Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar se a expansão do microcrédito produtivo orientado (MPO) estimulou a inadimplência estratégica. Essa modalidade de microcrédito consiste na concessão de recursos direcionados para a população de baixa renda para aplicação exclusivamente em atividade econômica com foco em fomentar geração de trabalho e renda; não exigindo garantias reais, apenas define, em tese, orientação e monitoramento por parte dos agentes de crédito. Utilizando aspectos de informação assimétrica, buscou-se entender os potenciais incentivos à inadimplência estratégica gerados pelo desenho do contrato de microcrédito produtivo orientado. A falta de punição clara em caso de não pagamento tenderia a produzir incentivos ao perigo moral. Assim, a hipótese a ser testada é se a inadimplência está positivamente relacionada com o aumento no montante de MPO. Como abordagem metodológica, foram utilizados modelos de Mínimos Quadrados Ordinários, nos quais o volume de microcrédito produtivo orientado seria a principal variável explicativa da inadimplência, além dos controles relacionados a variáveis macroeconômicas. Os resultados evidenciam uma relação positiva entre inadimplência e o volume de microcrédito produtivo orientado, sugerindo que esse tipo de contrato de dívida incentiva problemas de risco moral e ilustra as consequências econômicas de contratos e leis mal desenhadas.
Palavras-chave:Microcrédito Produtivo Orientado – MPOMicrocrédito Produtivo Orientado – MPO, inadimplência inadimplência, Moral Hazard Moral Hazard, intermediação financeira intermediação financeira, acesso ao crédito acesso ao crédito.
Abstract: This paper aims to analyze if the expansion of oriented productive microcredit (OPM) stimulated strategic default. This type of microcredit consists in a lending for low-income people to use exclusively in economic activity focused on promoting the generation of employment and income, and requires no collateral, defining, at least in theory, guidance and monitoring by the loan officers. Using aspects of asymmetric information, we aim to understand the potential incentives default generated by design-oriented productive microcredit contract. The lack of clear punishment in case of non-payment would tend to produce incentives for moral hazard. Thus, the hypothesis to be tested is whether the default is positively related to an increase in the amount of oriented productive microcredit. As a methodological approach, OLS models were used, where the volume of oriented productive microcredit would be the main explanatory variable of default, in addition to controls related to macroeconomic variables. The results show a positive relationship between default and the volume of oriented productive microcredit, suggesting that this type of debt contract induces problems of moral hazard, illustrates the economic consequences of contracts, and poorly designed laws.
Keywords: Oriented Productive Microcredit, default, Moral Hazard, financial intermediation, credit access.
O EFEITO DO MICROCRÉDITO PRODUTIVO ORIENTADO NO BRASIL: INCENTIVO A INADIMPLÊNCIA?[1]
THE EFFECT OF ORIENTED PRODUCTIVE MICROCREDIT IN BRAZIL: INCENTIVE TO DEFAULT?
Recepção: Novembro 23, 2015
Aprovação: Novembro 30, 2016
A intermediação entre os agentes credores e os agentes devedores da economia proporcionada pelas instituições financeiras é considerada positivamente relacionada com o crescimento de longo prazo. King e Levine (1993), Levine et al. (2000) e Beck et al. (2005) chegaram a resultados consistentes que mostram a relação positiva entre desenvolvimento financeiro e crescimento, afirmando que mercados de créditos mais desenvolvidos promovem a aceleração econômica.
Estudos sobre mercados de créditos mostram a importância do incentivo para o pagamento de dívidas para o desenvolvimento macroeconômico (La Porta et al., 1998; Funchal, 2008; Araújo et al., 2012; Arrigoni et al., 2012; Araújo e Funchal, 2015). Segundo esses autores, quando o credor tem instrumentos legais para forçar o reembolso, estes ficam mais propensos a conceder empréstimos. Criar mecanismos que reduzam os riscos de inadimplência através do acesso ao crédito é fundamental para o equilíbrio da intermediação financeira e para o desenvolvimento da economia real (Berger e Udell, 1990; Beck et al., 2005). Stiglitz e Weiss (1981) mostram que informações assimétricas em mercados de créditos levam ao racionamento de crédito, prejudicando o segmento da economia informal.
Com o intuito de fomentar crédito para microempresas, o governo brasileiro promulgou a Lei 11.110/05, que criou o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado – PNMPO, com o objetivo institucional de incentivar a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores populares, formais e informais, com renda bruta anual de até R$ 120.000,00. O PNMPO está sob a gestão do Ministério do Trabalho e Emprego, que é responsável pela habilitação das instituições autorizadas a operarem com os recursos direcionados para o Microcrédito Produtivo Orientado (MPO) (Barone e Sader, 2008; Reymao, 2010; Silveira, 2015; MTE, 2015).
O MPO, no âmbito do PNMPO, consiste na concessão de empréstimo de pequeno valor, com prazos, limites e taxas de juros determinados em Lei. Os Recursos do MPO são direcionados para a população de baixa renda para aplicação exclusivamente em atividade econômica para fomentar a geração de trabalho e renda. Essa finalidade do MPO o diferencia das operações de microcrédito cujos recursos são destinados para consumo, pagamento de dívida e outras finalidades não vinculadas à atividade econômica do tomador. A principal característica do MPO em relação às demais modalidades de créditos tradicionais está na sua metodologia de operacionalização, que dispensa a exigência de garantias reais, utilização de garantias sociais como o aval de grupos solidários e pelo relacionamento direto com o tomador de crédito através do agente de crédito (Barone e Sader, 2008; De Souza e Pereira, 2015; Silveira, 2015; MTE, 2015).
A substituição de garantias reais por garantias sociais, através do aval de grupos solidários adveio da experiência do Grameen Bank, que, desde 1983, concede empréstimos de pequenos valores às comunidades mais carentes de Bangladesh com índices de inadimplência abaixo de 2,00%. A Garantia social do aval solidário consiste na formação de grupos formados por 4 a 5 pessoas que se conhecem mutuamente e se responsabilizam pelo pagamento uns dos outros em caso de inadimplência. Esse sistema de garantias sociais reduz o problema do risco moral e da seleção adversa em mercados com assimetria de informação, uma vez que os grupos se formam entre eles, monitorando uns aos outros durante a vigência do contrato (Grameen, 2015).
Além das garantias sociais, o sucesso nas concessões do MPO do Grameen Bank está diretamente relacionado com a atuação dos Agentes de Créditos (Banerjee, 2013). Os agentes são pessoas contratadas pelo banco para fazer reuniões nas comunidades para identificar, selecionar, orientar e monitorar os grupos antes, durante e depois da concessão de microcrédito. Também no Brasil, como descrito na seção de MPO, a função do agente de crédito é bem clara e definida no texto da Lei 11.110/05. Sua efetiva atuação durante todas as etapas do processo de concessão, conforme determina a Lei, é imprescindível para manter baixos os níveis de inadimplência da concessão do MPO e garantir a continuidade do PNMPO.
Nesse contexto, este trabalho objetivou testar a política pública do MPO no sentido de verificar se seus incentivos resolvem os problemas de informações assimétricas em mercados com racionamento de crédito através da análise dos níveis de inadimplência devidos ao risco moral.
O MPO adota regras específicas que substituem a exigência de garantias reais por garantias sociais, como o aval de grupo solidário e o aval apenas do tomador. Também, em casos de inadimplência, não contém cláusulas contratuais que protejam os direitos do credor através de execução judicial do tomador. Esses mecanismos ausentes em contratos de microcrédito são incentivos para a redução dos riscos de inadimplência decorrentes do Moral Hazard.
Moral hazard é um problema decorrente de conflitos de agência em mercados com informações assimétricas, em que o tomador possui mais informações do que o credor sobre os riscos do projeto a ser financiado e suas reais intenções quanto ao pagamento do empréstimo. O credor, por sua vez, é incapaz de monitorar todas as ações futuras do tomador de crédito após a assinatura do contrato, tendo em vista os altos custos e a morosidade no processo de acompanhamento dessas ações. O tomador do crédito, por outro lado, sabendo dessas dificuldades, age de forma oportunista, não cumprindo sua parte no contrato (Stiglitz e Weiss, 1981; Boot e Thakor, 1994; Bharat, 2011).
Nesse ambiente de expansão do microcrédito no Brasil, o problema de pesquisa a ser respondido neste trabalho é: qual é o impacto da concessão de MPO sobre a inadimplência dos devedores?
A hipótese de pesquisa sugere que esse impacto seja significativo, tendo em vista que um dos principais mecanismos que garante ao credor receber de volta o montante emprestado – que é a exigência de garantias reais – é substituído por garantias sociais nos contratos do MPO. A hipótese de pesquisa proposta é de que, quanto maior o volume de concessão de microcrédito através da política pública, maior o percentual relativo de inadimplência do MPO. Portanto, espera-se uma correlação positiva entre inadimplência e concessão do microcrédito, principalmente em períodos de política pública de expansão de créditos direcionados pelos principais bancos públicos federais. Assim, acredita-se que a maior parte dessa inadimplência pode ser explicada pelo risco moral e a outra parte é devida a fatores macroeconômicos, como desemprego e aumento do custo de vida.
Este artigo é estruturado da seguinte forma: na seção II, traz o referencial teórico para mercados de crédito com subseção para o MPO; a seção III descreve a metodologia e variáveis relacionadas no modelo; a seção IV apresenta os resultados e a sessão V, as considerações finais.
A Teoria do Mercado de Crédito estuda as relações da intermediação financeira entre os agentes poupadores da economia – que são os ofertantes de crédito, e os agentes deficitários, ou demandantes de crédito. Esse mercado está inserido em um contexto de informações assimétricas em que uma das partes do contrato não contém informações completas e precisas da outra parte. Essa condição representa um risco para o credor e um custo para o tomador do crédito (King e Levine, 1993; Levine et al., 2000; Beck et al., 2005; Gertler e Kiyotaki, 2010).
Existe uma ampla literatura que estuda os problemas da assimetria de informação no mercado de crédito. Stiglitz e Weiss (1981) mostram que um mercado de crédito com informações assimétricas em equilíbrio pode ser caracterizado pelo racionamento de crédito.
Stiglitz e Weiss (1981) demonstram que a taxa de juros que um indivíduo está disposto a pagar pode indicar um risco moral, ou seja, esses tomadores estão propensos a pagar altas taxas de juros que representam piores riscos, tendo em vista a ação oportunista de não retornar o pagamento ao credor. Esses autores afirmam também que a taxa de juros pode levar a seleção adversa, ao afastar os bons pagadores do mercado, visto que estes não querem que seus projetos sejam onerados por altas taxas de juros. Há uma taxa de juros ideal que maximiza o retorno para o credor. É a taxa de equilíbrio, em que a oferta não se iguala à demanda, pois o crédito é racionado, e o credor não emprestaria ao tomador do empréstimo que se oferecesse a pagar uma taxa maior do que a taxa de equilíbrio. Nesse caso, a taxa de juros funciona como um mecanismo de triagem entre “bons” e “maus” pagadores.
Além da taxa de juros, o credor pode estipular a exigência de colateral dos tomadores de empréstimos para reduzir o risco de inadimplência e alcançar o equilíbrio entre oferta e demanda por crédito (Berger e Udell, 1990). Maior exigência de garantias gera seleção adversa no mercado de crédito, afastando os potenciais clientes que estão iniciando um projeto e atraindo projetos de maiores riscos. Portanto, o racionamento de crédito apontado por Stiglitz e Weiss (1981) depende da capacidade dos agentes financeiros em mitigar as falhas de assimetrias de informação.
As principais falhas ou imperfeições no mercado de crédito estão relacionadas com a assimetria de informações, e são conhecidas na literatura econômica como seleção adversa e risco moral. Essas falhas de informação estão presentes nas relações de agência, caracterizando uma diferença de informação entre agentes econômicos em relação a um determinado tema. A seleção adversa está relacionada com as informações ocultas pelo tomador ex-ante a assinatura do contrato. O risco moral, ou moral hazard, está vinculado às ações ocultas praticadas pelo tomador ex-post a assinatura do tomador. Ambos os riscos são provenientes de atitudes oportunistas do tomador de crédito, que age descumprindo acordos visando aos próprios interesses em detrimento dos interesses do credor (Stiglitz e Weiss, 1981; Boot e Thakor, 1994; Bharat, 2011).
O credor não é capaz de controlar todas as ações do tomador de empréstimos, tendo em vista sua racionalidade limitada, ou seja, incapacidade de desenvolver plenamente sua capacidade cognitiva em todos os momentos. Além disso, o custo de monitoramento das ações do tomador é moroso e custoso. Dessa forma, o credor terá que formular os termos do contrato relativo ao montante de empréstimo, tipos de colateral, termos de execução dos contratos e outros que garantam os direitos do credor nos casos de default, ou inadimplência (Berger e Udell, 1990).
Estudos indicam que países com sistemas legais e regulamentares que priorizam os direitos dos credores possuem intermediações financeiras mais desenvolvidas do que em países com fraca proteção. Segundo Ross Levine et al. (2000), a execução de contratos importa mais do que os códigos legais. Países que impõem o cumprimento da lei de forma mais eficiente têm a intermediação financeira mais evoluída e maior crescimento econômico.
No Brasil, a intermediação financeira ainda é pequena quando comparada às economias dos demais países emergentes e com países da América Latina. No entanto, o mercado de crédito brasileiro teve um crescimento significativo na última década, a partir de reformas institucionais que afetaram positivamente o mercado de crédito pessoal (Araújo e Funchal, 2009).
Dentre as mudanças no mercado de crédito brasileiro, a regulamentação da Lei 10.820/03 ampliou o benefício do crédito consignado para o setor privado da economia, aposentados e pensionistas da seguridade social (INSS). A Lei anterior, 8112/90, aplicava-se apenas aos funcionários públicos federais e servidores públicos. O crédito consignado é garantido pela renda futura do tomador, que tem a parcela do empréstimo descontado diretamente na folha de pagamento, cuja margem consignável é limitada a 30% do total dos seus proventos, reduzindo, dessa forma, o risco de inadimplência e o custo do tomador (Coelho et al., 2012).
Em 2005, a nova lei de falência brasileira – Lei 11.101/05 – ampliou os direitos dos credores, que passaram a ter prioridade de pagamento frente ao fisco no processo de liquidação das firmas e limitou o crédito trabalhista em 150 salários mínimos, além de outras reformas. Essas mudanças geram efeitos positivos sobre o custo do crédito para as firmas, expandindo o volume de crédito concedido (Funchal, 2008; Araújo e Funchal, 2009; Araújo et al., 2012).
Portanto, criar ambientes legais e jurídicos que protejam os direitos dos credores, que agilizem a execução de contratos inadimplentes, que favoreçam a redução do risco de default e, por conseguinte, que reduzam o custo do capital para o tomador do empréstimo promove maior desenvolvimento da intermediação financeira e acelera o crescimento econômico (La Porta et al., 1998; Zamprogno et al., 2009; Araújo et al., 2012; Araújo e Funchal, 2015).
Em países em desenvolvimento, como o Brasil, o racionamento de crédito em mercados imperfeitos afeta o acesso ao crédito de pequenos empreendedores, que representam uma grande parcela do mercado de trabalho não formal. Para suprir a necessidade de crédito desse setor da economia, o governo tem desenvolvido políticas públicas de créditos direcionados com regras diferenciadas de concessão. Uma dessas políticas de destaque são os programas de microcrédito produtivo orientado, que tem como modelo a experiência de sucesso do Grameen Bank, em Bangladesh, na Índia.
A Literatura é unânime em considerar o microcrédito como parte da microfinança que consiste na concessão de empréstimo de pequeno valor para pessoas físicas de baixa renda e pessoas jurídicas com faturamento anual de até 120 mil Reais, com dificuldades de acesso ao crédito (Barone e Sader, 2008). Quando os recursos emprestados são destinados para atividade econômica do tomador, o microcrédito recebe o nome de microcrédito produtivo, e, quando a operação passa a ser monitorada e orientada por um agente de crédito, passa a se chamar MPO, sendo esta a nomenclatura utilizada neste trabalho.
O processo de operacionalização do MPO é baseado em metodologias específicas, com incentivos inovadores para resolver problemas de assimetria de informação, de seleção adversa, do risco moral e de monitoramento e cumprimento de contratos. Além disso, apresenta estrutura para reduzir o custo de transação para o tomador (Ghatak e Guinnane, 1999; Bauer et al., 2010; Banerjee, 2013). A inovação na metodologia das operações do MPO e a relevância da expansão das operações do MPO para o desenvolvimento socioeconômico dos países despertou o interesse pelo estudo de sua aplicação.
Grande parte dos estudos já realizados enfatizaram os efeitos positivos do MPO na solução de problemas relacionados à escassez de crédito para fomentar o empreendedorismo popular. Mas, para Barone e Sader (2008) e Santos et al.(2015), não é fácil mensurar os efeitos do microcrédito na renda dos tomadores, pois o MPO possui suas limitações, o que torna necessário um conjunto de políticas públicas integradas com participação da sociedade civil organizada para resolver as questões estruturais, como falta de escolaridade e habilidades empresariais por parte dos tomadores de crédito.
No Brasil, pesquisas como a de Barone e Sader (2008) buscaram mostrar a evolução e perspectivas da concessão do microcrédito no País, identificando a estrutura institucional atual e as inovações do arcabouço legal que culminou no PNMPO. Silveira (2015) faz um estudo detalhado da trajetória do MPO no Brasil até os dias atuais, identificando as instituições relacionadas, regiões de maior impacto e descrição da metodologia do MPO.
Existem poucos trabalhos no Brasil sobre os impactos do MPO na geração de renda dos beneficiários do programa. Gonzaleza et al. (2014), em um estudo de caso, buscaram avaliar o impacto do Microcrédito sobre a geração de renda e identificaram que o gênero feminino está associado ao aumento de renda. Soares et al. (2011) fizeram um estudo de caso com os clientes do Crediamigo do Banco do Nordeste para investigar as condicionantes nas operações de MPO para Saída da Pobreza. Eles enfatizam que a literatura priorizou mais as análises de impacto do programa em detrimentos das análises de monitoramento dos clientes, o que apressaria um diagnóstico para avaliar o microcrédito como política de diminuição efetiva da pobreza. Segundo os autores, essa tendência da literatura surge como uma demanda da indústria de microcrédito mais interessada em ganhar escala do que em resolver as questões do desenvolvimento macroeconômico.
Higgins e Neves (2015) fizeram um estudo em profundidade da metodologia do programa Crediamigo do BNB, considerado o maior programa de microcrédito da América Latina tanto em volume de recursos emprestados, quanto pelo seu alto nível de reembolso. Esses autores buscaram identificar os fatores organizacionais do programa do Crediamigo utilizando tanto dados secundários sobre montantes e inadimplência das operações do MPO fornecidos pelo BNB quanto dados primários a partir das observações participativa do processo de aplicação e percepção dos próprios clientes. Explicaram como o Crediamigo se constituiu em um caso de ação estatal-desenvolvimentista conduzido por burocracias eficientes e insuladas e, ao mesmo tempo, por parceiras do setor econômico na região em que atuam.
Esses autores concluem que o êxito do programa Crediamigo é fruto de um longo processo de aprendizado, no qual foi criado um corpo burocrático, gerenciado por uma Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), o Instituto Nordeste Cidadania (INEC), fundado por um grupo de funcionários do BNB. Eles afirmam que a dimensão institucional-organizativa é um fator chave para explicar a viabilidade da operação de crédito. Explicam que o diferencial do Crediamigo em relação aos demais programas de microcrédito do Brasil está no fato de que os assessores de créditos são funcionários do INEC, e não do quadro de carreira do BNB.
Ainda conforme esses autores, O INEC possui uma estrutura organizacional para inserção social do Crediamigo através de um plano de incentivos para os operadores diretos do MPO – coordenadores de unidades, coordenadores de postos e assessores de créditos. Estes últimos, que têm a mesma função dos agentes de créditos determinada na lei 11.110/05, são considerados os guardiões do êxito do Crediamigo junto aos tomadores e recebem bonificações para aumentar a carteira de clientes e manter a inadimplência baixa. No Crediamigo, existe a cultura de inadimplência zero, considerado inadimplente qualquer cliente com um dia atraso.
Segundo Higgins e Neves (2015), o BNB é a principal base do Crediamigo, fazendo a função de repassador dos recursos do PNMPO para o INEC fazer a inserção social através de seus membros da comunidade local. A rigidez do BNB seria uma barreira para a aplicação da metodologia do MPO, pois seus funcionários de carreira têm outras metas gerenciais, e não fariam o monitoramento necessário para o êxito do programa.
O êxito nas operações do programa do Crediamigo do BNB levou o governo federal a lançar, em 2011, o Programa Crescer – Programa Nacional de Microcrédito nos principais bancos públicos federais, que passaram a conceder MPO com os recursos provenientes de 2% dos depósitos à vista dos bancos comerciais, dos bancos múltiplos com carteira comercial e da Caixa Econômica Federal. Essa parcela dos depósitos à vista que não forem aplicadas em operações de MPO devem ser depositadas compulsoriamente no Banco Central até que sejam repassados para as operações do MPO (Higgins e Neves, 2015; Siqueira, 2015; De Souza e Pereira, 2015).
Os autores de Souza e Pereira (2015) estudaram os impactos do Programa Crescer, a partir de 2011, na distribuição dos recursos direcionados do MPO entre as instituições habilitadas no PNMPO. Eles concluem que o Programa Crescer beneficiou os bancos públicos federais e estaduais quando atribuiu a esses bancos maior parcela dos recursos do MPO em detrimento das Oscips e SCMs, que, cada vez mais, perdem recursos do MPO. Segundo esses autores, houve uma redistribuição dos recursos do PNMPO para as regiões sudeste e sul, devido à capilaridade e infraestrutura física da Caixa e do Banco do Brasil, bancos que operam o Programa Crescer. O Nordeste concentra a maior parte das operações do MPO através do Crediamigo do Banco do Nordeste, que opera com microcrédito desde 1998.
Em 2014, a Caixa Econômica transferiu suas operações do MPO do programa crescer para sua coligada Caixa Crescer. Siqueira (2015) fez um estudo de caso para analisar se foi acertada a decisão da Caixa em migrar as operações do MPO para a sua coligada. Analisando o volume de recursos do MPO concedido pela Caixa e o índice de inadimplência da carteira, em 2014, ele conclui que as operações do MPO do Programa Crescer na Caixa eram ineficientes. Ele notou grandes contratações do MPO no final dos anos de 2012 e 2014, em detrimento dos outros meses. Uma hipótese, segundo o autor, é de que essas contratações seriam motivadas por campanhas internas para batimento de metas a serem cumpridas até o mês de dezembro. Essa concentração de metas em curto espaço de tempo poderia comprometer a avaliação dos tomadores, impactando no aumento da inadimplência. Portanto, os autores consideraram acertada a decisão da Caixa em migrar suas operações do MPO para sua coligada, a Caixa Crescer.
Além disso, a concentração de oferta de MPO em curto espaço de tempo para batimento de metas nos bancos públicos, via programa crescer, pode comprometer as análises do perfil socioeconômico dos tomadores, levando ao desvio de finalidade do programa, ao conceder os recursos para clientes fora do escopo do programa, ou seja, fora da linha de pobreza. E também existe o risco de direcionar os recursos para outros fins que não sejam relacionados com a atividade econômica do tomador, o que impactaria negativamente contra os objetivos institucionais do PNMPO, que é para geração de trabalho e renda entre os mais pobres.
Segundo Siqueira (2015), a redução de inadimplência nas operações de MPO está diretamente relacionada com a quantidade e a qualificação dos agentes de crédito em todas as etapas da execução do MPO: desde a primeira visita, para fazer o levantamento socioeconômico do tomador de MPO para identificar sua necessidade de crédito e destinação dos recursos, passando pela orientação técnica durante a aplicação dos recursos até o reembolso através de monitoramento regular. Por isso, é importante uma análise do custo-benefício de um programa de MPO quanto ao número de agentes de créditos e intensidade das visitas para manter a inadimplência controlada e garantir a perenidade da instituição operadora. Essa análise ainda é maior quando se trata de instituição financeira com carteira variada de créditos e com metas gerenciais para cumprir.
A prática do microcrédito passou a ser difundida no mundo na segunda metade do século XX, a partir da experiência do professor indiano Muhammad Yunus. Em 1974, esse professor iniciou uma experiência com um grupo de alunos, concedendo empréstimo de US$ 1,00 para os pobres ao redor da universidade em Bangladesh, com recursos próprios e parcelando o pagamento em várias parcelas de pequeno valor. Em 1983, Yunus fundou o Grameen Bank, cuja atividade principal é a concessão de empréstimos de pequenos valores de forma associativa e solidária, com garantias sociais e metodologia diferenciada, que serviu de modelo para políticas públicas de combate à pobreza e inclusão social para outros países.
Os empréstimos concedidos pelo Grameen Bank são direcionados para pequenos produtores rurais dentre os mais pobres de Bangladesh e, preferencialmente, às mulheres “sem terra”. Esse banco se tornou referência no mundo pelo crescimento de suas operações com o microcrédito e pelo número de famílias pobres beneficiadas. Atualmente, o Grameen é composto por 2.565 agências, que prestam serviços em 81.379 aldeias, e possui uma carteira de 8.349.000 beneficiários, dos quais 97% são mulheres. Desde o início de suas atividades, o Grameen teve um desembolso acumulado de US$ 17.148,84 milhões e uma taxa de reembolso média de 98% (Grameen, 2015).
Esse crescimento expressivo do Grameen Bank é explicado pela inovação de tecnologias alternativas para minimizar os efeitos da assimetria de informação na concessão do microcrédito. O principal procedimento adotado para redução da inadimplência é o uso de colaterais sociais em substituição às garantias reais. Todos os empréstimos do Grameen Bank são garantidos pelo aval solidário, que consiste na formação de um grupo de cinco pessoas que se avalizam mutuamente e respondem solidariamente pela dívida. Nesse modelo, se um tomador ficar inadimplente, os demais se comprometem a pagar parte da dívida um do outro, além de inabilitar todos os membros do grupo para obtenção de novos empréstimos (Ghatak e Guinnane, 1999; Bauer et al., 2010; Banerjee, 2013).
Esse sistema de aval solidário se mostrou eficiente na redução dos efeitos da seleção adversa e do risco moral. Os grupos solidários são formados por vizinhos que se conhecem, excluindo os mais arriscados, reduzindo, dessa forma, o risco da seleção adversa, na medida em que os grupos se formam por afinidades. Uma vez formado o grupo, um monitora o outro, que sofre a pressão do grupo para manter os pagamentos em dia, minimizando o risco moral após a assinatura do acordo (Ghatak e Guinnane, 1999).
Além disso, o Grameen Bank adota o sistema de empréstimos progressivos como incentivo para manter o reembolso regular e reduzir a inadimplência. Nesse sistema, o primeiro empréstimo inicia com valores pequenos, e, após quitá-lo, o mutuário poderá renovar o empréstimo com valores progressivos, e assim por diante. A expectativa de empréstimos futuros com valores maiores funciona como mecanismo de incentivo para criar o hábito de pagamentos regulares. Outro procedimento é a divisão do empréstimo em várias parcelas fixas de pequenos valores, com pagamentos semanais. Esse conjunto de práticas que envolvem os contratos de microcrédito apresentam estruturas típicas associadas aos dispositivos de poupança, apoiando as pessoas com problemas de autodisciplina para poupar, e explicando a regularidade no reembolso do microcrédito (Ghatak e Guinnane, 1999; Bauer et al., 2010).
Para reduzir os custos de transações para o tomador, o Grameen Bank mantém agências próximas às aldeias, onde um funcionário do banco realiza reuniões semanais com os grupos para coleta dos pagamentos e orientação às famílias. Esses procedimentos evitam a formação de grandes dívidas e explicam o baixo nível de inadimplência nas operações de microcrédito do banco indiano, que está, em média, em 2% (Grameen, 2015).
Essa experiência exitosa do Grameen Bank em Bangladesh propagou-se pela Índia e pela América Latina. A Acción Internacional foi a primeira instituição da América Latina a adotar práticas operacionais do microcrédito, realizando pequenos empréstimos garantidos pelo aval solidário em substituição às garantias reais. A sua principal contribuição para o microcrédito foi a criação dos agentes de crédito, com o objetivo de orientar e acompanhar o microempreendedor desde a análise da viabilidade do negócio até o pagamento total do microcrédito. A Acción Internacional passou a ter afiliadas em diversos países e passou a estimular a inserção delas nos sistemas financeiros dos países ondem atuam, como a Organização Não Governamental Prodem, na Bolívia, que se tornou o Banco Sol em 1992 (Barone et al., 2002; Cacciamali et al., 2014).
No Brasil, o maior caso de sucesso na concessão de microcrédito é o programa Crediamigo, do Banco do Nordeste do Brasil, que, desde 1998, concede empréstimos de pequenos valores para os mais pobres do Nordeste e Norte dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, através da Oscip Instituto Nordeste Cidadania. No Crediamigo, 80% das operações de MPO são garantidas pelo aval de grupos solidários e todos os beneficiários recebem monitoramento “porta a porta” pelo assessor de crédito, peça-chave para os baixos índices de inadimplência desse programa de microcrédito (Soares et al., 2011; Silveira, 2015). As atividades de microcrédito no Brasil começaram a crescer a partir de 1990, com a regulamentação das Oscips – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, sem fins lucrativos e com a criação das SCM – Sociedades de Crédito ao Microempreendedor, com fins lucrativos. As SCMs são equiparadas às instituições financeiras, portanto, podem se capitalizar e se sujeitam às normas prudenciais regulamentadas pelo Banco Central do Brasil (Barone et al., 2002; Barone e Sader, 2008; Cacciamali et al., 2014; Silveira, 2015).
A partir do início do século XXI, uma efetiva política pública de incentivo ao microcrédito e inclusão financeira se intensificou no país, através da criação, em 2003, do Banco Popular do Brasil – subsidiária do Banco do Brasil, ampliando o número de agentes financeiros e expandindo o acesso ao crédito para a população de baixa renda. A partir de 2011, através do Programa Crescer, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste e o BASA passaram a receber a maior parte dos recursos do PNMPO destinados a operações do MPO. Assim, os principais bancos oficiais federais passaram a operar o microcrédito, principalmente nos grandes centros urbanos, sem a cultura de formação dos grupos solidários e com garantia apenas do aval do tomador ou através de um avalista (Barone et al., 2002; Cacciamali et al., 2014; De Souza et al., 2015).
Em 2004, com o propósito de expandir o microcrédito no Brasil, o governo editou a Medida Provisória 226, que instituiu o PNMPO, convertido na Lei Ordinária 11.110 em 25 de Abril de 2005. O PNMPO tem por finalidade específica disponibilizar recursos para o MPO, com o objetivo de incentivar a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores populares (Barone, 2008; Cacciamali et al., 2014; Silveira, 2015).
De acordo com o Artigo 1º, § 3º da Lei 11.110/05, considera-se MPO:
Art. 1º ... §3º Para efeitos desta Lei, considera-se microcrédito Produtivo Orientado o crédito concedido para o atendimento das necessidades financeiras das pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades produtivas de pequeno porte, utilizando metodologia baseada no relacionamento direto com os empreendedores no local onde é executada a atividade econômica, devendo ser considerado, ainda, que:
I – O atendimento ao tomador final dos recursos deve ser feita por pessoas treinadas para efetuar o levantamento socioeconômico e prestar orientação educativa sobre o planejamento do negócio, para definição das atividades de crédito e de gestão voltadas para o desenvolvimento do empreendimento;
II – O contato com o tomador final dos recursos deve ser mantido durante o período do contrato, para acompanhamento e orientação, visando ao seu melhor aproveitamento e aplicação, bem como ao crescimento e sustentabilidade da atividade econômica; e
III – o valor e as condições do crédito devem ser definidos após a avaliação de atividade e da capacidade de endividamento do tomador final dos recursos, em estreita interlocução com este e em consonância com o previsto nesta Lei.
Conforme essa Lei, as operações no âmbito do PNMPO são direcionadas para pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades de pequeno valor, com renda bruta anual de até R$120 mil Reais. Portanto, a grande maioria dos empreendedores informais não possuem ativos financeiros para oferecer como garantia. Por isso, conforme o Artigo 2º da Lei 11.110/05, fica permitida a concessão do MPO sem a exigência de garantias reais, sendo substituídas por garantias alternativas, a serem definidas pelas instituições financeiras operadoras.
De acordo com a teoria de agências, as ações do agente são induzidas pelo principal, variando os incentivos previstos no contrato, a fim de que o agente realize ações que garanta o retorno do pagamento do empréstimo para o credor. Na ausência de garantias reais e cláusulas restritivas, o tomador tem sua responsabilidade limitada, emergindo daí o risco moral ex-post ao contrato, que, somado à incapacidade do principal em observar perfeitamente as ações do agente, leva o tomador às ações oportunistas, em não querer fazer o esforço necessário para cumprir sua parte no acordo (Stiglitz e Weiss, 1981; Ghatak e Guinnane, 1999).
Portanto, o problema do incentivo está relacionado com a forma com que o principal, no caso o credor, alinha os contratos para induzir os agentes tomadores de crédito a praticar os atos de acordo com os seus interesses. Os contratos de microcrédito dispõem de colaterais sociais, como o aval solidário de um grupo de pessoas da comunidade e da presença do agente de crédito para orientar o microempreendedor como alternativas para garantir de pagamento do empréstimo (Ghatak e Guinnane,1999).
Da mesma forma, o programa de MPO visa reduzir os problemas de agência através do aval solidário e da figura do agente de crédito, cuja função principal é monitorar as ações do tomador durante a vigência do contrato. O objetivo desse acompanhamento é orientar o microempreendedor na gestão do negócio para que tenha êxito e, com isso, pague de volta o montante emprestado. Portanto, é de relevante importância a atuação do agente de crédito no processo de concessão do MPO para mitigar o risco moral existente nos contratos de microcrédito pela falta de exigência de garantia real ou cláusula mais dura que incentive o devedor a quitar a dívida em caso de inadimplência.
Nesse contexto, este artigo visou fazer testes com os dados da inadimplência do MPO para verificar se os incentivos presentes no contrato de concessão do microcrédito geram inadimplência na concessão do MPO, tendo em vista a responsabilidade limitada do tomador no reembolso. Assim, a hipótese de pesquisa a ser investigada é:
H1: Inadimplência está positivamente relacionada com o volume de microcrédito produtivo orientado.
A confirmação dessa hipótese traria evidências de que esse tipo de dívida traz incentivos à inadimplência (moral hazard) e, portanto, precisa ser repensado para que cumpra corretamente seus objetivos de política pública.
Como vimos, a metodologia praticada no Grameen Bank destaca-se pelo fato de que todos os contratos são garantidos por aval de grupos solidários, com pagamentos semanais e reuniões semanais em locais próximos às aldeias. A maioria dos beneficiados são produtores rurais e são efetivamente monitorados pelo agente de crédito. No Brasil, o programa de microcrédito de maior êxito e crescimento em número de beneficiados e volume de concessões é o Programa Crediamigo, do BNB, no qual mais de 80% dos contratos também são garantidos por aval de grupos solidários com monitoramento efetivo dos agentes de crédito (Mendonça, 2014; Higgins e Neves, 2015). No entanto, as concessões feitas através da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil são, em sua maioria, garantidas por aval do titular ou de terceiros, com pagamentos mensais, e concentrados em grandes centros urbanos, sem a cultura de formação de grupos solidários.
Os recursos destinados ao PNMPO são oriundos do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, em que o BNDES é a instituição financeira de 2ª linha do microcrédito responsável pela gestão e repasse desses recursos para os bancos oficiais federais. Também é fonte de recursos do PNMPO a parcela de 2% dos depósitos à vista dos bancos comerciais, bancos múltiplos com carteira comercial e da Caixa Econômica Federal. Essas instituições financeiras podem atuar diretamente com o tomador final do MPO, se tiverem estrutura própria para este fim, ou poderão repassar esses recursos para as instituições de MPO. Conforme a Lei 10.735/03, os recursos provenientes da parcela dos depósitos à vista não aplicados no MPO deverão ser recolhidos ao Banco Central do Brasil, sem remuneração (MTE, 2015).
Portanto, é importante que a metodologia praticada pelo PNMPO seja bem executada, para manter os níveis de inadimplência baixos e assim garantir a sustentabilidade financeira do programa, das instituições financeiras operadoras, das instituições de MPO, e garantir o crescimento do montante de recursos de microcrédito ofertado aos mais pobres excluídos do mercado de crédito.
Os modelos de regressão estabelecem a relação entre uma variável resposta (a ser explicada) e uma ou mais variáveis independentes ou explanatória (Levine et al., 2005). Esta pesquisa visa testar se a concessão do MPO incentiva a inadimplência utilizando um modelo de regressão linear múltipla. No modelo, foi utilizada a variável independente para concessão do MPO com defasagem de tempo t – 1, porque a ocorrência de inadimplência do MPO não é instantânea. Somente a partir de um mês após a concessão do empréstimo acorrerá o primeiro atraso no pagamento.
A análise de regressão múltipla é um procedimento estatístico que mensura como uma variável dependente y encontra-se relacionada com duas ou mais variáveis independentes X1, X2,... X3, permitindo o desenvolvimento de uma equação que estima como as variáveis estão relacionadas. O modelo de regressão linear múltipla a ser estimado econometricamente para testar nossa hipótese de pesquisa é descrito pela equação:
inadimt = α + βmpot-1 + γtxdest + θrendat + λcdit +Ϭipcat + ɛt
Onde:
inadim = Inadimplência na concessão do MPO
mpo = montante mensal de concessões de MPO
txdes = Taxa de desemprego
renda = Rendimento médio real das pessoas ocupadas
cdi = Taxa de juros do Certificado de Depósito Interbancário
ipca – Índice nacional de Preço ao Consumidor Amplo
A Variável Inadimplência, denominada na equação como inadim, é a variável dependente que representa o risco da instituição financeira em não receber de volta o capital emprestado, bem como a parcela dos juros cobrada do tomador. O sistema financeiro considera inadimplente o tomador de empréstimo que tiver pelo menos uma parcela com atraso superior a 90 dias. Dessa forma, o percentual de inadimplência considerado nesta pesquisa corresponde ao somatório do saldo das operações de crédito (parcelas a vencer + parcelas vencidas) que tiverem pelo menos uma parcela vencida acima de 90 dias, dividido pelo saldo total da modalidade (BCB, 2015a).
O risco de inadimplência do microcrédito pode ser explicado em parte pelo risco moral, caracterizado pelas ações ocultas do tomador no sentido do não cumprimento de sua parte no acordo do contrato de concessão do MPO. Outra parte do risco de inadimplência pode ser devido a fatores macroeconômicos, como o desemprego e a inflação. Acredita-se que o risco moral é relevante nos contratos de microcrédito, tendo em vista a não exigência de garantas reais ou a inexistência de outras cláusulas de proteção ao credor na metodologia de concessão do microcrédito (Reymão e Corrêa, 2014).
A hipótese de pesquisa é que o aumento do volume de concessão do MPO nos termos do contrato escrito incentiva o moral hazard, o que implica em um aumento percentual relativo da inadimplência do MPO em relação a esse montante. Portanto, supôs-se que, quanto maior o montante de concessões de MPO, maior será o nível de inadimplência da carteira, tendo em vista a responsabilidade limitada do tomador no pagamento do empréstimo.
Dessa forma, a variável explicativa principal no modelo é o volume de concessão do MPO, denominado na equação de regressão como mpot-1, cujo coeficiente beta β indica a variação da inadimplência no MPO para cada unidade de variação na concessão de MPO. Esta variável apresenta uma defasagem de tempo t - 1, tendo em vista que a concessão de empréstimo em t não gera inadimplência instantânea em t. Somente a partir de um mês após a concessão acontecerá o atraso ou não no pagamento das parcelas mensais.
A equação de regressão proposta nesta pesquisa para estimar a variação da inadimplência do MPO correlacionada com o montante de concessão do MPO contém quatro variáveis de controle, sendo três relativas a indicadores econômicos – taxa de desemprego, rendimento médio real e IPCA – e um indicador de taxa de juros, o CDI.
A primeira variável de controle no modelo é o indicador econômico para taxa de desemprego aberto, que representa a relação entre o número de pessoas desocupadas e o número de pessoas economicamente ativas no país. Esse indicador é mensurado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e, em nosso modelo, é representado por txdes. Estima-se que o coeficiente de taxa de desemprego tenha uma relação positiva com a inadimplência. Ou seja, quanto maior o número de desempregados, menor a capacidade para pagamento dos compromissos assumidos pelo tomador de empréstimos e, portanto, maior o risco de inadimplência (Chu, 2001; Carling et al., 2007).
A segunda variável de controle é o indicador econômico do rendimento médio real das pessoas ocupadas – total – denominado na equação pelo estimador renda. Essa variável de controle representa o salário médio habitual recebido no trabalho principal abrangendo todos os setores da economia: público, privado e trabalhadores autônomos. O esperado é que essa variável de controle apresente correlação negativa com a variável inadimplência no modelo proposto, tendo em vista que, quanto maior o rendimento real das pessoas ocupadas, menor a propensão de os níveis de inadimplência aumentarem (Hoggarth et al., 2005; Linardi, 2008).
A terceira variável de controle utilizada no modelo de regressão linear é a taxa de juros do CDI acumulada no mês, que representa a taxa de juros praticada no mercado interbancário para empréstimos lastreados com títulos de CDI – Certificado de Depósito Interbancário. Os títulos de CDI são negociados entre as instituições bancárias para equilibrar a liquidez de curto prazo dos bancos. No modelo proposto, essa variável é denominada de CDI, cujo coeficiente λ representa a variação da taxa de juros do CDI na variação de inadimplência do MPO, mantendo constantes as demais variáveis independentes da equação de regressão. Espera-se uma correlação positiva entre a taxa de CDI e o aumento da inadimplência para o MPO (Linardi, 2008; Tabak et al., 2011).
A quarta variável de controle do modelo é o indicador de preço IPCA – Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo, denominada de ipca. Seu coeficiente Ϭ indica a variação da inadimplência para cada unidade de variação do IPCA, mantendo todas as demais variáveis independentes fixas. O esperado é que, quanto maior a variação em IPCA, maior a variação dos níveis de inadimplência (Hoggarth et al., 2005; Linardi, 2008).
Para determinar os coeficientes de regressão para o conjunto de dados da amostra, utilizou-se o método dos Mínimos Quadrados Ordinários – MQO.
Os dados desta pesquisa foram coletados nos sites do Banco Central do Brasil e do IPEA.[3] As informações são agregadas a nível Brasil e estão em série de tempo, cujo período vai de janeiro de 2011 a abril de 2015, representando uma amostra de 49 observações. Do Banco Central, foram utilizadas as informações de crédito com recursos direcionados para pessoas físicas – microcrédito destinado ao consumo e aos microempreendedores para mensurar o MPO (variável independente). Também foram coletados os dados relativos à variável inadimplência (variável dependente), CDI e índice de inflação pelo site do Banco Central e as taxas de desemprego e renda pelo site do IPEADATA. As descrições das variáveis e suas respectivas unidades estão apresentadas na Tabela 1.
Os dados utilizados para estimar o modelo econométrico foram compostos por 49 observações, cujas estatísticas estão apresentadas na Tabela 2.
Nesta pesquisa, analisou-se o impacto da política pública de inserção de crédito no mercado na inadimplência do MPO a partir da Lei 11.110/05, que instituiu o PNMPO. Esse programa incentiva a concessão do microcrédito direcionado ao microempreendedor com metodologia diferenciada, como visto em seção específica. A Figura 1 nos dá um primeiro indicativo da política de expansão do MPO, passando de níveis de R$ 400 milhões/mês ao final de 2011 para mais de R$ 1 bilhão/mês entre final de 2013 e 2015.
Note que, plotando a série de inadimplência desse tipo de microcrédito, observa-se uma aderência nas tendências de ambas as séries, MPO e inadimplência do MPO. É claro que essa relação pode ser espúria, se outro fator estiver influenciando ambas as séries simultaneamente. Para investigar com mais rigor, vamos implementar os modelos econométricos mencionados anteriormente.
Para medir os resultados, foi feita, previamente, uma análise contrafactual, isto é, o que teria acontecido com a inadimplência se o contrato de MPO tivesse a mesma característica do microcrédito para consumo. Tal análise prévia para microcrédito de consumo é importante, pois mostra como seria a relação entre o volume de crédito e a inadimplência se o acordo contratual não tivesse a especificidade do MPO, que tem potencialmente incentivo a moral hazard. Além disso, a análise é feita considerando o mesmo período de tempo e, portanto, sob as mesmas condições macroeconômicas. Assim, se existir alguma relação entre o microcrédito e a inadimplência, essa relação deve estar presente no modelo contrafactual.
Primeiramente, analisaram-se os dados estatísticos da carteira de concessão de microcrédito para pessoa física destinados ao consumo das famílias, que representa, na média, 6,84% do total da concessão de microcrédito considerando todo o período em análise (de janeiro de 2011 a abril 2015), ilustrado na Tabela 3.
Conforme os resultados apresentados na Tabela 4, a variável inadimplência para microcrédito consumo tem uma relação não significativa com a concessão do microcrédito consumo, como demonstra o p-valor de 0.216. O teste de probabilidade F de 0.0259 indica uma correlação forte entre as variáveis do modelo para um teste de significância de 10%. Portanto, verifica-se que a inadimplência do microcrédito consumo não está relacionada com o aumento do crédito, ou seja, o crédito concedido fora do escopo de abrangência da Lei 11.110/05 não tem impacto sobre o aumento da inadimplência do microcrédito direcionado ao consumo.
A Tabela 5 apresenta os dados da regressão para MPO destinado ao microempreendedor concedidos conforme Lei 11.110/05. Aqui pretende-se explicar o comportamento da inadimplência do MPO a partir do aumento da concessão de créditos abrangidos pelo PNMPO.
Os resultados reportados na Tabela 5 indicam uma correlação positiva de 0,0067, estatisticamente significativa, entre inadimplência e concessão do MPO microempreendedor. Estima-se que, para cada unidade de aumento na concessão do MPO microempreendedor, a inadimplência dessa carteira aumentará em 0,0067%. Dessa forma, para um crescimento de 100 milhões no empréstimo, o previsto é um aumento de 0,67% no nível de inadimplência, representando um crescimento relativo de 18,30% da média de inadimplência do período de janeiro de 2011 a abril de 2015.
Dividindo a amostra em duas partes e calculando a média de MPO, calculamos um aumento médio no MPO de mais de 250 milhões (veja na Figura 1 que o MPO sai de R$400 milhões para aproximadamente R$ 1 bilhão). Esse aumento no volume de MPO implicaria em um aumento médio de 1,67% na inadimplência, o que justifica um aumento de quase 80%, se comparado com o nível médio de inadimplência (2,08%) para o início do período observado.
As estatísticas mostram a relevância do impacto da Política Pública na inadimplência do MPO, confirmando a hipótese de pesquisa. Essa significância não foi observada para inadimplência da concessão do microcrédito destinado ao consumo.
A variável de controle taxa de desemprego não apresentou o sinal esperado de correlação. O usual é termos um aumento da inadimplência quando a taxa de desemprego da economia cresce (Carling et al., 2007). Mas essa correlação não é significativa no modelo de MQO, como mostra o p-valor de 0,256 para um nível de significância de 10%. As demais variáveis de controle apresentaram sinais esperados. A variável renda com coeficiente estimado de -0,0036, indica uma correlação negativa com a inadimplência de 0,0036%. Assim, para cada aumento de R$ 100,00 de rendimento médio real na economia, estima-se que o nível de inadimplência caia em 0,36%.
As variáveis de controle cdi e ipca se correlacionam positivamente com a inadimplência, como é esperado. Conforme Linardi (2008), um aumento na expectativa da inflação gera aumento da taxa de juros da economia, que, por sua vez, tem um efeito sobre a taxa de juros real dos empréstimos. Espera-se que um aumento da taxa de juros nominal e dos índices de preços influencie negativamente a atividade econômica, aumentando a taxa de inadimplência, como sugerem Hoggarth et al. (2005) e Carling et al. (2007). Os testes confirmam a teoria, indicando uma correlação significativa entre a taxa de juros de CDI e inadimplência, como mostra o p-valor de 0,000. A correlação da inadimplência com o IPCA é positiva, mas não significativa com p-valor de 0,727. Portanto, para esse modelo, o índice de preço ao consumidor não se mostrou relevante para explicar a variabilidade em inadimplência.
Dessa forma, considerando que os recursos direcionados ao MPO representam 93% dos recursos totais do microcrédito, pode-se concluir que há evidências que confirmam a hipótese de pesquisa deste trabalho: o aumento da concessão de microcrédito ao microempreendedor leva ao aumento percentual relativo da inadimplência, hipótese não confirmada para a inadimplência do microcrédito consumo. Assim, os resultados indicam que a metodologia do PNMPO incentiva o aumento na assimetria de informação pelo moral hazard. Segundo a Lei 11.110/05, que instituiu o PNMPO, em seu artigo 4º, permite a concessão de MPO sem a exigência de garantias reais, que é um dos instrumentos mais utilizados no mercado de crédito para reduzir o risco de inadimplência. A inadimplência do microcrédito explicada pelo risco moral reflete-se no coeficiente β = 0,0067 da variável MPO microempreendedor, que apresenta significância nos testes. A inadimplência explicada por fatores macroeconômicos, como a taxa de desemprego e a inflação, não é significativa no modelo, como demonstrado em nossos resultados. Portanto, há evidências para confirmar a hipótese de pesquisa de que o MPO incentiva a inadimplência pelo risco moral, tendo em vista a responsabilidade limitada do tomador em cumprir com sua parte no acordo, uma vez que não há uma penalidade mais dura no arranjo contratual. O estimador beta confirma a hipótese do impacto significativo da concessão do MPO na inadimplência dos devedores no âmbito do PNMPO.
De acordo com a Teoria de Agência, em mercados de créditos com informações assimétricas, há necessidade de incentivos para induzir o devedor a cumprir com sua parte no acordo, através da exigência de colaterais e de arranjos contratuais com penas mais duras ao tomador inadimplente. A partir dos resultados, observa-se que os incentivos presentes nos contratos de MPO não estão resolvendo os problemas de assimetria de informação pelo risco moral, como mostram as estimativas para MQO, que estimam que, quanto maior a expansão na concessão do MPO, maior o crescimento percentual relativo da inadimplência para a carteira do microempreendedor, que representa 93% dos recursos direcionados ao microcrédito. Os resultados apontaram para um crescimento de 18,30% da média da inadimplência no período de janeiro de 2011 a abril de 2015.
Portanto, de acordo com teoria estudada e pelos resultados apresentados, pode-se observar que há lacunas na metodologia de concessão do MPO. Essas lacunas podem ser explicadas pela substituição de garantias reais por garantias sociais e pela ausência de penas mais restritivas ao devedor. Também se pode intuir que a atuação do agente de crédito, cujo objetivo é orientar e monitorar as ações do tomador durante a vigência do contrato, esteja apresentando falhas no processo de monitoramento e, com isso, sendo ineficiente na solução de problemas de risco moral. Essas lacunas incentivam o relaxamento no pagamento da dívida, levando ao crescimento dos níveis da inadimplência no MPO.
Considerando a relevância da sustentabilidade financeira das instituições concessoras de MPO para a expansão do PNMPO, esta pesquisa buscou compreender o impacto desse programa na inadimplência dos devedores quando essa expansão acontece.
Através da literatura existente, buscamos entender o funcionamento dos programas de sucesso do Grameen Bank e do Crediamigo do BNB, ambos amplamente estudados, tendo em vista seus resultados progressivos na concessão do MPO, com altos níveis de reembolso. Esses dois programas de microcrédito têm metodologia semelhante, que é baseada na garantia de aval de grupos solidários na maioria dos contratos e forte presença do agente de crédito junto ao tomador durante todas as fases da concessão. Essa metodologia serviu de modelo para o PNMPO no Brasil, descrita da Lei 11.110/05.
No entanto, pelo resultado de nossa pesquisa, não podemos afirmar que todas as instituições operadoras de MPO no Brasil executam o programa de acordo com a metodologia descrita na Lei. A nossa hipótese de pesquisa confirma a relação positiva entre inadimplência e aumento da concessão de recursos do MPO, mostrando que há evidências de que a forma como o MPO acontece no País contém falhas. Os dados que embasaram esta pesquisa englobaram o volume de recursos e dados de inadimplência de todas as instituições operadoras do PNMPO habilitada pelo MTE.
Convergindo com os nossos resultados, os autores de Souza e Pereira (2015) afirmam que, a partir de 2011, houve uma redistribuição dos recursos destinados ao PNMPO através do Programa Crescer. Esse programa redirecionou a maior parte dos recursos do PNMPO para os bancos públicos federais – Caixa, Banco do Brasil, BNB e BASA. Siqueira (2015) concluiu que a Caixa migrou sua Carteira do MPO para sua coligada, Caixa Crescer, em virtude do aumento da inadimplência nos anos de 2012 e 2013. Portanto, podemos intuir que a relação positiva entre inadimplência e o aumento da concessão do MPO, como demonstrado nesta pesquisa, esteja relacionada com o aumento das concessões através do Programa Crescer da Caixa e Banco do Brasil.
As operações de MPO realizadas pela Caixa e pelo Banco do Brasil, ao contrário das operações do Crediamigo, do BNB, são formalizados por contratos individuais, com aval do tomador e sem o efetivo acompanhamento “porta-a porta” pelo agente de crédito, descaracterizando a metodologia diferenciada do MPO (Siqueira, 2015; De Souza e Pereira, 2015).
Por sua vez, Higgins e Neves (2015) atribuem o resultado positivo do Crediamigo à parceria BNB-INEC, que conta com a estrutura organizacional do INEC para fazer a inserção social do MPO através de seus assessores de créditos. Ainda não existem estudos que mensurem a efetiva atuação dos agentes de crédito nos programas crescer da Caixa, Banco do Brasil e suas coligadas.
Portanto, este trabalho confirma estudos anteriores que evidenciam o peso da atuação dos agentes de créditos para a expansão das atividades de microcrédito em todo o país. O relacionamento do agente de crédito direto com o cliente no local de sua atividade e acompanhamento durante a vigência do contrato é fundamental para resolver os problemas do risco moral. Por sua vez, a garantia social dos grupos solidários reduz o risco da seleção adversa nos contratos de MPO.
O presente artigo contribui tanto na literatura nacional quanto internacional. Ghatak e Guinnane (1999) e Banerjee (2013) mostram a relevância do aval solidário e do monitoramento do grupo; isso, por si só, reduz problemas de moral hazard. No caso brasileiro, a falta de garantia e de monitoramento são as principais justificativas para o aumento da inadimplência.
Assim, a partir dos resultados, pode-se sugerir ações que revisem a forma como a lei que regula o MPO está escrita, trazendo contrapartidas ou garantias que incentivem o pagamento da dívida, desestimulando a inadimplência estratégica.
Portanto, sugiro, para próximas pesquisas, um estudo de caso nos bancos oficiais – Caixa, sua coligada Caixa Crescer, e Banco do Brasil, levantando dados dos clientes que receberam recursos do MPO através do Programa Crescer, com o objetivo de identificar os níveis de inadimplência, buscando associá-la ao tempo de monitoramento pelos agentes de crédito, ao número de visitas técnicas e ao número de vezes que cada cliente renovou os contratos de MPO.
Sugiro, também, que se faça um estudo de caso para análise do impacto na renda dos beneficiários a partir da contratação do MPO através do Programa Crescer dos bancos oficiais, buscando apurar a atuação dos agentes de créditos quanto à sua função de orientação técnica e monitoramento da atividade econômica, assim como identificar se os recursos foram efetivamente destinados aos beneficiários do programa e aplicados na sua atividade econômica geradora de renda, não caracterizando desvio de finalidade do programa. A realização de um estudo nesse sentido é custosa e morosa, tendo em vista a capilaridade das agências desses bancos e o tempo de pesquisa necessário para coleta de dados para análise do impacto na renda dos beneficiários do MPO. No entanto, é de extrema importância que seja feita para trazer luz ao PNMPO quanto à sua finalidade e objetivos institucionais determinados na Lei 11.110/05.
Sugiro, ainda, uma pesquisa entre as principais instituições operadoras do PNMPO para verificar se, na prática, existe de fato o monitoramento pelo agente de crédito durante a vigência do contrato, bem como orientação técnica, assim como a verificação se de fato o recurso emprestado está sendo utilizado no negócio objeto do microcrédito; se há números de agentes de crédito suficientes para este fim; se estão tecnicamente aptos para a função de orientação ao planejamento financeiro do negócio; e, finalmente, se esses agentes estão cumprindo o seu papel, definido pela Lei 11.110/05, ou se estão omitindo informações relevantes.