Resumo: À medida que a incorporação das questões ambientais avança nas organizações por meio de sua agenda de inovação, o campo da aprendizagem organizacional surge nesse processo como importante elemento de análise. Com base nessa perspectiva, sugere-se que as noções de aprendizagem organizacional e de aprendizagem para a sustentabilidade devam ser revisitadas como antecedentes do próprio processo de inovação ambiental, sugerindo, a partir daí, a emergência de um novo campo de análise – o da Aprendizagem Organizacional para a Inovação Ambiental. Assim, este trabalho tem como objetivo identificar as relações entre os elementos de aprendizagem organizacional, aprendizagem para a sustentabilidade e inovação ambiental e a maneira como esses interagem, a fim de promover maior consciência quanto às práticas ambientais inovativas. Para tanto, foi elaborado um modelo conceitual de análise que foi aplicado a uma empresa do setor elétrico. O aprendizado decorrente da regulação e do papel exercido pelo empreendedor se apresentaram como os indutores mais importantes nesse processo, enquanto a pressão dos usuários de produtos não foi reconhecida como variável que induz a processos de aprendizagem. Por outro lado, a categoria educação ambiental é subestimada como importante ferramenta que gera modificação de rotinas que poderiam direcionar as organizações a adotarem inovações ambientais.
Palavras-chave:aprendizagem organizacionalaprendizagem organizacional,aprendizagem para sustentabilidadeaprendizagem para sustentabilidade,inovação ambientalinovação ambiental.
Abstract: As the incorporation of environmental issues advances in organizations through its innovation agenda, the field of organizational learning emerges in this process as an important element of analysis. Based on this perspective, it is suggested that the notions of organizational learning and learning for sustainability should be revisited as antecedents of the environmental innovation process itself, suggesting the emergence of a new field of analysis – the Organizational Learning for Environmental Innovation. Thus, this work aims to identify the relationships between the elements of organizational learning, learning for sustainability and environmental innovation and the way in which they interact, in order to promote greater awareness of innovative environmental practices. For that, a conceptual model of analysis was elaborated, which was applied to a company of the electric sector. Learning from regulation and the role played by the entrepreneur presented themselves as the most important inductors in this process, while the pressure of product users was not recognized as a variable that induces learning processes. On the other hand, the category of environmental education is underestimated, for it an important tool, which generates changes in routines that could guide organizations to adopt environmental innovations.
Keywords: organizational learning, learning for sustainability, environmental innovation.
APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL PARA A INOVAÇÃO AMBIENTAL EM UMA EMPRESA DE ENERGIA ELÉTRICA
ORGANIZATIONAL LEARNING FOR ENVIRONMENTAL INNOVATION IN AN ELECTRIC POWER COMPANY
Recepção: 10 Janeiro 2016
Aprovação: 11 Janeiro 2017
Os estudos organizacionais evidenciam o papel da inovação tecnológica como instrumento para promover ganhos de competitividade, sendo estes decorrentes do próprio processo de aprendizagem organizacional (Ichijo e Nonaka, 2007; Nelson e Winter, 1982). Cabe ressaltar o entendimento de aprendizagem organizacional como as atividades que propiciam modificações de rotinas com o objetivo de tornar a empresa mais competitiva. No entanto, esse modelo de aprendizagem angaria muitas críticas por não considerar a dimensão ambiental (Demajorovic, 2003; Giddens, 1991; Beck, 1992).
Convém destacar que a produção de riqueza e de subprodutos é gerada pelas organizações, que são geridas por seres humanos. Portanto, são os executivos que ocupam posições-chaves nas organizações os responsáveis pela produção desses riscos, pois eles pautam suas decisões sob um processo de racionalidade dominante que enfatiza os ganhos econômicos em detrimento de outros, como por exemplo, os ganhos ambientais (Faustenhammer e Gössler, 2011). Nessa direção, um campo que tem crescido no debate acadêmico e empresarial que visa principalmente a fornecer respostas a esses desafios, refere-se aos processos inovativos das firmas que incorporam a dimensão do meio ambiente, denominado por alguns estudos pelo termo inovação ambiental. Diversos desses estudos têm focado nos determinantes da inovação ambiental evidenciando-se em alguns deles fatores internos (perfil do empreendedor e do gerente; a existência de uma cultura organizacional que abarque a dimensão ambiental; a importância da existência de um departamento de P&D); e fatores externos (papel da regulação; interação com universidades; trabalho em parceria com fornecedores) (Ramus e Steger, 2000; Carrilo-Hermosila et al., 2010; Halila e Rundquist, 2011; Zhang et al., 2013).
Em outra vertente dos estudos organizacionais cresce a importância do debate acerca dos processos de aprendizagem para a sustentabilidade, sobretudo, pela necessidade de as organizações lançarem um novo olhar para a forma de como aprendem quando recorrem às questões ambientais e sociais (Senge, 1990; Jamali, 2006; Edwards, 2009; Ângelo et al., 2012; Porter e Lindle, 2011; Demajorovic, 2003; Espinosa e Porter, 2011).
Contudo, quando se olha para a área da Aprendizagem Organizacional como antecedente do processo de inovação, da Aprendizagem para a Sustentabilidade como uma condição para que as empresas incorporem novos valores ambientais e da própria Inovação Ambiental como resultado de um processo de aprendizagem, percebe-se que essas áreas possuem elementos de convergência, de modo que em alguns momentos elas são semelhantes e em outros se adicionam. O resultado disto é a emergência de uma área denominada de Aprendizagem Organizacional para a Inovação Ambiental. Ocorre que ainda é embrionária a investigação nesse campo de estudo, residindo, portanto, uma oportunidade para se buscar os fatores que promovem esse tipo de aprendizagem, além de entender como esses interagem entre si.
Assim, suscita-se o seguinte problema de pesquisa: De que forma os elementos de aprendizagem organizacional, aprendizagens para a sustentabilidade e inovação ambiental se relacionam a fim de que promovam nas empresas novas práticas e rotinas que disseminem produtos e processos ambientalmente inovadores?
Nessa direção, o objetivo desta pesquisa é identificar as relações entre os elementos de aprendizagem organizacional, aprendizagem para a sustentabilidade e inovação ambiental e a maneira de como esses interagem, a fim de promover maior consciência quanto às práticas ambientais inovativas. Já os objetivos específicos residem em: (i) identificar entre os campos da Aprendizagem Organizacional, Aprendizagem para a Sustentabilidade e Inovação Ambiental as áreas de convergência; (ii) elaborar um modelo conceitual de análise; (iii) aplicar no campo o modelo conceitual de análise. Isso posto, a contribuição desta pesquisa é a de oferecer um novo construto teórico e seu respectivo modelo conceitual de análise para avaliar práticas de aprendizagem organizacional em empresas que estejam empenhadas em incorporar a agenda ambiental em seus processos de inovação.
Nesta seção serão explorados os principais aspectos da literatura no que se refere aos processos de aprendizagem organizacional tradicional e para a sustentabilidade, além de se percorrer os principais determinantes da Inovação Ambiental.
O termo aprendizagem organizacional, segundo Ichijo e Nonaka (2007), se relaciona ao gerenciamento do conhecimento em uma base global, visando atingir maiores graus de competitividade. O termo remete aos modelos de aprendizagem utilizados dentro das organizações, perpassando modos de como os indivíduos, grupos de trabalhos e mesmo as organizações aprendem (Argyris e Schön, 1978; Senge, 1990).
Para Kuntz e Gomes (2012), a aprendizagem nas organizações ocorre quando se verifica mudanças que se relacionam a atender expectativas dos clientes internos, externos e de outras variáveis ambientais. Já Argote e Miron-Spektor (2011) postulam que a aprendizagem organizacional é decorrente da aquisição de experiências e relacionada a aspectos cognitivos ou comportamentais – que podem ocorrer por conhecimentos tácitos, explícitos ou pela combinação de ambos –, e que conseguinte, desencadeia processos que geram mudanças.
Sob outra perspectiva, Kim (1998) destaca que se alcança o caráter de aprendizagem organizacional quando o indivíduo reflete sobre alguma situação, avaliando-a e conferindo-lhe estruturas cognitivas e rotinas pessoais de trabalho. Nesse sentido, o aprendizado deixa de ser individual e passa a ser compartilhado por outras pessoas da organização, enaltecendo-se aqui, a importância da aprendizagem em grupo (Bido et al., 2010).
Algumas revisões sistemáticas de literatura acerca desta temática foram realizadas, destacando-se os trabalhos de Antonello e Godoy (2010); Maier et al. (2001) e Pawlowski (2001). Essas de maneira geral evidenciam o caráter multidisciplinar desta temática, uma vez que se apropriam de insights provenientes da sociologia, psicologia, economia, sistemas de informação, antropologia e administração. O Quadro 1 reúne alguns dos principais elementos que estimulam o processo de aprendizagem organizacional.
Percebe-se que as dimensões explicitadas no Quadro 1 se situam tanto em esferas subjetivas do indivíduo, como por exemplo, a formação de memórias, fatores motivacionais e a existência de metas, quanto em esferas decorrentes de processos de interação, como a atuação do gerente e os contatos com redes externas. Além disso, esses elementos se sustentam na própria história acumulada da organização que estabelece a forma de como a organização aprende ao longo de sua vida.
Para Nelson e Winter (1982) e Ichijo e Nonaka (2007), estes elementos favorecem a aprendizagem em uma organização quando se identifica ações que promovam melhorias em produtos, processos ou até mesmo mudanças organizacionais, havendo nesse sentido, uma relação de dependência entre a inovação e a aprendizagem organizacional. Conseguinte, os avanços dos estudos da aprendizagem organizacional representam uma contribuição importante para o aprimoramento da competividade das organizações. Contudo, o paradigma atual de desenvolvimento, ou pelo menos, o que se espera dele, pede que os desafios atuais em termos de desenvolvimento sustentável sejam incorporados pelas atividades empresariais, demandando modificações em suas rotinas de aprendizagem.
Para Siebenhüner e Arnold (2007), há uma percepção por parte dos defensores da sustentabilidade de que esta deve ser trabalhada nas organizações como quadro subjacente ao da aprendizagem organizacional, já que ambas possuem fluxos e modelos mentais comuns.
Nos termos de Velázquez et al. (2011), uma organização que aprende para a sustentabilidade poderia ser uma organização com conhecimento suficiente para fazê-lo, que aja de acordo com esse conjunto de conhecimentos e que abarque em suas atividades modelos para prevenir, eliminar e/ou reduzir os riscos associados com suas operações. Já para Jamali (2006), a aprendizagem para a sustentabilidade se sustenta na mudança dos modelos mentais existentes, promovendo mudanças fundamentais e uma rede de extensas atividades de colaboração.
Apesar de alguns esforços por parte das organizações para se engajarem em práticas ecológicas, gaps de aprendizagem existem. Muitas vezes, estas lacunas se situam na percepção das organizações com seus stakeholders, nos conhecimentos gerenciais, na comunicação interna e externa e nos valores e práticas que são adotadas na operação (Fenwick, 2007; Siebenhüner e Arnold, 2007; Velázquez et al., 2011). A fim de sintetizar as contribuições da literatura e expor as características e determinantes dessa temática, é apresentado o Quadro 2.
O Quadro 2 visou agrupar os principais elementos que determinam processos de aprendizagem organizacional, e que potencialmente, geram principalmente modificações nas estruturas cognitivas dos indivíduos no que tange à sustentabilidade. Da mesma forma como observado na seção anterior, essas dimensões se ancoram em aspectos subjetivos, de liderança, de redes e de aspectos externos, como a regulação e o suporte público-privado. Nesse caso, o aprendizado para sustentabilidade é sempre multidimensional, o que para Senge (1990) possibilita o desenvolvimento de competências centrais de aprendizagem para enfrentar o desafio da sustentabilidade, estimulando a formação de uma cultura organizacional que abrace e promova a mudança nesse sentido.
Argumenta-se que da mesma forma que os indicadores de aprendizado organizacional, os indicadores de aprendizagem para a sustentabilidade são representados pela mudança na forma de atuação de uma organização, podendo ser esta resultante de um processo de inovação de processo ou de produto. No caso do aprendizado para sustentabilidade, esta mudança é representada por resultados concretos em termos de inovação ambiental.
Nos termos de Kammerer (2009), a inovação ambiental é toda inovação surgida em nível organizacional que transmite benefícios eficientes para o meio ambiente, englobando todas as mudanças e novidades organizacionais que buscam reduzir seus impactos ambientais. Assim, a inovação verde, ambiental ou ecoinovação podem ser definidas como novos processos, técnicas, práticas, sistemas e produtos que reduzam o impacto ambiental (Beise e Rennings, 2005).
Essa definição inclui todas as mudanças no portfólio de produtos ou nos processos que visam a mitigar os efeitos ambientais, tais como gestão de resíduos, ecoeficiência, redução das emissões, reciclagem, ecodesign, ou qualquer ação implementada para reduzir esses impactos. Para os fins deste trabalho, optou-se por utilizar a nomenclatura da inovação ambiental por ser a mais utilizada conforme enunciam Ângelo et al. (2012). Já Hansen e Klewitz (2012) comentam que a inovação ecoeficiente pode ser um ponto de inflexão para as empresas iniciarem o processo de aprendizagem para a sustentabilidade, havendo, portanto, uma relação entre essas variáveis.
Antes de haver a inovação ambiental de produtos, há a possibilidade de haver a inovação ambiental organizacional, configurando-se por um processo mais amplo e gerando efeitos de forma transversal por toda a empresa. Nesse caso, a inovação ambiental estaria associada a remodelar todo o pensamento estratégico, integrando a sustentabilidade em todo o quadro conceitual do negócio (Klewitz et al., 2012).
A fim de sintetizar as contribuições da literatura e expor as características e determinantes da temática da inovação ambiental, é apresentado o Quadro 3.
O Quadro 3 demonstra os principais determinantes de processos de inovação ambiental, que somados às temáticas da aprendizagem organizacional e o da aprendizagem para a sustentabilidade, denota a necessidade de se buscar as áreas de convergência entre elas. Isto posto, é apresentado na próxima seção a tentativa de se abrigar em torno de uma única área os elementos em comum que propiciam ambientes de aprendizagem.
Percebe-se que os fatores indutores para o processo de aprendizagem organizacional, aprendizado para sustentabilidade e inovação ambiental, ora são semelhantes, ora são complementares, podendo fornecer elementos para um campo emergente do conhecimento que se denomina aqui de: Aprendizagem Organizacional para a Inovação Ambiental. Uma vez que os principais elementos de análise foram agrupados em um quadro e a partir daí os novos elementos de análise emergiram, buscou-se representar o modelo, de forma a propor que o mesmo sirva para avaliar processos de aprendizagem organizacional para a inovação ambiental.
Assim, as três áreas apresentadas na revisão de literatura possuem o potencial de convergir em torno de uma só, de acordo como é apresentado na Figura 1.
Como se observa na Figura 1, algumas categorias possuem características semelhantes, de forma que se agruparam as mesmas em elementos de análises mais amplos. O modelo encontra-se aderente à perspectiva de Espinosa e Porter (2011), que comentam sobre a complexidade de modelos que se dedicam a estudar temas relacionados à sustentabilidade, devido aos inúmeros agentes e múltiplas relações de causalidade.
Para a proposição do modelo conceitual de análise considerou-se as contribuições de Cheetam e Chivers (1998), em que, ao proporem uma metodologia para a construção desses, enaltecem a importância de se estabelecer “núcleos centrais”. No presente estudo, esses núcleos representam: o enfoque de liderança; o enfoque cognitivo; o enfoque funcional e o enfoque externo.
O [enfoque de liderança abriga as categorias Empreendedor e Gerente] e versa sobre a importância dos perfis desses e como por meio de sua visão de mundo, experiências e conhecimento, direcionam a empresa, os grupos e os indivíduos para práticas ambientalmente inovadoras; o [enfoque cognitivo abriga as categorias memórias e educação ambiental] e se relaciona à maneira de como os indivíduos e a organização constroem as memórias que irão se cristalizar nas práticas rotineiras, e que geram processos de aprendizagem; o [enfoque funcional abriga as categorias Gestão ambiental e P&D em redes], e investiga aspectos rotineiros das organizações, tais como sistemas de gerenciamento ambientais e rotinas relacionadas ao P&D quando esses estão em interação com fornecedores e universidades, que potencialmente gera processos de aprendizagem; o [enfoque externo abriga as categorias Regulação e Usuários de produtos], sendo que esse gera imposições advindas por meio de normas, regulamentos, além da interação com os consumidores, gerando assim, oportunidades de aprendizagem.
À medida que esses elementos de análise interagem, e isso ocorre de maneira não linear, mas sim concomitante e de forma multidimensional, provocam processos de aprendizagem organizacional que podem potencializar inovações ambientais. Com a proposta desse novo construto teórico e de seu respectivo modelo conceitual de análise, poder-se-á a partir de agora, a utilizá-lo em estudos que tenham o objetivo de se avaliar processos de aprendizagem que direcione organizações à efetivação de práticas ambientais inovadoras.
Para dar conta de responder à questão de pesquisa e verificar a aderência do modelo quanto à avaliação de processos de aprendizagem organizacional que promova a inovação ambiental, optou-se por desenvolver uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório-explicativa por meio de um estudo de caso, pois esta metodologia permite realizar descrições detalhadas acerca de fenômenos pouco conhecidos, visando ao seu exame detalhado, e, a partir dessa análise, construir teorias (Eisenhardt, 1989).
A fim de reforçar as análises efetuadas, optou-se por desenvolver a pesquisa em uma empresa do ramo de energia elétrica, identificada aqui como Gama. Essa se destaca em seu ramo de atuação, primeiro por deter participação significativa de mercado e, segundo, por adotar práticas inovativas no que se refere à sua matriz de geração de energia, utilizando nesse caso, fontes renováveis. A mesma é líder nacional em participação de mercado, o que justifica o requisito apontado por Yin (2005) referente à singularidade de escolha do caso.
Ademais, a escolha se deu também pelo critério de conveniência, dadas as facilidades de acesso aos entrevistados, que somaram 9 (nove) pessoas, ocupando os cargos de: diretor de meio-ambiente, gestores de meio ambiente, gestores de P&D e analista financeiro. Antes de se iniciar o processo de entrevistas, procedeu-se com a leitura do relatório de sustentabilidade da empresa, a fim de buscar informações que pudessem reforçar o próprio processo de entrevistas, que ocorreria na sequência.
Além disso, foi utilizada a técnica de observação não participante conforme postula Angrosino (2009), que destaca a importância dessa técnica para examinar as interações e comunicações que se desenvolvem em determinados contextos e, assim, capturar um pouco de sua dinâmica. Com base nessas, percebeu-se o nível de qualidade da dinâmica que cerca os relacionamentos entre as pessoas e os grupos de trabalho. Nesse aspecto, as mesmas puderam ser classificadas com base nas categorias de análises descritas na Figura 1.
No entanto, o principal procedimento utilizado para a coleta de dados primários foi a técnica de entrevistas semiestruturadas. Esta, conforme sugerido por Godoy e Matos (2010), pode ser baseada em um roteiro, mas, ao mesmo tempo, deixando-a se desenrolar de forma livre. Neste caso, privilegiou-se gerar o máximo de flexibilidade aos entrevistados, decisão que, por si só, propiciou em vários momentos, revelações importantes. O roteiro de entrevistas foi baseado nas categorias de análises levantadas previamente pela revisão de literatura e que convergem às áreas apresentadas anteriormente na Figura 1. Após a realização dessas, as mesmas foram transcritas e a partir daí, recorreu-se à técnica de análise de conteúdo por uma lente interpretativista e com o auxílio do software N-Vivo, agrupando os elementos de análise e seus indicadores, conforme apresentado na próxima seção.
A empresa Gama, é líder com 13% do mercado nacional de energia elétrica, estando presente em oito Estados brasileiros, com uma base de 7,4 milhões de clientes residenciais e corporativos. No campo de geração de energia, a organização prioriza em seu planejamento estratégico a migração da utilização de energias convencionais para renováveis, e, segundo seu relatório de sustentabilidade, a mesma é a maior geradora do Brasil a partir dessas fontes, no entanto, opera ainda também com fontes sujas, como as termoelétricas.
Atualmente, a mesma possui soluções nas áreas de energia fotovoltaica, eólica, de pequenas centrais hidrelétricas e de biomassa. A Gama participa do pacto global das organizações das Nações Unidas (ONU) e conta com um portfólio de projetos inovadores, visando a aumentar a eficácia dos processos para atender às demandas de seus acionistas e da sociedade. Um dos pontos de destaque do grupo é a unidade de negócios responsável pela geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis, a qual se apresenta como recorte para este trabalho de investigação. A partir de agora, serão apresentados os enfoques (elementos de análise) e suas categorias, tendo como base a Figura 1.
Este elemento de análise ilustra a forma como os indivíduos, os grupos de trabalho e a organização constroem e capturam o conhecimento que é formado pelas categorias: memórias e educação ambiental.
Com relação à categoria memórias privilegiaram-se informações acerca das experiências acumuladas de vida dos sujeitos, como ocorrem as aprendizagens em nível individual e grupal, como e se a existência de um sistema de metas e recompensas gera aprendizagem, além do efeito que o sistema de valores e crenças gera nos indivíduos e equipes de trabalho.
A maioria dos envolvidos com projetos de inovação ambiental em Gama frequentaram bancos escolares de graduação e pós-graduação cujas grades curriculares contemplaram assuntos com aderência à temática ambiental.
E5: [...] Foi um pouco de cada coisa; na faculdade de engenharia você tinha pouquíssimas disciplinas voltadas às áreas ambientais. [...] Como eu estava dentro da empresa, você começa a ter essa visão de sustentabilidade. Quando eu fiz a especialização também tem muita gente variada - aí, você começa a abrir a mente.
Em relação às práticas de disseminação de valores ambientais, estas estão ancoradas no sistema de planejamento estratégico da holding. Um exemplo é o sistema de crenças, em que a declaração de visão versa que “Energia é essencial ao bem-estar das pessoas e ao desenvolvimento da sociedade. Nós acreditamos que produzir e utilizar energia de forma sustentável é vital para o futuro da humanidade”. Sua declaração de missão percorre a mesma trajetória: “Prover soluções energéticas sustentáveis, com excelência e competitividade, atuando de forma integrada à comunidade”. As declarações de visão e missão são elementos importantes para o aprendizado quando efetivamente compartilhado pelos colaboradores. Este compartilhamento é expresso na fala de uma das gestoras. E4: “Sinceramente, não sei exatamente como as frases estão descritas no seu detalhe, mas sei qual o significado delas, e entendo que tudo que fazemos aqui é justamente voltado para inovação e sustentabilidade”.
Já com relação à categoria educação ambiental, a empresa possui uma ferramenta de e-learning, por meio da qual são abordados os temas de maior criticidade sob o ponto de vista das questões ambientais. Alguns temas são: curso de podas para eletricistas ou então, ideias para se transformar resíduos em fontes de energia.
Por outro lado, a empresa atua em projetos de educação ambiental que envolve determinadas comunidades, quando essas estão situadas próximas de reservatórios e áreas de preservação permanente. E4: “Quando terminam as obras, as palestras continuam até a gente julgar necessário. Então se você vai lá de 6 em 6 meses e conversa durante uma hora, essa repetição faz com que eles entendam o tema”. A empresa tem, portanto, a preocupação em acompanhar as comunidades que se situam nas proximidades dos locais que os projetos são desenvolvidos.
Este elemento de análise retrata a importância do papel desempenhado pelos empreendedores ou altos executivos e os gerentes das organizações que por sua liderança favorece o processo de aprendizado que resulte em inovação ambiental.
O principal entrevistado em nível de direção é o executivo responsável pela diretoria de meio ambiente. Essa área, dentro da Gama, tem uma importância significativa, pois todos os projetos e suas posteriores implantações necessitam obrigatoriamente de sua chancela, sendo que esta diretoria atua transversalmente junto a todas as demais diretorias. Para este, por mais que a formação em nível de doutorado na área ambiental não tenha exercido a influência pretendida em sua trajetória na organização, de forma complementar, possibilitou-lhe, segundo sua opinião, a interpretar diferentes cenários com maior complexidade, sobretudo, em um setor regulado, como é o de energia elétrica.
Apesar dos esforços da empresa para manter o alinhamento necessário entre os diversos níveis organizacionais, em dado momento, percebe-se diferenças de ações decorrentes de percepções dissimilares sobre a temática ambiental entre os principais líderes da empresa, conforme uma das gestoras da empresa comenta:
E3: Os diretores em geral são bem comprometidos com sustentabilidade e com inovação. Mas tem alguns que não são tão comprometidos assim; eles pensam apenas em números. Se não apresentarmos resultados financeiros de imediato, eles abortam o projeto na hora.
Com relação à categoria gerentes, parte-se do pressuposto de que as ações individuais dos mesmos provocam aprendizagem e podem estimular os grupos de aprendizagem. Um dos gestores de P&D comenta que, quando assumiu o cargo, precisou disseminar várias informações acerca de práticas ambientais para gestores e algumas diretorias por meios informais de comunicações, mas também por processos formais como workshops e mensagens via e-mail. Em relação às rotinas, um dos procedimentos é a de se reunir mensalmente com seus times para desencadear diálogos. E2: “Temos um processo interno na área de monitoramento de tendências e tecnologias, que resulta numa reunião mensal de apresentação e discussão de temas críticos”.
A ideia dessas reuniões é gerar discussão e reflexão sobre inovações e sustentabilidade. Por outro lado, uma gestora da área de P&D relatou que muitas das conversas com as equipes são direcionadas para tratar de temas pontuais, como por exemplo: reduzir consumo de água dos banheiros e outros temas bem específicos e de pouca aderência com a temática da sustentabilidade.
Este elemento de análise visa a investigar aspectos concernentes às rotinas implantadas nas organizações, como os sistemas de gerenciamento ambientais e a existência de departamentos de P&D, focando este último na interação entre clientes e fornecedores.
Na empresa existe um departamento de P&D, e que está atrelado ao de planejamento estratégico. Nessa direção, existe uma obrigatoriedade da agência reguladora que determina que uma parcela do faturamento seja investida em inovação. Com a nova visão criada pelo departamento, além dos recursos direcionados para esses investimentos, começou-se a serem utilizados outros, como, por exemplo, os do FINEP. A partir dessa prática, a empresa começou a mudar o conceito de inovação. Assim, se um negócio é interessante do ponto de vista de seus indicadores, pode ser gerado o investimento, mesmo que não esteja dentro da quota da agência reguladora.
Para levar adiante seus projetos, a Gama interage diretamente com universidades e centros de pesquisa, pois seus projetos requerem, na maioria das vezes, soluções tecnológicas não existentes. Contudo, alguns dos gestores da empresa comentam que nem sempre o diálogo com a universidade é eficaz, pois esta trabalha de forma muito lenta, burocratizada e sem levar em conta os anseios do mercado.
E1: Hoje o setor produtivo no país não reconhece a formação de pós-graduação, simplesmente porque ele vem somente como um potencial, e ele tem muita dificuldade em transformar esse potencial em desempenho. Então, se continua ainda com uma academia muito puritana, muito tradicional, que não tem nenhum interesse em se alinhar com a sociedade.
Além disso, segundo esses profissionais, é normal que os pesquisadores acadêmicos tendam a divagar sobre o problema, mas não de forma que dê aplicabilidade e praticidade para a melhor efetivação dos projetos de inovação.
Se a relação com as universidades apresenta ainda diversas barreiras para ampliar a cooperação entre esta e a empresa, as entrevistas revelam um discurso menos conflituoso em relação aos fornecedores. A empresa procura envolver esses nos processos de P&D no que tange ao desenvolvimento de novas fontes de energia, pois entende que estes contribuem de forma decisiva na viabilização de esforços a sua consecução. Nas palavras de um dos gestores: E6: “Os fornecedores são importantes, principalmente porque eles proveem as soluções tecnológicas de que necessitamos e muitas vezes eles não têm essa solução pronta; daí, precisa-se desenvolver. A gente acredita que isso é primordial para o sucesso do projeto”.
Em certa medida, essas ações se relacionam com o próprio processo de gestão ambiental a qual a empresa mantém. Em Gama todos os projetos passíveis de implantação são analisados a fim de que sejam mitigados os impactos ambientais, sendo apoiados pelo Sistema de Gestão Ambiental (SGA). Este envolve gestão ambiental, gestão de qualidade e segurança do trabalhador, de forma a integrar todas as normas ISO. Além disso, a empresa intervém junto a fornecedores a fim de que eles sigam as diretrizes ambientais da mesma. Além das diretrizes, todas as responsabilidades são inseridas dentro dos contratos de prestação de serviços e fornecimento de produtos e equipamentos.
O quarto e último elemento de análise objetiva conferir a importância dos aspectos externos, aqui representados pelas categorias regulação e usuários de produtos.
Como comentado na seção anterior, o próprio setor regulatório brasileiro impõe às empresas desse segmento a obrigatoriedade de aplicação de um percentual de seu lucro líquido em P&D. Desse montante, por iniciativa da Gama, 15% são investidos em projetos de energias renováveis. Vale ressaltar que se a regulação exigisse investimento direto em inovação ambiental, o resultado seria reforçado, gerando maior dinâmica nesses processos, segundo o que comenta uma das gestoras. E7: “[...] se existisse a obrigatoriedade, existiriam muitos mais projetos. Eu acho que seria importante se houvesse uma regulamentação para gerar mais velocidade a esses projetos”.
Em outro aspecto, a regulação exige que a empresa acompanhe as comunidades pertencentes ao entorno geográfico de seus projetos em todas as etapas, desde a concepção até a descontinuidade do mesmo.
Já com relação à categoria usuários de produtos, percebeu-se que a aceitação dos mesmos no que tange a energia proveniente de fontes limpas de energia elétrica se condiciona à questão econômica. E1: “O que o consumidor de energia quer de fato, é pagar uma taxa cada vez menor na sua conta, não importando para ele de qual fonte venha”. Em adição, os entrevistados comentaram que o desafio em relação ao custo de geração de energias renováveis reside em desenvolver escala de produção para que o custo médio por geração sofra diminuição ao longo do tempo.
Antes de se passar a discussão, apresentar-se-á abaixo por meio do quadro 4, os principais aspectos que caracterizam o processo de aprendizagem organizacional para a inovação ambiental em Gama.
Em relação ao enfoque cognitivo, em específico para a categoria memórias, o fato de a empresa prestigiar por meio de contratações, pessoas que já carreguem alguma experiência acumulada em termos ambientais, favorece a cristalização de condutas direcionadas e essa temática, reforçando os preceitos de Argyris e Schön (1978) quanto à importância da aprendizagem individual.
Na mesma direção, a empresa mantém uma diretoria de meio ambiente que percorre de forma transversal todas as outras diretorias, gerando esforço para que as práticas ambientais da organização sejam cristalizadas na sua memória e história (Becker, 2010; Nelson e Winter, 1982). Em termos estratégicos para fixação dos preceitos e valores organizacionais, a existência desta diretoria compensa a fragilidade apresentada pelo fato de outras diretorias não serem tão engajadas como deveriam no que tange às práticas ambientais.
A empresa também mantém um ambiente de aprendizagem coletivo, por meio de um portal eletrônico interno (intranet). Não obstante, mesmo considerando o potencial de estimular apenas melhorias incrementais por esta ferramenta, os eventos ali criados provocam o compartilhamento de conhecimento pelos membros da organização e estimulam uma dinâmica interativa, coordenada e sinergética, reforçando o papel do grupo na disseminação de aprendizagem (Bandura, 1977; Prugsamatz, 2010; Bido et al., 2010). Com efeito, gera-se a partir daí um ponto de inflexão, em que iniciativas que reforçam a ecoiniciativa podem conduzir a empresa a um processo mais amplo de ecoinovação e aprendizagem para a sustentabilidade (Carrilo-Hermosilla et al., 2010; Hansen e Klewitz, 2012).
Já em projetos maiores, como os ligados às fontes de energia renováveis, a importância dos grupos é ainda maior, pois as equipes estão em contato direto e permanente a fim de garantir a melhor execução e dentro do prazo estipulado, reforçando-se a importância da qualidade dessas interações (Prugsamatz, 2010).
Apesar de a empresa estimular a aprendizagem individual e grupal, o processo motivacional dos funcionários apresentou fragilidades, não no aspecto financeiro, mas sim no aspecto da perspectiva do plano de carreira. Isso traz implicações negativas ao próprio processo de aprendizagem organizacional para a inovação ambiental, pois, ao não vislumbrarem um horizonte claro no que tange à perspectiva de crescimento na organização, as ações desses funcionários começam a ser acomodadas na sua insatisfação, sendo que esta deveria ser combinada com recompensas afetivas e sociais (Godoi et al., 2011).
Com relação à segunda categoria do enfoque cognitivo - educação ambiental, mesmo havendo a existência de uma plataforma eletrônica colaborativa de aprendizagem, os temas desenvolvidos não possuem o potencial de gerar quadros maiores de reflexão, como postulado por Beck (1992), Demajorovic (2003) e Senge (1990). Embora cursos e treinamentos pontuais junto a colaboradores seja importante para melhorias de desempenho ambiental, estes não promovem um processo de aprendizado permanente e reflexivo de forma a incrementar os processos inovação. Por outro lado, ações de educação ambiental como as que Gama desenvolve nas comunidades onde desenvolvem projetos reforçam os termos de Fenwick (2007), em que a aprendizagem organizacional deve ser externalizada para toda a cadeia produtiva, envolvendo os stakeholders. Ademais, eventos assim criam um ambiente colaborativo de aprendizagem (Dlouhá et al., 2013).
Em relação ao enfoque de lideranças, primeiro no que se refere à categoria empreendedor, o papel desempenhado pela diretoria de meio ambiente influencia os demais membros da organização. Frisa-se aqui a formação acadêmica do principal executivo dessa diretoria, em nível de doutorado, corroborando os termos de Quist e Tukker (2013), que comenta que uma dose de pensamento mais articulado e sistêmico por parte dos empreendedores possibilita às organizações se prepararem para enfrentar desafios do mercado por meio de uma agenda maior de sustentabilidade.
Esta categoria, portanto, apresentou forte aderência como disseminadora e influenciadora de processos de aprendizagem para a inovação ambiental, consubstanciando a importância conferida a ela (Faustenhammer e Gössler, 2011). Apesar de outras diretorias não estarem tão engajadas em disseminar práticas ambientais, o posicionamento estratégico da diretoria de meio ambiente dentro do grupo, tenta minimizar tais disparidades.
Em certa medida, ainda é presenciado o despreparo de alguns executivos de alto escalão, o qual que gera contradições entre alguns discursos e ações das empresas. Isso posto, é demonstrada a dificuldade para envolver a empresa como um todo para a emergência de um pensamento sistêmico que siga na direção de melhorias ambientais (Senge, 1990; Jamali, 2006; Banerjee, 2003).
Para a segunda categoria do enfoque de lideranças, gerente – evidenciou-se a preocupação dos mesmos em dialogarem e promoverem um ambiente de diálogo com seus times para a busca de melhores resultados ambientais. Com efeito, por intermédio de ações como essas, o indivíduo eleva seu grau de importância como disseminador de processos de aprendizagem (Walsh e Ungson, 1991; Argyris e Schön, 1978; Cangelosi e Dill, 1965; Bandura, 1977; Antonello e Godoi, 2010).
Contudo, apesar de haver a interação entre gestores e seus times, sofre-se prejuízos quanto à disseminação de um sistema de aprendizagem para a inovação ambiental, tendo em vista que esses profissionais não recebem uma educação ambiental que gere reflexividade, gerando falhas no processo de transferi-las para os níveis hierarquicamente inferiores (Zhang et al., 2013; Espinosa e Porter, 2011).
Em relação à categoria P&D em redes, do enfoque funcional – a empresa atua em parceria com fornecedores, possibilitando que a mesma consiga implementar mudanças tecnológicas que visam reduzir a utilização de recursos, o que é corroborado por Gavronski et al. (2012) e Köhler et al. (2013), ao comentarem sobre a importância de se estabelecer laços com fornecedores para que sejam criadas economias de escalas. Nessa direção, Styles et al. (2012) notam que a excelência operacional e a prontidão dos fornecedores atuam como determinantes de processos de inovação ambiental, reforçando ambientes de aprendizagem para os fins de ecoeficiência.
De forma geral, tanto em relação aos fornecedores como em relação às universidades se confirmam os preceitos de Prugsamatz (2010), Liddle e El-Kafafi (2010) e Ceschin (2013), da necessidade de se trabalhar de forma colaborativa com esses atores. Por outro lado, apesar de haver projetos em parceria com a universidade, reforça-se aqui a distância, no ponto de vista da organização, que se apresentou entre a necessidade da empresa e aquilo que a academia se dispõe a produzir em termos de conhecimento, distanciando-a dos interesses da esfera produtiva.
Já na segunda categoria do enfoque funcional – gestão ambiental - há um aspecto positivo concernente às regras operacionais ambientais que se exigem dos fornecedores, e que segundo Espinosa e Porter (2011) e Ceschin (2013), na maioria das vezes, os resultados são extrapolados para a cadeia produtiva. Nesse sentido, é enaltecida a importância dessa política da empresa no sentido de envolver fornecedores no engajamento da melhoria contínua, propiciando o desenvolvimento de tecnologias que permitam a diminuição dos impactos ambientais, o que é corroborado por Hart (1995). Isso posto, evidencia-se a relação de dependência entre a gestão ambiental e a inovação ambiental, conforme postulam Ângelo et al. (2012). Convém frisar, nesse sentido, que esta categoria induz as empresas a processos de aprendizagem para a inovação ambiental.
Com relação ao enfoque externo, representado primeiramente pela categoria regulação, a obrigatoriedade de investimento de uma parte do faturamento em inovações, e para o caso da Gama em específico, 15% desses valores são investidos em projetos de energias renováveis, confirmam a concepção de que a atividade regulatória propicia inovações ambientais (Berrone et al., 2013).
Em relação à categoria usuários de produtos, ainda sob a perspectiva do enfoque externo, esta não apresentou nenhuma relevância em termos de influência sobre processos de aprendizagem organizacional para a inovação ambiental, embora a literatura (Ramus e Steger, 2010; Carrilo-Hermosilla et al., 2010; Horbach et al., 2012) enalteça a força dessa dimensão como indutora deste processo.
Isso se dá, sobretudo, pela preferência do consumidor por energias que sejam economicamente mais viáveis. Não obstante, a fim de que os consumidores adquiram novos hábitos de consumo, sobretudo para direcioná-los a produtos com apelo ecológico, necessário se faz oferecer subsídios de preços tendo por origem a esfera pública (Sierzchula et al., 2014). Em adição, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2011) versa que a aceitação dos usuários de produtos com potencial para mitigar impactos ambientais deve ser também trabalhada por meio da conscientização dos consumidores a fim de alterar seus hábitos de consumo.
Em relação ao objetivo proposto que era o de identificar as relações entre os elementos de aprendizagem organizacional, aprendizagem para a sustentabilidade e inovação ambiental e a maneira de como esses interagem, identificou-se que essa aprendizagem ocorre, sobretudo, por meio do papel de liderança exercido pelo empreendedor e gerente, e também pelo caráter impositivo da regulação. A partir daí a organização pode alterar ou realimentar seu processo de construção de conhecimentos, sendo este reforçado pelo processo de educação ambiental e de memórias [enfoque cognitivo].
Já esses processos exercem influência sobre o enfoque funcional [P&D em redes e gestão ambiental], induzindo a empresa a adotar sistemas de gerenciamento que incorporam a questão ambiental. Desse modo, as organizações podem alcançar a excelência das suas operações, além de conduzirem suas pesquisas por meio de um sistema de colaboração em redes com fornecedores e universidades. Consequente a essa dinâmica, resulta a própria inovação ambiental, sendo ela, portanto, fruto do processo de aprendizagem organizacional para a inovação ambiental.
Com base na aplicação em campo do modelo conceitual de análise, percebeu-se que, com exceção da categoria usuários de produtos, todas as demais são significativas para o processo de aprendizagem organizacional para a inovação ambiental, o que não corrobora a literatura que evidencia esta dimensão (Ramus e Steger, 2000; Liddle e El-Kafafi, 2010; Carrilo-Hermosilla et al., 2010; Horbach et al., 2012).
Em relação à categoria gerente, a atuação dos mesmos se mostrou aderente às perspectivas de Siebenhüner e Arnold (2007) e Köhler et al. (2013), de que os agentes individuais são instrumentos para a disseminação de práticas de aprendizagem, uma vez que no caso de Gama, esses promovem o diálogo e a partir dele, a reinterpretação de práticas e condutas possam ser modificadas.
Contudo, esses atuam limitadamente pelo fato de o tipo de educação ambiental implantada na empresa não ocasionar de forma mais enfática a reflexividade dos indivíduos, o que interrompe o fluxo de aprendizagem para o restante da organização. Cursos e treinamentos pontuais, apesar de importantes, não podem ser confundidos com um processo amplo de educação que favoreça a reflexão, aumento da conscientização ambiental e mudança comportamental que potencializem a inovação ambiental nas organizações.
Ademais, apesar de a empresa estar engajada em disseminar produtos que tenham o potencial de mitigar os impactos ambientais por meio de sua unidade de geração de energia por fontes renováveis, grande parte de seu portfólio ainda se apresenta com base em fontes tradicionais de energia mais poluentes, como o caso das termoelétricas. Nesse caso, evidencia-se um distanciamento entre valores e práticas adotadas na operação. Assim, são reforçados os termos de Roper (2012), de que existe uma distância grande a se percorrer entre os discursos ambientais e suas práticas efetivas nas organizações. Isso posto, é necessário revisitar os valores que norteiam a organização e abrir um quadro para que se reflita se as práticas vigentes são aderentes com o discurso postulado pela mesma.
Ainda que o estudo de caso único apresente a limitação de generalização de suas conclusões, esta pesquisa avança na questão de como as características de aprendizagem organizacional podem promover a inovação ambiental.
Por fim e visando promover discussões futuras e sob outras circunstâncias à temática, a contribuição deste trabalho repousa na utilização futura do modelo conceitual de análise que poderia ser replicado para verificar quais seriam fatores determinantes da aprendizagem organizacional que promovam a inovação ambiental na realidade brasileira. Isso posto, cabe como primeira sugestão de pesquisa futura que o respectivo modelo pudesse ser testado por meio de uma pesquisa survey. Adicionalmente, poderão ser desenvolvidos trabalhos que visem a demonstrar e entender as especificidades em torno de temas subjacentes ao modelo, como por exemplo, o papel do gerente como disseminador de ambientes de aprendizagem para a inovação ambiental, ou então, a existência de um trade-off entre o papel do gerente e uma educação ambiental marcante na organização.