa e Afiliativa do comprometimento organizacional; (iii) analisar a relação existente entre as âncoras de carreira e o comprometimento organizacional a partir da perspectiva dos servidores técnico-administrativos em educação de uma instituição de ensino superior pública.
Na próxima seção, são abordados os pressupostos teóricos relacionados às âncoras de carreira e ao comprometimento organizacional. Na seção seguinte, são apresentados os aspectos metodológicos relacionados à coleta e à análise dos dados, para, posteriormente, apresentar os resultados encontrados. Por fim, são apresentadas considerações finais acerca do estudo realizado, limitações e sugestões para pesquisas futuras.
A transformação na gestão das organizações e nas relações estabelecidas entre empresas e indivíduos fortaleceram a importância do debate sobre carreira nas últimas décadas. Estudos apontam que as complexidades do contexto atual têm impactado as atitudes dos indivíduos sobre suas carreiras e sua vida no trabalho (Coetzee e Schreuder, 2011), destacando a relevância das aspirações e da proatividade individual para o desenvolvimento de carreira, focando as experiências subjetivas. Como afirmam Rowe e Bastos (2010), o conjunto de transformações pelas quais vem passando o mundo do trabalho afeta tanto organizações quanto trabalhadores, resultando em impactos nos relacionamentos desses atores, até mesmo no aspecto da construção de carreiras, forçando o trabalhador a ter o máximo de controle sobre sua vida no trabalho e sobre a sua carreira.
Os conceitos sobre carreira destacam que esta se associa a uma sequência temporal de ocupações, empregos e posições assumidas durante a trajetória profissional, cuja escolha e cujo sucesso são influenciados principalmente por interesses e aptidões pessoais (Super e Bohn, 1980; Hall, 2002). De forma complementar, Costa e Dutra (2011) destacam que a carreira pode ser compreendida como a sequência de posições ocupadas durante a vida de uma pessoa, em função não só de trabalhos, estudos e outras experiências de vida, mas também de percepções individuais, atitudes e comportamentos profissionais. Esses comportamentos, por sua vez, resultam em desenvolvimento de competências para lidar com situações de trabalho de maior complexidade e em constante transformação.
Percebe-se que as abordagens sobre carreira convergem para algumas questões comuns, especificamente relacionadas à interação entre as aspirações pessoais e os valores individuais e a trajetória profissional ao longo da vida dos indivíduos. Nesse sentido, carreira, diferente de trabalho e profissão, enfatiza a vida dos indivíduos e está intimamente associada aos valores e às preferências pessoais (Chang et al., 2011).
No contexto de inclinações profissionais, Schein (1993) define o termo carreira como a maneira que a vida profissional de uma pessoa desenvolve-se ao longo do tempo (carreira externa) e como é vista por ela (carreira interna). A carreira interna está associada às perspectivas pessoais, ou seja, aos valores individuais que se estabelecem durante a formação de uma carreira ou na relação indivíduo-trabalho. Esses valores individuais são definidos por Schein (1993) como pontos de referência ou âncoras de carreira.
Segundo Schein (1993), as âncoras de carreira referem-se ao conjunto de autopercepções relativas a talentos e habilidades, motivos e necessidades, atitudes e valores que as pessoas têm com relação ao trabalho que desenvolvem ou que buscam desenvolver. Como afirmam Faro et al. (2010), as âncoras de carreira afetam a forma com que o indivíduo enxerga e percebe seu trabalho e sua carreira. Além disso, o conceito de âncoras de carreira oferece insights valiosos na compreensão da diversidade nas preferências pessoais e dos padrões contemporâneos de carreira (Coetzee e Schreuder, 2011). O reconhecimento da âncora de carreira possibilita ao profissional o desenvolvimento de estratégias de carreira que combinem as suas habilidades e seus valores com as oportunidades de mercado.
Assim, visando identificar as âncoras de carreira, Schein (1996) construiu um inventário que possibilita identificar entre oito categorias de inclinação profissional, a âncora predominante que revela os valores pessoais, dos quais a pessoa não abre mão. O objetivo do questionário é incentivar o indivíduo a refletir sobre suas áreas de competência, seus objetivos e seus valores, indicando o seu perfil.
Segundo Chang et al. (2011), a maioria das pessoas forma um forte autoconceito de sua carreira interna, sendo que a âncora predominante revela os valores que o profissional não abrirá mão, mesmo em processos difíceis de tomada de decisão. A classificação e a definição das âncoras de carreira podem ser visualizadas no Quadro 1.
A classificação das âncoras de carreira agrupa necessidades comuns a determinados grupos, mas não devem ser interpretadas como rótulos, podendo haver sobreposição entre elas (Schein, 1996). Como afirmam Faro et al. (2010), os indivíduos apresentam necessidades próximas das características de diversas âncoras de carreira, ou seja, os indivíduos podem ter âncora de carreira primária e secundária, flexibilizando o conceito proposto por Schein. Assim, na visão dos referidos autores, a compreensão das âncoras de carreira permite estruturar uma hierarquia de necessidades e valores que norteiam o comportamento adotado no contexto do trabalho. A aplicação do Inventário Âncoras de Carreira possibilita ao indivíduo e à organização identificar as preferências relacionadas ao trabalho, contribuindo com o maior conhecimento do perfil e perspectivas dos colaboradores acerca de sua trajetória profissional, podendo contribuir com o planejamento de carreira e com ações da área de Gestão de Pessoas.
Schein (1996), apesar de ter enfatizado, em sua teoria, a perspectiva individual, destacou a importância de que as organizações viabilizassem carreiras que fossem congruentes com as âncoras de carreira de seus colaboradores. Isso porque a falta de congruência entre a âncora de carreira e a carreira externa pode ocasionar insatisfação, baixo desempenho e rotatividade de pessoal (Van Dam, 2004). Por outro lado, se os colaboradores combinarem suas atividades profissionais com a sua âncora de carreira, há uma tendência de maior desempenho, satisfação e comprometimento com o trabalho executado (Chang et al., 2011).
Conforme Khanifart et al. (2009), o comprometimento organizacional é uma visão voltada para o vínculo do colaborador com a organização em um processo constante que indica a contribuição individual com os objetivos organizacionais. Além disso, o comprometimento pode ser considerado como uma espécie de ligação emocional e psíquica com a organização (Ghalavandi et al., 2012). Mowday et al. (1982) destacam, ainda, que o vínculo do trabalhador com a organização é construído por meio da internalização das normas, dos valores e das regras da instituição.
O enfoque de conceitualização e de medidas multidimensionais sobre comprometimento organizacional tem sido proposto e refinado para esclarecer os vínculos que se estabelecem entre os indivíduos e as organizações (Meyer e Allen, 1991). Adicionalmente, Medeiros et al. (2003) destacam que, na última década, o comprometimento foi abordado com um enfoque multidimensional, tentando entender os indivíduos e o seu vínculo com a organização de maneira mais complexa, sendo consenso que o comprometimento apresenta múltiplas bases de investigação.
Inicialmente, o enfoque que dominou na literatura sobre o tema foi o afetivo, apoiado nos estudos de Mowday et al. (1979 in Medeiros et al., 2003) e Mowday et al. (1982), calcando-se sobre uma base unidimensional, conforme mencionado por Medeiros (2003). Nesse enfoque, o comprometimento é abordado sobre uma perspectiva atitudinal, sendo definido como uma forte relação entre o indivíduo disposto a exercer esforços consideráveis em benefício da organização, possuindo forte crença e aceitação dos seus objetivos e desejo de manter-se membro dela, visto que se sente identificado e envolvido com ela (Mowday et al., 1979 in Medeiros et al., 2003). Como destacam Briggs et al. (2012), a maioria das definições sobre comprometimento organizacional destaca especificamente a dimensão afetiva.
A segunda base do comprometimento organizacional mais considerada é a instrumental, que deriva dos estudos de Becker (1960). Becker conceitua o comprometimento instrumental como uma tendência do indivíduo em se engajar em “linhas consistentes de atividade”. O indivíduo permanece na empresa devido aos custos e aos benefícios associados a sua saída, que seriam as trocas laterais, assim, passa a se empenhar em linhas consistentes de atividade para se manter no emprego (Becker, 1960).
Por fim, o comprometimento normativo, apresentado por Wiener (1982), caracteriza-se como a totalidade das pressões normativas internalizadas para agir num caminho que encontre os objetivos e os interesses organizacionais, tendo como elemento central da definição a aceitação dos valores e dos objetivos da empresa como forma de controle sobre as ações das pessoas. Para Medeiros et al. (2003), essas pressões normativas geralmente são provenientes da cultura da organização, que impõe sua ação e o seu comportamento. Ainda, de acordo com Meyer e Allen (1991), o comprometimento normativo reflete um sentimento de obrigação com a continuidade no emprego, sendo que colaboradores com alto nível desse comprometimento sentem que devem permanecer na organização.
Medeiros et al. (2005) apresentam uma outra base, diversa das três acima elencadas: a Afiliativa, definida pelos autores como a crença do individuo de que é reconhecido pelos colegas como membro do grupo e da organização. O comportamento afiliativo encontra-se descrito no trabalho de Mowday et al. (1982), sob a ótica de Kanter, que o define como o comprometimento de coesão, fruto dos vínculos às relações sociais de uma organização, realizadas através de técnicas e cerimônias que tornam público o estado de ser de um membro da organização e que reforçam a coesão do grupo.
Dessa forma, partindo das dimensões Afetiva, Instrumental, Normativa e Afiliativa do comprometimento, Medeiros (2003) propõe a Escala de Bases do Comprometimento Organizacional (EBACO), desenvolvida para mensurar sete bases do comprometimento organizacional, apresentadas no Quadro 2.
As quatro dimensões do comprometimento (Afetiva, Instrumental, Normativa e Afiliativa) estão presentes na Escala de Bases do Comprometimento Organizacional desenvolvida por Medeiros (2003), expandindo as fronteiras dos estudos que abordam uma ou três dimensões, gerando uma nova perspectiva para investigações da área, fundamentadas em múltiplos componentes.
No entanto, convém destacar que não há um consenso na literatura acerca das bases do comprometimento e suas dimensões. As bases são consideradas elementos centrais para a definição de conceitos, tipologias e para a aplicação de escalas de mensuração de intensidade de comprometimento, podendo ser associadas a diferentes estruturas disposicionais sobre as quais os vínculos são sustentados (Ribeiro e Bastos, 2010). Sob esse aspecto, pode-se exemplificar a constatação de Bastos e Menezes (2010), a qual enfatiza que a intenção de permanecer na organização é um consequente do comprometimento organizacional, quando conceitualizado a partir de sua base afetiva e não normativa, como destacavam Meyer e Allen (1991).
Alguns estudos (Otluoglu, 2012; Kuo, 2013) apontam, ainda, que as mudanças no ambiente de trabalho e nas perspectivas sobre carreira promoveram mudanças nos contratos psicológicos entre as organizações e seus colaboradores, tornando o comprometimento organizacional ainda mais complexo e desafiador tanto para a organização quanto para o colaborador.
Este estudo descritivo foi guiado pelo método survey, utilizado para a coleta de dados primários, quando se necessita de informações de um grande número de pessoas (Hair et al., 2005). A população foco foi representada pelos servidores técnico-administrativos em educação, ocupantes de cargos públicos dos níveis de classificação C, D e E de uma instituição de ensino superior pública do Rio Grande do Sul, composta por 2490 indivíduos. Foram disponibilizados questionários a toda população, obtendo-se um retorno de 655 instrumentos, os quais compuseram a amostra do estudo.
Como método de coleta de dados, foi aplicado um questionário elaborado a partir de duas escalas. A primeira refere-se ao Inventário de Âncoras de Carreira, desenvolvido por Schein (1993, 1996), composto por 40 questões, distribuídas em oito âncoras. A escala prevê uma variação de 6 pontos para a pergunta “O quanto cada questão se aplica a você?”, variando de (1) jamais/nunca a (6) sempre. A segunda foi a Escala de Bases do Comprometimento Organizacional (EBACO), construída por Medeiros (2003), composta por 28 itens, agrupados em sete dimensões. A EBACO foi projetada em uma escala de 6 pontos, variando de (1) discordo totalmente a (6) concordo totalmente. Para facilitar a compreensão, apresenta-se o desenho da pesquisa conforme a Figura 1.
A análise dos dados foi realizada com o apoio do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) para realização dos testes estatísticos. Inicialmente, realizou-se a análise descritiva da amostra, através dos cálculos de frequência e média. Posteriormente, buscou-se explorar os dados dos modelos propostos por Schein (1993, 1996) e Medeiros (2003) através da análise fatorial exploratória. Além disso, utilizou-se o indicador de consistência interna Alpha de Cronbach com o propósito de verificar a confiabilidade dos construtos teóricos.
Em seguida, foram analisadas as médias das variáveis e dos fatores do Inventário Âncoras de Carreira e da Escala de Bases do Comprometimento Organizacional. Destaca-se que a análise dos fatores da EBACO foram realizadas em consonância com a proposta desenvolvida por Medeiros (2003) para a interpretação dos resultados obtidos. Segundo o referido autor, para a obtenção dos resultados, deve-se multiplicar a média de cada variável pelo peso correspondente, somando os respectivos valores para obtenção do resultado final para cada base. Segundo Bastos et al. (2008), estatisticamente, alguns indicadores possuem um coeficiente de correlação maior com a base do que outros, advindo a necessidade de se realizar a multiplicação pelos pesos, de modo que o escore obtido em cada base do comprometimento reflita a importância de cada item na definição do fator. Assim, para cada uma das bases do comprometimento foi estabelecida uma escala de interpretação dos resultados, com as seguintes variações: baixo comprometimento, comprometimento abaixo da média, comprometimento acima da média e alto comprometimento (Medeiros, 2003).
Após essas análises, com o intuito de estabelecer a relação entre as âncoras de carreira e o comprometimento organizacional, utilizou-se o Coeficiente de Correlação de Pearson, o qual indica a força de associação entre quaisquer duas variáveis (Hair et al., 2005).
Em relação à amostra investigada, foram entrevistados 655 técnico-administrativos em educação, pertencentes a 15 centros de lotação da universidade. Verifica-se que a maioria dos entrevistados possui como lotação a Reitoria (40,3%) e o Hospital Universitário (HUSM) (20,8%). Em relação ao gênero, a amostra foi composta por 56,8% de mulheres e 43,2 % de homens, possuindo, em média, 44,6 anos de idade. Sobre seu estado civil, 55% eram indivíduos casados, e 24,9%, solteiros.
Quanto à escolaridade, a maioria dos entrevistados possui formação em nível de pós-graduação (39,4%), seguido do ensino superior completo (19,8%), demonstrando escolaridade acima do exigido para ingresso nos cargos. Essa evidência de a escolaridade formal ser superior à exigida para ingresso nos cargos, resulta, possivelmente, do benefício na remuneração, através do incentivo à qualificação instituído pela Lei nº 11.091/2005 – Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação – PCCTAE. Constatou-se, também, ao realizar o cruzamento das variáveis escolaridade e exercício de função comissionada, que os indivíduos com maior escolaridade (pós-graduação) representam o maior percentual em função comissionada (53,74%), indicando tendência de valorização das pessoas com qualificação no exercício de funções de chefia. Ressalta-se que 31,9% dos respondentes exercem função comissionada, o que pode explicar a média de 2,44 atribuída à Âncora Gerência Geral, que ficou classificada em último lugar na hierarquia. Na análise das dez questões com menores pontuações, verificam-se quatro descrições vinculadas a essa âncora entre as médias mais baixas, o que pode estar relacionado à falta de oportunidades, tendo em vista que, no serviço público, o quantitativo de funções é definido pelo Governo Federal ou que há pouca disposição dos pesquisados em galgar os degraus hierárquicos da instituição.
Ao analisar o tempo de serviço na instituição, verificou-se que os colaboradores investigados possuem, em média, 16,7 anos. Quanto aos cargos dos pesquisados, houve um predomínio dos Assistentes em Administração (28,7%), seguidos pelos cargos de Administrador (6,3%) e Técnico de Laboratório (5,5%). Ao considerar o tempo de atuação no cargo, a maioria dos entrevistados possui de 1 a 5 anos no cargo atual (25%), seguidos dos indivíduos que possuem de 16 a 20 anos (21,8%) e de 26 a 30 anos (18,6%).
A análise quantitativa do questionário proposto por Schein (1993, 1996) revelou que 600 indivíduos apresentaram uma âncora predominante, não havendo empates. Considerando esses indivíduos, constata-se que a âncora Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa ocupa a primeira posição de preferência (33,67%), seguida pelas âncoras Estilo de Vida (21,83%) e Segurança/Estabilidade (15,17%). Essas três âncoras de carreira, juntas, representam 70,7% de preferência entre os indivíduos com o predomínio de uma âncora principal, como ilustra a Figura 2.
Considerando-se os oito tipos de âncoras de carreira, o maior percentual dos respondentes enquadra-se na âncora Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa (VS). Para Schein (1996), os profissionais que apresentam essa âncora baseiam-se no desejo de melhorar o mundo, tornando-o um lugar melhor para se viver, de solucionar problemas ambientais, de aumentar a harmonia entre as pessoas e de trabalhar no serviço público com a finalidade de melhorar aspectos da sociedade.
Em segundo lugar, destaca-se a âncora Estilo de Vida (EV), que, de acordo com Schein (1996), está presente em indivíduos que buscam um meio de integrar as necessidades pessoais, da família e as exigências da carreira. Ainda, segundo o mesmo autor, essas pessoas estão inclinadas a trabalhar em organizações desde que as opções certas estejam disponíveis na hora certa, como viajar ou mudar somente se as situações familiares permitirem, obter licenças-prêmio e licenças-maternidade/paternidade e haver opções de creche. Nesse sentido, na instituição pública federal pesquisada, os servidores são regidos pela Lei nº 8.112/90, onde estão previstas algumas opções elencadas por Schein (1996), como proteção à maternidade e à paternidade, licença-prêmio para os servidores que obtiveram esse direito até outubro de 1996.
Na terceira posição, a âncora em destaque foi Segurança/Estabilidade (SE), que, segundo Schein (1996), configura o interesse de indivíduos que aspiram trabalhar na administração pública. Sob esse enfoque, Coetzee e Schreuder (2008) destacam que os indivíduos, ao demonstrarem preocupação com oportunidades de emprego estável, evidenciam suas preocupações primordiais com a família, buscando um emprego que ofereça segurança financeira, além de permitir equilibrar e integrar suas necessidades pessoais às necessidades de seus familiares e às exigências de sua carreira.
Resultados semelhantes foram encontrados por Faro et al. (2010) através de um levantamento realizado com servidores públicos do Tribunal de Contas da União, onde houve o predomínio das âncoras Estilo de vida (31%), Vontade de Servir ou Dedicar-se a uma Causa (27%) e Segurança/Estabilidade (20%), respectivamente.
Da mesma forma, Coetzee e Schreuder (2011), ao encontrarem o predomínio das âncoras de carreira Segurança/Estabilidade, Serviço ou Dedicação a uma Causa e Estilo de Vida em colaboradores da indústria de serviços, destacaram que, além de estarem relacionados ao contexto de trabalho, esses resultados podem estar associados ao perfil dos entrevistados. Semelhante a esse estudo, o perfil dos entrevistados na pesquisa de Coetzee e Schereuder (2011) caracterizou-se pelo predomínio de mulheres, em média, com 32 anos de idade, o que pode evidenciar uma fase de realização idealista, na qual o indivíduo enfatiza a preocupação com o controle pessoal, a satisfação com a carreira e oportunidade de emprego estável (Coetzee e Schreuder, 2011).
Considerando os 55 entrevistados que apresentaram empate em mais de uma âncora, na maioria dos casos, o empate envolveu a âncora Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa, e Estilo de Vida, caracterizando a incidência das duas âncoras predominantes, também entre esses indivíduos.
Efetuando-se as médias dos pontos para cada âncora, observa-se também a predominância das âncoras Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa (média 4,39), seguidas de Estilo de Vida (média 4,11). Já em relação às menores incidências, estas foram associadas às âncoras Criatividade Empreendedora e Competência Gerência Geral (Tabela 1).
Quanto às âncoras que obtiveram as menores médias, pode-se inferir que a Criatividade Empreendedora e a Competência Gerência Geral são pouco relevantes para os servidores técnico-administrativos em educação, provavelmente em decorrência do contexto de trabalho em que executam suas atividades atuais. Conforme Coetzee et al. (2007), a âncora Competência Gerência Geral está associada ao trabalho desafiador e variado, a oportunidades de liderança que permitam a contribuição para a organização e ao desejo de altos níveis salariais, cujas recompensas estão associadas a promoções com base no desempenho, no mérito ou em resultados. Já a âncora Criatividade Empreendedora está associada aos indivíduos que não abrem mão de criar um empreendimento próprio, construído com sua capacidade ou disposição de assumir riscos e ultrapassar obstáculos (Schein, 1996).
Por fim, solicitou-se aos técnico-administrativos em educação que atribuíssem uma nota de 0 a 10 que representasse a sua satisfação em relação à carreira. Constatou-se a média de 8,3, revelando um elevado nível de satisfação em relação à carreira. Percebe-se também que os resultados das inclinações profissionais revelaram a preferência dos entrevistados às âncoras Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa, Estilo de Vida e Segurança/Estabilidade, sendo que estas possuem características inerentes ao serviço público (Schein, 1996), confirmando a consonância dos interesses individuais com as características do trabalho executado. Esses resultados corroboram a perspectiva defendida por Chang et al. (2011) de que, ao combinar suas atividades profissionais com sua âncora de carreira, há uma forte tendência de que os colaboradores manifestem satisfação com o trabalho.
Para a análise fatorial das variáveis Escala de Bases do Comprometimento Organizacional, foram utilizadas as 28 questões do instrumento com o intuito de identificar possíveis associações entre as variáveis de modo a agrupá-las em fatores comuns. Optou-se por adotar a análise de componentes principais como método de extração das dimensões e a Varimax como método de rotação. Os testes iniciais incluíram o Kaiser-Meyer-Olkin Measure of Sampling Adequacy (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlet, caracterizados como procedimentos estatísticos que permitem identificar a qualidade das correlações entre as variáveis de forma a prosseguir com a análise fatorial (Pestana e Gageiro, 2003). Assim, os resultados dos testes de adequação e especificidade da amostra foram satisfatórios, sendo que o KMO apresentou um coeficiente de 0,861 e o teste de Bartlett apresentou resultado significativo (sig 0,000). Além disso, as análises de medida para adequação da amostra e da matriz correlação anti-imagem também foram satisfatórias para a análise fatorial.
Em seguida, foram analisadas as comunalidades. Percebeu-se que quatro variáveis apresentaram valores inferiores a 0,5, sendo estas excluídas. Posteriormente, na etapa de extração dos fatores, utilizaram-se os critérios dos autovalores (eingenvalues) maiores que 1,0 e porcentagem da variância explicada. Foram obtidos sete fatores com autovalores superiores a 1,0, sendo que o primeiro explicou 25,37% da variância e os sete explicaram, em conjunto, 69,80% de toda variância.
Para analisar a confiabilidade dos fatores, utilizou-se teste Alfa de Cronbach, que, apresentando valores superiores a 0,7, indicam confiabilidade satisfatória da consistência interna (Hair et al., 2005). Considerando esse critério, tornou-se necessária a exclusão de dois fatores (Falta de Recompensas e Oportunidades e Linha Consistente de Atividade), os quais compreendiam quatro variáveis.
Como resultado final da análise fatorial, encontraram-se cinco dimensões, número distinto dos fatores encontrados por Medeiros (2003). No entanto, ressalta-se que, no estudo realizado por Medeiros et al. (2005), os fatores Falta de Recompensas e Oportunidades e Linha Consistente de Atividade, também apresentaram baixa confiabilidade (alfa 0,52 e 0,58, respectivamente).
Considerando-se os cinco fatores, procedeu-se uma análise mais detalhada de cada fator, permitindo avaliar suas variáveis componentes, a dimensão correspondente ao modelo teórico original de Medeiros (2003) e a carga fatorial para cada um dos itens, conforme pode ser visualizado na Tabela 2.
Inicialmente, verifica-se que todas as variáveis que integram os fatores possuem uma carga fatorial superior a 0,40, evidenciando representatividade apropriada, sendo que quanto maior a carga fatorial, melhor o item. Pode-se observar, também, através das informações constantes na Tabela 3, que se manteve, em parte, o modelo de Medeiros et al. (2003), sendo que nenhuma variável sofreu alteração em relação ao seu fator de origem, ratificando a estrutura individual dos fatores.
O fator 1 refere-se à base Obrigação em Permanecer, sendo composto por quatro variáveis que revelam um sentimento de obrigação moral em permanecer na instituição, quer seja pelas pessoas, por si próprio ou para não se sentir culpado. A base Afetiva foi o segundo fator obtido, compreendendo variáveis que expressam um sentido de harmonia entre os valores pessoais e institucionais. O terceiro fator consiste na base Afiliativa, com quatro variáveis, que denotam um sentimento de integrar a instituição. O fator 4 refere-se à Escassez de Alternativas, sendo constituído de quatro variáveis que refletem atitudes/comportamentos dos indivíduos a manterem-se na instituição devido a poucas alternativas caso viessem a deixá-la. O quinto fator obtido, denominado Obrigação pelo Desempenho, composto por três variáveis, traduz um sentimento de obrigação por parte do indivíduo em buscar atingir os objetivos da instituição, bem como os melhores resultados possíveis.
Após a análise fatorial, foram analisadas as médias das variáveis e os respectivos pesos para a avaliação dos fatores da EBACO, conforme proposta desenvolvida por Medeiros (2003). Assim, inicialmente, calculou-se a média para cada item da escala, eliminando-se a variável de número 9 do fator Obrigação pelo Desempenho, por ter apresentado valor de comunalidade abaixo de 0,5, pois, de acordo com Bastos et al. (2008), a avaliação de cada base do comprometimento organizacional deve considerar os indicadores correspondentes que permaneceram na escala após as análises fatoriais. Na sequência, multiplicou-se a média de cada variável pelo peso correspondente e somaram-se os valores de cada variável, obtendo-se o resultado para avaliar cada base.
Ainda, para interpretar os resultados obtidos, deve-se "considerar que algumas bases do comprometimento organizacional possuem relação diretamente proporcional ao desempenho das organizações, outras, inversamente proporcional" (Bastos et al., 2008). Portanto, para Bastos et al. (2008), nas bases Afetiva, Afiliativa, Obrigação em Permanecer e Obrigação pelo Desempenho é importante um alto comprometimento. "Já nas bases instrumentais, Escassez de Alternativas, Linha Consistente de Atividade e Falta de Recompensas e Oportunidades é importante que o comprometimento seja baixo" (Bastos et al., 2008, p. 68). A avaliação das bases do comprometimento pode ser visualizada na Tabela 3.
Como pode ser visualizado na Tabela 3, os resultados obtidos para as bases Afetiva e Obrigação pelo Desempenho evidenciaram o comprometimento acima da média, sendo este diretamente proporcional ao desempenho organizacional. Esses resultados demonstram que os servidores entrevistados possuem laços afetivos com a instituição, acreditando em seus valores e seus objetivos, buscando o melhor desempenho no exercício de suas funções para o alcance dos objetivos e dos resultados da instituição. Essas constatações demonstram também que o comprometimento vai além de uma postura passiva para com a organização, envolve um relacionamento ativo na busca pelo melhor para a organização (Botelho e Paiva, 2011), abarcando aspectos afetivos como gostar da organização e o sentimento de querer preservá-la, prestando bons serviços à população (Flauzino e Borges Andrade, 2008).
Essas constatações foram semelhantes aos resultados encontrados por Basso e Antony (2009) em estudo realizado com servidores de universidades públicas, em que o comprometimento afetivo apresentou a maior incidência entre os pesquisados. Da mesma forma, Botelho e Paiva (2011), através de um estudo realizado com servidores públicos do Tribunal de Justiça, identificaram a predominância do comprometimento afetivo, destacando a relação afetiva dos indivíduos com a organização.
Além disso, para a base Escassez de Alternativas, o resultado apresentou baixo comprometimento demonstrando que os servidores técnicos administrativos em educação não acreditam totalmente na falta de alternativas e oportunidades se decidissem sair da instituição. Em outras palavras, os entrevistados demonstraram não estar comprometidos com a instituição devido à falta de outras oportunidades de trabalho, o que pode ser considerado positivo (Bastos et al., 2008).
Por outro lado, os resultados obtidos para as bases Afiliativa e Obrigação em Permanecer indicaram baixo comprometimento, sendo este diretamente proporcional ao desempenho organizacional. Em relação à base Afiliativa, essas constatações podem estar relacionadas ao baixo comprometimento de coesão, associado ao sentimento de fazer parte de uma organização e ser membro de determinado grupo, pois, como afirmam Medeiros et al. (2003), este sentimento é diferente da internalização de características e valores organizacionais (associado à base Afetiva). Quanto ao fator Obrigação em Permanecer, esse resultado evidencia que os respondentes demonstram certa discordância de que permanecem na instituição em decorrência de uma obrigação moral e que se sentiriam culpados em deixar a instituição (Bastos et al., 2008).
Com a finalidade de verificar a existência de relação entre as âncoras de carreira e as bases do comprometimento organizacional, realizou-se o Teste de Correlação de Pearson, que, segundo Hair et al. (2005), mensura a associação linear entre duas variáveis métricas. A Tabela 4 ilustra a matriz de correlação entre os fatores investigados neste estudo.
Analisando, primeiramente, os fatores que compõem o comprometimento organizacional, verifica-se que a maior correlação ocorreu entre os fatores Afetivo e Afiliativo (0,479), sendo considerada positiva e moderada a associação entre eles (Pestana e Gageiro, 2003). Esse resultado sugere que a identificação com a filosofia, os valores e os objetivos da instituição são diretamente proporcionais à crença de que o indivíduo é reconhecido pelos colegas como membro da equipe e da instituição. Em outras palavras, quanto maior o vínculo afiliativo, que denota um sentimento de fazer parte (Medeiros et al., 2005), maior o comprometimento afetivo com a organização, representado pela internalização dos valores e das normas organizacionais.
No que concerne à relação entre as âncoras de carreira, a maior correlação obtida ocorreu entre as categorias Autonomia/Independência (AI) e Criatividade Empreendedora (CE) (0,475), sendo esta considerada positiva e moderada. Esse resultado remete à compreensão de que a valorização da autonomia e a independência, caracterizada pela pouca tolerância a regras estabelecidas por outras pessoas e por procedimentos de controle que visem cercear a autonomia, está diretamente relacionada à prioridade à criatividade individual, à ação de projetos e novos negócios e reestruturação de padrões.
Considerando a relação entre as âncoras de carreira e as bases do comprometimento organizacional, percebeu-se, de maneira geral, que as associações são muito baixas ou baixas (Pestana e Gageiro, 2003). A maior correlação foi evidenciada entre a âncora Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa e a base Afetiva (0,258), sendo esta considerada positiva e baixa. A base Afetiva associa-se à crença e à identificação com a filosofia, os valores e os objetivos organizacionais (Bastos et al., 2008), enquanto a âncora Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa está relacionada aos indivíduos que não estão dispostos a renunciar aos seus valores pessoais, buscando exercer trabalhos que lhes possibilite influenciar a organização ou a política social na direção de seus valores (Schein, 1996). Considerando essas perspectivas, a baixa correlação entre a âncora Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa e a base Afetiva pode refletir a dificuldade de conciliar a identificação dos objetivos institucionais com os valores pessoais.
Da mesma forma, Coetzee et al. (2007) encontraram associações baixas entre os fatores do comprometimento e âncoras de carreira. Os principais resultados obtidos pelos autores demonstraram que a âncora Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa, e Autonomia/Independência possuem associações baixas com o comprometimento normativo. Esses achados sugerem que os participantes valorizam suas preocupações pessoais e familiares em detrimento das questões transacionais ou relacionais com a organização (Coetzee et al., 2007).
Ghalavandi et al. (2012), ao analisarem as relações entre as âncoras de carreira e os fatores do comprometimento organizacional, também encontraram poucas associações significativas entre os construtos. Os autores constataram relação positiva e significativa somente entre as âncoras Competência Técnica-funcional e Competência Gerência Geral com todos os fatores do comprometimento organizacional. No entanto, os autores não identificaram relação significativa entre as âncoras Autonomia/Independência, Segurança/Estabilidade, Criatividade empreendedora, Serviço/Dedicação a uma Causa, Desafio Puro e Estilo de Vida com os fatores do comprometimento.
Tais resultados sugerem a necessidade de um maior aprofundamento acerca das interações entre âncoras de carreira e comprometimento organizacional, pois mesmo os pressupostos teóricos destacando a existência de relação entre seus fatores (Coetzee et al., 2007; Ghalavandi et al., 2012), poucas evidências empíricas têm revelado essas interações de forma significativa.
No presente estudo, procurou-se analisar a relação existente entre as âncoras de carreira e o comprometimento organizacional, a partir da perspectiva dos servidores técnico-administrativos em educação de uma instituição de ensino superior pública. O estudo dessas temáticas assume grande importância, pois as âncoras de carreira, além de influenciarem as decisões sobre a trajetória profissional, interferem na satisfação e no comprometimento do indivíduo com o seu trabalho.
Com base em uma pesquisa survey, realizada por meio de questionários, uma primeira constatação relevante refere-se ao alto nível de escolaridade dos entrevistados, sendo que a maioria possui formação em nível de pós-graduação e ensino superior completo. Pode-se inferir, através dessa constatação, a preocupação desses servidores com a qualificação profissional e, consequentemente, com o desenvolvimento de suas carreiras e a valorização salarial. Além disso, percebeu-se que os servidores com maior escolaridade representam também o maior percentual em função comissionada, sugerindo a valorização dos indivíduos com qualificação no exercício de funções de chefia.
A análise dos resultados revelou também a preferência dos entrevistados em relação às âncoras Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa, Estilo de Vida e Segurança/Estabilidade. Na visão de Schein (1996), essas âncoras refletem características associadas ao serviço público, o que remete à compreensão de que existe consonância entre os interesses individuais e as características do trabalho realizado por esses servidores. Essa premissa pode ser reforçada também pelos altos índices de satisfação com a carreira identificados entre os servidores desta instituição.
Em relação ao comprometimento organizacional, constatou-se que os servidores técnico-administrativos em educação demonstraram maior comprometimento afetivo e Obrigação pelo Desempenho, associados aos laços afetivos com a organização, acreditando em seus valores e buscando o melhor desempenho no exercício de suas atividades. Por outro lado, evidenciou-se a menor prioridade às bases Afiliativa, associada a coesão e sentimento de pertencer ao grupo, e Obrigação em Permanecer, relacionada à obrigação moral de permanecer na instituição. Tais constatações sugerem o maior envolvimento dos indivíduos com a organização do que com o grupo de trabalho. Em outras palavras, neste estudo, os laços afetivos com a organização foram mais fortes do que os laços afiliativos entre os indivíduos.
Considerando a relação entre as âncoras de carreira e as bases do comprometimento organizacional, percebeu-se que as associações foram muito baixas ou baixas. A maior relação existente foi evidenciada entre a âncora Vontade de Servir/Dedicação a uma Causa e a base Afetiva, sendo esta considerada positiva e baixa. Dessa forma, considerando os pressupostos teóricos que destacam a relação entre as âncoras de carreira e o comprometimento organizacional, os resultados obtidos neste estudo sugerem que novas pesquisas devem ser realizadas com a intenção de garantir uma maior compreensão acerca das interações entre esses construtos.
Ressalta-se, ainda, que devem ser considerados os limites do estudo, destacando-se a realização da análise fatorial exploratória, na qual foram excluídos os fatores com baixa confiabilidade, mesmo sendo estes mantidos no modelo original proposto por Medeiros (2003). Assim, em novos estudos, sugere-se a realização da análise fatorial confirmatória, com a intenção de validar os componentes do comprometimento identificados nas pesquisas de Medeiros (2003) e Medeiros et al. (2005).
Outra limitação refere-se à abrangência do estudo, visto que os dados foram coletados em uma única organização, o que impossibilita a generalização dos resultados encontrados. Sugere-se a investigação dessas temáticas em outras instituições, podendo ser aliada à pesquisa qualitativa, visando ampliar o entendimento acerca das relações entre as âncoras de carreira e o comprometimento organizacional. Dessa forma, um dos desafios para futuros estudos seria expandir a investigação para organizações públicas de outros segmentos.