Cozinhando como um chef ... A coprodução e os valores pessoais do cliente de restaurante fast casual

Cooking like a chef... Coproduction and the personal values of clients of a fast casual restaurant

Aline de Souza Freire 1
Universidade Estácio de Sá – ESTACIO, Brasil
Irene Raguenet Troccoli 1
Universidade Estácio de Sá – ESTACIO, Brasil
Marcio Moutinho Freire 2
Universidade Federal Fluminense – UFF, Brasil

Cozinhando como um chef ... A coprodução e os valores pessoais do cliente de restaurante fast casual

Revista Base (Administração e Contabilidade) da UNISINOS, vol. 16, núm. 1, pp. 27-58, 2019

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Recepção: 22 Junho 2018

Aprovação: 31 Outubro 2018

Resumo: Este artigo qualitativo, baseado na Teoria Meios-Fim e com o uso das técnicas de observação não participante e de soft laddering, identificou e analisou os valores pessoais de consumidores satisfeitos com escolha de restaurante fast casual onde há coparticipação do cliente na confecção dos pratos, agregando essa identificação aos princípios da coprodução e da cocriação de valor entre estes clientes e o prestador. Referida ao êxito pessoal, “realização” revelou-se o valor pessoal de maior destaque. A cocriação de valor ficou sugerida com os esforços da marca em construir uma relação única com o cliente, pautada na coprodução dos pratos. A coprodução auxiliou o consumidor a se sentir um chef de cozinha, com essa sua participação via aplicação de suas escolhas pessoais “empoderando-o” e levando-o a um patamar experiencial, relacionado muito mais à experiência do cliente e à sensação de se sentir cozinhando do que ao serviço e ao prato que será consumido em si. A contribuição acadêmica foi alcançada com a ligação da Teoria de Cocriação de Valor em Serviços ao construto valores pessoais. A originalidade da pesquisa reside na agregação da identificação dos valores pessoais dos clientes analisados aos princípios de coprodução e de cocriação de valor entre eles e o prestador de serviço, inédita na literatura brasileira de Administração até o momento da realização da pesquisa. Palavras-Chave - Valores pessoais; Coprodução; Teoria Meios-Fim; Laddering.

Palavras-chave: Valores pessoais, Coprodução, Teoria Meios-Fim, Laddering.

Abstract: This qualitative article identifies the personal values ​​of consumers that are fulfilled when a fast casual restaurant is chosen that allows the client to participate in the preparation of the dishes, adding this identification to the principles of coproduction and the cocreation of value between these clients and the provider. Concerning personal success, "achievement" was the most outstanding personal value. Value creation was evidenced by the brand's efforts to build a unique relationship with the client, based on the coproduction of the dishes. Coproduction made the consumer feel like a chef, with his participation in the preparation of the dishes "empowering" and taking him to an experiential level, related much more to the customer experience and the feeling of cooking rather than the service itself and the dish consumed. The academic contribution comes from linking the theory of value creation in services to personal values. This research is original in that it adds clients´ personal values ​​to the principles of value coproduction and cocreation between them and the service provider, something unprecedented in the Brazilian Administration literature until when this research was carried out. Keywords – Personal values; Coproduction; Means-End Theory; Laddering Introdução

Keywords: Personal values, Coproduction, Means-End Theory, Laddering.

Introdução

No Brasil, o segmento de alimentação fora do lar se destaca no setor de serviços, mantendo franco crescimento, com grande representatividade econômico-social e com numerosos estabelecimentos comerciais (Exame, 2017). Por seu turno, muito mais do que apenas fornecer serviços, é necessário proporcionar experiências, agregando atributos e valores que sejam percebidos pelos clientes, de forma a compensar a característica da intangibilidade classicamente atribuída aos serviços de uma forma geral (Zeithaml, Bitner, & Gremler, 2014), e que possibilitem que o cliente enxergue valor em sua escolha (Solalinde & Pizzutti, 2014).

Esta percepção de obtenção de valor por parte do cliente pode se dar de diversas formas, já que, de forma mais abrangente, a criação de valor implica o aumento do bem estar do consumidor, tornando-o melhor em determinados aspectos (Grönroos, 2009). Uma dessas formas de obtenção de valor percebido pelo cliente ocorre por meio de sua participação no processo de criação do serviço – a chamada coparticipação, que “enfatiza processo que inclui ações tanto por parte do provedor como do cliente (e possivelmente por outros atores)” (Grönroos & Voima, 2012, p. 2).

É por meio dessa coparticipação que pode ocorrer a (co)criação de valor para o cliente (Grönroos & Gummerus, 2014). Isto implica que as empresas, tanto de produtos físicos quanto de serviços, que visem a esta (co)criação de valor para o cliente (Gummesson, 2014), precisam atuar com foco no gerenciamento desse último. Com isso, durante todo o processo de fornecimento, elas poderão influenciar-lhe, de maneira direta e ativa, a percepção de que suas ofertas poderão também satisfazer valores pessoais - dos quais os clientes não se dão conta de forma consciente (Gutman, 1982).

Por outro lado, se é verdade que o consumo de serviços pode servir ao atingimento de valores pessoais, a motivação a esse consumo pode ser modulada por diversos elementos que terão a capacidade de reforçá-la ou de desidratá-la. Um desses elementos é a possibilidade de haver a coprodução do serviço por parte do cliente, situação em que esse último é instado a exercer papel no processo de criação daquilo que está adquirindo - o que leva à obtenção de valor por meio da cocriação (Lusch, Vargo, & O’Brien, 2007; Vargo, Maglio, & Akaka, 2008).

Assim, sendo os clientes, mais do que apenas uma simples fonte de informação às empresas, vistos como um recurso a elas nesta perspectiva de cocriação de valor (Payne, Storbacka, & Frow, 2008), legítimo se torna entender melhor aquilo que os move em suas escolhas. Isso justifica o objetivo da presente pesquisa: ligar a Teoria de Cocriação de Valor em serviços ao construto valores pessoais. Isso é realizado por meio da identificação e da análise dos valores pessoais dos clientes subjacentes à escolha por restaurante fast food no qual podem cocriar valor por meio da coparticipação na elaboração das refeições.

O resultado desta investigação permitirá contribuir à Teoria de Cocriação de Valor em serviços, relacionando-a ao construto valores pessoais. A despeito do importante papel que as crenças, as emoções e as convicções do consumidor desempenham em cada processo decisório de consumo, quando ele busca, consciente ou inconscientemente, satisfazer algum desejo (Maffezzolli & Prado, 2013).

Ademais, até o segundo quadrimestre de 2017 – quando foi realizada a revisão bibliográfica da presente pesquisa – na literatura brasileira de Administração de Empresas disponível nas bases de dados científicos Google Acadêmico, SciELO, Web of Science, Spell e Periódicos Capes não fora verificada nenhum estudo que relacionasse a Teoria de Cocriação de Valor em serviços ao construto valores pessoais. Cumpre notar que a eventual inexistência desta mesma lacuna na literatura estrangeira não elimina a importância de contribuição teórica mesmo quando restrita ao ambiente brasileiro, em contexto de rejeição à “hierarquização imposta pela academia anglo-saxã, que tende a nos colocar como subalternos” (Alcadipani, 2017, p. 418).

Além disso, esta investigação ajudará a melhor conhecer o comportamento do consumidor do segmento de restaurantes fast food, informação relevante sabendo-se que foram gastos R$ 203,5 bilhões em alimentação em restaurantes, bares e lanchonetes no Brasil em 2017, quase 5% a mais do que no ano anterior (Amorim, 2018).

Além desta introdução, o artigo é composto por mais seis seções: breve referencial teórico, aspectos do método, resultados da observação não participante, resultados da aplicação do soft laddering, interpretação dos resultados, e conclusão.

Referencial Teórico: Serviços, Cocriação de Valor e Valores Pessoais do Cliente

Serviços são atos, processos e atuações oferecidos ou coproduzidos para os consumidores por uma entidade ou pessoa, com o fim de satisfazer seus desejos ou necessidades. No caso, é oferecido valor agregado em formas que atendem, em essência, cada interesse daquele que o adquire, tais como conveniência, diversão, geração em hora oportuna, conforto ou saúde (Zeithaml, Bitner, & Gremler, 2014).

Pela ótica de Zeithaml et al. (2014), serviços diferem de bens físicos em quatro aspectos: a intangibilidade, a perecibilidade, a heterogeneidade e a inseparabilidade. A intangibilidade é considerada aquele de maior complexidade para o fornecedor, pois remete à dificuldade em definir precisamente o serviço que será recebido, e em permitir que os clientes obtenham informações claras, detalhadas, e de fácil entendimento para aquilo que potencialmente desejem adquirir.

Entre outras coisas, a intangibilidade implica que as organizações podem influenciar, de forma direta e ativa, a satisfação do consumidor durante todo o processo de serviços – o que significa que ocorrerá interação constante, que, em última instância, poderá redundar na cocriação de valor para o cliente (Grönroos & Gummerus, 2014). Já a simultaneidade – ou seja, o fato de a produção e o consumo de serviços ocorrerem simultaneamente – tem diversas implicações para o Marketing (Grönroos, 2009), sendo um dos mais profícuos campos de estudos relacionados a esta característica o da coprodução entre cliente e prestador, evento que leva à cocriação de valor.

O construto cocriação de valor remete ao valor criado conjuntamente entre fornecedor e cliente, dentro da Lógica Dominada por Serviço (LDS), a partir de ações de múltiplos atores, frequentemente desconhecidos entre si, que contribuem para o bem-estar de todos (Vargo & Lusch, 2016). Ou seja, o surgimento de valor se dá quando, partícipes nos processos pelos quais eles próprios influenciam nos bens e serviços adquiridos e consumidos, os clientes passam a perceber e a vivenciar experiências que se tornam a base da criação de um valor único para si (Prahalad & Ramaswamy, 2004a, 2004b).

Esses dois construtos se acomodam na literatura de Marketing submetida à LDS, que prega que, ao consumidor, nem sempre é possível oferecer as melhores experiências de consumo apenas por meio da entrega de serviços – e até mesmo de produtos físicos. Velocidade no atendimento, qualidade intrínseca na composição e os menores preços a partir dos menores custos, embora sempre importantes para a satisfação do comprador, vêm deixando de representar os únicos aspectos levados em conta durante a aquisição. Até porque inovação, tecnologia e melhorias incrementais não conseguem evitar que os bens se tornem obsoletos mesmo antes que sejam vendidos (Vargo & Morgan, 2005). Assim, cada vez mais a satisfação dos consumidores tem passado a ser formada também a partir do resultado da sua interação no processo de formação dos serviços (Etgar, 2008).

Alternativamente, a cocriação de valor surgiu no bojo da LDS e tornou-se elemento fundamental no campo da criação de valor em transações de serviço, nomenclatura que engloba tanto a indústria de serviços “puros” como de produtos físicos. A LDS parte da premissa de que todo consumo é movido pela busca de um benefício desejado pelo cliente, ou seja, pela busca de um serviço que determinado objeto ou determinado serviço pode prover (Lusch et al., 2007). Por essa ótica, a satisfação do cliente com o processo que gera o resultado final pode ser maior quando há seu envolvimento enquanto cocriador, tendo em vista sua capacidade de influenciar o resultado.

Por seu turno, valores pessoais do cliente são aqueles que, baseados na escola da psicologia social, as pessoas alcançam por meio de ações específicas, das quais o consumo faz parte (Morais & Santos, 2015). São de conceituação complexa devido à representatividade que têm para cada indivíduo, remetendo a tudo que é importante na vida das pessoas e a como cada um percebe sua vida com diferentes itens e graus de importância (Schwartz, 2012).

Analisar os valores pessoais individuais capacita a um melhor entendimento do ser humano, de suas decisões e de suas escolhas, influenciando as escolhas cotidianas dos indivíduos e levando-os a se comportarem de modo a alcançarem suas metas ou desejos. Ou seja, entender os valores humanos pode levar à compreensão dos motivos que orientam a ação humana quer no nível individual, quer no coletivo (Moreira & Domenico, 2015).

A evolução da pesquisa acadêmica na área de valores pessoais levou à Teoria dos Valores Humanos de Schwartz (Schwartz, 1992, 2006, 2012), que parte da premissa de que os valores são universais, de forma que as pessoas conferem diferentes prioridades a um conjunto de valores presentes em todos os seres humanos. Essa teoria levou à criação da Schwartz Value Survey (SVS), “primeiro instrumento desenvolvido para medir valores baseado na teoria” (Schwartz, 2012, p. 10). A SVS se baseia em 10 valores pessoais, chamados de tipos motivacionais: autodirecionamento, estimulação, hedonismo, realização, poder, segurança, conformidade, tradição, benevolência e universalismo. Eles se situam em quatro eixos (abertura à mudança, autotranscendência, autopromoção e conservação), que compõem duas dimensões bipolares.

A satisfação destes valores pessoais passa pela necessidade de o cliente enxergar valor nas suas escolhas, fato este que pode ser diretamente impactado pelo fornecedor de serviço diante da coprodução cliente-prestador (Gutman, 1982). Construto antecedente à cocriação de valor, a coprodução cliente-prestador é a criação da proposta de valor que uma empresa – tanto de produto quanto de serviço – traz ao cliente por meio da interação do cliente com o prestador de serviços de forma que aquele possa contribuir com o serviço ou produto que será consumido (Vargo & Lusch, 2016).

À luz destes elementos, tem-se que a relação entre serviços, valores pessoais e cocriação de valor resulta da combinação de dois conceitos: o de que os clientes de serviços são participantes ativos no processo de criação de valor (Lusch & Vargo, 2006; Vargo & Lusch, 2004), e o de que valores pessoais desempenham papel relevante para explicar e entender a atitude e o comportamento desses mesmos consumidores (Mulyanegara & Tsarenko, 2009; Xie, Bagozzi, & Troye, 2008).

No caso, os valores pessoais têm a capacidade de indicar tendências de comportamento do consumidor quando se trata de coparticipar (Xie et al., 2008), já que essa participação pode servir para dar vazão a construtos específicos de autocontrole comportamental – por exemplo, o lócus de controle (Buttgen, Schumann, & Ates, 2012), a autoeficácia (Xie et al., 2008) ou a percepção de controle (Collier & Sherrell, 2010).

Assim, o cliente passa a ver sua coparticipação na produção de produtos ou de serviços como desejável conforme isso pode lhe garantir adquirir conhecimentos e habilidades (Hoyer, Chandy, Dorotic, Krafft, & Singh, 2010; Nambisan & Baron, 2009), o desfrute da própria experiência da coprodução (Etgar, 2008), o alcance de status e de estima social (Etgar, 2008), e a construção de autoidentidade (Wolf & McQuitty, 2011), com valores hedônicos como prazer, diversão e prazer revelando-se importantes motivações emocionais para a cocriação (Nambisan & Baron, 2007, 2009).

Em linha com esse raciocínio, o uso de tecnologias de autosserviço – que requerem a participação do consumidor para serem usufruídas – provou-se relacionado a fatores motivacionais intrínsecos tais como sentimentos de realização, de prestígio, de crescimento pessoal, ou ao mero prazer de se engajar na atividade (Rogers, 1995). Outro exemplo provém da influência da cocriação, por parte do cliente, na sua experiência com marcas: os clientes que participam deste processo sentem maior dedicação à marca que estão ajudando a criar conforme aumenta seu sentimento de pertencimento e de engajamento a ela (Patterson, Yu, & De Ruyter, 2006).

Método

Nesta pesquisa qualitativa, o método científico adotado foi o indutivo, tendo sido usado o arcabouço da Teoria Meios-Fim, e as técnicas de observação não participante (Michel, 2011) e do laddering em sua versão soft.

A técnica laddering, também conhecida como técnica de escalada, surgiu no campo da psicologia, na década de 1950, e com Gutman (1981), na década de 1980, começou a ser utilizada na área de Marketing para identificar as experiências e comportamentos dos indivíduos como consumidores (Chi-Feng, 2002; Vilas Boas, Bueno, Oliveira, & Siqueira, 2012). Trata-se de técnica essencialmente qualitativa, semiestruturada e baseada no contato com indivíduos que terão a liberdade para se expressar sobre os motivos da importância de consumir de determinados produtos e serviços (Escudero & Prado, 2008). O sentido principal da técnica consiste em aprofundar o conhecimento sobre as experiências dos indivíduos, utilizando questões abertas para descobrir insights e chegar à raiz do problema passando do âmbito mais superficial ao mais profundo (Veludo-de-Oliveira & Ikeda, 2008, p.2).

Na forma soft ela é caracterizada pelo levantamento das informações primárias obtidas a partir de entrevistas pessoais em profundidade e semiestruturadas, cujas informações permitirão chegar-se aos atributos, às consequências e aos valores envolvidos nas decisões de consumo (Reynolds & Gutman, 1988). Inicialmente são obtidas as informações primárias junto ao(s) entrevistado(s), quando, referindo-se a determinada escolha de produto ou de serviço, são-lhe feitas perguntas do tipo “por que isto é importante para você?”. Este questionamento é repetido a cada resposta obtida, num caminho evolutivo que se inicia pelos atributos que o consumidor imputa ao produto ou serviço estudado; 2) Com a evolução das respostas, e utilizando-se as devidas táticas para se contornarem eventuais dificuldades inerentes a este método, são levantadas as consequências relacionadas aos atributos trazidos por este consumo. Em seguida, chega-se aos valores pessoais que, verdadeiramente, teriam motivado este consumo; 3) As evidências obtidas em campo – ou seja, o material bruto que dará origem à identificação dos encadeamentos atributos-consequências-valores (A-C-V) – passam à fase de tratamento, até se chegar ao Mapa Hierárquico de Valor (MHV), representação gráfica em forma de árvore que simboliza visualmente o agregado de respostas das fases anteriores, fornecendo uma visão geral do raciocínio do(s) consumidor(es) ao adquirir(em) o bem ou serviço em questão. Ali estarão representadas graficamente as conexões ou associações entre atributos, consequências e valores levantados nas entrevistas, possibilitando interpretação mais fácil dos valores do(s) entrevistado(s), assim como quais as conexões mais fortes e, portanto, mais importantes para a compreensão do fenômeno (Reynolds & Gutman, 1988).

Finalmente, o MHV é interpretado, o que consiste no mapeamento das cadeias de percepções e na identificação das cadeias prioritárias à identificação dos valores pessoais do(s) consumidor(es) pesquisado(s) (Veludo-de-Oliveira & Ikeda, 2004).

Quanto aos fins e aos meios, a presente pesquisa é descritiva e exploratória, de campo, levantamento bibliográfico e observação não participante (Gil, 2011), numa triangulação de métodos que permitiu tornar a pesquisa mais rigorosa, complexa e profunda (Flick, 2009). A opção pela abordagem qualitativa indica que não se buscou generalização populacional dos resultados, mas sim contribuição teórica (Fossey, Harvey, McDermott, & Davidson, 2002).

Para a fase da pesquisa primária voltada à obtenção dos valores pessoais por trás da opção de consumo de serviço caracterizado por processo de coprodução, foram selecionados 10 clientes da marca de restaurantes fast casual Spoleto no momento de consumo, quando eles se posicionavam na fila para montagem da refeição, sendo-lhes questionada a possibilidade de participar da pesquisa ao final do consumo. Esta quantidade foi definida por dois motivos: 1) não há nenhuma definição categórica de um número “correto” na aplicação da técnica de soft laddering à Teoria Meios-Fim - nem mesmo o trabalho seminal de Reynolds e Gutman (1988) traz qualquer menção a respeito; e 2) com este número de entrevistas chegou-se à saturação das evidências.

Todos os entrevistados foram homens situados na faixa etária entre 20 e 40 anos. A limitação da idade visou a evitar dispersões nas percepções dos sujeitos determinadas por diversidade de idade. Já os limites mínimo e máximo da faixa basearam-se em informações internas do Grupo Trigo, detentor da marca Spoleto – ao qual pertence a pesquisadora que foi a campo – de que se trata de idade com grande público junto à marca.

No que tange à opção pelo público masculino, ela visou a acomodar a pesquisa primária ao tempo disponível para sua consecução, partindo-se do princípio que homens seriam mais concisos do que mulheres em suas respostas nas entrevistas (Bowers, Perez-Pouchoulen, Edwards, & McCarthy, 2013; Harasty, Double, Halliday, Krill, & McRitchie, 1997).

Quanto à escolha pela rede Spoleto, isso se deveu ao seu sistema basear-se na participação ativa do cliente durante o processo de produção da refeição, com o atendente recebendo as instruções do comensal em relação ao preparo específico do prato que deseja, e este preparo ocorrendo em tempo real à frente do cliente. No caso das lojas no formato “Minha Cozinha Italiana”, o cliente pode escolher dentre três opções de componente principal (massa, salada ou focaccia) e de seis ingredientes adicionais dentre um rol de 28 tipos, acrescidos de quatro tipos de molho para salada ou de quatro tipos de molho para massa ou focaccia.

Tendo em vista a inexperiência prévia a pesquisadora que foi a campo com o método soft laddering, inicialmente ela o treinou por meio da execução de pré-teste, do qual quatro aplicações foram aproveitadas, as quais se somaram a seis da segunda e definitiva aplicação. Ambas as ocasiões ocorreram em dias de finais de semana, partindo-se da premissa de que seria ocasião em que os clientes do restaurante teriam mais tempo disponível para a abordagem.

Com a concordância dos entrevistados, as entrevistas de laddering foram gravadas. O processamento dos resultados ocorreu conforme a orientação formal indicada por autores como Gutman (1981) e Reynolds e Gutman (1988), até se chegar ao MHV. Esta construção se deu manualmente conforme as orientações de Troccoli (2016), à luz dos valores detalhados na Teoria Valores Humanos de Schwartz (Schwartz, 1992, 2006, 2012). Nesse processo se manteve a mente aberta para o eventual surgimento de outros valores além destes, o que, entretanto, não ocorreu; em paralelo, a qualificação dos elementos em atributos, consequências e valores foi realizada unicamente pela autora da pesquisa, conforme orientação de Reynolds e Olson (2011).

A interpretação do MHV foi enriquecida pelas evidências primárias colhidas por meio da triangulação de métodos: 1) via a mencionada observação não participante, direcionada ao ambiente do restaurante de uma forma geral, sem contato direto com os clientes, com a pesquisadora posicionando-se no balcão próximo ao caixa da loja escolhida de forma a observar todos os eventos, registrando-os em um caderno de anotações; e 2) via conversas informais conduzidas com os mesmos entrevistados ao final das entrevistas de laddering, visando a colher informações que enriquecessem o entendimento a respeito de sua percepção sobre as experiências gerais no Spoleto e sobre a coparticipação possibilitada pela marca na produção de seus pratos.

A pesquisa de campo ocorreu em dois sábados ao final de 2017, na unidade do Spoleto localizada em shopping da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, buscando ambiente mais tranquilo do que aquele de dias úteis e facilitação à observação do padrão de atendimento e das ações de coprodução cliente-atendente.

Houve limitações técnicas neste método, que foram parcialmente mitigadas por meio da execução de pré-testes ou que foram absorvidas enquanto inevitáveis – por exemplo, eventuais respostas baseadas em níveis “artificiais” de elementos, conforme os entrevistados se vissem impelidos a buscar argumentos a cada repetição de pergunta “por quê?”, clássica dessa técnica. E, como a pesquisadora que foi a campo faz parte do quadro de colaboradores do Grupo Trigo, ela se policiou na busca pela necessária atitude de distância, de estranhamento, num olhar inquisitivo que “conduz a uma dúvida sistemática, suspendendo as verdades de rotina e do senso comum” (Rocha, 1995, p. 36), de forma a impedir a contaminação, na sua interpretação dos fatos, da familiaridade derivada de sua atividade profissional.

A seguir será inicialmente apresentado o relato da observação não participante, e, em seguida, os resultados da aplicação do soft laddering. No primeiro caso, por se tratar de pesquisa de estilo etnográfico, sua redação se encontra na primeira pessoa do singular, por se entender que isso ajudará o leitor a melhor compreender a extensão da experiência vivida pela pesquisadora.

Resultados da Observação Não Participante

O acesso ao restaurante onde a pesquisa foi efetuada, o Spoleto no Shopping Via Parque, foi relativamente fácil, por se tratar de loja onde o franqueado é ex-diretor da franqueadora Spoleto, e por eu já conhecê-lo anteriormente.

Ele recebeu muito bem a ideia da pesquisa, agradeceu por eu ter selecionado o seu restaurante, e se mostrou muito interessado em receber as informações resultantes da pesquisa. Ele não estava no local nos dias de ONP, mas deixou a gerente informada sobre a pesquisa, e ela estava me aguardando nos dois dias em que estive na loja.

Quando da realização da pesquisa, o restaurante Spoleto no Shopping Via Parque estava adequado ao modelo Minha Cozinha Italiana de lojas do Spoleto, e localizava-se na praça de alimentação do primeiro piso do shopping. Era estabelecimento relativamente pequeno, com aproximadamente 36 m², onde, além das tradicionais massas, eram oferecidas saladas, carnes, polpetones e sobremesas.

A parte externa frontal da loja era composta por um balcão de atendimento e de exposição, de dimensões aproximadas de 3,71 m². Ali se encontravam cardápios impressos, temperos, torradas, sobremesas, fogão e forno para preparo dos pratos, geladeira de armazenamento de bebidas, o caixa da loja e alguns itens de decoração, além dos ingredientes e dos molhos de composição do prato que são de escolha do cliente,

Em todos os dias em que realizei a ONP a loja estava sempre limpa. Os funcionários traziam uniformes impecáveis e, seguindo o padrão de atendimento da rede Spoleto, faziam malabarismos com as frigideiras. Os clientes eram recebidos com a felicitação “Buongiorno” (bom dia, em italiano), forma que a franqueadora implementou para trazê-los à sensação de estarem mais próximos da Itália no momento do atendimento.

A loja tem equipe de 13 funcionários, incluindo um haitiano, que, apesar da adequação da linguagem, não demonstrou dificuldade na comunicação com os clientes. Os turnos de trabalho são de 12 horas trabalhadas e 36 horas de repouso remunerado, exceto para o gerente e para dois operadores específicos: estes atuam em turnos diários de oito horas de trabalho, com um dia de folga por semana.

O horário que eu escolhi para a pesquisa de campo, por intermediário das refeições, implicava o restaurante estar menos movimentado. Mesmo assim pude observar que os atendentes procuravam manter-se em atividade, reabastecendo ingredientes, massas, bebidas, temperos, torradas e sobremesas. Quando efetivamente não tinham mais nada para fazer, eles permaneciam parados em uma posição-padrão.

Nessas ocasiões pude observar clima de trabalho leve e divertido no restaurante, e pude perceber diversas ocasiões de ajuda mútua. Também se mostrou muito comum que os clientes estivessem acompanhados - de filhos, de esposas, de amigos, de avós.

A operacionalização da pesquisa de campo diferiu nos dois dias em que foi realizada.

No primeiro dia, o tempo estava quente, girando em torno de 34°, e o shopping estava relativamente cheio, assim como a praça de alimentação. O movimento no restaurante era constante, apesar de não ser intenso. Posicionei-me ao lado do caixa e, a cada cliente que aparentava ter o perfil buscado pela pesquisa, eu me aproximava, me apresentava como pesquisadora ligada a uma universidade local, explicava rapidamente a pesquisa, e questionava se, após o seu consumo, eu poderia conversar com ele por alguns minutos.

Todos os clientes abordados nesse dia foram solícitos, aceitaram participar da pesquisa assim que abordados, e autorizaram a gravação da entrevista em áudio. Eu observava o cliente enquanto ele se encontrava na fila e durante o seu atendimento e, quando ele levava sua bandeja ao assento para iniciar o consumo, um auxiliar que levei para ajudar na pesquisa observava onde ele se sentaria e controlava seu tempo de consumo, sinalizando-me quando este se aproximava do final. Com esta informação, eu então abordava novamente o cliente antes que se levantasse para ir embora. Vale notar que, para agilizar a pesquisa, enquanto aguardava o momento da entrevista, eu continuava posicionada na fila e fazia a primeira abordagem a outro cliente enquadrado no perfil.

Com isto, o primeiro dia de entrevistas foi realizado com oito homens e rendeu quatro resultados utilizados na pesquisa.

Já no segundo dia de ONP, o tempo estava chuvoso e frio, girando em torno de 22° e o shopping estava relativamente vazio, assim como a praça de alimentação. O movimento no restaurante foi formado em sua maioria por mulheres, o que dificultou a pesquisa.

Novamente me posicionei ao lado do caixa e a cada cliente que aparentava pertencer ao perfil eu repetia o mesmo script anterior. Devido ao fluxo de atendimento reduzido, neste dia não foi necessário utilizar um auxiliar para acompanhar onde o cliente de posicionaria e para controlar seu tempo de consumo. Diferentemente do primeiro dia de pesquisa, tive que abordar 10 clientes para conseguir seis resultados: dois não tiveram interesse em participar e dois não autorizaram a gravação em áudio. Com isto, a soma final de resultados aproveitáveis na pesquisa chegou a 10.

Quando os clientes chegavam à loja, para selecionar o prato desejado, composto por um componente principal e complemento(s), notei que alguns deles faziam uso do cardápio, que estava disposto na frente do balcão. Contudo, a maioria preferia observar as opções no painel eletrônico localizado abaixo do letreiro da loja, onde se encontram expostas possíveis combinações de pratos.

A escolha dos clientes se iniciava pela opção entre massa, salada ou focaccia, olhando o cardápio ou avaliando o painel eletrônico. Em seguida, eles iniciavam o processo, entrando na fila e aguardando pelo atendimento.

Considerando que o cerne da coprodução se dá quando da interface do cliente com o funcionário no momento de composição do prato, vi que esta interação se iniciava quando o atendente cumprimentava em italiano dizendo “Buongiorno”. Pude verificar que alguns clientes demonstravam ficar mais à vontade com esta saudação, alguns sorriam, faziam perguntas sobre os ingredientes e até mesmo pediam opiniões sobre o que escolher.

A partir dessa interação inicial, o atendente questionava o cliente sobre qual prato havia sido escolhido, sendo que todos os clientes observados escolheram prato composto por massa. O atendente então questionava ao cliente qual tipo de massa havia sido escolhido e retirava do balcão de armazenamento uma porção previamente embalada na quantidade específica do prato, direcionando-a para cocção imersa em água.

Enquanto a massa estava no processo de cocção, o atendente se direcionava novamente ao cliente e o questionava sobre qual tipo de óleo ele gostaria em seu prato (azeite ou molho pesto), solicitava que o cliente escolhesse seis ingredientes dentre os 24 que estavam expostos no balcão de atendimento e o molho de sua preferência.

Quando da escolha do molho e dos ingredientes, verifiquei que esta ocorria de duas formas, dependendo do cliente: com e sem hesitação. No primeiro caso – que não impedia que o atendimento não passasse de quatro minutos – prestei muita atenção, em busca de eventual sinalização de impaciência por parte do atendente. Ela não ocorreu, e não sei se isto se deveu ao dia e ao horário da observação serem de baixo movimento, ou se devido ao próprio treinamento dos funcionários.

Os itens escolhidos pelo cliente eram dispostos em uma frigideira, que era posicionada no fogão para aquecimento e recebia a massa. Essa última, tão logo estivesse cozida, era misturada ao molho. A simultaneidade entre as escolhas do cliente e a produção do prato permitia que o cliente observasse todo o processo, estivesse certo de que suas solicitações estavam sendo atendidas, e que lhe seriam servidos exatamente os itens escolhidos.

Após a refeição estar pronta o atendente dispunha a massa em um prato de porcelana branco, com a logomarca do Spoleto, e questionava ao cliente se ele desejava queijo parmesão fresco ralado por cima da massa. Após a realização de todas as escolhas de seu prato e do acompanhamento da sua produção, o entrevistado finalmente realizava o pagamento no caixa e retirava seu prato pronto.

Posteriormente, quando conversei com os clientes selecionados para o soft laddering, comprovei que, nas escolhas efetuadas, o paladar pode ceder preferência à racionalidade derivada da perseguição de uma vida saudável. Não raro foi ressaltado que percebem como benefício poder participar e observar o processo produtivo do prato, e que a escolha do Spoleto em detrimento a outros restaurantes se deve a poderem ver cada um dos ingredientes disponíveis e constatar seu frescor antes da escolha daqueles que comporão o prato.

Também me chamaram a atenção as menções a três fenômenos derivados do processo interativo na confecção do prato.

O primeiro deles é que, além de propiciar sabor que se adapta sob medida ao paladar do cliente, ele tem a vantagem de possibilitar várias combinações diferentes a cada visita à loja. Com isto, o cliente percebe como se estivesse degustando um prato diferente cada vez que vai ao Spoleto.

O segundo fenômeno foi o destaque quanto à observação da limpeza e da organização do local de preparo dos alimentos, já que a “cozinha” se coloca à vista do cliente, que pode checar desde a higiene do atendente até a condição dos utensílios que este usa. Nas conversas frequentemente foi revelado que isto traz um sentimento de segurança em relação à escolha da marca Spoleto, fidelizando o cliente.

O terceiro fenômeno – este muito mais experiencial do que os demais – remeteu à sensação, manifestada por alguns entrevistados, de que sua participação na composição do prato e a observação das etapas cumpridas pelo atendente lhes dava a sensação de estarem efetivamente cozinhando, mesmo que não soubessem fazê-lo. Pude imaginar que esta sensação seria reforçada pelas duas anteriores, como se eles estivessem pensando “Eu estou cozinhando a partir dos ingredientes que escolhi pessoalmente e que são os melhores para mim, na “minha” cozinha, onde impera a limpeza e a organização”.

Resultados da Aplicação do Soft Laddering

Dentre o total de 25 elementos nas entrevistas, um foi atributo concreto, oito foram atributos abstratos, quatro foram consequências funcionais, nove foram consequências psicológicas, e cinco foram valores pessoais terminais – estes últimos conforme a tipologia de Schwartz (1992, 2006, 2012). Seus códigos, denominações e significados constam na Figura 1.

Atributos concretos e abstratos, consequências funcionais e
psicológicas, e valores pessoais terminais identificados nas entrevistas
Figura 1.
Atributos concretos e abstratos, consequências funcionais e psicológicas, e valores pessoais terminais identificados nas entrevistas
Fonte: Elaboração própria.

Em seguida foi efetuada a construção dos ladders individuais, que totalizaram 15, sendo que seis entrevistados (Entrevistados 1, 3, 4, 5, 7 e 9) apresentaram um ladder, três entrevistados (Entrevistados 2, 8 e 10) apresentaram dois ladders, e um entrevistado (Entrevistado 6) apresentou três ladders.

Com esses ladders individuais, foi montado um quadro para as ligações diretas e outro quadro para as ligações indiretas, e em ambos os quadros foram elencados cada ligação com os elementos e a quantidade de vezes que aparecia cada ligação. De posse destas informações, foi possível montar a Matriz Quadrada de Implicação, valendo notar que, dentre as 63 relações identificadas na matriz, entre diretas e indiretas, apenas seis combinações de elementos apresentaram repetição, aparecendo duas vezes.

Isso levou ao estabelecimento do ponto de corte em 2 para a primeira relação de cada cadeia, nível sancionado pelo fato de não existir um critério estatístico para selecionar esse ponto de forma ideal (Grunert & Grunert, 1995), implicando a formação de 13 cadeias (ver Figura 2), dentre as quais nenhuma se sobressaiu como de percepção dominante, assim como houve pouca repetição de elementos na formação das cadeias identificadas. Por exemplo, na primeira linha da Figura 2 vê-se que, para o atributo “boa relação custo/benefício” (AA1), foi identificada a consequência “gastar menos dinheiro” (CF1), a partir da qual chegou-se ao valor terminal “realização” (VT3) sem nenhum outro antecedente ou antes passando pela consequência “ter mais dinheiro” (CF3).

Este resultado foi transportado para a configuração do MHV (ver Figura 3), onde se encontram os encadeamentos identificados de atributos, consequências e valores, com indicações para as respectivas relações diretas e indiretas entre esses elementos.

Cadeias identificadas
Figura 2.
Cadeias identificadas
Fonte: Elaboração própria.

Mapa Hierárquico de Valor (MHV)
Figura 3.
Mapa Hierárquico de Valor (MHV)
Fonte: Elaboração própria.

Interpretação dos Resultados do Soft Laddering e das Entrevistas

O valor pessoal do cliente consumidor da marca Spoleto que é predominante para motivar seu consumo – porque foi o mais mencionado, já que não houve cadeia de percepção dominante - é “realização”, com clara referência para êxito pessoal, enquanto os valores pessoais “benevolência”, “tradição”, “autodirecionamento” e “segurança” atuam subsidiariamente nesse fenômeno.

Isso pode ser interpretado como o inconsciente dos entrevistados os tendo transportado de uma consequência diretamente para o valor que eles julgaram relevante, conforme alguns trechos das entrevistas: “É importante (eu) ter meu bem-estar para focar em realizar coisas interessantes e aproveitar cada momento da minha vida. (...) A vida é muito curta. (Entrevistado 2)”, “Massa faz parte da minha dieta de suplementação física. (...) Eu faço atividade física intensa. (...) É importante para eu ter qualidade de vida e aumentar a expectativa de vida. (...) (Desejo) aproveitar mais a vida, viajar, curtir a família. (...) Porque isso é o que me faz bem.” (Entrevistado 3); “O preparo (do prato) na nossa frente e com ingredientes frescos me deixa mais tranquilo com minha saúde. (...) Quero ter saúde para experimentar muita coisa, me formar e realizar todos os meus desejos pessoais.” (Entrevistado 6).

Alguns fatores se destacaram no que tange a sentimentos que aparecem como verdadeiros desdobramentos, impulsionando o consumo no Spoleto: 1) A relação entre o bem-estar trazido ao cliente pela possibilidade de personalização dos pratos e a sensação de aproveitar a vida; 2) A clara relação entre ingredientes frescos, a confiança traduzida no preparo do prato diante dos olhos do consumidor, e sua expectativa em relação à qualidade de vida; 3) A influência que tem a sensação de estar economizando na percepção de realização do consumidor. A relação de confiança e de bem-estar identificada nos desdobramentos segue a base preconizada no campo da Psicologia Social, que considera o construto como uma característica inerente de qualquer interação social que seja valorizada. No que tange à marca, a confiança se apresenta como um sentimento de segurança por parte do consumidor, que acredita que a marca atenderá suas expectativas de consumo (Delgado-Ballester & Munuera-Alemán, 2001).

Assim, os contatos do consumidor com o Spoleto, obervando o preparo dos alimentos e as condições de frescor de cada ingrediente adicional, fazem com que a experiência do consumo ganhe mais relevância e importância como fonte de confiança. Com isso, a marca assume papel em que protege e cuida do bem-estar e do interesse do indivíduo (Ganesan, 1994).

As consequências que antecederam o valor “realização” foram quatro: “gastar menos dinheiro”, “ter mais dinheiro”, “escolha dos ingredientes de que mais gosta” e “não comer nada que faça mal”. As duas primeiras indicaram a percepção dos entrevistados de que se alimentar gastando menos os levará a economizar e ter mais dinheiro, e ter mais dinheiro é essencial para que eles alcancem o sentimento de realização, representado por compras, viagens, estudos, qualidade vida ou qualquer outro significado simbólico e pessoal que possa ter para cada um: “O país está em crise, então gastar menos é sempre bom. (...) Quero ter mais dinheiro. (Entrevistado 9)”. Já as duas outras consequências podem ser ilustradas com duas passagens das entrevistas: “Aqui (no Spoleto) não preciso comer nada que me faça mal, como alho poró. (...)” (Entrevistado 2), e “Você adapta o prato ao seu gosto.” (Entrevistado 6).

Por seu turno, a possibilidade de interagir com a marca, de personalizar seu prato e de criar suas próprias receitas foram pontos claros na satisfação dos clientes, tendo em vista que o construto de coprodução preconiza que o cliente estará mais satisfeito com o processo que gera o resultado final quando há seu envolvimento enquanto cocriador, tendo em vista sua capacidade de influenciar no resultado (Cronin, Brady, & Hult, 2000).

Os atributos relacionados ao valor “realização” foram “fácil personalização” e “custo/benefício”, definidos respectivamente como “possibilidade de personalizar os pratos de acordo com os ingredientes oferecidos” e “relação entre o valor gasto e o benefício percebido com a compra”: Não preciso chegar e escolher um prato pronto como em outros restaurantes. (...) Monto o que eu quero.” (Entrevistado 2), “Tem um menu variado (...) Não fica repetitivo.” (Entrevistado 6). No que diz respeito ao valor “segurança”, ele foi identificado de forma muito clara nas entrevistas, quando o cliente enfatizava sua escolha racional ao dispender com uma refeição fora de casa de forma a não comprometer sua estabilidade financeira em momento em que a economia nacional se encontra em crise: “Gastar menos me ajuda financeiramente. (...) O país está em crise, preciso me garantir.” (Entrevistado 1).

Já o valor “autodirecionamento” ficou claramente evidenciado pela liberdade do cliente em montar seu prato, em observar e em participar de todo o processo produtivo: “Não preciso chegar e escolher um prato pronto como em outros restaurantes. (...) Monto o que eu quero.” (Entrevistado 2). Os valores “tradição” e “benevolência” tiveram forte menção durante as entrevistas com indivíduos que justificaram sua escolha pelo Spoleto pensando no bem das suas famílias: “Preciso encontrar um tempo para ter um divertimento com minha filha. (...) Somos cristãos e para a gente a família é a base de tudo. (...) Muitas vezes é esse momento com a minha família que me motiva para mais uma semana de trabalho, para trabalhar melhor e poder proporcionar mais coisas para elas.” (Entrevistado 8).

No que tange às consequências, destacaram-se “economizar tempo”, “filhos comerem bem”, e “filhos se tornarem adultos saudáveis”, demonstrado na crença dos entrevistados de que a alimentação no Spoleto possibilita que os filhos se alimentem bem, auxiliando no seu desenvolvimento e no seu crescimento para que sejam adultos saudáveis: “Hoje tudo que a gente faz é super corrido. (...) A gente que aproveitar o final de semana para se divertir um pouco com a filha, e também é o único dia que a gente tem para resolver algumas coisas do dia a dia do lar.” (Entrevistado 8).

Finalmente, no caso dos atributos, o destaque ficou com “rapidez”, que, curiosamente, foi citado por dois entrevistados, mas com visões opostas. Um deles citou seu desconforto em relação a esse atributo, embora fazendo a ressalva de que se trataria de uma característica da empresa, algo que é necessário aceitar: “Eu particularmente só tenho um problema, a rapidez (com) que o cara fala... O atendente fala muito rápido, mas aí faz parte da cultura do Spoleto mesmo.” (Entrevistado 7); já outro entrevistado enalteceu a velocidade do serviço desse restaurante, qualificando-a como algo que lhe é muito conveniente: “Sempre que a gente precisa de uma opção rápida, hoje a gente está aqui muito rápido, eu termino buscando o Spoleto.” (Entrevistado 8). O último atributo de destaque identificado foi “atende o paladar dos filhos”: “Compro porque meus filhos gostam. (...) E aí eles comem bem.” (Entrevistado 8).

Passando-se à análise da coprodução pela ótica dos entrevistados, inicialmente vale ressaltar os esforços da marca em construir uma relação única com o cliente, pautada na coprodução, trazendo uma experiência exclusiva na praça de alimentação, com o indivíduo se sentindo não apenas um consumidor, mas um chef de cozinha que pode criar seus pratos e montar sua receita. Isso foi refletido nos clientes e mencionado nas entrevistas por meio de diversos qualificativos: “fácil de personalizar”, “prato personalizado”, “poder de escolha”, “quanto mais personalizado melhor”, “dinâmico”, “variedade”, “não repetitivo”, “praticidade”: “Gosto de massa porque é fácil de personalizar. (...) Aqui posso escolher os ingredientes de que eu gosto (...) e fazer uma combinação interessante. Às vezes determinadas associações de ingredientes dão um sabor diferente” (Entrevistado 2); “O prato é personalizado, você não fica refém de pegar algumas coisas em quantidades que você não quer ou algum tipo de comida de que você não gosta tanto. Quanto mais personalizado melhor, mais adequado ao meu gosto” (Entrevistado 4); “Sempre que eu venho no shopping procuro comer no Spoleto. (...) Esse modelo (de coprodução) é bem dinâmico, você pode escolher exatamente o que você vai comer. (...) Nos outros restaurantes a comida já vem pronta, vem montada, e no Spoleto você pode montar o prato e colocar o que você quiser” (Entrevistado 5); “Eu vim consumir no Spoleto por conta da variedade, não fica repetitivo (...) Posso adaptar ao meu gosto. (...) Quando eu venho no shopping já venho com intenção de almoçar no Spoleto por causa disso” (Entrevistado 6); “O Spoleto para mim é referência de massa. (...) Você selecionar cada ingrediente que vai comer é muito prático, isso é praticidade (...) Você pode escolher diversos sabores para você aproveitar essa comida” (Entrevistado 7)

Ou seja, fica evidente o diferencial do Spoleto nas praças de alimentação em que atua, representado pela possibilidade de personalização do cliente. Essa proposta leva o indivíduo a sentir-se não apenas um consumidor, mas um chef de cozinha, que pode criar seus pratos e montar sua receita, o que foi mencionado nas entrevistas por meio de diversos qualificativos: “fácil de personalizar”, “prato personalizado”, “poder de escolha”, “quanto mais personalizado melhor”, “dinâmico”, “variedade”, “não repetitivo”, “praticidade”.

É interessante salientar o ocorrido no caso do Entrevistado 8, que teve o maior tempo de entrevista total: ao mencionar seu interesse na coprodução seu comportamento se alterou, com sua fala se tornando mais rápida e mais animada, além de ter havido alteração em sua linguagem corporal, com aumento de gesticulação: “Se eu venho no shopping na parte da tarde, a primeira coisa que me vem na cabeça é comer uma massinha do Spoleto. (...) Eu gosto dessa opção de escolher, a grande realidade é que na maioria das vezes eu escolho sempre as mesmas coisas e a mesma massa. (...) Mas essa opção de escolher parece que dá tipo um poder para a gente, para falar assim: “Eu estou preparando o meu prato”. Não que eu esteja em um self service, no self service eu mesmo posso pegar, mas tem alguém preparando um prato que eu estou escolhendo quando eu vou comer. Eu particularmente sou um desastre na cozinha, então, se eu posso escolher alguma forma para poder elaborar o meu prato, eu acho muito interessante, eu me sinto cozinhando um pouco” (Entrevistado 8).

Ficou evidente, nesse discurso, que poder escolher os ingredientes do prato é importante mesmo que o exercício desse poder permaneça latente (“a grande realidade é que na maioria das vezes eu escolho sempre as mesmas coisas e a mesma massa”). Pode-se interpretar que esse poder de escolha “empodera” o cliente e, por conseguinte, o leva a um patamar experiencial (“eu me sinto cozinhando um pouco”). Além disso, vale notar o refinamento do raciocínio desse cliente, plenamente alinhado com o princípio da coprodução e da cocriação de valor, quando ele traça um paralelo entre o Spoleto e restaurantes self service. Se, nesse último, ao comensal é dado o poder de escolher, a grande vantagem do Spoleto é que “tem alguém preparando um prato que eu estou escolhendo quando eu vou comer”.

Por esse ponto de vista, há uma grande diferença entre escolher dentre uma variedade de alimentos prontos (como no self service) e indicar os componentes preferidos e ver o preparo ocorrer na sua frente (como no Spoleto). No segundo caso, o cliente está no epicentro de um processo produtivo em tempo real, suas escolhas são seguidas a risca, e, ao final, o prato se revela como que de sua autoria, num claro resultado de coprodução que pode ser capaz de trazer valor ao cliente, atento à qualidade dos ingredientes como o faria se estivesse à frente do fogão. Em outras palavras, a cocriação de valor se materializa junto ao cliente quando ele próprio influencia nos bens e serviços adquiridos e consumidos, passando a perceber e a vivenciar experiências que se tornam a base da criação de um valor único para si (Prahalad e Ramaswamy, 2004a, 2004b): “Eles (o Spoleto) têm que seguir mais o padrão daqui (Loja Shopping Via Parque – Modelo Minha Cozinha Italiana) nas outras lojas, principalmente em relação ao molho e ao queijo ralado, que aqui é fresco e ralado na hora” (Entrevistado 4)

Finalmente a importância que o cliente do Spoleto dá a sua participação na produção do prato e ao poder de escolha ficou reforçada quando alguns entrevistados reclamaram da alteração trazida pelo modelo Minha Cozinha Italiana ao restaurante em que a pesquisa foi efetuada, no sentido de limitar a seis ingredientes para integrar o prato, contra os oito ingredientes do modelo tradicional do Spoleto: “Percebi que houve uma redução na quantidade de ingredientes, não gostei disso” (Entrevistado 1); “No outro modelo (do Spoleto) tinha mais opções de ingredientes. Embora tenha ingredientes novos, tem outros que não estão mais. Quero que volte o molho funghi” (Entrevistado 2); “Esse Spoleto é diferente dos outros, eu não gostei muito desse aqui, você tem menos opções para escolher” (Entrevistado 8)

Conclusão

O fato de o cliente do Spoleto ter plena consciência do diferencial em termos de valor trazido para si pela sua coprodução no momento do preparo da refeição parece assaz congruente com o valor pessoal “realização” atingido nesse consumo, enquanto êxito pessoal decorrente da demonstração de competência segundo padrões sociais. Na pesquisa foi possível identificar que o valor “realização” é alcançado com diferentes fins pelos entrevistados: enquanto alguns deles relacionam a realização a algo material, à possibilidade de adquirir mais bens, outros entendem como “realização” aproveitar os momentos da vida, atingir desejos pessoais, realizar viagens, viver bem com a família.

Os clientes do Spoleto demonstraram satisfação com o sistema de coprodução adotado pelo restaurante por dois lados: lhes é benéfico porque eles escolhem o que querem comer, e eles veem, em tempo real, a produção do seu prato, o que lhes sinaliza segurança. Isso lhes garante não só que o resultado final esteja completamente de acordo com suas expectativas, como também lhes dá a sensação de estar garantindo o melhor para si pelo lado da benignidade à saúde, fenômeno que lhes dá a sensação de estarem sendo responsáveis não só consigo mesmos, como também em relação a seus entes queridos, mormente filhos.

Esta cadeia de fenômenos identificados no Spoleto se encaixa à perfeição na Teoria da Cocriação de Valor, sabendo-se que a proposta de valor sugerida pela marca se dá por meio de processo particular de cocriação de valor pela via da coprodução dos pratos de forma que atenda exatamente os desejos do cliente, propiciando o alcance de valores pessoais.

Isso se dá de forma fenomenológica e única, já que remete muito mais a um conceito experiencial, estando relacionada muito mais à experiência do cliente e à sensação de se sentir cozinhando no Spoleto do que ao serviço e ao prato que será consumido em si. E que traz desdobramentos perfeitamente alinhados à LDS no que tange à relação dos atores econômicos e sociais, transcendentes à clássica estrutura dual cliente-provedor envolvidos na criação de valor enquanto atores partícipes – muitas vezes indiretamente – do processo de criação de valor (Lusch & Vargo, 2014). Isso porque a LDS, ao enfocar a criação colaborativa de valor, remete aos aspectos experimentais que cercam esse fenômeno: o valor deixa de ser algo criado apenas pela empresa, passando a vigorar a cocriação das experiências “por meio da interação dessa última com os clientes, determinada pela avaliação positiva da experiência em um momento particular ou durante um encontro específico” (Akaka, Vargo, & Schau, 2015, pp. 208-209).

A cocriação de valor foi ressaltada quando os clientes entrevistados deixaram claro que percebem benefício pessoal ao frequentarem o Spoleto, alguns deles inclusive percebendo uma economia que pode culminar na realização pessoal por meio de diversos diferentes objetivos – por exemplo, viajar, estudar, adquirir bens. Isso reforça a tendência a esses atores, envolvidos em sistema complexo de trocas entre si, cocriarem valor, ao mesmo tempo em que, conjuntamente, cliente e marca possibilitam que o termo “valor” alcance seus significados individual e coletivo (Vargo & Lusch, 2011). Este fenômeno, por sinal, remete a Bagozzi (1974, p. 78), que, já há quatro décadas, indicava que Marketing nada mais seria do que um sistema comportamental organizado de troca, um “grupo de atores sociais, seus relacionamentos um com o outro, e as variáveis endógenas e exógenas afetando o comportamento dos atores sociais nesses relacionamentos”.

Ao levar ao engajamento do cliente e conduzi-lo a um momento experiencial, a coprodução durante o consumo do serviço de refeição torna-se capaz de fazer com que sejam satisfeitos um ou mais valores pessoais. A experiência proporcionada, nesta prestação de serviço, ao comensal que se sente partícipe do processo de criação do produto a ser consumido – quase como um chef de cozinha – tem a ver com o fato de a cocriação de uma experiência ser fonte de valor singular ao cliente (Prahalad & Ramaswamy, 2004a), e de a LDS ter, como princípio fundamental, a experiência em si, centrando-se em uma visão fenomenológica ou experiencial de valor percebido (Holbrook, 1994; Ramaswamy, 2011; Prahalad & Ramaswamy, 2004b; Vargo & Lusch, 2006).

Dado que fatores psicológicos – além de fatores financeiros, sociais e técnicos – estimulam ao engajamento no processo de cocriação de valor (Füller, 2008), no caso da presente pesquisa a experiência de consumo, referida ao momento em que a oferta é usada ou consumida, serve à criação de valor. Isso se dá porque, durante a constituição dos pratos no restaurante Spoleto, os clientes são cooptados a colaborar e o valor se materializa (Grönroos, 2006; Grönroos & Voima, 2012; Vargo & Lusch, 2004), configurado em sensações variadas ligadas ao atingimento do valor social dominante, “realização”. Chega-se, portanto, ao âmago da proposta da LDS, com experiências personalizadas de cocriação sendo incorporadas à oferta (Grönroos, 2012; Prahalad & Ramaswamy, 2004b; Ramaswamy, 2011).

O valor pessoal “realização”, referido ao êxito pessoal, e identificado como central junto aos sujeitos enfocados na presente pesquisa, remete à demonstração de competência em termos de padrões culturais predominantes, à aprovação social, e está relacionado aos qualificativos ambicioso, bem-sucedido, capaz, influente e inteligente e ao reconhecimento social (Schwartz, 2012). Sua ligação à Teoria da Cocriação de Valor via LDS se dá por meio da concepção de que esta cocriação é uma interação entre as proposições de valor para os clientes e o fato de esses últimos possuírem valores ou objetivos que direcionam seu comportamento. Não podia ser diferente, já que, de acordo com a LDS, as empresas apenas fazem proposições de valor, com esse último sendo cocriado pelas partes e com o valor total da oferta sendo determinado pelo uso do cliente (Vargo & Lusch, 2004; Prahalad & Ramaswamy, 2004a).

Assim, entende-se que foi atingida a contribuição acadêmica originalmente pretendida por essa pesquisa, ao se ligar a Teoria de Cocriação de Valor em serviços ao construto valores pessoais.

Pelo lado gerencial, o resultado aqui obtido deve ser olhado com atenção pelo Grupo Trigo, cujo slogan “Democratização da Boa Culinária Italiana no Mundo” remete à utilização de ingredientes frescos, de boa procedência e que contam a história da cozinha italiana, em busca de elevado padrão de qualidade (Spoleto, 2017). Isso porque as técnicas utilizadas nas entrevistas foram capazes de mostrar que, embora reconheçam as diversas qualidades que destacam a marca em relação aos concorrentes, os consumidores ressaltam a importância de estarem coproduzindo seu prato e de adptarem seu alimento ao seu paladar, chegando mesmo às portas da experiência fenomenológica de se sentirem cozinhando, vendo-se no papel de chefs de cozinha.

Portanto, o Spoleto poderia ousar um pouco mais em seu slogan e em suas peças publicitárias, explorando o sentimento que os próprios clientes manifestam quando do consumo dos produtos da marca, como citado pelo Entrevistado 8: “Eu particularmente sou um desastre na cozinha, então, se eu posso escolher alguma forma para poder elaborar o meu prato, eu acho muito interessante, eu me sinto cozinhando um pouco” (Entrevistado 8).

Uma segunda contribuição gerencial vem da (única) observação obtida em campo, quanto ao desconforto sentido pelo Entrevistado 7 quando instado a acompanhar o ritmo acelerado da fala do atendente do restaurante. De fato, encontrar o equilíbrio entre a velocidade exigida pelo tipo de restaurante fast casual e os ritmos pessoais de cada cliente pode ser tarefa inglória. Contudo, fica a sugestão para o Spoleto treinar seus atendentes de modo a calibrarem seu ritmo conforme o fluxo de clientes. Muito provavelmente essa modulação seria benéfica a todos, pois tanto ficariam satisfeitos aqueles que desejam velocidade por estarem ali em momentos de pico de consumo, como aqueles frequentadores de finais de semana, mais relaxados e não raro acompanhados de família e de crianças.

Também é importante ressaltar algumas das limitações desta pesquisa. Uma delas remete a perfil dos entrevistados, homens na faixa entre 20 e 40 anos; faz sentido imaginar-se que homens mais velhos ou mais jovens – assim como mulheres – teriam impressões diferentes daquelas obtidas na seleção de sujeitos realizada.

Ademais, sendo a abordagem qualitativa trabalhosa e sujeita a interpretações subjetivas, a imparcialidade deve estar presente nas informações primárias da pesquisa. Isso levou a pesquisadora que se encontrava em campo a se policiar na busca pela necessária atitude de distância, de estranhamento, num olhar inquisitivo que “conduz a uma “dúvida sistemática, suspendendo as verdades de rotina e do senso comum” (Rocha, 1995, p. 36), e que possibilita transformar o familiar em exótico (Damatta, 1987).

Finalmente, a escolha pelo momento de final de semana para a abordagem dos entrevistados foi benéfica por evitar o momento mais “corrido” de dias de trabalho, que poderia contaminar a espontaneidade das respostas. Por outro lado, exceto por um entrevistado, isso frequentemente implicou o acompanhamento dos entrevistados por elementos das respectivas famílias - filhos, esposas e avós - o que dificultou sua concentração nas respostas às perguntas em alguns momentos.

Futuras pesquisas podem, por exemplo, estudar clientes mulheres, assim como clientes homens de faixas etárias diferentes daquela aqui explorada de forma a aprofundar os resultados dessa pesquisa. Estudos quantitativos poderiam também ser realizados com amostras capazes de gerar resultados generalizáveis.

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Autor notes

1 Universidade Estácio de Sá – ESTACIO – Avenida Presidente Vargas, 642/22º andar – CEP 20071-001 – Rio de Janeiro(RJ) - Brasil
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