Resumo: De acordo com a Teoria da Agência, há conflito de interesses entre agente e principal. Para alinhar esses interesses há alguns mecanismos como, por exemplo, a adoção de práticas de governança corporativa. Pesquisas recentes encontraram uma relação positiva entre governança corporativa e liquidez de ações. O objetivo deste artigo consiste em analisar se a migração das empresas para os níveis de governança corporativa da BM&F BOVESPA aumenta a liquidez de suas ações. Para tanto, foram estimadas regressões de dados em painel para três variáveis representativas de liquidez. Os resultados não permitem afirmar que haja evidências significativas do impacto da adesão aos níveis de governança corporativa sobre o nível de liquidez das ações. A adesão das empresas aos níveis de governança não proporciona um prêmio de liquidez, o que contraria alguns estudos. Uma provável explicação baseia-se na hipótese de insuficiente proteção legal aos investidores e do modelo de governança brasileiro, visto que as normas e princípios exigidos pela adesão aos níveis de governança da bolsa não implicam força de lei.
Palavras-chave:liquidez de açõesliquidez de ações, governança corporativa governança corporativa, BM&F BOVESPA BM&F BOVESPA.
Abstract: According to the agency theory, there is conflict of interest between the agent and the principal. To align these interests there are some mechanisms, such as the adoption of corporate governance practices. Recent research found a positive relationship between corporate governance and stock liquidity. The purpose of this article is to analyze whether the adherence of companies to the corporate governance levels of the BM&F BOVESPA increases the stock liquidity. For this, panel data regressions were estimated for three variables representing the liquidity. The results do not suggest that there is significant evidence of the impact of adherence to the corporate governance levels on the stock liquidity. The adherence of companies to governance levels does not provide a liquidity premium, which contradicts some studies. A likely explanation is based on the hypothesis of insufficient legal protection to investors and the Brazilian governance model, considering that the rules and principles required by the adherence to the governance levels of the stock exchange do not have the force of law.
Keywords: stock liquidity, corporate governance, BM&F BOVESPA.
OS NÍVEIS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA DA BM&F BOVESPA AUMENTAM A LIQUIDEZ DAS AÇÕES?
DO THE CORPORATE GOVERNANCE LEVELS OF BM&F BOVESPA INCREASE THE STOCK LIQUIDITY?
Recepção: 02 Abril 2015
Aprovação: 11 Maio 2016
Temas relacionados à governança corporativa são uma preocupação relevante tanto para os países emergentes quanto para os países desenvolvidos. No Brasil, a importância de se adotarem padrões de governança corporativa adequados aumentou com a necessidade de, entre outros fatores, obtenção de recursos em moeda estrangeira a custos mais competitivos.
No Brasil, a Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (BM&F BOVESPA) criou os níveis diferenciados de governança corporativa, que estão divididos em: Nível 1 (N1), Nível 2 (N2) e Novo Mercado (NM). Os três, em conjunto, são conhecidos como segmento especial da BM&F BOVESPA. Esses níveis são destinados à negociação de ações emitidas por empresas que se comprometem, voluntariamente, a adotar práticas de governança corporativa adicionais, principalmente em relação ao que é usualmente exigido pela legislação.
A governança corporativa concede, entre outros aspectos, direitos e garantias aos acionistas minoritários em relação aos controladores, cuja função é a redução da assimetria de informação, assim como o conflito de agência (La Porta et al., 2000). No Brasil, os direitos e garantias oferecidos aos acionistas pela legislação societária são reforçados quando as empresas aderem aos Níveis de Governança da BM&F BOVESPA, por exemplo, o Novo Mercado, nível mais alto de governança, exige que o capital seja formado apenas por ações ordinárias, com direito a voto; além disso, no caso de negociação do controle, o tag along deve ser de 100% para todos os acionistas. Assim, os investidores com maior proteção estariam mais dispostos a investir. Essa situação pode implicar mais confiança por parte dos mesmos, aumentando a demanda por títulos das empresas que aderiram aos níveis de governança, causando, portanto, um aumento na liquidez das respectivas ações.
Tal relação é corroborada pelas ideias de Schadewitz e Blevins (1998, p. 44), que afirmam que os investidores evitam adquirir ações de empresas com baixo nível de disclosure em comparação às demais empresas do mercado. Nesta mesma linha, Bushman e Smith (2001) acreditam que a divulgação de informação contábil de qualidade pode reduzir o risco de perda, atraindo mais fundos e, consequentemente, reduzindo o risco de liquidez dos investidores.
O aumento da liquidez das ações pode gerar benefícios para as empresas, entre eles a redução do custo de capital, de acordo com pesquisa que começou a ser desenvolvida por Amihud e Mendelson em 1986. Os autores verificaram empiricamente que um aumento no nível de liquidez das ações pode proporcionar uma redução no custo de capital das empresas (Amihud e Mendelson, 2000).
Contudo, a falta de governança ou a presença de uma governança fraca pode resultar, por exemplo, em uso de informações privilegiadas, manipulação de resultados, ensejando problemas de conflito de interesses, tais como os ocorridos com a Enron, a Tyco, a Worldcom, a ImClone, entre outras. Lembra-se que foi nesse cenário de escândalos que a qualidade da evidenciação das empresas de capital aberto passou a ganhar certa importância, vide a aprovação da Lei Sarbanes-Oxley (SOX) nesse contexto. Esses casos despertaram vários estudos sobre governança corporativa, como Chong e Lopez-De-Silanes (2007), que identificaram uma divulgação de informação contábil superior de empresas brasileiras em relação aos outros países da América do Sul, todavia, no que diz respeito aos direitos dos acionistas não controladores, não se verificou o mesmo resultado, principalmente no que tange às práticas dos conselhos para coibir conflitos de interesse. Este resultado é considerado desfavorável para as companhias brasileiras, pois está associado a uma dificuldade em atrair recursos nacionais ou internacionais para investimento.
Diante disso, espera-se que o grau de evidenciação seja um fator crítico de sucesso para as empresas de capital aberto, pois se supõe que os investidores tenham maior interesse por esse fator, principalmente após os casos de fraude citados anteriormente. Outra maneira de sinalizar práticas superiores de governança ao mercado é aderir aos níveis de governança corporativa, que, segundo a BM&F BOVESPA e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), proporcionam: melhora da imagem institucional, maior demanda das ações, valorização das ações, menor custo de capital, maior grau de proteção aos acionistas não majoritários, etc. No que diz respeito ao mercado acionário, essas instituições afirmam, particularmente, que há um aumento na liquidez e na emissão de ações, além de outros. Essas afirmações são verificáveis empiricamente e justificam estudos aplicados com o objetivo de constatar esses benefícios.
Posto isso, este trabalho tem por objetivo testar a hipótese de alteração na liquidez das ações das empresas que migraram do setor tradicional para os níveis de governança corporativa da BM&F BOVESPA, desde a sua criação até meados de abril de 2006, no curto e no médio prazo.
Assim, o problema de pesquisa resume-se: o nível de liquidez das ações foi influenciado após migração das empresas para os Níveis de Governança Corporativa da BM&F BOVESPA?
Este estudo contribui para o entendimento dos benefícios dos níveis de governança corporativa no que tange à liquidez de ações. Embora se encontrem indícios na literatura acerca da relação positiva entre governança corporativa e liquidez de ações, o tema ainda está em discussão, visto que há evidências empíricas de que os níveis de governança da BM&F BOVESPA não proporcionam o prêmio de liquidez (Silva et al., 2014). Um aspecto ainda pouco discutido diz respeito à extensão do enforcement legal com base nas normas exigidas pela adesão aos níveis de governança da bolsa, visto que essas normas e princípios não implicam força de lei. Além disso, o cumprimento de práticas de governança corporativa pode ocorrer pela aplicação da cartilha de governança do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), em vez de adesão aos níveis da BM&F BOVESPA.
A revisão conceitual do trabalho se divide em três partes. A primeira descreve o problema de agência e estabelece uma relação com o conceito de governança corporativa na perspectiva de alguns autores. A segunda trata de liquidez de ações e sua relação com custo de capital próprio enquanto que a terceira apresenta algumas evidências empíricas acerca da relação entre governança corporativa e liquidez de ações, além de estudos correlacionados.
Segundo Jensen e Meckling (1976, p. 5), a relação de agência é definida como um contrato estabelecido entre duas partes, no qual o principal delega ao agente a realização de determinadas obrigações. Se ambas as partes procurarem maximizar suas utilidades, pode-se acreditar que o agente não agirá no melhor interesse do principal, tomando decisões que possam expropriar a riqueza do principal.
Jensen e Meckling (1994) também definem as principais causas do conflito de agência. A hipótese levantada pelos autores é a de que a natureza humana, utilitarista e racional, leva as pessoas a maximizarem uma função utilidade direcionada mais para as suas próprias preferências e objetivos. Essa hipótese está fundamentada no fato de que as pessoas tendem a ser menos eficazes no cumprimento de objetivos de terceiros do que no cumprimento de seus próprios. Os autores definem algumas ações que os acionistas podem implementar para verificar ou assegurar que seus interesses estejam sendo seguidos pelos gestores, tais como: (i) elaboração e estruturação de contratos sejam formais ou informais; (ii) monitoramento por meio de órgãos colegiados como conselho de administração e conselho fiscal; (iii) sistemas complexos e onerosos de informações gerenciais; e (iv) sistemas de incentivo para harmonização de interesses.
Porém, o principal problema de agência que ocorre no Brasil é entre o acionista controlador e o acionista não controlador, devido à grande concentração de ações com direito a voto (Okimura et al., 2007) e a outros aspectos do modelo de governança corporativa das empresas brasileiras, sendo que os controladores exercem grande influência sobre os gestores, convivendo-se, sobretudo, com situações em que aqueles se tornam também gestores. Apesar disso, as ações sugeridas anteriormente para acompanhar as decisões dos gestores também podem ser aplicadas com o intuito de eliminar o risco de expropriação de riqueza dos acionistas não controladores. Esses custos incorridos pelos acionistas estão associados à adoção de práticas de governança corporativa, ou, em outras palavras, a governança corporativa é uma forma de diminuir os custos decorrentes do problema de agência.
De acordo com Shleifer e Vishny (1997, p. 737), as práticas de governança corporativa visam assegurar o retorno do capital investido nas empresas para os proprietários do capital. Estes proprietários abrangem tanto os credores quanto os acionistas, sendo que ambos podem aumentar a aplicação de recursos dependendo do nível de proteção contra a expropriação. La Porta et al. (2000, p. 3) complementam ao afirmar que a governança corporativa pode ser vista como uma série de mecanismos com o propósito de evitar a expropriação dos acionistas não controladores.
Nessa linha, Silveira (2002, p. 14) destaca que a governança corporativa corresponde ao “conjunto de mecanismos de incentivo e controle que visa harmonizar a relação entre acionistas e gestores pela diminuição dos problemas de agência, numa situação de separação entre propriedade e controle”.
Assim, pode-se entender que as práticas de governança corporativa tendem a alinhar os interesses entre os acionistas controladores e os acionistas não majoritários ou, ainda, entre os acionistas e os gestores. A adesão das empresas aos níveis de governança também pode ser vista como uma solução aos problemas de seleção adversa e risco moral, ao passo que as empresas sinalizam para o mercado disposição em diminuir a assimetria de informações entre os participantes do mercado de capitais, e transmitir maior segurança aos investidores.
No Brasil, uma das maneiras mais explícitas de sinalização é por meio da adesão voluntária aos níveis de governança corporativa, visto que os mesmos possuem regras de adesão que as empresas devem observar, as quais estão relacionadas com regras de disclosure, maior dispersão acionária, direitos adicionais para os acionistas não majoritários, etc. A ordem crescente de exigências de regras é N1, N2 e NM. Em geral, espera-se que essas empresas apresentem benefícios adicionais comparativamente às empresas do segmento tradicional, entre eles, maior liquidez de ações.
Liquidez, segundo Amihud e Mendelson (2000), é uma medida da facilidade com que o dinheiro pode ser convertido em uma ação ou a ação ser convertida em dinheiro. Esses autores apresentam três componentes capazes de explicar a liquidez das ações: (i) custos de seleção adversa; (ii) custos de oportunidade, e (iii) custos de comissões e taxas.
Essa decomposição dos custos de liquidez é importante para que os administradores das empresas que captam recursos por meio de títulos de valores mobiliários possam criar ou desenvolver mecanismos que possibilitem um aumento de liquidez das ações.
Amihud e Mendelson (1986) introduziram uma metodologia que está baseada na análise dos efeitos da liquidez sobre o custo de capital das empresas. A redução do custo de capital é um benefício procurado por muitas empresas que captam recursos no mercado de valores mobiliários com a finalidade de contribuir com a continuidade dos negócios. Nesse estudo, os autores encontraram evidências empíricas de que uma pequena redução nos custos de transação pode gerar um aumento substancial no preço das ações. Assim, o aumento de liquidez das ações pode reduzir o custo de capital das empresas.
Os autores sugerem que as empresas deveriam desenvolver estratégias que resultassem em aumento na liquidez de suas ações e, consequentemente, em reduções do custo de captação de recursos como, por exemplo, a utilização de canais de distribuição com o objetivo de divulgar ou esclarecer decisões que possam afetar a rentabilidade dessas ações, em vez de relegar aos intermediários e reguladores de mercado o exercício desse papel.
Ainda segundo esses autores, quando as empresas disponibilizam mais informações, é possível verificar um aumento de liquidez de suas ações, uma vez que há uma redução no grau de assimetria das informações entre empresa e investidores. Afirmam, ainda, que a decisão quanto à quantidade de informação a ser divulgada depende da comparação dos custos em relação aos benefícios da evidenciação: uma análise de custo-benefício. É importante ressaltar que os custos de evidenciação são mais visíveis e mensuráveis do que os benefícios.
Diante do que foi exposto e sabendo que a criação dos níveis diferenciados de governança corporativa pela BM&F BOVESPA objetiva uma busca da melhoria na qualidade de evidenciação das informações prestadas, progresso no mercado de capitais, redução da assimetria informacional, etc., então, teoricamente, o cumprimento de regras para adesão aos níveis diferenciados de governança tem, por hipótese, algum efeito sobre a liquidez das ações. Portanto, justifica-se o interesse em analisar e identificar se a migração para os níveis diferenciados impacta na liquidez das ações negociadas em Bolsa.
Discutem-se, nessa seção, alguns estudos que investigaram a relação entre governança corporativa e liquidez das ações de forma direta e indireta, além de trabalhos correlacionados. Considera-se que a adoção de práticas de governança pode proporcionar maior grau de evidenciação por meio da diminuição da assimetria de informações.
Diamond e Verrecchia (1991) argumentam que o aumento na liquidez seria provocado pela diminuição no grau de informação assimétrica entre os participantes do mercado, levando-os a crer que as ações estão sendo negociadas a um preço justo, o que pode gerar um aumento na liquidez das mesmas. Consequentemente, o aumento da liquidez pode atrair grandes investidores institucionais e diminuir o custo de capital. Os autores concluem que a obrigação contratual, que exige que as empresas evidenciem mais informações do que a lei determina, pode resultar em aumento de liquidez de suas ações e, por conseguinte, em redução do custo de capital.
Healy et al. (1999) investigaram a relação entre disclosure voluntário e vários aspectos, entre eles, a liquidez de ações. Os autores encontraram que um aumento no índice de disclosure está associado a um aumento na liquidez das ações.
Attig et al. (2006) estudaram a relação de controle e propriedade em uma amostra de empresas canadenses com uma dimensão importante da liquidez das ações: o bid-ask spread. Eles verificaram que as ações com muita divergência entre o controle e propriedade têm um componente maior de assimetria de informação dos seus bid-ask spreads, logo um maior bid-ask spread. Resultado semelhante é encontrado por Kanagaretnam et al. (2007) e Chen et al. (2007).
Goh et al. (2008) examinaram a relação entre governança corporativa e liquidez de ações com dados disponíveis no Wharton Research Data Services (WRDS). Os autores observaram que melhor governança, em termos de maior independência no conselho e maior monitoramento, aumenta a liquidez das ações.
Lang et al. (2010) estudaram a relação entre transparência, liquidez de ações e avaliação de empresas de diversos países. Eles documentaram um baixo custo de transação e uma alta liquidez quando a transparência é elevada. Além disso, observaram que a relação transparência-liquidez é mais forte quando o nível de proteção dos investidores de determinado país é baixo.
Chung et al. (2010) investigaram a relação entre governança corporativa e o mercado de liquidez de ações. Eles encontraram que as empresas com melhor governança possuem spreads menores entre outras características. Dumitrescu (2010) constata que os mecanismos de governança podem afetar positivamente a liquidez de mercado das ações das empresas.
Algumas pesquisas internacionais que adotaram alguma métrica para mensurar liquidez de ações encontraram uma relação positiva entre a liquidez e a divulgação de informações ou alguma medida que represente diminuição de assimetria de informações, tais como: Greenstein e Sami (1994); Welker (1995); Bloomfield e Wilks (2000); Heflin et al. (2001); Roulstone (2003); e Matoussi et al. (2004).
No mercado brasileiro, Carvalho (2003) constatou, em um estudo para a BM&F BOVESPA sobre os efeitos da migração das empresas para os níveis de governança, que ocorreu um aumento da liquidez das ações das empresas estudadas.
Aguiar et al. (2004) analisaram o impacto da adesão ao Nível 1 de governança sobre as variáveis quantidade média, volume médio e preço médio de ações. Os autores concluem que não ocorreram mudanças positivas significativas após a migração para o Nível 1, porém advertem que algumas empresas já apresentavam práticas de governança antes da adesão, pois tinham ADR no mercado americano. Em outras palavras, o aspecto de ter ou não ADR listado é um aspecto importante a ser considerado na pesquisa.
Lanzana (2004) investigou a relação entre disclosure e governança corporativa no Brasil. Entre diversos resultados, a autora observou que as empresas com ações de maior liquidez tendem a apresentar maior nível de disclosure.
O trabalho de Silveira (2004) investigou se mecanismos de governança são exógenos e se exercem influência sobre o valor de mercado e a rentabilidade das empresas brasileiras de capital aberto. Um dos resultados indica que as empresas maiores, emissoras de ADRs e com melhor desempenho apresentam melhor governança corporativa.
Oliveira et al. (2004) constataram que as empresas do setor de papel e celulose, especificamente no exercício de 2003, adotaram algumas práticas de governança, evidenciando informações contábeis adicionais e avançadas, além de informações sobre a gestão empresarial e aspectos ligados ao conselho fiscal. As autoras concluíram que as empresas desse setor ainda não mantêm o nível ideal de divulgação.
Martins et al. (2006) constataram que, para as empresas que migraram para os níveis de governança, existem oscilações indicativas de uma tendência de aumento no nível de liquidez das ações para o curto prazo, principalmente as ações do tipo ON.
Um resultado parecido foi obtido por Camargos e Barbosa (2010), que analisaram a influência da adesão aos níveis de governança sobre o comportamento das ações, com o intuito de identificar se ocorreram mudanças significativas sobre o Retorno Anormal Acumulado (RAA) e sobre a liquidez das ações. Os resultados indicam uma liquidez de ações em média maior após a data de adesão, porém eles observaram que as ações das empresas listadas no Nível 1 possuem maior liquidez do que aquelas listadas no Nível 2.
Terra e Lima (2006) investigaram se a divulgação das informações contidas nas demonstrações financeiras das empresas com práticas de governança corporativa provoca o mesmo nível de influência sobre o mercado, comparativamente às empresas que não possuem tais práticas. Entre outros aspectos, observaram que o tamanho da empresa, a sua adesão às regras de governança da BM&F BOVESPA e a emissão de ADR não produzem uma reação diferenciada significativa por parte do mercado.
Chavez e Silva (2006) estudaram a reação preço de mercado e o impacto na liquidez quando as empresas aderem aos níveis de governança. Eles observaram que o impacto na liquidez é positivo com a melhora da governança desde que os custos de transação diminuam, além de constar que o aumento da liquidez é maior para as ações com direito a voto, o que está coerente com o trabalho de Martins et al. (2006).
Silveira e Barros (2008) investigaram os determinantes de governança corporativa das companhias abertas brasileiras. Os autores concluíram que a adesão aos níveis diferenciados de governança corporativa da BM&F BOVESPA não parece influenciar o nível de governança das empresas.
Os autores Vilhena e Camargos (2013) estudaram 66 empresas entre 2005 e 2011, algumas presentes nos Níveis de Governança da BM&F BOVESPA e outras não. Os achados indicam que houve redução no nível de liquidez das empresas listadas nos níveis de governança, ao contrário do esperado.
Por outro lado, Silva et al. (2014) verificaram que as empresas do Nível 1 e Novo Mercado possuem maior liquidez, exceto ao considerar a crise financeira de 2008. Contudo, os autores estudaram o período de janeiro de 2000 a dezembro de 2009, além de usarem apenas uma variável dummy de liquidez. Diferentemente disto, o presente estudo utiliza três proxies de liquidez, visto tratar-se de uma variável multidimensional, que não pode ser captada por uma única medida (Amihud, 2002). Neste sentido, espera-se complementar os estudos voltados para a área de governança e liquidez, oferecendo um conjunto de variáveis representativas de liquidez que podem contribuir para avaliar a validade do constructo.
Como se pode perceber, há significantes indícios na literatura nacional e internacional acerca da relação positiva entre governança corporativa e liquidez de ações, isto é, a melhora nas práticas de governança está associada a um aumento na liquidez acionária.
Com o objetivo de verificar o impacto da governança corporativa na liquidez das ações, torna-se necessário o estabelecimento de períodos que começam em um momento anterior à data de adesão e terminam em outro, posterior a essa mesma data, com o intuito de testar se o ato de aderir aos níveis de governança influenciou a liquidez das ações. Dessa forma, a hipótese de pesquisa é:
H1: as empresas presentes nos níveis de governança corporativa apresentam liquidez superior em relação às empresas do segmento tradicional.
Neste estudo, utiliza-se uma amostra composta pelas ações da carteira do Índice IBrX-100 na data de 30 de dezembro de 2013. Este índice, por sua vez, é composto pelas 100 ações mais negociadas na BM&F BOVESPA de acordo com o índice de negociabilidade nos últimos 12 meses. Porém, para a composição desta amostra, foram retiradas as repetições – as empresas que aparecem representadas por mais de um tipo de ação – e as ações de empresas financeiras e seguradoras, conforme classificação setorial do Economatica. Devido à alta alavancagem, as empresas financeiras e seguradoras apresentam problemas de comparabilidade com as demais empresas.
Optou-se por trabalhar com as ações do IBrX-100 com o intuito de eliminar do estudo dados de ações com baixíssima liquidez, pois podem causar erros de mensuração no cálculo das variáveis dependentes. Baixa liquidez pode provocar uma tendenciosidade no R2 (Lopes e Alencar, 2010). Entretanto, o uso deste tipo de amostra implica a impossibilidade de generalizar os resultados para a população.
Assim, os dados foram coletados de uma amostra final composta por 81 empresas brasileiras, no intervalo de tempo de 32 trimestres, período de 2 de janeiro de 2006 a 30 de dezembro de 2013. Os dados das empresas foram coletados no sistema de informações Thomson One da Thomson Reuters, no Economatica e nos sites da CVM e da BM&F BOVESPA. As informações de preços de Bid, Ask, abertura, fechamento e volume de transações de ações, assim como informações de padrão contábil foram retiradas do Sistema Thomson One, que possui informações das Bases de Dados Datastream e Worldscope. Dados auxiliares, como informações de setor, foram coletados no sistema Economatica.
A variável dependente é a liquidez das ações das empresas, cuja complexidade não permite ser medida diretamente (Amihud, 2002; Amihud et al., 2005). Assim, para este estudo, utilizam-se 3 (três) proxies para liquidez – Bid-Ask Spread, Iliquidez e Liquidez, que têm efeitos diretos no custo de investimento em ações ou custo de transação (Hail e Leuz, 2007).
Bid-Ask Spread é calculada como a diferença entre o preço de ask e o de bid dividida pelo ponto médio entre os dois (Hail e Leuz, 2007; Daske et al., 2008; Christensen et al., 2013). Maior spread de bid-ask significa menor liquidez. Para estimar o valor trimestral, primeiro calculou-se o valor diário conforme a fórmula 1:
A seguir, calculou-se a mediana do spread diário ao longo do trimestre, conforme a fórmula 2. A informação utilizada de Empresa-Trimestre é o valor trimestral.
A segunda variável representativa de liquidez é denominada Iliquidez, que Amihud (2002) define como a variação percentual absoluta diária de preço da ação dividida pelo volume de transações em reais. Porém, neste estudo, o volume de transações em dinheiro é calculado como o produto do volume de títulos negociados pelo ponto médio entre os preços de abertura e fechamento. Este ajuste é devido a limitações do banco de dados de trabalho que não possui a informação do volume diário de negociação ou do preço médio diário. A informação Empresa-Trimestre é calculada como a mediana dos valores diários ao longo do trimestre. Pode ser interpretada como a resposta do preço (variação) para cada unidade monetária de volume de transação diário ou, ainda, a resposta do preço ao fluxo de ordens de compra e venda. Por isso, esta variável serve como uma medida simples do impacto no preço de uma ação, que mede a habilidade de um investidor em negociar uma ação sem provocar uma alteração no seu preço. São necessárias para o cálculo desta variável as informações dos preços diários de abertura e fechamento das ações e o volume total diário, em reais, das transações (Hail e Leuz, 2007; Daske et al., 2008; Lima, 2011). Quanto maior a Iliquidez, menor a Liquidez.
O valor de iliquidez diária é calculado como segue nas fórmulas 3 e 4:
Em seguida, o valor trimestral da variável é calculado como a mediana dos valores diários ao longo do trimestre:
A terceira proxy de liquidez é representada pelo indicador do Economatica:
onde: p = número de dias em que houve pelo menos um negócio com a ação dentro do período escolhido; P = número total de dias do período escolhido; n = número de negócios com a ação dentro do período escolhido; N = número de negócios com todas as ações dentro do período escolhido; v = volume em dinheiro com a ação dentro do período escolhido; e V = volume em dinheiro com todas as ações dentro do período escolhido.
A liquidez é uma variável multidimensional que não pode ser captada por uma única medida (Amihud, 2002), o que justifica o uso de 3 (três) proxies de liquidez, para trazer mais elucidação na relação investigada neste artigo.
Para analisar a relação entre liquidez e governança corporativa das empresas, assume-se que os níveis de governança corporativa da BM&FBOVESPA representam um diferencial em termos de práticas de governança, comparativamente às empresas do segmento tradicional. Neste sentido, 3 (três) dummies foram adicionadas: N1 que representa as empresas do Nível 1 de governança; N2 que representa as empresas do Nível 2 de governança; e NM que indica as empresas do Novo Mercado. Segundo a BM&F BOVESPA, essas empresas devem atender requisitos adicionais voltados para aumentar os direitos dos acionistas, além de melhorar práticas de divulgação. O Novo Mercado, nível mais alto, exige que o capital seja formado apenas por ações ordinárias, com direito a voto; tag along de 100% para todos os acionistas no caso de negociação do controle; realização de oferta pública de ações pelo valor econômico em caso de deslistagem ou cancelamento do contrato com a bolsa; regras diferenciadas para o conselho de administração, etc.
Neste contexto, algumas variáveis de controle são necessárias:
- Tamanho da firma (TMF): neste estudo, é mensurado como Market Capitalization ou Valor de Mercado. Esta variável é mensurada como a média trimestral do valor diário do produto entre a quantidade de ações em circulação pelo preço de fechamento da ação no dia.
Segundo Leuz e Verrecchia (2000), tamanho da firma associa-se a incentivos para transparência nas demonstrações, tais como acompanhamento por analistas. Tamanho da firma serve como uma variável de controle para o ambiente de informação da firma. Ainda segundo Leuz e Verrecchia (2000), adoção voluntária também está relacionada ao tamanho da firma. Utiliza-se, então, a variável “tamanho da firma” como uma medida dos incentivos para a transparência (Hail e Leuz, 2007; Daske et al., 2008, 2013; Christensen et al., 2013).
- Turnover da Ação (TOA): Volume trimestral de transações dividido pelo valor de mercado das ações em circulação
Turnover da Ação é utilizada como uma medida em escala proporcional de volume de transação que, na literatura, é identificado como um determinante de liquidez (Hail e Leuz, 2007; Daske et al., 2008, 2013; Christensen et al., 2013). Altos volumes de transações reduzem as chances de que uma ação fique parada sem negociações por um longo tempo. Isto, por sua vez, aumenta a liquidez e diminui os spreads de bid-ask (Chordia et al., 2000).
- Variabilidade do Retorno da Ação (VRE): É calculado como o desvio-padrão no trimestre do retorno diário sobre a ação. Sendo a média aritmética amostral:
A variabilidade do retorno indica volatilidade no valor da ação. Maior volatilidade aumenta o risco de manter a ação estocada, reduzindo a liquidez. Baixa volatilidade indica menor assimetria de informação (Chordia et al., 2000).
- American Depositary Receipt (ADR): é um recibo de depósito de títulos de empresas não americanas negociável no mercado norte-americano, onde as empresas emissoras de ADR buscam uma fonte alternativa de recursos. A Securities Exchange Commission (SEC) e a New York Stock Exchange (NYSE) analisam o risco de mercado das empresas emissoras, buscando diminuir o risco para os investidores do mercado. Neste sentido, as empresas devem se adequar às exigências norte-americanas no que diz respeito ao processo de listagem, informações sobre a companhia, responsabilidade corporativa, encontro de acionistas, garantias e agências depositárias. Além disso, as empresas devem seguir o ato normativo de 1934, disponibilizando informações pelo formulário 20-F. Em estudos sobre governança corporativa, pode-se encontrar a variável ADR, tal como Lameira et al. (2007).
- Crise Financeira de 2008: após o estouro da bolha especulativa no mercado norte-americano de hipotecas subprime, que marcou o início da última crise financeira, a Europa e os EUA foram severamente atingidos pela crise de crédito, contração do consumo e da liquidez, causando uma desvalorização drástica em vários ativos financeiros ao redor do mundo. Os mercados emergentes, sensíveis às mudanças no exterior, experimentaram a mesma crise econômica como resultado do impacto sistêmico na economia mundial. No Brasil, o Índice Bovespa (Ibovespa – Índice da Bolsa de Valores de São Paulo) caiu 41% em 2008, como resultado da restrição de crédito, redução nos níveis de consumo e da contração de 0,2% no Produto Interno Bruto do Brasil (Chiqueto et al., 2015). Assim, considerando as consequências que a crise financeira poderia desencadear na negociação de ações, considera-se fundamental controlar os seus efeitos. Neste artigo, isso pode ser feito por meio de uma variável dummy que assume o valor 1 para o período da crise: julho de 2008 a maio de 2009 (Silva et al., 2014) e zero do contrário.
- Adoção das IFRS: introduz-se na análise a variável independente que identifica a adoção das International Financial Reporting Standards (IFRS) (Hail e Leuz, 2007; Daske et al., 2008, 2013; Lima, 2011; Christensen et al., 2013). Assim, a partir do 4º trimestre fiscal de 2010, essa variável assume o valor 1 (um) e 0 (zero) para os trimestres anteriores.
O modelo de regressão utilizado no estudo pode ser definido:
Neste modelo, a variável liquidez é avaliada por meio das proxies Bid-Ask Spread (BAS), Iliquidez (ILQ) e Liquidez do Economatica (LIQ). A Tabela 1 resume as variáveis e seus respectivos sinais esperados.
Esses dados formam um conjunto de informações de corte transversal e série temporal que, juntos, compõem um painel de dados com 81 indivíduos e 32 períodos, totalizando 2.592 observações de empresa-trimestre. Entretanto, a base de dados apresenta falhas em alguns períodos em que as informações das variáveis são incompletas ou não existem, resultando em um painel não balanceado.
A técnica de análise corresponde à regressão de dados em painel, mais adequada para testar a dinâmica da mudança (Gujarati, 2006) e possibilita uma expansão no tamanho da amostra estudada, ao cruzar as dimensões de tempo e espaço ou indivíduo.
Há dois principais modelos de regressão de dados em painel: modelo de efeitos fixos e de efeitos aleatórios. Neste trabalho, emprega-se o modelo de efeitos fixos, pois possibilita a aceitação da existência de correlação entre os efeitos não observados e as variáveis explanatórias da regressão, característica que impede a aplicação do modelo de efeitos aleatórios (Wooldridge, 2006). Para verificar esta premissa de modelos fixos, são calculados testes de especificação do modelo como o teste F de Chow, o teste LM de Breusch-Pagan e, por fim, o teste de Hausman. Todavia, como não se pretende analisar todas as variáveis que influenciam a liquidez e suas proxies, aceita-se que haja alguma correlação entre os efeitos não observados, sem que prejudique os resultados da pesquisa.
Posto isto, iniciam-se as análises que seguem a sequência: são realizadas análises descritivas dos dados; em seguida, são feitos os testes de qualidade do ajuste dos modelos; por fim, estimam-se as regressões das variáveis dependentes.
A Tabela 2 contém estatísticas descritivas, por trimestre, das variáveis Bid-Ask Spread, Iliquidez, Liquidez, Tamanho da Firma, Turnover da Ação e Variabilidade do Retorno da Ação, permitindo analisar a evolução das mesmas ao longo do período de estudo.
Pela Tabela 2, não é possível analisar o efeito na liquidez das ações proporcionado ou não pela adesão aos níveis de governança, pois as empresas migraram para os níveis em períodos distintos. Todavia, analisam-se eventos que podem afetar a liquidez das ações e que aconteceram no período do estudo, como a crise financeira de 2008 e a adoção das IFRS. Pode-se verificar que a variável Bid-Ask Spread (BAS) inicia-se em 2006 com uma média alta de 0,53. Mas prossegue em queda contínua, até 2008 quando ocorre uma pequena alta chegando a 0,09, que significa redução da liquidez das ações das empresas da amostra. Esta pequena alta pode ter relação com a crise financeira dos anos de 2008 e 2009. Em seguida, volta a cair com valor mínimo de 0,04, até o 1º trimestre de 2010.
A partir de junho de 2010, o valor médio do Bid-Ask Spread percentual vai a 0,21 e mantém-se neste patamar até setembro de 2011, sendo que a obrigatoriedade das IFRS ocorre com a divulgação das demonstrações contábeis de 2010. Só a partir do 4º trimestre de 2011, a tendência reverte-se para queda com os valores mais baixos da série em março de 2012 e setembro de 2013, o que significa aumento na liquidez das ações.
Os valores médios de Iliquidez demonstram um padrão menos definido. É possível notar uma maior volatilidade para esta variável, principalmente antes da crise financeira de 2008. Em geral, observam-se variações positivas da variável no terceiro e quarto trimestres de 2008, com reversões no primeiro e segundo trimestres de 2009, porém, com valores superiores aos trimestres posteriores da série.
A variável LIQ mostra uma redução na liquidez média das ações durante o período da crise financeira, sendo que a reversão não atinge o mesmo nível de liquidez anterior à crise. No que diz respeito à adoção das IFRS, não se observa um aumento da liquidez logo após a divulgação das demonstrações de 2010.
Para verificar a qualidade do ajuste do Modelo adotado de Regressão, efetuaram-se os testes F de Chow, LM de Breusch-Pagan e o teste de Hausman (Favero, 2015). Os testes F de Chow e LM de Breusch-Pagan testam a presença de variância entre os indivíduos para confirmar a aplicabilidade do modelo de painel para os dados da amostra.
O teste F de Chow testa a hipótese nula de que todos os parâmetros das dummies são zero (0) exceto um. É usado para verificar a aplicação do modelo de efeitos fixos. Se a hipótese não for rejeitada, o modelo de efeitos fixos deve ser descartado, já que pressupõe a existência de efeitos individuais sobre os interceptos da função. O teste LM de Breusch-Pagan testa a hipótese nula de que os efeitos individuais são zero. A não rejeição desta hipótese impossibilita o uso de modelos em painel de efeitos aleatórios. O teste de Hausman testa a existência de correlação entre os efeitos individuais e as variáveis explanatórias. A hipótese nula do teste Hausman é de que a correlação entre os efeitos não observados e as variáveis explanatórias é zero. Na existência de correlação, o indicado é que se aplique o modelo de efeitos fixos. O teste de Hausman deve ser calculado se as hipóteses dos testes F de Chow e LM forem rejeitadas conjuntamente (Gujarati, 2006).
Nas Tabelas 3, 4 e 5 podemos ver que as hipóteses dos testes F de Chow e LM de Breusch-Pagan são rejeitadas conjuntamente a 0,01 de significância. Isto significa que a análise em painel é aplicável. A hipótese do teste de Hausman também é rejeitada nos dois modelos de regressão a 0,01 de significância. Os testes indicam, assim, a existência de correlação entre os efeitos individuais não observados e as variáveis explanatórias do modelo de regressão, justificando a adoção de efeitos fixos para a regressão dos dados em painel.
Ademais, testes adicionais revelaram a presença de heterocedasticidade e autocorrelação, porém sem o problema de multicolinearidade. Em função dos problemas identificados, aplicou-se correção para a heterocedasticidade e autocorrelação quando da estimação de efeitos fixos (Schaffer e Stillman, 2006).
A Tabela 3 contém os resultados da regressão pelo modelo de efeitos fixos da variável dependente Bid-Ask Spread, com os coeficientes e respectivas significâncias. Os resultados indicam a existência de efeitos sobre Bid-Ask Spread ocasionados pela adesão ao Novo Mercado de Governança Corporativa, com sinal negativo conforme esperado. A adesão provoca uma redução de 23,55% no spread, o que significa um aumento na liquidez das ações, coerente com outros estudos como Chavez e Silva (2006), Silva et al. (2014). Neste sentido, rejeita-se a hipótese nula de que o efeito seja 0 (zero). Contudo, durante a crise financeira, essas empresas deixaram de apresentar um diferencial em termos de liquidez de ações.
As empresas que aderiram aos Níveis 1 e 2 não apresentam maior liquidez conforme esperado. Ademais, a variável de interação entre crise e Nível 1 revela um aumento no spread, o que significa que as empresas listadas no Nível 1 tiveram uma redução na liquidez de suas ações em relação às empresas do segmento tradicional. Esse resultado apresenta um efeito contrário ao esperado.
As variáveis ADR e crise não foram significantes estatisticamente, revelando não proporcionar efeito na liquidez das empresas analisadas. No que diz respeito à ADR, embora haja evidências favoráveis ao aumento da liquidez das ações (Bortoli Filho e Pimenta Junior, 2004; Procianoy e Verdi, 2009; Silva et al., 2014; Correia e Amaral, 2016), há evidências desfavoráveis (Lanzana et al., 2004) tornando a relação ainda não conclusiva. Além disso, o estudo de Neves e Lemes (2009) não identificou diferença em termos de liquidez entre as empresas do Novo Mercado e as emitentes de ADRs.
As variáveis de controle VRE e IFRS apresentaram sinal contrário. Quanto à variável IFRS, a análise de estatística descritiva está coerente com o resultado encontrado na tabela 3, pois não ocorre uma redução no spread logo após a adoção completa das IFRS. Este resultado pode ser explicado pela necessidade de um período de aprendizado das empresas, gerando uma divulgação pobre e, consequentemente, diminuição da liquidez das ações, visto que os investidores podem identificar uma baixa probabilidade de que a firma vá divulgar corretamente.
A Tabela 4 mostra os resultados da regressão para a variável dependente Iliquidez. Apenas a variável “Nível 2 de Governança (N2) x Crise” apresenta significância estatística, sendo o sinal contrário ao esperado. Sendo mais tolerante para a variável de Nível 1, que foi significante estatisticamente a 0,057, pode-se observar um aumento na variável Iliquidez, o que se traduz em menor liquidez para as empresas do Nível 1. Portanto, as tabelas 3 e 4 apresentam um resultado desfavorável para as empresas do Nível 1 da BM&F BOVESPA.
Ainda comparando as estimativas das tabelas, não é possível apresentar resultados conclusivos para o Novo Mercado, visto que, para esta especificação, as empresas listadas no Novo Mercado não apresentam prêmio de liquidez. Na verdade, os resultados para este modelo foram os mais desfavoráveis ao analisar o coeficiente de determinação de apenas 0,0166, indicando que as variáveis independentes explicam pouquíssimo da variação de Iliquidez. Além disso, o desvio-padrão da variável ILQ, na tabela 2, revela elevada dispersão, o que pode explicar essas diferenças.
Os parâmetros estimados na tabela 5 revelam uma redução da liquidez para as empresas listadas no Nível 1 de Governança, um resultado contrário ao esperado. Esta evidência está alinhada com as tabelas 3 e 4, mostrando que, efetivamente, não há prêmio de liquidez para as empresas listadas no Nível 1. Este segmento é o menos exigente em relação ao Nível 2 e Novo Mercado. Por exemplo, o Novo Mercado possui alguns requisitos voltados para a igualdade de direitos entre acionistas majoritários e minoritários, o que pode realmente atrair investidores preocupados com as práticas de governança corporativa em um mercado altamente concentrado. Neste sentido, práticas como tag along de 100% para todos os acionistas no caso de negociação do controle podem explicar tais diferenças.
O Nível 2 e o Novo Mercado só apresentam relação forte com liquidez no período da crise, contudo as empresas apresentam menor liquidez em relação às companhias do segmento tradicional. Estes resultados contrariam a hipótese de que há um prêmio de liquidez para as empresas dos Níveis de Governança Corporativa da BM&F BOVESPA.
Com relação às variáveis de controle, todas são significativas estatisticamente, mas apenas TMF, TOA e ADR apresentam os sinais esperados. A variável ADR apresenta sinal positivo e está coerente com outros estudos, tal como Bortoli Filho e Pimenta Junior (2004), Procianoy e Verdi (2009), Silva et al. (2014) e Correia e Amaral (2016). Contudo, a mesma não foi significante nas outras especificações, tabelas 3 e 4, o que impossibilita de tirar conclusões a partir dos resultados obtidos.
De maneira geral, os parâmetros estimados para as variáveis de Níveis de Governança não permitem aceitar a hipótese de pesquisa, e, neste caso, conclui-se que as empresas presentes nos níveis de governança corporativa não apresentam liquidez superior em relação às empresas do segmento tradicional. Na América Latina, o Brasil é considerado um dos países de elevada divulgação, mas, no que diz respeito ao direito dos acionistas, as empresas brasileiras não têm correspondido às melhores práticas de governança (Chong e Lopez-De-Silanes, 2007). Adicionalmente, o Brasil é considerado um país com ambiente institucional fraco, baixo enforcement, e com histórico de expropriação de riqueza dos investidores, o que pode influenciar a esperada relação entre liquidez das ações e níveis de governança corporativa. Com isso, quando consideramos que outras variáveis podem influenciar a relação entre liquidez e governança, o resultado esperado não é tão óbvio. Por fim, uma maneira de explicar estes resultados pode ser obtida no campo jurídico, pois a adesão destas empresas aos Níveis de Governança Corporativa não implica necessariamente maior força jurídica, que garanta a equidade entre os acionistas. A falta de enforcement legal pode explicar diversos conflitos entre acionistas majoritários e não majoritários que ocorrem no mercado de capitais brasileiro, dificultando o seu crescimento. Naturalmente, uma vez percebido que a adesão aos Níveis está mais próxima de uma simples formalidade, deixando de lado o real comprometimento com equidade, transparência, responsabilidade e prestação de contas, a credibilidade de tais empresas pode ficar abalada, o que explica a ausência de prêmio de liquidez para as empresas dos Níveis de Governança.
Posto isto, o avanço conseguido nos últimos anos em termos da adesão aos níveis de governança é colocado em xeque, implicando continuação da incerteza por parte de investidores. Assim, considerando o risco de seleção adversa e a demanda por fontes de financiamento, as empresas devem sinalizar uma gestão empenhada com o retorno do investimento dos proprietários de capital, por meio de um maior comprometimento com as práticas de governança corporativa. Para trabalhos futuros, sugere-se a elaboração de um índice de governança corporativa para realmente medir tais esforços.
De acordo com a Teoria da Agência, há conflito de interesses entre agente e principal. Para alinhar esses interesses, há alguns mecanismos para eliminar o risco de expropriação de riqueza dos acionistas não controladores. Esses custos incorridos pelos acionistas estão associados à adoção de práticas de governança corporativa, ou, em outras palavras, a governança corporativa é uma forma de diminuir os custos decorrentes do problema de agência.
Diversos estudos comprovam que a adesão aos níveis de governança corporativa ou o aumento do disclosure estão associados a diversos benefícios para as empresas, entre eles o aumento na liquidez das ações. O objetivo deste artigo consiste em analisar o impacto da migração das empresas para os três níveis de governança corporativa sobre a liquidez das ações. A análise de dados foi realizada a partir de modelos de regressão com dados dispostos em painel, com três proxies de liquidez das ações para tentar capturar mais dimensões (Amihud, 2002).
Os achados indicam que não há aumento de liquidez para as empresas presentes nos níveis de governança corporativa, contrariando a hipótese de pesquisa. Ademais, em algumas situações há redução da liquidez das empresas presentes nos níveis. Este resultado está coerente com o pobre ambiente institucional brasileiro (Chong e Lopez-De-Silanes, 2007), com histórico de expropriação de riqueza dos investidores. A legislação societária silencia frente a problemas de governança corporativa, preferindo regular a relação entre não majoritários e majoritários tão somente. Neste contexto, aderir ou não aos níveis de governança apresenta-se indiferente ao mercado, o que desperta interesse em pesquisas futuras que meçam efetivamente as práticas de governança apresentadas pelas empresas.