Resumo: O objetivo do trabalho é investigar as principais características da divulgação de informações sociais das 15 maiores empresas brasileiras e das 15 maiores empresas francesas, listadas no ranking The Global 2000 da revista Forbes (http://www.forbes.com/global2000/), segundo os indicadores sociais do Guia de Indicadores de Responsabilidade Corporativa em Relatórios Anuais da ONU, e explicar os resultados à luz da Teoria dos Stakeholders. Trata-se de um estudo exploratório de natureza qualitativa, utilizando-se pesquisa bibliográfica e documental nos relatórios sociais divulgados pelas empresas da amostra. Foram utilizados como categorias e subcategorias de análise os 6 grupos de indicadores que contêm os 16 indicadores de RSC sugeridos pela ONU. A análise dos resultados revelou significativa preocupação das empresas pesquisadas com a divulgação de informações sociais, constatando-se uma maior divulgação de determinados indicadores em detrimento de outros, o que estaria ligado ao fato de as empresas não dispensarem a mesma atenção a todos os seus stakeholders. Também verificou-se que os principais fatores condicionantes da adoção e da divulgação das informações sociais estão respaldados na Teoria dos Stakeholders e na existência de um aparato legal que obriga as empresas a divulgarem determinadas informações.
Palavras-chave:responsabilidade social corporativaresponsabilidade social corporativa, indicadores de rsc indicadores de rsc, divulgação de informações sociais divulgação de informações sociais, teoria dos stakeholders teoria dos stakeholders.
Abstract: The objective of the study was to determine the main characteristics of corporate social reporting by the top 15 Brazilian and the top 15 French companies listed in the 2000 Forbes global ranking (http://www.forbes.com/global2000/) using the UN publication ‛Guidance on Corporate Responsibility Indicators in Annual Reports’ as benchmark, and to identify how the Stakeholders Theory supports the results. Explorative and qualitative, the study was based on a review of the literature and documents issued by the companies in the sample. Findings were compared against 16 indicators of corporate social responsibility (subcategories of analysis), divided into 6 groups (categories of analysis), the disclosure of which is recommended by the UN. The level of disclosure of social indicators observed in the study is evidence of a considerable concern for corporate social responsibility among the sampled companies. The fact that some indicators are given more attention than others seems to be associated with the level of influence of the stakeholders most interested in their disclosure. The main conditioning factors of adherence to social information reporting practices can be explained by the Stakeholder Theory and by the existence of regulations requiring companies to report certain types of information.
Keywords: corporate social responsability, csr indicators, social information disclosure, stakeholders theory.
ANÁLISE COMPARATIVA DA DIVULGAÇÃO SOCIAL DE EMPRESAS FRANCESAS E BRASILEIRAS SEGUNDO A TEORIA DOS STAKEHOLDERS
COMPARATIVE ANALYSIS OF SOCIAL DISCLOSURE OF FRENCH AND BRAZILIAN COMPANIES ACCORDING TO THE STAKEHOLDER THEORY
Recepção: 30 Setembro 2012
Aprovação: 29 Maio 2014
A partir dos anos 1980, com o advento da globalização e sua consequente repercussão sobre o aumento da competição no mundo dos negócios, a relação entre as empresas e a sociedade passou por uma significativa modificação com as empresas passando a considerar as demandas provenientes de consumidores, empregados e comunidades locais. Em termos gerais, a resposta a essas demandas tem se materializado, por exemplo, no investimento das empresas em benefícios para seus empregados, ações sociais e preservação do meio ambiente.
Em diversos países, surgiram iniciativas com o objetivo de estimular e até obrigar as empresas a evidenciarem informações sobre sua postura social. A França é considerada precursora nesse assunto, em função de normatização datada de 1977, que exigia que as empresas francesas com mais de 300 empregados elaborassem e divulgassem documento conhecido na literatura como Bilan Social.
No Brasil, como resultados diretos da discussão sobre as demandas sociais, têm-se a criação do Código de Defesa do Consumidor e as leis de proteção ao meio ambiente, dentre outros (Campos, 2006). Outro marco importante, no Brasil, no tocante às iniciativas de evidenciação de informações sociais pelas empresas, deu-se com a criação do modelo de balanço social do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), em novembro de 1997, que, juntamente com a Gazeta Mercantil, passou a estimular as empresas a divulgarem suas práticas de responsabilidade social qualitativa e quantitativamente, prestando contas à sociedade.
Em 1998, foi criado, no Brasil, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que tem como objetivo disseminar as práticas sobre responsabilidade social corporativa, por meio de publicações, treinamentos e eventos relacionados com a área, como debates sobre desenvolvimento sustentável. O Instituto Ethos chegou a divulgar um modelo próprio de relatório social, mas, a partir de 2007, passou a adotar o modelo proposto pelo Global Reporting Initiative (GRI) (Calixto, 2007).
No cenário internacional, tem-se como modelo de divulgação de informações sociais e ambientais o GRI, criado em 1997, nos Estados Unidos, pelo Programa das Nações Unidas. Embora ele possua um caráter voluntário, é o mais difundido instrumento de padronização das informações sociais a serem divulgadas para o público externo (Daher, 2006; Calixto, 2007).
Ainda no âmbito internacional, diversas são as iniciativas da ONU visando estimular a responsabilidade socioambiental das empresas e a divulgação de informações a elas relativas. Para se citar apenas algumas mais ligadas à contabilidade, em 2002, ela publicou documento orientando a elaboração e a divulgação de informações acerca de custos e obrigações de natureza ambiental em relatórios financeiros. Em 2004, ela também publicou documento específico sobre o tema meio ambiente, um manual para profissionais e usuários de indicadores de Eco-Eficiência, com orientações visando a elaboração e a divulgação desses indicadores. Desde então, a ONU vem trabalhando na atualização desses documentos e publicando novas versões.
Foi lançado, em 2008, pelo Grupo de Trabalho Intergovernamental das Nações Unidas de Especialistas em Padrões Internacionais de Contabilidade e Relatórios (Intergovernmental Working Group of Experts on International Standards of Accounting and Reporting (ISAR)), o Guia de Indicadores de Responsabilidade Social Corporativa (United Nations, 2008), um documento que orienta e recomenda a divulgação de indicadores socioeconômicos nos relatórios anuais. Esse guia aborda exclusivamente indicadores socioeconômicos, e a divulgação desses indicadores é o foco desse trabalho.
Tendo em vista os esforços realizados por normas e órgãos nacionais e estrangeiros relacionados com o tema Responsabilidade Social Corporativa, com o objetivo de estimular e aprimorar a elaboração de relatórios sociais, questiona-se: quais as principais características em termos de completude e abrangência da divulgação de informações socioeconômicas de empresas brasileiras, quando comparadas com as de empresas francesas, tendo como parâmetro os indicadores de Responsabilidade Social Corporativa recomendados pela ONU? Qual o respaldo da Teoria dos Stakeholders para a divulgação social das empresas estudadas?
O trabalho tem como objetivo geral investigar, segundo os indicadores socioeconômicos do Guia de Elaboração de Indicadores de Responsabilidade Corporativa em Relatórios Anuais da ONU (Guidance on Corporate Resposibility Indicators in Annual Reports), as principais características da divulgação de informações socioeconômicas das 15 maiores empresas brasileiras e francesas, segundo o ranking The Global 2000 da Forbes (http://www.forbes.com/global2000/), que lista as 2.000 maiores empresas do mundo, levando em consideração vendas, lucros, patrimônio e valor de mercado, cadastradas em Bolsa de Valores de seus países e explicar a divulgação social das empresas estudadas à luz da Teoria dos Stakeholders.
Para a consecução do objetivo geral, foram estabelecidos três objetivos específicos, quais sejam: (i) apresentar o arcabouço teórico da Responsabilidade Social Corporativa e da Teoria dos Stakeholders; (ii) analisar as características em termos de abrangência e completude da divulgação de informações socioeconômicas apresentadas pelas empresas pesquisadas, comparando-as por indicadores e grupos de indicadores recomendados pela ONU; e (iii) comparar a divulgação de informações socioeconômicas das empresas brasileiras com a de empresas francesas, identificando, no referencial teórico, os aspectos abordados da Teoria dos Stakeholders que dão suporte aos achados da pesquisa.
O estudo se justifica na medida em que contribui para a literatura que busca explicações para a divulgação social à luz das teorias relacionadas ao tema. Também inova ao coletar dados acerca da responsabilidade corporativa das empresas utilizando-se do Guia da ONU. O intuito dessa instituição consistiu em propor um modelo conciso de indicadores sociais, elaborado com base no modelo da Global Reporting Initiative (GRI), nas orientações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e nas normas internacionais de contabilidade do International Accounting Standards Board (IASB), a ser publicado pelas empresas dos seus países-membros, que vão desde grandes potências mundiais a nações emergentes e de extrema pobreza.
A pesquisa contribui para o avanço do conhecimento acerca da divulgação por empresas brasileiras e estrangeiras dos indicadores recomendados pelo Guia da ONU, no âmbito nacional e no estrangeiro, conforme pesquisas publicadas no Brasil e no exterior (De Luca et al., 2012; Oliveira et al., 2009; Oliveira et al., 2012a; Pontes Júnior et al., 2011a; Pontes Júnior et al., 2011b; Oliveira et al., 2012b; Oliveira et al., 2012c; Oliveira et al., 2011a; Oliveira et al., 2011b; United Nations, 2006, 2009, 2010).
Considerando que, desde os primeiros registros da adoção da RSC e da divulgação de informações financeiras e não-financeiras, ainda não surgiu um consenso sobre diversos aspectos refletidos nos estudos, por exemplo, as metodologias utilizadas para analisar e avaliar a RSC, o número crescente de pesquisas reforça a importância do tema e o anseio da sociedade em geral sobre mais conhecimento relativo à RSC e à divulgação de informações tanto localmente quanto internacionalmente. Reforça essa afirmação, a quantidade de estudos comparativos – cross-country studies – tais como o de Chen e Bouvain (2009), que compara a divulgação da RSC em empresas dos EUA, do UK, da Austrália e da Alemanha; o de Crawford e Williams (2010), que compara a divulgação de RSC de empresas do setor bancário da França e dos EUA, aos quais esse estudo vem se agregar.
Em termos práticos, o artigo contribui para uma reflexão sobre a divulgação social de empresas de um país emergente versus empresas de um país desenvolvido embasada em dados empíricos dessas empresas, visando mostrar aspectos que impactam essa divulgação à luz das citadas teorias.
O trabalho está estruturado em quatro seções além desta introdução, abordando a seguir arcabouço teórico da Responsabilidade Social Corporativa e da Teoria dos Stakeholders que dão suporte aos achados da pesquisa. A terceira seção apresenta a metodologia com a sua tipologia, a definição e a composição da amostra bem como a técnica de coleta e análise de dados. A quarta seção analisa os resultados à luz da teoria estudada. E, por fim, são apresentadas a conclusão, as limitações e sugestões para futuras pesquisas.
A teoria dos stakeholders tem sido utilizada por um número crescente de trabalhos na área da contabilidade social e ambiental. Nesta última linha de pesquisa, tem-se, por exemplo, o trabalho de Elijido-Ten (2004), que utiliza a teoria dos stakeholders para descobrir os fatores determinantes da divulgação das informações ambientais das empresas na Malásia. A pesquisa utilizou a concepção tridimensional da teoria dos stakeholders, operacionalizada através das categorias poder dos stakeholders, postura estratégica e desempenho econômico. Os resultados sugerem que a divulgação das informações ambientais tem como principais determinantes o nível de preocupação ambiental da alta administração das empresas, uma medida associada à postura estratégica, e o poder do governo de punir eventuais abusos cometidos pelas empresas, uma medida ligada à categoria poder dos stakeholders. Também constatou-se que a divulgação ambiental das empresas daquele país se caracteriza por descrições genéricas ou vagas, havendo muito espaço para a melhoria da qualidade de divulgação desse tipo de informação.
O estudo de Ruf et al. (2001), por sua vez, investigou a relação entre a performance social corporativa e o desempenho financeiro das corporações. Os autores criaram uma metodologia para encontrar o coeficiente de performance social corporativa e utilizaram as informações referentes ao retorno sobre o patrimônio líquido, retorno sobre as vendas e o crescimento das vendas para calcular o desempenho financeiro das 496 empresas que fizeram parte da amostra. Os resultados encontrados estão em conformidade com a teoria dos stakeholders, que estabelece que o grupo de stakeholders dominantes, representados, dentre outros, pelos acionistas, obtém benefícios financeiros, tanto a curto, como a longo prazo, quando os gestores atendem as demandas dos demais stakeholders.
Em virtude da magnitude dos recursos que controlam e da influência que exercem sobre a sociedade, faz-se necessário que as corporações desenvolvam sistemas de informação capazes de captar todos os elementos da realidade socioeconômica, incluindo os impactos sociais e ambientais gerados durante a condução de seus respectivos processos produtivos. Gray (2000) destaca a relevância de pesquisas na área da contabilidade social e ambiental, com o objetivo de identificar, registrar, mensurar e divulgar de forma sistemática as informações ligadas à gestão socioambiental das empresas. Essas informações devem corresponder às necessidades dos diferentes usuários externos, como consumidores, governo e organizações não-governamentais.
A teoria dos stakeholders possui dois pressupostos principais. O primeiro preconiza que a organização possui relações com vários grupos sociais que afetam e são afetados pela realização das atividades da empresa. O segundo estabelece que os interesses dos stakeholders possuem um valor intrínseco e não é sensato admitir que um interesse se sobreponha aos demais. Essencialmente, a teoria dos stakeholders se interessa pela natureza das relações entre a organização e seus stakeholders em termos de processos e resultados e pelo processo de tomada de decisões dos gestores (Freeman, 1984; Clarkson, 1995; Donaldson e Preston, 1995).
Substituindo a distinção de Goodpaster (1991), que explorava a dualidade entre a dimensão ética e a dimensão estratégica da teoria dos stakeholders, Donaldson e Preston (1995) propõem três abordagens para essa teoria: a descritiva empírica, que expressa como a organização e os gestores estão administrando os stakeholders, a instrumental, que afirma que certos resultados são mais prováveis se a organização e seus gestores incorporam os stakeholders à estratégia da empresa, e a normativa, segundo a qual, empresas e gestores devem agir de acordo com a ética (Damak Ayadi, 2003).
DIMENSÃO DESCRITIVA
Uma das principais ideias ressaltadas por Donaldson e Preston (1995, p. 67), quando comentam sobre o aspecto descritivo da teoria dos stakeholders, trata do seu caráter gerencial. Segundo os autores, essa teoria tem por objetivo não apenas descrever situações existentes ou predizer relações de causa e efeito, “mas também recomendar atitudes, estruturas e práticas que, juntas, constituam a administração dos stakeholders”.
O gerenciamento dos stakeholders tem como principal pré-requisito o reconhecimento de que a perspectiva tradicional da firma, simbolizada pelo modelo de insumo-produto, é insuficiente para explicar as relações que a empresa possui com o ambiente externo. Portanto, deve-se conferir a devida atenção aos interesses legítimos de todos os stakeholders na criação da estrutura organizacional, na elaboração e na implementação das políticas gerais durante o processo de tomada de decisões. Essa exigência é válida para qualquer medida que afete as políticas corporativas, incluindo, não só aquelas que tratam dos gestores profissionais, mas dos acionistas, do governo e de outros.
Para Mercier (2001), a teoria dos stakeholders descreve as relações entre a organização e seu ambiente. Ela procura explicar como funcionam os processos de gerenciamento e como os interesses dos stakeholders são levados em consideração, o que implica descrever a natureza da firma. Essa teoria pode ainda contribuir para explicar o surgimento de novas formas organizacionais que privilegiem ainda mais os interesses de seus stakeholders. Ela se apresenta, portanto, como uma resposta à crescente complexidade das organizações e às interrogações sobre a influência das organizações sobre a sociedade.
De acordo com a abordagem descritiva da teoria dos stakeholders, os gestores tomam medidas, enquanto dirigentes das organizações, considerando os interesses e as reivindicações dos diversos stakeholders. Essa abordagem serve, assim, para descrever e, às vezes, explicar características e comportamentos (Damak Ayadi, 2003).
DIMENSÃO INSTRUMENTAL
Para a abordagem instrumental da teoria dos stakeholders, os grupos de interesse que não possuem direitos legais de propriedade sobre a empresa são considerados fatores de produção que permitem à empresa alcançar seus objetivos econômicos e, portanto, satisfazer suas obrigações fiduciárias para com seus acionistas. Assim, a administração estratégica dos stakeholders constitui-se como um meio de atender aos anseios dos dirigentes e dos acionistas, em que os stakeholders são levados em consideração por razões não necessariamente ligadas à ética (Clarkson, 1995; Mercier, 2001).
A forma instrumental da teoria dos stakeholders trata das diversas relações que podem existir entre a política de gerenciamento dos stakeholders e a realização dos objetivos de rentabilidade econômica da empresa. A ideia é que as empresas que praticam o gerenciamento dos stakeholders sejam mais eficientes em termos de lucratividade, estabilidade e crescimento. Jones (1995) foi um dos primeiros pesquisadores a promover estudos nessa área. Desde então, vários estudos têm feito referência explícita ou implícita à teoria dos stakeholders instrumental. Utilizando-se das metodologias estatísticas, essas pesquisas têm explorado:
A relação entre a pressão dos stakeholders e a formulação da estratégia nas empresas, como exemplificado pelo trabalho de Tilt (1994); A relação entre a performance social e a performance financeira, como expressa no estudo de Ruf et al. (2001).
Segundo Freeman (1984), o objetivo da abordagem instrumental é fornecer um suporte que auxilie os dirigentes das empresas a compreender os stakeholders para melhor gerenciá-los. Jones (1995), por sua vez, afirma que as empresas que interagem com seus stakeholders, estimulando a cooperação e a confiança mútuas, adquirem uma vantagem competitiva sobre suas concorrentes, porque experimentam uma diminuição dos custos ligados ao oportunismo e à prevenção.
DIMENSÃO NORMATIVA
A abordagem normativa da teoria dos stakeholders começou a ser desenvolvida com Evan e Freeman (1988), citado por Mercier (2001), quando eles formularam dois importantes princípios administrativos: (a) a empresa deve ser administrada com o objetivo de beneficiar seus stakeholders, que, além de serem reconhecidos, devem participar das decisões que possam afetar seu bem-estar; e (b) os dirigentes possuem uma relação fiduciária com os stakeholders. De acordo com essa concepção, cada stakeholder merece consideração, não porque seja útil à realização dos interesses de outros, mas porque possui um valor em si mesmo.
Ainda segundo os autores, o reconhecimento de que os stakeholders possuem interesses em função de possuírem um valor intrínseco implica uma reformulação da natureza da empresa, que passa a ser vista como uma instituição cujo objetivo é coordenar os interesses de todos os stakeholders e não apenas os interesses dos acionistas. A maximização do lucro, agora, precisa ser limitada pela necessidade de justiça, e os stakeholders precisam ser integrados ao processo de tomada de decisão da empresa.
Donaldson e Preston (1995) também partem da premissa de que os stakeholders possuem valor intrínseco para afirmar que eles possuem interesses legítimos nas atividades realizadas pelas empresas. Eles se apropriam do princípio da propriedade, o mesmo empregado para justificar os interesses dos acionistas, para legitimar os interesses dos stakeholders. Diferentemente da acepção clássica do princípio da propriedade, significando o direito irrestrito à coisa possuída, os autores usam o conceito moderno de direito que se baseia nas teorias pluralistas do direito, cujo princípio da justiça distributiva aplica-se às relações de interesse entre stakeholders e empresa.
A justificativa ética de Freeman (1984) e Donaldson e Preston (1995), considerando os stakeholders como um fim em si mesmo e não como um meio para se alcançar determinados objetivos, assegurando a legitimidade dos interesses dos stakeholders nas corporações, encontra suporte na teoria da ética de Immanuel Kant (1724-1804). Segundo esse filósofo, a ética se constrói a partir de três imperativos categóricos: princípio da verdade, princípio da universalização e princípio de respeito às pessoas.
A teoria da ética de Kant parte do princípio moral de que a ação dos indivíduos deve ser pautada pelo dever de dizer sempre a verdade, independentemente das consequências advindas desse fato. Do princípio da verdade, Kant passa ao princípio da universalização, estabelecendo que, se uma ação é considerada correta para uma pessoa, ela deve ser considerada correta para todas as pessoas que se encontram na mesma situação. Por último, tem-se o princípio do respeito às pessoas, considerado o mais importante imperativo categórico kantiano. Normatizando as relações entre os seres humanos, esse princípio preconiza que os indivíduos devem se tratar, a si próprios ou às outras pessoas, sempre como um fim em si mesmo e nunca como um meio (Boatright, 1999).
Diferentemente das teorias que buscam fornecer respostas aos questionamentos elaborados a partir dos fenômenos, possuindo como principal característica a análise e a conceituação definitiva sobre um determinado evento, os modelos são analogias ou representações de algum aspecto da realidade. Assim, os modelos podem ser entendidos como uma representação simplificada, ou uma abstração da realidade que tem como objetivo descrever, refletir ou replicar um evento, objeto ou processo, sem se preocupar com sua explicação (Cooper e Schindler, 2003 in Pereira e Campos Filho, 2007).
Com base na definição de Freeman (1984, p. 46), segundo a qual “stakeholder é qualquer grupo ou indivíduo que possa afetar ou ser afetado pela realização dos objetivos organizacionais”, Starik (1994) propõe que a identificação dos stakeholders seja realizada a partir de um corte feito pelo pesquisador. Segundo ele, a amplitude do conceito de Freeman, permitindo que quase tudo seja considerado stakeholder, prejudica sua operacionalização. Dessa forma, os gestores não possuem os subsídios suficientes para reconhecer os stakeholders, tomando medidas para garantir seus interesses.
Lettieri (2008), comentando sobre os aspectos positivos da definição de Freeman (1984), afirma que ela tem a vantagem de abrir muitas possibilidades quanto à identificação de stakeholders, incluindo aqueles que, tradicionalmente, não eram reconhecidos como tal: empregados, clientes, governo, comunidades locais. No entanto, por outro lado, ela deixa margem, para que, virtualmente, qualquer um possa ser considerado um stakeholder efetivo ou potencial. Nesse sentido, a autora sugere a utilização dos modelos de identificação de stakeholders como ferramenta para se enfrentar os problemas ligados à identificação dos grupos de interesse das empresas.
Considerando-se a dificuldade das empresas em reconhecer os atores ou os grupos de interesse que podem afetar ou ser afetados, de uma forma direta ou indireta, pela realização de suas atividades, assim como planejar e executar ações estratégicas que correspondam às expectativas de seus stakeholders reais ou potenciais, recomenda-se a análise dos modelos que investigam a relação das empresas com seus grupos de interesses. Um dos principais modelos de identificação de stakeholders foi elaborado por Mitchell et al. em 1997.
MODELO DE MITCHELL, AGLE E WOOD
Partindo das definições de stakeholders, que vão desde as mais abrangentes, qualquer grupo ou indivíduo que afete ou seja afetado, quando uma organização atinge seus objetivos (Freeman, 1984), até as mais restritas, indivíduos ou pequenos grupos com poder para gerir, negociar e alterar o futuro estratégico da organização (Eden e Ackerman, 1998 in Brysson, 2003, p. 4) e de suas implicações sobre a capacidade de a empresa reconhecer os grupos de interesse com os quais deve se preocupar, Mitchell et al. (1997) propõem um modelo que não pretende apenas identificar os grupos de interesse, mas sugerir uma maneira pragmática de como os gestores podem lidar com esses grupos.
Segundo Mitchell et al. (1997), os stakeholders são atores internos ou externos que afetam ou são afetados, direta ou indiretamente, pela realização das atividades de uma determinada organização. Além disso, esses atores devem possuir, pelo menos, um dos três atributos: poder, legitimidade e/ou urgência. Aqueles atores que não reúnem ao menos um dos atributos, não são considerados stakeholders, porque sua capacidade de afetar ou ser afetado pelos resultados da organização ficaria comprometida.
DEFINIÇÃO DAS VARIÁVEIS DO MODELO MITCHELL, AGLE E WOOD
O primeiro atributo, o poder, trata da existência ou da possibilidade de obtenção de recursos de um ator social com os quais ele tenha condições de impor sua vontade, modificando a ação de outros atores sociais. Ele pode ser subdividido em três categorias (Etzioni, 1964; Mitchell et al., 1997):
poder coercitivo, que se utiliza da força física ou de armas; poder utilitário, que se impõe através da obtenção ou do controle da tecnologia, do dinheiro, do conhecimento, da logística, das matérias-primas; poder normativo, que se estabelece por meio da aquisição de símbolos que promovem prestígio, estima e carisma.
Os três tipos de poder devem ser analisados de acordo com as vicissitudes de cada organização, devendo refletir a devida importância que ela confere aos diversos tipos de recursos. Assim, organizações que dependem, em maior ou menor escala, de recursos financeiros, estão mais suscetíveis à ação dos detentores de capital, como os bancos. Por sua vez, organizações cujo desempenho esteja ligado à valorização de sua imagem estão mais atentas ao comportamento de atores que podem influenciar a opinião pública, como a mídia. Por outro lado, organizações cuja atuação possa ferir as normas legais vigentes precisam estar atentas ao poder coercitivo do Estado (Martins e Fontes Filho, 1999).
A legitimidade, segundo atributo do modelo, tem sua importância relacionada ao fato de que ela reforça o exercício do poder, diminuindo as revoltas daqueles que estão subjugados àquele poder. Suchman (1995) define-a como a pressuposição ou a percepção generalizada de que as ações de um ator social são desejáveis ou apropriadas dentro de certos sistemas socialmente construídos de normas, valores, crenças e definições. Para Martins e Fontes Filho (1999), o conceito de legítimo como algo socialmente desejável implica o reconhecimento de que os atores sociais nem sempre têm claramente definido o que é desejável em certas circunstâncias.
O conceito de legitimidade pode ser aplicado, tanto em nível macrossocial, quando se refere à sociedade como um todo, como em nível microssocial, referindo-se, por exemplo, a uma organização. Dessa forma, as ações de um determinado ator social podem ser consideradas desejáveis ou legítimas em nível macro e micro em apenas uma das dimensões, ou em nenhuma delas. A primeira situação pode ser ilustrada, por exemplo, por uma organização não-governamental, que, na qualidade de cliente, adquire produtos de uma organização. Suas ações seriam reconhecidas como desejáveis, tanto para a organização que lhe forneceu os produtos, como para a sociedade (Martins e Fontes Filho, 1999).
Ainda segundo os autores, o terceiro atributo, a urgência, considera a ideia da necessidade de atenção imediata às demandas dos stakeholders em função de dois fatores: a sensibilidade temporal, entendida como a não-aceitação do atraso, e o caráter crítico da ação, ou seja, a importância da ação, tendo em vista a possibilidade de danos à propriedade, o sentimento, a expectativa e a exposição. A urgência pode ser percebida, por exemplo, quando os cidadãos se interessam pelo uso eficiente do dinheiro de seus impostos, visto que existem demandas sociais, como educação ou segurança, que precisam ser atendidas no menor espaço de tempo, sob pena de causarem grandes prejuízos à população.
DEFINIÇÃO DOS TIPOS DE STAKEHOLDERS
Mitchell et al. (1997) unem poder, legitimidade e urgência para propor um modelo através do qual os gestores possam identificar os stakeholders, assim como estabelecer parâmetros que permitam tratar, de forma diferenciada, cada um desses stakeholders. O modelo de poder ser mais bem visualizado através da tipologia representada na Figura 1.
A partir da união dos três círculos que representam cada um dos atributos, têm-se sete zonas distintas. As três zonas externas, que não apresentam interseção com nenhuma outra, representam os grupos de interesse que possuem apenas um dos atributos e são chamados de stakeholders latentes. Embora esses atores possuam uma pequena capacidade de impor suas reivindicações, o que os deixa geralmente relegado a segundo plano, deve-se considerar a possibilidade de que eles possam adquirir os outros atributos que lhes faltam, passando a exercer uma pressão maior sobre os gestores.
De acordo com a posse única dos atributos poder, legitimidade ou urgência, os stakeholders latentes se subdividem em adormecidos, exigentes e discricionários. Os primeiros, representando a existência do poder sem legitimidade e urgência, não recebem a atenção desejada dos gestores, mesmo quando são portadores de um poder expressivo, como do Estado ou da mídia. Os exigentes, em função de deterem a urgência sem o poder e a legitimidade, conseguem apenas ser barulhentos e incômodos. Já os discricionários, caracterizados pela presença da urgência sem o poder e a legitimidade, têm suas demandas atendidas com base na filantropia.
Nas três zonas seguintes, representando, exclusivamente, áreas de interseção entre dois círculos da Figura 1, os grupos de interesse possuem dois atributos combinados, sendo conhecidos como stakeholders expectantes. Estes já são merecedores de um significativo nível de atenção dos gestores, encontrando-se subdivididos em três categorias: dominantes, dependentes e perigosos. Os stakeholders perigosos recebem esse nome pelo fato de que, dispondo apenas de poder e urgência, são capazes de fazer uso da força para tentarem impor suas vontades. Ambientalistas radicais, grevistas e terroristas enquadram-se nessa categoria.
Os stakeholders dominantes possuem os atributos poder e legitimidade, o que lhes confere uma grande capacidade de interferir na estratégia e na definição dos objetivos da organização, portanto, seus interesses e suas expectativas são particularmente levados em consideração pelos gestores. Os acionistas e os credores costumam ser incluídos nessa categoria. Os stakeholders dependentes, como o próprio nome sugere, apesar de possuírem urgência e legitimidade, dependem do poder de outros stakeholders, internos ou externos à organização, para terem seus interesses assegurados. Populações afetadas pela poluição provocada por grandes empresas vizinhas a elas ilustram esse caso.
Por fim, tem-se a última zona, representada pela interseção dos três círculos da Figura 1, onde se encontram os stakeholders definitivos. O fato de possuírem os três atributos confere-lhes destaque especial, sendo, por conseguinte, facilmente reconhecidos pelos gestores. Além disso, em virtude da capacidade de exercerem grande influência sobre as atividades da empresa, os stakeholders definitivos devem receber um tratamento prioritário quanto ao atendimento de suas expectativas.
A principal vantagem oferecida pelo modelo de Mitchell et al. (1997) consiste no fato de que ele não apenas permite a identificação dos stakeholders com base nos atributos poder, legitimidade e urgência, mas considera também a possibilidade de migração de um grupo de stakeholders de uma zona de pouca importância para uma de maior importância. Os próprios autores utilizam os acontecimentos ligados ao Congresso Nacional Africano, na África do Sul, para mostrar como essa migração pode ocorrer.
No início da luta contra o Apartheid, o Congresso Nacional Africano (CNA) não tinha poder nem legitimidade, possuindo como único atributo o caráter de urgência de suas reivindicações. Ao começar a utilizar o poder coercitivo para se fazer ouvir perante a minoria branca da África do Sul, o CNA migrou para uma zona de maior importância, tornando-se um stakeholder expectante. Finalmente, quando trocou o uso da força pela legitimidade da participação política, o CNA passou a adquirir os atributos de poder, agora normativo, legitimidade e urgência. Assim, as empresas, que antes consideravam o CNA um ator sem importância, foram obrigadas a reconhecer sua condição de stakeholder definitivo como forma de assegurar suas posições legítimas na sociedade sul-africana.
A lógica da pesquisa representada por esse trabalho é dedutiva, partindo-se da teoria para o campo empírico. Trata-se de um estudo exploratório de natureza qualitativa em que se utilizou pesquisa bibliográfica documental com o objetivo de comparar a divulgação de informações socioeconômicas de empresas brasileiras e francesas.
Para tanto, foram utilizados os indicadores de responsabilidade social recomendados pelo Guia de Indicadores de Responsabilidade Corporativa em Relatórios Anuais (Guidance on Corporate Resposibility Indicators in Annual Reports) divulgados pela Organização das Nações Unidas – ONU em 2008 como parâmetro para análise dos documentos e demonstrativos contábeis das empresas pesquisadas.
Este estudo é exploratório, pois seu objetivo é investigar um assunto ainda pouco explorado, a divulgação de informações socioeconômicas de empresas sob a ótica do Guia de Indicadores de Responsabilidade Social Corporativa da ONU de 2008, considerando que se trata da mais recente iniciativa de orientação para elaboração de relatórios sociais de um organismo de destaque mundial, bem como estudá-lo à luz das teorias.
O presente trabalho pode ser considerado uma pesquisa qualitativa, pois seu objetivo é estudar em profundidade a divulgação de informações socioeconômicas de um conjunto de unidades de estudo, 30 empresas, tendo como referência os indicadores de Responsabilidade Social Corporativa sugeridos pela ONU em 2008. Também pode ser considerado quantitativo em função da utilização de uma amostra não probabilística e dados analisados por meio da técnica interpretativa análise de conteúdo.
O caráter documental pode ser atestado pela utilização de documentos, como os relatórios financeiros anuais e os relatórios socioeconômicos e ambientais das empresas estudadas. Os relatórios financeiros anuais utilizados na pesquisa são compostos pelos seguintes documentos: relatório da administração, balanço patrimonial, demonstração do resultado do exercício, notas explicativas às demonstrações contábeis e parecer dos auditores independentes. Já os relatórios socioeconômicos e ambientais, geralmente publicados separadamente das demonstrações contábeis, são demonstrativos adicionais que relatam informações referentes às questões socioeconômicas e ambientais das empresas, como relatórios de sustentabilidade, Demonstração do Valor Adicionado (obrigatório para as empresas brasileiras de capital aberto), balanço social do Ibase e GRI, no caso brasileiro, e rapport développement durable, bilan social e GRI, no caso francês. O acesso aos dois tipos de relatórios foi obtido por meio da internet, diretamente nas homepages das empresas.
A pesquisa bibliográfica fica visível quando se promove o diálogo de aspectos da Teoria dos Stakeholders que se relacionam com o tema Responsabilidade Social Corporativa e divulgação de informações socioeconômicas e ambientais.
O critério de seleção das empresas objeto de análise, assim como outros estudos comparativos já realizados, baseou-se, também, na escolha das maiores empresas de determinados países, podendo-se citar os de Chen e Bouvain (2009), que comparam a divulgação da RSC em empresas dos EUA, do UK, da Austrália e da Alemanha, e o de Crawford e Williams (2010), que compara a divulgação de RSC de empresas do setor bancário da França e dos EUA.
Visando à equidade no tratamento das unidades de estudo, optou-se por utilizar a lista das duas mil maiores empresas do mundo fornecida pela revista Forbes (http://www.forbes.com/global2000/), pelo fato de ela conter tanto as maiores empresas francesas, como as maiores empresas brasileiras. Outra vantagem em se adotar a classificação da Forbes global 2000 advém da metodologia empregada. No lugar de simplesmente vendas, que pode dar uma falsa impressão sobre o tamanho de uma companhia, utiliza-se um escore composto que leva em consideração vendas, lucros, patrimônio e valor de mercado na seleção das maiores empresas.
Assim, o primeiro conjunto de unidades de análise foi representado pelas 15 maiores empresas francesas, de acordo com o ranking da Forbes, cadastradas na Bolsa de Valores de Paris. O outro conjunto de unidades de estudo foi composto pelas 15 maiores empresas brasileiras, de acordo com o ranking da Forbes, listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Quadro 1). A opção, por se trabalhar com empresas cotadas em bolsa de valores deve-se ao desejo de se manter certo equilíbrio de escolha entre as empresas a serem estudas, pelo fato de pertencerem a países diferentes e, também, à expectativa de que, por possuírem grande visibilidade pela sociedade, haja maior facilidade de acesso às suas informações sociais, conferindo, assim, mais garantia de viabilidade à pesquisa.
Para a coleta e a análise dos dados, foi utilizada a técnica análise de conteúdo, buscando-se, nos documentos de cada empresa, conteúdo convergente com aquele recomendado pelo Guia do ISAR/UNCTAD acerca de cada indicador. Foi elaborado um formulário, constituindo-se no instrumento de coleta de dados, cujo conteúdo foi traduzido e adaptado do Guia de Indicadores de Responsabilidade Corporativa da ONU, publicado em 2008. Em seguida, os formulários foram preenchidos com os dados de cada empresa, estabelecendo-se três possibilidades de divulgação (que foram pontuadas para facilitar as análises) para classificar as informações referentes a cada indicador/subcategoria: nula (0) - quando não havia divulgação de nenhum aspecto relacionado ao indicador; parcial (1) - quando não foram divulgados todos os aspectos relacionados ao indicador; e, total (2) - quando foram divulgados todos os aspectos relacionados ao indicador.
Trata-se de uma tentativa de classificar as informações divulgadas, assim como o fazem tantos outros estudos. Chen e Bouvain (2009) afirmam que a diversidade de características na divulgação socioeconômica e ambiental das empresas torna difícil a comparação e mencionam, por outro lado, a diversidade de métodos utilizados para analisar essa divulgação.
Para melhor visualização e compreensão da análise de dados, o Quadro 2 apresenta os seis grupos de indicadores (nesse estudo, intitulados “categorias de análise”) e os 16 indicadores de Responsabilidade Social Corporativa (nesse estudo, intitulados “subcategorias de análise”), cuja divulgação é recomendada pela ONU.
A Tabela 1 apresenta a consolidação dos dados da pesquisa e fornece uma visão geral da divulgação dos 15 indicadores de Responsabilidade Social Corporativa recomendados pelo Guia da ONU, cujos conteúdos foram pesquisados nos documentos das empresas francesas e brasileiras que fizeram parte do estudo. É necessário destacar que o indicador valor das importações versus exportações não se qualificou como objeto de estudo dessa pesquisa em virtude de sua inaplicabilidade em relação às instituições financeiras que estão significativamente representadas na amostra, uma vez que, das 30 empresas pesquisadas, existem 7 bancos e uma companhia de seguros. Portanto, de 16, cai para 15 a quantidade de indicadores pesquisados.
Nenhuma empresa pesquisada alcançou a máxima divulgação dos indicadores sugeridos pela ONU, uma vez que, mesmo aquelas que mais se destacaram, apresentaram uma parte de seus indicadores apenas parcialmente divulgados.
Como ilustrado na Tabela 1, observou-se que os indicadores faturamento total bruto e total de novos investimentos foram divulgados em total conformidade com o que recomenda o Guia da ONU por todas as empresas da França e do Brasil. Com relação ao indicador compras locais, constatou-se que seu nível de divulgação foi semelhante entre as empresas pesquisadas dos dois países. Nas empresas brasileiras, apenas 3 das 15 divulgaram o valor das compras locais de forma completa, enquanto o restante delas não mencionou nenhuma informação relacionada com esse indicador. Quanto às empresas francesas, 14 não apresentaram qualquer informação referente a esse indicador e apenas 1 divulgou o valor de suas compras locais.
A divulgação do indicador faturamento bruto total está relacionada com a existência das normas contábeis que determinam, obrigatoriamente, a divulgação dessa informação por todas as companhias francesas e brasileiras, respectivamente, nas demonstrações Compte de Résultat de l’Exercice e Demonstração do Resultado do Exercício.
O valor do total de novos investimentos realizados por uma empresa está geralmente associado ao aumento da capacidade produtiva e, por conseguinte, à expansão do efetivo da empresa. A contratação de novos empregados, com todos os benefícios sociais que isso representa, como a redução da pobreza, quando devidamente explorada pelo marketing social, pode agregar valor à imagem da empresa. Dessa forma, os ganhos em termos de capital reputacional respaldam a divulgação desse indicador de forma voluntária e com maior nível de detalhamento.
Partindo do princípio de que cada informação divulgada pelas empresas diz respeito mais de perto a um determinado stakeholder ou grupo de stakeholders, pode-se afirmar que o Estado é um dos stakeholders mais interessados em conhecer o valor das compras locais de uma empresa para dimensionar a extensão da ligação entre a empresa e o tecido econômico local onde ela está inserida. O conhecimento dessa informação é útil, por exemplo, para a criação de políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento da economia de uma determinada região.
A teoria dos stakeholders, através da tipologia de Mitchell et al. (1997), ajuda a compreender o reduzido nível de divulgação desse indicador. Nesse caso, o Estado é identificado, de acordo com Mitchell et al. (1997), como um stakeholder dominante. Em outras palavras, embora o Estado possua os atributos de poder e legitimidade, a ausência do atributo urgência faz com que seu interesse por esse indicador não seja devidamente considerado pelos gestores.
Com relação ao indicador mão de obra total, constatou-se que a totalidade das empresas pesquisadas o divulgou. Também verificou-se que a divulgação das empresas francesas foi superior em matéria de divulgação total desse indicador: doze francesas contra três brasileiras (Tabela 1).
À exceção de uma empresa brasileira, todas as outras empresas estudadas divulgaram o indicador salários e benefícios dos empregados. Diferentemente do indicador anterior, em que se percebeu uma larga vantagem para as empresas francesas, a divulgação desse indicador foi bem semelhante nas empresas dos dois países, predominando a divulgação parcial.
Embora com um nível de divulgação inferior ao nível dos indicadores mão de obra total e salários e benefícios dos empregados, a taxa de rotatividade também foi alvo de uma considerável divulgação pelas empresas estudadas. Vinte e quatro empresas, subdivididas em seis com divulgação total e dezoito com divulgação parcial, apresentaram alguma informação referente a esse indicador. Apenas 6 empresas, das quais 5 brasileiras, não se preocuparam em divulgar esse indicador.
Quanto ao indicador porcentagem de empregados protegidospor acordos coletivos, percebeu-se que ele não recebeu a mesma atenção dada aos outros indicadores que fazem parte desse grupo, predominando a divulgação nula. De fato, apenas pouco mais de 1/3 das empresas estudadas, com uma ligeira vantagem para as empresas brasileiras, divulgaram as informações relacionadas com esse indicador.
A dimensão instrumental da teoria dos stakeholders é útil na compreensão da expressiva divulgação obtida pelos indicadores mão de obra total, salários e benefícios dos empregados e taxa de rotatividade. Clarkson (1995), um dos principais autores dessa corrente teórica, afirma que os stakeholders que não possuem direitos de propriedade devem ser tratados como fatores de produção.
O fato de os empregados não possuírem direitos de propriedade sobre a empresa justifica a divulgação dessas informações, não porque predomine uma preocupação ética com os empregados, mas porque elas são vitais à realização dos objetivos econômicos da empresa. Afinal, todo fator de produção, e os recursos humanos não seriam uma exceção, deve ser quantificado, assim como sua contrapartida financeira levada em consideração.
A maneira pela qual o indicador porcentagem de empregados protegidos por acordos coletivos foi divulgado vem corroborar a ideia de que as informações referentes a stakeholders que não possuem direitos de propriedade, como os empregados, recebem mais atenção por parte dos gestores quando dizem respeito à realização dos objetivos econômicos, ficando relegadas a um segundo plano quando não cumprem essa função.
De acordo com o que pode ser observado na Tabela 1, enquanto a divulgação do indicador gastos em pesquisa e desenvolvimento deu-se de forma polarizada nas empresas francesas, com 11 empresas com divulgação total e 4 empresas com divulgação nula, as empresas brasileiras praticaram a divulgação desse indicador da seguinte forma: 9 empresas com divulgação total, 1empresa com divulgação parcial e 5 empresas com divulgação nula.
Diferentemente do indicador gastos em pesquisa e desenvolvimento, os indicadores média de horas de treinamento e gastos com treinamento de empregados não foram alvo de uma divulgação tão expressiva por parte das empresas estudadas. Para a média de horas de treinamento, verificou-se que apenas 11 das 30 empresas investigadas divulgaram, de forma completa, as informações referentes a esse indicador, enquanto para o valor dos gastos com treinamento, essa quantidade caiu para 9 empresas.
A divulgação do indicador gastos em pesquisa e desenvolvimento encontra suporte na abordagem instrumental da teoria dos stakeholders. Uma das linhas de pesquisa dessa vertente teórica, como indicado no trabalho de Tilt (1994), estuda a relação entre a pressão dos stakeholders e a formulação da estratégia nas empresas.
Os gastos em pesquisa e desenvolvimento estão intimamente ligados à obtenção de vantagens competitivas que assegurem a realização dos objetivos econômicos das empresas. Assim, acredita-se que a expressiva divulgação desse indicador se deu como uma resposta às pressões dos acionistas.
Embora as informações referentes aos indicadores média de horas de treinamento e gastos com treinamento de empregados contribuam para alavancar o crescimento econômico da empresa, o que implicaria que elas recebessem a mesma atenção dispensada ao indicador gastos em tecnologia e desenvolvimento, elas não são vitais a nenhum stakeholder que possua os atributos poder, legitimidade e urgência.
Como apenas stakeholders dependentes, os empregados não possuem o poder, como no caso dos acionistas, de fazer valer suas demandas diante dos gestores, o que explica o baixo nível de divulgação dos dois indicadores em questão.
Percebe-se que houve significativa divulgação dos indicadores custo da saúde e segurança dos empregados e número de dias perdidos devido a acidentes de trabalho, uma vez que 2/3 das empresas pesquisadas apresentaram as informações referentes aos dois indicadores em total conformidade com o que recomenda o Guia da ONU. Quando se considera também a divulgação parcial, esse número se eleva a 22 empresas para o primeiro indicador e 21 empresas para o segundo.
A teoria da dependência dos recursos de Pfeffer e Salancik (1978) é útil na compreensão da significativa divulgação obtida por esses dois indicadores nas empresas pesquisadas. Para esses autores, as restrições positivas, exemplificadas pela legislação que disciplina as atividades empresarias, promovem ganhos em termos de eficiência organizacional. Apesar dos inconvenientes que a legislação vigente possa representar, o respeito às leis, além de ser responsável por uma eficiência suplementar, contribui para legitimar a empresa diante da sociedade.
A existência de um aparato legal, no Brasil e na França, representado, respectivamente, pelo Código do Trabalho (Brasil, 2003) e pelo Code du Travail (France, 2010), colocando a saúde e a segurança dos empregados sob responsabilidade das empresas brasileiras e francesas, fez com que elas se vissem obrigadas a dispensar a devida atenção a esses temas, sob pena de sofrerem sanções. A contrapartida pela observância do que manda a legislação verifica-se em termos de aumento de produtividade e legitimidade social, daí a importância de divulgar as informações referentes ao montante gasto com saúde e segurança, assim como o número de dias perdidos devido a acidentes de trabalho, cuja redução atesta a eficiência dos gastos feitos nessas áreas.
Como se pode verificar através da análise da Tabela 1, os indicadores pagamentos ao governo e contribuições voluntárias à sociedade civil foram divulgados de maneira completa, como recomenda o Guia da ONU, por todas as empresas francesas e brasileiras.
A divulgação do indicador pagamentos ao governo está associada à existência de normas contábeis que determinam a divulgação compulsória dessa informação pelas empresas brasileiras e francesas, respectivamente, na Demonstração de Resultado do Exercício e na Compte de Résultat de l’Exercice.
O expressivo nível de divulgação do indicador contribuições voluntárias à sociedade civil, por sua vez, está relacionado com a obtenção de vantagens competitivas. As empresas percebem que, quando devidamente explorados pelo marketing social, os recursos disponibilizados em ações sociais podem agregar valor à imagem da empresa.
Embora seja de inegável importância a divulgação de informações relacionadas à corrupção, a Tabela 1 mostra que apenas quatro empresas, todas brasileiras, divulgaram esse indicador, sendo que duas empresas o fizeram de forma parcial. Das 15 empresas francesas cuja divulgação é estudada, nenhuma apresentou informações sobre condenações por violação de leis ou regulamentos relacionados à corrupção e valor das multas pagas ou a pagar.
O baixo nível de divulgação desse indicador pode ser explicado pelo receio de que informações relacionadas à corrupção danifiquem a imagem das empresas, promovendo perdas em termos de capital reputacional. Por outro lado, pode-se também cogitar que a incipiente ou falta de divulgação desse indicador estaria associada à não utilização de práticas de corrupção pelas empresas que fizeram parte desse estudo.
Com relação ao nível de envolvimento com a Responsabilidade Social Corporativa, percebe-se que as empresas estudadas possuem uma significativa preocupação com a questão social, o que pode ser comprovado, quando se observa a divulgação de seus indicadores de responsabilidade social. De um total de 450 indicadores, e considerando que o universo da pesquisa contou com 30 empresas e para cada uma delas foram investigadas as informações referentes a 15 indicadores, 333 indicadores foram divulgados, sendo 243 divulgados totalmente em conformidade como o que estabelece o Guia da ONU e 90, divulgados apenas parcialmente, por omitirem uma ou outra informação considerada importante.
Além disso, as empresas estudadas não dispensam a mesma atenção a todos os seus stakeholders. Quando se promove uma análise comparativa entre certos grupos de indicadores, percebe-se que, enquanto alguns desses grupos possuem indicadores divulgados apenas parcialmente ou mesmo sem nenhuma divulgação, outros possuem indicadores totalmente divulgados. Essa situação é ilustrada, por exemplo, pela comparação entre o grupo criação de empregos e práticas empregatícias, em que se verificou um predomínio da divulgação parcial ou nula dos indicadores, e o grupo contribuições ao governo e à sociedade, que teve a totalidade de seus indicadores divulgados de acordo com o que prevê o Guia da ONU.
Para os indicadores que foram objeto de uma significativa divulgação, as explicações vão desde a existência de uma legislação que obriga as empresas a divulgarem determinadas informações, como no caso do faturamento bruto total ou ainda dos pagamentos feitos ao governo, até a divulgação que ocorre em bases voluntárias, como a que se verifica em relação ao total de novos investimentos e às contribuições voluntárias à sociedade civil, ambos capazes de reforçar a imagem da empresa quando explorados pelo marketing social.
Quanto aos indicadores menos divulgados, o baixo nível de divulgação se daria em função da suposta não ocorrência de determinadas práticas, como as que se referem à corrupção, ou porque dizem respeito a stakeholders que não possuem poder suficiente para fazer valer suas demandas. Nesse sentido, observou-se que as informações relacionadas aos empregados receberam mais atenção dos gestores quando também interessavam à realização dos objetivos econômicos das empresas. Do contrário, como no caso da quantidade de empregados protegidos por acordos coletivos, elas foram relegadas a segundo plano.
Constituem limitações do estudo a dificuldade de se classificar a amplitude da divulgação parcial e o tamanho da amostra. Portanto, sugere-se, para futuros estudos, que sejam criados mecanismos para aquilatar a divulgação parcial e a ampliação da amostra, possibilitando a utilização de testes estatísticos robustos. Sugere-se ainda a replicação da pesquisa em períodos posteriores com as mesmas empresas para analisar a evolução da divulgação das informações socioeconômicas dessas empresas bem como sua explicação à luz da teoria estudada bem como de outras teorias.