Distorções inflacionárias nas cooperativas
Inflationary distortions in cooperatives
Distorções inflacionárias nas cooperativas
Base Revista de Administração e Contabilidade da UNISINOS, vol. 15, núm. 3, pp. 161-177, 2018
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Recepción: 03 Octubre 2017
Aprobación: 28 Junio 2018
Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo comparar os índices de avaliação econômicos e financeiros das cooperativas agropecuárias do Paraná pelos métodos de mensuração a custo histórico e a custo histórico corrigido. Para tanto, o estudo baseia-se em dados oriundos do Balanço Patrimonial e Demonstrativo de Sobras e Perdas de 49 cooperativas do Paraná no período de 2010 a 2014, em valores nominais. Pode-se verificar que os índices de endividamento, imobilização do patrimônio líquido e custo da dívida apresentaram decréscimo em seus valores quando corrigidos. Já os índices vinculados à rentabilidade apresentaram um declínio somente no ano de 2010, sendo que, nos anos de 2011 a 2014, os índices calculados com base em valores corrigidos foram superiores aos índices calculados a custo histórico. Os testes revelaram diferenças significativas nas médias dos índices de endividamento, rentabilidade e custo da dívida, sendo que a correção monetária do índice de imobilização do patrimônio líquido não apresentou discrepância relevante. Quando a amostra foi estratificada por sistema agroindustrial, pôde-se verificar que somente as cooperativas que comercializam cereais apresentam os mesmos resultados, considerando os efeitos da inflação. Para as cooperativas que industrializam seus produtos, todos os índices analisados demonstraram disparidade significante e, para as cooperativas que atuam em outras atividades e pecuárias, somente os índices de estrutura de capital e custo da dívida demonstraram ser significativamente diferentes. Assim, conclui-se que, no contexto das cooperativas analisadas, a desconsideração da inflação diminui a relevância da informação, tendo em vista que os valores reportados a custo histórico representam uma distorção da realidade em ambientes inflacionários.
Palavras-chave: Custo histórico, correção monetária, inflação, indicadores de desempenho.
Abstract: The present research aims at comparing the economics and financial evaluation indexes of the agriculture cooperatives of Parana by methods of measurement at historical cost and corrected historical cost. Therefore, the study is based on data from the Balance Sheet and Statement of Leavings and Losses from 49 cooperatives of Parana between 2010 and 2014, in nominal values. It can be verified that the indebtedness, immobilization of stockholder’s equity and debt costs indexes decreased their values when they were corrected. On the other hand, the indexes related to profitability presented a decrease only in the year 2010, and between the years 2011 to 2014, the indexes calculated based on corrected values were higher than indexes calculated at historical cost. The tests showed significant differences in the average of indebtedness, profitability and debt cost, but the monetary restatement of the immobilization of stockholder’s equity did not present a significant discrepancy. When the sample was stratified by the agroindustrial system, it was possible to verify that only the cooperatives that sell cereals showed the same results, considering the inflation effects. For the cooperatives that industrialize their products, all the indexes analyzed showed significant disparity and, for the cooperatives that operate in other activities and livestock, only the structural capital and debt cost indexes were shown to be significantly different. Thereby, it is concluded, in the context of the cooperatives analyzed, that the disregard of inflation decreases the relevance of the information, considering that the historical cost reported values represent a distortion from reality in inflationary environments.
Keywords: Historical cost, indexed historical cost, inflation, performance indicators.
Introdução
De acordo com o ex-Ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, o ambiente econômico brasileiro apresentou crescimento nos índices vinculados à inflação no ano de 2015 até meados de 2016 devido a instabilidades político-econômicas (Warth, 2016). O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação brasileira, no ano de 2015, chegou ao segundo maior valor anual acumulado desde o ano de 1995, quando a correção monetária foi proibida para fins tributários e societários (IBGE, 2017). Desde a extinção da correção das demonstrações contábeis, de 1996 a agosto de 2017, a inflação acumulada chegou a 290,05%. Segundo Costa et al. (2016), estas taxas elevadas de inflação são as principais responsáveis por distorções sobre a distribuição de renda, expectativas empresariais, mercado de capitais e balanços.
As demonstrações contábeis são, predominantemente, elaboradas utilizando o método de mensuração a custo histórico. Em um ambiente inflacionário, a utilização de demonstrações contábeis a custo histórico para tomada de decisão pode levar a decisões equivocadas, tendo em vista que valores em escalas diferentes não devem ser confrontados (Curtis et al., 2015; Bobrishev et al., 2016; Edwards e Bell, 1961; Hendriksen e Van Breda, 1999; Konchitchki, 2011, 2016; Martins, 2001). De acordo Rezende et al. (2012), a instalação e a aceleração do regime inflacionário em um país podem gerar consequências para a tomada de decisão, uma vez que os valores referentes aos ativos não monetários se tornam uma falsidade, levando a geração de resultados fictícios, distribuições indevidas de capital e formação de reservas injustificáveis.
Existem alguns estudos que buscam demonstrar a relevância da correção monetária e a consequência de sua desconsideração (Bobrishev et al., 2016; Curtis et al., 2015; Gabriel et al., 2005; Hoffmann e Nossa, 2005; Konchitchki, 2011; Salotti et al., 2006; Santos e Ribeiro, 2014). Tais estudos demonstram, frequentemente, que mesmo em um cenário de índices inflacionários reduzidos, há impacto na tomada de decisão, sendo que há diferença significativa na análise de desempenho financeiro quando os índices são calculados por diferentes métodos de mensuração. Matos e Neto (2015, p. 29) reforçam ainda que, “em cenários econômicos de descontrole inflacionário, as decisões de alocação de recursos são muito menos eficientes, influenciando inclusive na distribuição de renda”. Assim os efeitos da inflação devem ser considerados e a proibição da correção monetária simbolizou um retrocesso (Santos, 2002, 1996).
Esses estudos são normalmente elaborados utilizando como objeto de pesquisa as organizações econômicas de finalidade lucrativa. Não foram encontrados, nas principais bases de periódicos do Brasil, estudos envolvendo a análise dos efeitos da inflação no desempenho econômico e financeiro das cooperativas. Tendo em vista a singularidade de tais entidades e sua ascendente participação na economia brasileira, cabe uma análise sobre tal objeto. Essas entidades possuem cunho econômico e social, cujo cooperado é ao mesmo tempo cliente e proprietário da cooperativa; além disso, a ausência de finalidade lucrativa para fins de distribuição de tais organizações requer uma análise diferente das demais entidades (Bialoskorski Neto, 2012). A crescente atuação no cenário agroindustrial brasileiro é justificada pela sua significativa participação na produção agropecuária nacional, onde as cooperativas são responsáveis por US$ 5,3 bilhões em volume de exportações, representando mais de um milhão de produtores rurais e mais de 160 mil empregos diretos (Organização das Cooperativas Brasileiras, 2015).
Assim, questiona-se se a não consideração do efeito da inflação sobre as demonstrações contábeis das cooperativas traz como consequência a utilização de indicadores de desempenho superavaliados para a tomada de decisão. Por essa razão, o presente trabalho tem como objetivo comparar os índices econômicos e financeiros das cooperativas agropecuárias do Paraná pelos métodos de mensuração a custo histórico e a custo histórico corrigido. Para tanto, esse artigo apresenta, além dessa introdução, uma discussão teórica; em seguida, o método de investigação empregado, os resultados da pesquisa realizada e as considerações finais.
Fundamentação teórica
Sociedades cooperativas
Sociedades cooperativas são organizações cuja propriedade é pulverizada entre seus diversos associados, tendo por natureza dois enfoques: o econômico e o social. São entidades sustentadas em três pilares que possibilitam vantagens competitivas, sendo eles os princípios cooperativistas únicos, a atuação do cooperado como proprietário e usuário da cooperativa e a gestão democrática (Bretos e Marcuello, 2016). Para Chaddad (2012), as cooperativas são estruturas híbridas necessárias, uma vez que os mercados possuem falhas que os tornam inábeis em agregar adequadamente os recursos e as capacidades relevantes. Devido a esse apontamento, as cooperativas são indispensáveis para intermediar as transações entre as economias particulares dos cooperados e o mercado (Bialoskorski Neto, 2012), pois são formadas sob a justificativa econômica de ganhos por especialização, economias de escala, economias de escopo e economias dos custos de transação (Ménard, 2011).
As cooperativas apresentam, como particularidade, a característica de que seus retornos econômicos não devem ser verificados exclusivamente pelas sobras geradas no período. Herbst e Prüfer (2016) destacam que as cooperativas devem ser entendidas como um arranjo organizacional singular, mesmo sendo uma entidade sem fins lucrativos. Nas cooperativas, seus cooperados têm interesse no direito de renda residual, ou seja, interesse nos retornos econômicos. Segundo a Resolução n° 1.013, NBC T 10.8, do Conselho Federal de Contabilidade (2005), o retorno econômico ao cooperado, que é equiparado ao lucro líquido das empresas comerciais, deve ser chamado de “sobras ou perdas à disposição da Assembleia Geral” pelo fato dessa organização não objetivar o lucro.
Para Carvalho e Bialoskorski Neto (2008), cooperativas agropecuárias devem atender às necessidades e aspirações econômicas de seus associados, que, normalmente, não são relacionadas à obtenção de eventuais resultados econômicos positivos, sobras, como as empresas com fins lucrativos, mas sim por meio de um maior valor pago por seus produtos, um menor valor de venda de insumos e prestação de serviços. Esse argumento contraria a utilização de índices como rentabilidade do ativo operacional e rentabilidade do patrimônio líquido, que se baseiam somente no retorno obtido por meio das sobras. Entretanto, na ausência de um método mais apropriado para verificar a capacidade de retorno das cooperativas, tais índices são empregados para fins de tomadas de decisão de usuários internos e externos. De qualquer forma, pelo menos é essencial a comparação entre a taxa de retorno do ativo operacional e o custo do capital nele aplicado, principalmente o custo de capital de terceiros.
Além do problema vinculado à indagação de quais tipos de índices de avaliação de desempenho econômico e financeiro utilizar para cooperativas, faz-se necessário verificar se o método de mensuração utilizado e expresso nas demonstrações contábeis deve ser repensado, uma vez que tais aspectos podem acentuar os conflitos de agência descritos por Bialoskorski Neto et al. (2012). Nesse ponto, emerge o interesse em analisar o impacto que o valor do dinheiro no tempo causa sobre tais indicadores, e se esse impacto é semelhante ao observado nas organizações de finalidade lucrativa.
Custo histórico versus custo histórico corrigido
O custo histórico é definido como um valor de entrada baseado em trocas passadas e possui a praticabilidade e a objetividade como vantagens em relação às demais metodologias de mensuração, uma vez que são mais fáceis de identificar, verificar e comprovar seus valores (Hendriksen e Van Breda, 1999; Martins, 2001). Entretanto, é considerado o método com menor utilidade para os usuários por não expressar o valor econômico do negócio, sua capacidade de gerar riqueza e os potenciais resultados decorrentes das ações estratégicas dos gestores (Martins, 2001).
Outra desvantagem a ser apontada para a utilização do custo histórico é que os itens patrimoniais mensurados sob essa base podem ter seus valores variando ao longo do tempo. Isso ocorre devido a mudanças no poder aquisitivo da moeda e na alteração das expectativas dos agentes em relação a esses itens, o que não seria capturado pelas demonstrações contábeis. Assim, o custo histórico pode não ter significado como medida de poder aquisitivo ou de riqueza disponível à entidade. Portanto, a variação na capacidade aquisitiva da moeda e a expectativa do agente resultam em reduções da relevância da informação para os usuários e da comparabilidade da aplicação do custo histórico ao longo do tempo (Bobrishev et al., 2016; Curtis et al., 2015; Hendriksen e Van Breda, 1999; Konchitchki, 2011, 2016).
Com o intuito de resolver o problema da defasagem dos valores contábeis das demonstrações financeiras, devido à variação dos preços, surge a figura do custo histórico corrigido, que nada mais é que do que a correção de custos históricos por índices que refletem a perda de poder aquisitivo da moeda em decorrência da variação dos preços ao consumidor de itens patrimoniais reconhecidos em períodos diferentes, ou seja, que antes estavam em escalas distintas (Martins, 2001). Edwards e Bell (1961) definem o custo histórico corrigido como uma reafirmação do custo histórico em unidades do mesmo poder aquisitivo e argumentam que tal correção não afeta o princípio do custo histórico, apenas altera suas unidades de medida.
Martins (2001) vê o custo histórico corrigido como um método de mensuração superior ao valor sem correção no processo de tomada de decisão, uma vez que além de possuir todas as vantagens do último, objetividade e praticidade, também homogeneíza os valores de itens adquiridos em datas distintas e pode evitar a descapitalização da entidade.
Logo, a principal utilidade da correção monetária dos valores contábeis é a de viabilizar a comparabilidade das análises de informações contábeis entre períodos de tempo distintos. Esse valor pode servir como um parâmetro na tomada de decisão, principalmente relativo às decisões de realização ou não de uma expansão, preços de venda, mix de produtos mais rentáveis, pois, mesmo não indicando o real impacto de uma deliberação, o custo histórico corrigido indica uma posição patrimonial superior em termos de qualidade da informação (Edwards e Bell, 1961).
Neste sentido, uma vez que a contabilidade busca mensurar a atividade econômica de uma entidade em termos monetários, a presença da inflação afeta os indicadores financeiros e econômicos e acarreta na perda do poder de compra de seu valor patrimonial, o que deturpa significativamente a comparação ao longo do tempo de uma mesma atividade econômica (Bobrishev et al., 2016). Por exemplo, ativos de longo prazo mensurados a custo histórico podem reduzir a utilidade da informação contábil em análises de desempenho com base na eficiência do uso desses ativos e, consequentemente, em decisões dos investidores em cenários inflacionários (Curtis et al., 2015). Assim, nesses cenários, a contabilização e análise de desempenho exigem a adoção de ferramentas metodológicas adequadas, pois o aumento do nível geral dos preços distorce significativamente os dados contábeis acarretando em decisões gerenciais ineficientes tomadas por vários stakeholders (Bobrishev et al., 2016).
Com base neste contexto, Bobrishev et al. (2016) analisaram dados de empresas russas e constataram que, geralmente, a presença de inflação deturpa os dados contábeis levando a decisões gerenciais equivocadas ou a perdas econômicas diretas no longo prazo. Logo, os autores reforçam que os principais efeitos da inflação são: subvalorização de ativos, consequentemente, distorções devido ao registro de custos subavaliados de produção de produtos, obras e serviços e de soma “fictícia” dos lucros; por conseguinte, índices supervalorizados de rentabilidade, bem como diferentes níveis de rentabilidade relativos às operações de pagamento.
Nesta mesma perspectiva, ao avaliarem a aplicação de análises pelo modelo DuPont, Curtis et al. (2015) observaram que a variação de turnover dos ativos poder ser afetada tanto por forças econômicas quanto por efeitos de mensuração. Assim, em cenários inflacionários, empresas com ativos mais antigos podem apresentar índices mais elevados do que empresas com ativos reconhecidos em períodos mais recentes, com menor impacto inflacionário omitido. Desta forma, os autores concluem que erros de previsão podem ser associados à mudança na idade do ativo e que esses erros estão associados positivamente aos retornos contemporâneos e futuros previstos.
De forma análoga, Konchitchki (2011) sugerem a existência de uma forte relação entre inflação e fluxos de caixa futuros, afirmando que, se as demonstrações contábeis não capturarem de forma eficiente os efeitos da inflação no presente, esses efeitos serão realizados em períodos futuros, o que faz com que a consideração da inflação seja uma forma de auxiliar na predição de desempenho futuro das empresas. Desta forma, ao mostrar a relevância da inflação para as projeções de fluxo de caixa, os autores afirmam que a não consideração dos efeitos inflacionários nos demonstrativos contábeis traz consequências econômicas significativas, mesmo em períodos em que a inflação é relativamente baixa (Konchitchki, 2011).
Modelos de correção monetária
O contexto do surgimento da correção monetária no Brasil envolveu um longo período de mudanças e adaptações na legislação, que foram fundamentais para suportar o momento econômico de desvalorização da moeda e lidar com o problema da subavaliação do patrimônio das empresas, em decorrência de sua exposição à inflação. De acordo com Santos e Ribeiro (2014), houve uma periodização no contexto histórico no qual se deu a instauração da correção monetária no país, sendo estabelecida a primeira regulação sobre esse assunto no ano de 1943.
A legislação brasileira instituiu a obrigatoriedade da correção monetária das demonstrações contábeis em 1964, com a promulgação da Lei nº 4.506/64, que tornou obrigatória a correção do ativo imobilizado. Posteriormente, a Lei 6.404/76, conhecida como a Lei das Sociedades por Ações, buscou melhor sistematizar e abranger a correção monetária, obrigando a realização de ajustes quanto à variação do poder aquisitivo da moeda nas contas do então denominado ativo permanente e do patrimônio líquido (Martins, 2001).
Por meio da Lei das Sociedades por Ações, incorporou-se a correção monetária de forma consistente e compulsória no cenário brasileiro, requerendo não somente a atualização dos ativos imobilizados e suas depreciações, bem como das contas de investimento permanente e do antigo ativo diferido, e também as do patrimônio líquido das entidades. Martins (2004, p.1) ressalta que, apesar de o modelo adotado ser “relativamente simples de ser executado, não era muito fácil de ser entendido em termos de seu alcance econômico e financeiro”.
A metodologia adotada pelo governo brasileiro na aplicação da correção monetária local foi derivada do modelo inglês de correção de balanço; na verdade pouco se diferenciam quanto à sua base de cálculo e aos resultados efetivos. A diferença está muito mais na forma de apresentação. Essas alterações implementadas pela legislação brasileira reduziram a informação contábil expressa no modelo criado, limitando assim a análise dos dados apresentados e sua utilização para fins gerenciais. Segundo Martins (2004, p. 1), o problema relacionado à adaptação do modelo foi a junção, em um único valor, da correção monetária do ativo permanente e do patrimônio líquido, ocasionando a omissão de informações relevantes que seriam oferecidas pelo modelo inglês, onde as correções dos ativos são consideradas como parte do lucro nominal e a do patrimônio líquido, em outra linha, evidencia o quanto do lucro total nominal é de fato crescimento efetivo.
Segundo Martins (2004), a lógica do modelo original da correção monetária inglesa segue o raciocínio exposto na Tabela 1.
Elementos | Descrição |
Valor de Lucro Bruto | O resultado contábil nominal de uma empresa possui valores de lucro bruto que não consideram a inflação entre a aquisição e a venda do produto sendo vendido. Assim, o verdadeiro lucro bruto não é o montante nominal sendo apresentado, porque ele inclui parcela contida no preço de venda destinada a cobrir a mera atualização monetária. |
Receitas financeiras | O resultado nominal inclui receitas financeiras que têm, como parte de seu valor, a correção monetária do valor original da aplicação financeira, o que não reflete de fato o ganho total real obtido. |
Despesas financeiras | O resultado nominal inclui também despesas financeiras que possuem parte do seu valor composto pela atualização monetária dos passivos financeiros, que também não representa o desembolso efetivo de juros do período (seu pagamento representa, em termos econômicos, efetiva amortização da dívida). |
Ativos permanentes | Os ativos permanentes e suas depreciações são os que permanecem mais tempo desatualizados, assim, se considerar sua correção monetária também como se fosse lucro, estar-se-á atualizando o ativo e dando a esse acréscimo nominal o mesmo tratamento dado à correção dos estoques vendidos e às aplicações financeiras: sua consideração como se fizesse parte do lucro. Essa operação complementa o resultado, criando uma “receita” para ajuste da inflação no ativo. |
Patrimônio Líquido | Feita a correção do ativo permanente, e adicionada ao lucro até então apurado, é necessário deduzir desse lucro nominal a correção monetária do patrimônio líquido inicial para se chegar ao real lucro efetivo. |
Em 1987, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu a Instrução de nº 64, que teve o objetivo de normatizar a prática da elaboração das demonstrações contábeis por meio da correção monetária integral para todas as companhias abertas no Brasil. Assim, por meio dessa norma, tornou-se também compulsória a divulgação das informações contábeis corrigidas pelo método integral, porém, de maneira complementar à correção monetária brasileira (como exigido pela legislação) e não de maneira excludente.
A metodologia da correção monetária integral consistia na atualização monetária de todos os elementos das demonstrações contábeis, de acordo com a data da transação relativa a cada evento ocorrido ou ao período em que esse ativo esteve sob os efeitos corrosivos do tempo (Martins, 2004).
Todos os modelos de correção monetária visam a manutenção do poder aquisitivo dos acionistas e do poder de compra do capital investido pela organização ao realizar ajustes no ativo permanente e no patrimônio líquido, sem realizar grandes detalhamentos no impacto da inflação em cada uma das contas existentes no conjunto de demonstrações contábeis. Todavia, eles se diferem quanto ao nível de detalhamento existente nas contas patrimoniais e de resultado.
Mesmo com todos os benefícios da utilização da correção monetária para a tomada de decisão comprovados, em 1995, já um ano e meio após o advento do Plano Real e uma política de controle inflacionário mais eficaz, o 4º artigo da Lei nº 9.249/95 vetou a realização de correção monetária das demonstrações financeiras, tanto para fins tributários quanto societários, em qualquer circunstância. Segundo Gabriel et al. (2005), essa decisão representou um retrocesso no que tange à relevância da informação contábil, tendo em vista que a mensuração a custo histórico e a custo histórico corrigido produzem diferenças significativas quanto às informações de valores gerados, interferindo no cálculo de indicadores de desempenho econômicos e financeiros que comumente são utilizados para a tomada de decisão.
Contudo, Hendricksen e Van Breda (1999) afirmam que o abandono do uso de valores corrigidos por índices de preços ao consumidor para fins de divulgação deveu-se à percepção de que essa prática era pouco relevante ao mercado, uma vez que os usuários podem realizar tais ajustes conforme as suas expectativas. Entretanto, vale ressaltar que o cenário utilizado como pano de fundo para o estudo desses autores envolvia as peculiaridades do mercado norte-americano e a sua inflação. Ademais, houve a redução das taxas de inflação mundo afora. Ainda assim, Edwards e Bell (1961) e Martins (2001) afirmam que a realização de uma correção desse valor pela inflação poderia gerar informações contábeis mais relevantes aos usuários e maior utilidade no processo de tomada de decisão. Edwards e Bell (1961) defendem a correção dos valores contábeis para moeda de mesmo poder aquisitivo pois a avaliação de decisões passadas requer dados comparáveis. Segundo esses pesquisadores, sabendo da limitação dos valores contábeis mensurados, os usuários da informação devem modificar as demonstrações contábeis a fim de incorporar os efeitos das variações dos preços para que seja possível analisar a rentabilidade relativa de diferentes organizações em diferentes períodos de tempo.
Atualmente, segundo a IAS 29 - Financial Reporting in Hyperinflationary Economies, a correção monetária de valores contábeis somente deve ser realizada em cenários de hiperinflação. Esses cenários considerados pelo International Accounting Standards Board (IASB) se caracterizam pela existência de um ambiente em que os preços, salários e taxas de juros são cotados em moeda estrangeira ou atrelados a um índice de preços, o preço das compras e as vendas a prazo compensam a perda esperada do poder aquisitivo da moeda, a população, visando manter seu poder aquisitivo (medido por meio de moeda estrangeira ou atrelados a um índice de preços), opta por aplicar sua riqueza imediatamente após o recebimento em ativos não-monetários ou em uma moeda estrangeira por serem relativamente mais estáveis e em que a taxa de inflação acumulada em três anos consecutivos seja equivalente ou superior ao percentual de 100%.
Metodologia
O estudo baseou-se em informações fornecidas pela Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (OCEPAR), com dados oriundos do Balanço Patrimonial e Demonstrativo de Sobras e Perdas de 49 cooperativas agropecuárias, no período de 2010 a 2014. Essa amostra corresponde a 63,64% da população no Paraná. As cooperativas agropecuárias representam 55% da economia agrícola do Estado, sendo vinculados ao movimento cooperativista mais de 61 mil empregados e 135 mil cooperados (OCEPAR, 2014).
Da população de 77 cooperativas agropecuárias do estado do Paraná, foram excluídas as que apresentavam patrimônio líquido negativo e informações incompletas em três anos de análise. A Tabela 2 evidencia o resumo das informações da amostra nos anos de 2010 a 2014, em valores nominais não corrigidos.
Por meio da estatística descritiva é possível observar que a amostra apresenta comportamento heterogêneo entre as variáveis observadas, tendo em vista a variação entre os valores de máximo e mínimo, bem como a discrepância encontrada entre a média e mediana, e o desvio padrão consideravelmente elevado. Também é possível inferir que, devido à diferença existente entre a média e mediana, sendo a mediana inferior à média em pelo menos 60% de todos os casos observados, há cooperativas que apresentam valores elevados nas variáveis selecionadas, que acabam por elevar a média, porém 50% das cooperativas da amostra estão abaixo do valor da mediana. Essa heterogeneidade pode ser explicada pela presença de cooperativas agropecuárias de diferentes Sistemas Agroindustriais (SAG), tais como cereais, pecuária, industrializados, insumos agropecuários, hortifruticultura e serviços. Os estoques e imobilizados são os ativos que apresentam maior variabilidade dependendo do SAG.
Variáveis | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | |
Ativo Circulante | Média | R$ 214.968 | R$ 261.658 | R$ 283.016 | R$ 336.992 | R$ 418.688 |
Mediana | R$ 38.230 | R$ 47.206 | R$ 53.179 | R$ 76.809 | R$ 89.426 | |
Máximo | R$2.906.782 | R$3.469.462 | R$3.228.526 | R$4.160.994 | R$5.039.559 | |
Estoques | Média | R$ 60.927 | R$ 73.877 | R$ 82.351 | R$ 102.216 | R$ 130.149 |
Mediana | R$ 15.489 | R$ 12.915 | R$ 21.306 | R$ 26.610 | R$ 28.067 | |
Máximo | R$ 894.875 | R$1.033.140 | R$ 892.151 | R$1.183.150 | R$1.638.238 | |
Ativo Não Circulante | Média | R$ 152.065 | R$ 166.343 | R$ 183.058 | R$ 220.935 | R$ 273.419 |
Mediana | R$ 31.099 | R$ 35.702 | R$ 44.393 | R$ 56.451 | R$ 65.676 | |
Máximo | R$ 896.125 | R$1.034.637 | R$1.246.899 | R$1.503.202 | R$1.958.114 | |
Imobilizado | Média | R$ 123.134 | R$ 134.306 | R$ 148.553 | R$ 178.613 | R$ 216.472 |
Mediana | R$ 23.135 | R$ 30.147 | R$ 34.168 | R$ 42.960 | R$ 48.030 | |
Máximo | R$ 730.051 | R$ 820.429 | R$1.043.152 | R$1.247.538 | R$1.560.729 | |
Passivo Circulante | Média | R$ 144.220 | R$ 172.625 | R$ 196.271 | R$ 240.867 | R$ 318.630 |
Mediana | R$ 35.455 | R$ 50.490 | R$ 67.608 | R$ 68.563 | R$ 86.636 | |
Máximo | R$1.283.582 | R$1.549.099 | R$1.360.207 | R$2.066.431 | R$2.738.690 | |
Passivo Não Circulante | Média | R$ 67.616 | R$ 86.347 | R$ 80.879 | R$ 98.054 | R$ 122.195 |
Mediana | R$ 14.846 | R$ 17.222 | R$ 22.224 | R$ 21.085 | R$ 21.845 | |
Máximo | R$ 447.328 | R$ 604.182 | R$ 491.566 | R$ 633.687 | R$ 859.733 | |
Patrimônio Líquido | Média | R$ 155.197 | R$ 170.029 | R$ 188.925 | R$ 219.006 | R$ 251.282 |
Mediana | R$ 22.858 | R$ 24.193 | R$ 24.548 | R$ 53.340 | R$ 53.294 | |
Máximo | R$2.071.997 | R$2.350.818 | R$2.623.651 | R$2.964.078 | R 3.399.249 | |
Sobras ou Perdas | Média | R$ 4.980 | R$ 8.543 | R$ 9.801 | R$ 11.411 | R$ 12.672 |
Mediana | R$ 526 | R$ 733 | R$ 798 | R$ 973 | R$ 1.232 | |
Máximo | R$ 103.336 | R$ 161.617 | R$ 195.059 | R$ 233.795 | R$ 258.773 |
A análise de cooperativas de diversos SAGs permite que elas sejam observadas de forma ampla e que o impacto da inflação seja verificado independentemente do seu setor de atuação. No entanto, as distintas características de estrutura existentes em cada tipo de SAG, como variados níveis de investimentos em imobilizados e de volume de patrimônio líquido, podem gerar percepções adversas sobre o impacto da inflação nos índices de avaliação de desempenho. Frente a essa possibilidade, a análise também foi estratificada por SAG, permitindo verificar se a inflação produz alterações significativas dependendo do nicho em que a cooperativa atua.
A amostra foi subdividida em quatro grupos: cooperativas cujos produtos de maior materialidade são os cereais, grãos e oleaginosas, aquelas cuja pecuária é a atividade mais relevante, as cooperativas em que os produtos industrializados predominam e aquelas em que outros SAGs são mais relevantes, como insumos agropecuários, bens de fornecimento, hortifruticultura e serviços.
As cooperativas cujo sistema agroindustrial é baseado na industrialização de produtos apresentam um ativo imobilizado mais volumoso que os demais grupos, o que pode indicar a possível ocorrência de um impacto maior sobre os valores contábeis corrigidos. Em contraposição, aquelas classificadas em “outros” apresentam um ativo imobilizado inferior aos demais conjuntos, o que pode ser explicado pela menor necessidade de investimentos em infraestrutura para as atividades que as compõem.
Em todos os anos observados, os maiores patrimônios líquidos são, em primeiro lugar, das cooperativas de bens industrializados e, em segundo lugar, das cooperativas de cereais, grãos e oleaginosas. Todavia, para o ano inicial da análise, 2010, o menor patrimônio líquido encontrado foi o de SAG pecuário, mas com o passar do tempo ocorreram oscilações que fizeram com que, em 2014, o menor grupo fosse o das cooperativas classificadas em “outros”. Também se pode observar que houve uma redução da participação do capital próprio na estrutura de capital das empresas ao longo dos anos, exceto no grupo cuja atividade predominante é a pecuária. Sendo assim, na maioria dos SAGs, observou-se um crescimento superior do volume de capital de terceiros em relação ao crescimento do capital próprio.
O modelo inglês foi o empregado nos demonstrativos contábeis a custo histórico para fins de correção monetária da amostra, já que este evidencia melhor as influências da inflação sobre a formação do lucro. A aplicação do método societário/fiscal brasileiro, que vigorou até 1995, não é recomendada devido à ausência de informações que permitam a visualização distinta sobre a correção correspondente ao imobilizado líquido e ao patrimônio líquido da entidade, omitindo a informação do lucro nominal do patrimônio. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi selecionado como indexador para a correção dos valores nominais para o custo histórico corrigido, tendo em vista se tratar do índice oficial de inflação brasileiro. De acordo com Martins (2005), o IPCA, calculado e disponibilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é um indexador indicado para ser aplicado nas demonstrações financeiras e evidenciar o processo de defasagem das informações desde 1995.
Para a realização da correção monetária na amostra selecionada, o estabelecimento de algumas premissas para o modelo foi necessário. Tendo em vista que os demonstrativos contábeis das cooperativas do Paraná não apresentam notas explicativas, não foi possível apurar a idade dos imobilizados para determinar o período em que o indexador deve ser acumulado para o cálculo da correção. Assim, o indexador utilizado é calculado somente a partir de 2010. Com isso, é provável que haja uma subestimação dos valores corrigidos dos ativos, considerando que os ativos imobilizados deveriam ser corrigidos desde sua formação. Todavia, essa provável deformação sobre o valor do ativo e do patrimônio líquido não interfere significativamente no dimensionamento do efeito da inflação sobre o resultado. Isso porque, como o resultado é afetado pela diferença entre as correções do ativo e do patrimônio líquido e a não atualização completa do ativo o deforma no mesmo montante que deforma o patrimônio líquido, esse efeito se anula. Resta, então, somente o efeito na depreciação do imobilizado. E, é importante considerar que corrigir os efeitos da inflação, mesmo que por um período limitado, tende a ser melhor do que nada corrigir. Ademais, ressalta-se que somente o ativo imobilizado líquido e o patrimônio líquido foram corrigidos.
O modelo aplicado encontra-se sintetizado no Apêndice A, no qual estão representadas as informações contábeis de uma das cooperativas da amostra, a fim de exemplificar os cálculos utilizados para obtenção da demonstração contábil a valores corrigidos. Por limitações de espaço, no caso destacado no apêndice somente são apresentados os três primeiros anos de análise; entretanto, o método foi aplicado de 2010 a 2014 em todas as cooperativas da amostra. Ressalta-se que, para os fins das análises deste artigo, as sobras foram tratadas como resultado líquido.
Para realizar a correção monetária, inicialmente, procurou-se identificar as contas que seriam corrigidas segundo a proposta do modelo inglês, tais como, imobilizado e suas depreciações acumuladas, patrimônio líquido e despesas de depreciação. Segregou-se, então, o saldo de imobilizado bruto inicial das variações do imobilizado bruto, referente a cada período, partindo-se do pressuposto de que em 2010 não houve variação e, os valores, nesse ano, correspondem somente ao saldo inicial do imobilizado bruto. Assim, foram corrigidos esses dois subgrupos da conta de imobilizado bruto (saldo inicial e variação do período), separadamente, e os valores encontrados foram somados a fim de se obter o saldo bruto do imobilizado corrigido. Da mesma forma foi feita a correção da conta de depreciação acumulada, sem, no entanto, haver a possibilidade de segregação dos valores que a compunham, uma vez que não se dispunha de informações de baixa ou acréscimo dessa conta durante os períodos, a não ser a depreciação do próprio período.
Por conseguinte, confrontou-se o valor de imobilizado bruto corrigido com o da depreciação acumulada corrigida, obtendo-se assim o imobilizado líquido corrigido. Esse procedimento foi realizado em todos os anos analisados, sendo que a base para o saldo inicial do imobilizado de cada ano era correspondente ao saldo final corrigido do ano anterior.
O patrimônio líquido foi analisado de forma semelhante, corrigindo-se pela inflação o valor do patrimônio sem considerar o resultado do exercício, e somando-se a esse valor o resultado líquido já corrigido do período. Para o cálculo do resultado líquido corrigido foi utilizado o saldo do resultado a valores nominais antes da depreciação e dos tributos. Em seguida, a depreciação do período foi corrigida pela inflação e descontada desse resultado antes evidenciado. A essa soma foi adicionada a correção monetária do imobilizado líquido, anteriormente calculada, sendo também acrescida a correção monetária da despesa de depreciação do período, já evidenciada separadamente. Após esses procedimentos, apurou-se que o resultado nominal do patrimônio foi reduzido pela correção monetária do patrimônio líquido inicial, sem considerar o resultado do exercício. Posteriormente, os tributos sobre o resultado foram deduzidos a valores nominais, uma vez que, para fins de tributação, no cenário atual, não seriam aceitos os efeitos da inflação para o cálculo do imposto devido. E, como os efeitos de imposto de renda são pequenos nas cooperativas, não se praticou a figura do imposto de renda diferido. Confrontando-se todas essas informações, chegou-se ao valor do lucro líquido efetivo.
Ademais, ressalta-se que quando a comparabilidade dos anos é o objetivo da análise, os valores de todo o período analisado devem ser trazidos a valores do último ano, permitindo a comparação temporal. No entanto, quando se trata de calcular os indicadores de avaliação, o processo de relativização das informações anula o incremento de valor vinculado à atualização dos valores para o último ano da análise, já que a correção afeta todas as contas do período de maneira homogênea.
Os índices de avaliação de desempenho, econômico e financeiro, selecionados, bem como sua forma de cálculo, são apresentados na Tabela 3.
Classificação | Índice | Fórmula |
Estrutura | Endividamento I Endividamento II Imobilizado do PL | Capital de Terceiros/Capital Próprio Capital de Terceiros/Ativo Total (Investimento+Imobilizado+Intangível)/Capital Próprio |
Rentabilidade | Margem Líquida Rentabilidade do Ativo Op. Rentabilidade do PL | Resultado Líquido/Vendas Líquidas (Resultado Líquido + Desp. Financ.)/ Ativo Total Médio Resultado Líquido/ Capital Próprio |
Dívida | Custo da Dívida | Desp. Financ./ Emprestimos e Financiamentos Médios |
Os índices utilizados neste trabalho foram selecionados tendo em vista as possíveis alterações que poderiam apresentar devido às contas utilizadas em suas fórmulas sofrerem o impacto da inflação.
Além disso, realizaram-se testes de médias com a finalidade de verificar se as diferenças entre os índices provenientes dos dois métodos de mensuração abordados apresentam diferenças significativas. Ressalta-se que, no caso do índice custo da dívida, o número de observações é inferior, já que algumas cooperativas não apresentam passivo oneroso e despesa financeira em todos os períodos ou as despesas financeiras existentes não estão vinculadas aos empréstimos e financiamentos.
Como a amostra não apresenta uma distribuição normal, conforme teste de normalidade realizado disponível no Apêndice B, os testes empregados foram não paramétricos, conhecidos como testes de livre distribuição dos dados. Assim, as amostras foram submetidas ao teste de Wilcoxon, que permite a comparação de duas médias populacionais a partir de amostras originadas da mesma população.
Resultados
Para o alcance do objetivo da presente pesquisa, os primeiros resultados são divididos em três blocos: os índices a custo histórico, os índices a custo histórico corrigido e a comparação dos métodos com o teste de nível de significância das médias.
A Tabela 4 demonstra os índices de avaliação econômico-financeiros calculados a custo histórico para os anos de 2010 a 2014.
Índices | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | |
Endividamento I | Média | 1,9773 | 2,0511 | 2,2171 | 2,4247 | 2,2632 |
Mediana | 1,6863 | 1,8273 | 1,8183 | 1,5829 | 1,8470 | |
Variância | 2,1284 | 1,5746 | 4,2307 | 14,7535 | 1,8040 | |
Endividamento II | Média | 0,5945 | 0,6178 | 0,6164 | 0,6139 | 0,6505 |
Mediana | 0,6248 | 0,6463 | 0,6452 | 0,6128 | 0,6488 | |
Variância | 0,0284 | 0,0228 | 0,0252 | 0,0237 | 0,0166 | |
Imobilização do PL | Média | 0,9165 | 0,9104 | 0,9556 | 1,1895 | 1,0061 |
Mediana | 0,9201 | 0,9340 | 0,9477 | 0,9696 | 1,0306 | |
Variância | 0,2432 | 0,2489 | 0,2480 | 2,7090 | 0,2501 | |
Margem Líquida | Média | 0,0113 | 0,0236 | 0,0177 | 0,0197 | 0,0118 |
Mediana | 0,0050 | 0,0069 | 0,0067 | 0,0073 | 0,0071 | |
Variância | 0,0020 | 0,0023 | 0,0012 | 0,0012 | 0,0009 | |
Rentabilidade do Ativo Operacional | Média | 0,0430 | 0,0732 | 0,0659 | 0,0677 | 0,0559 |
Mediana | 0,0409 | 0,0562 | 0,0564 | 0,0587 | 0,0554 | |
Variância | 0,0088 | 0,0031 | 0,0014 | 0,0018 | 0,0024 | |
Rentabilidade do PL | Média | 0,0039 | 0,0763 | 0,0623 | 0,0683 | 0,0380 |
Mediana | 0,0149 | 0,0360 | 0,0367 | 0,0337 | 0,0338 | |
Variância | 0,0423 | 0,0140 | 0,0069 | 0,0143 | 0,0289 | |
Custo da Dívida | Média | 0,1241 | 0,1214 | 0,1276 | 0,1271 | 0,1139 |
Mediana | 0,0960 | 0,1028 | 0,1141 | 0,1105 | 0,0968 | |
Variância | 0,0151 | 0,0054 | 0,0056 | 0,0083 | 0,0048 |
É possível observar que o primeiro índice de endividamento apresenta um crescimento, sendo que a mediana em todos os anos é inferior à média, o que demonstra que há cooperativas que possuem um nível de endividamento significativamente superior às demais, acabando por elevar a média da amostra. Ademais, é possível verificar que as cooperativas dependem, principalmente, de capital de terceiros.
O segundo índice de endividamento demonstra que, mesmo que o capital de terceiros seja inferior ao capital próprio, os recursos externos são inferiores ao ativo, representando cerca de 60% das fontes das cooperativas. Por meio da análise da média do indicador, é possível perceber que houve um aumento de 2010 para 2011, seguido de uma redução em 2012 e 2013, para retomada do crescimento de 2013 para 2014. Em 2013 é possível observar que a mediana é inferior à média, contudo, nos demais anos, é possível observar que a mediana supera o valor da média, com uma variância pouco expressiva se comparada às demais medidas. O índice que demonstra a imobilização do patrimônio líquido evidencia que, geralmente, as cooperativas estão imobilizando quase todo seu capital próprio. Nos anos de 2013 e 2014, é possível perceber que a média de imobilização do patrimônio líquido é superior a 1, o que pode ser explicado pelas cooperativas do Estado do Paraná serem predominantemente financiadas por capital de terceiros e apresentarem agroindústria, o que exige um alto nível de imobilizado. Nesse caso, essas duas características contribuem para que parte dessa imobilização seja financiada com recursos de terceiros, o que eleva o índice analisado. Ademais, em três anos a média é inferior à mediana.
O índice de margem líquida denota um crescimento no ano de 2011, entretanto, volta a reduzir nos períodos posteriores. A mediana desse índice é expressivamente inferior à média, demonstrando que as cooperativas da amostra apresentam heterogeneidade significativa nesse âmbito, porém, com a redução da variância ao longo dos períodos analisados, pode-se supor que tal heterogeneidade venha sendo reduzida.
Os índices de rentabilidade do ativo operacional e do patrimônio líquido também retratam uma elevação considerável da média no ano de 2011. As rentabilidades comportam-se do mesmo modo entre os anos de 2010 e 2014, sendo que esses também foram os índices com oscilações mais relevantes para o período analisado. O custo da dívida se manteve em torno dos 12%, sendo que a mediana da amostra ficou abaixo da média em todos os anos.
Em seguida, foram calculados os mesmos índices por meio do custo histórico corrigido, obtido pela utilização do modelo inglês nas demonstrações contábeis das cooperativas da amostra. A Tabela 5 demonstra os índices de avaliação econômico-financeiros calculados a custo histórico corrigido com base no IPCA para os anos de 2010 a 2014.
Índices | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | |||||||
Endividamento I | Média | 1,8793 | 1,8253 | 1,8839 | 2,0482 | 1,7321 | ||||||
Mediana | 1,6017 | 1,6489 | 1,5211 | 1,2945 | 1,5771 | |||||||
Variância | 1,9636 | 1,2653 | 3,8256 | 14,2162 | 1,3672 | |||||||
Endividamento II | Média | 0,5842 | 0,5943 | 0,5810 | 0,5680 | 0,5897 | ||||||
Mediana | 0,6128 | 0,6225 | 0,6024 | 0,5642 | 0,6107 | |||||||
Variância | 0,0282 | 0,0222 | 0,0241 | 0,0245 | 0,0179 | |||||||
Imobilização do PL | Média | 0,9096 | 0,8974 | 0,9340 | 1,1727 | 0,9794 | ||||||
Mediana | 0,9241 | 0,9449 | 0,9591 | 0,9765 | 1,0235 | |||||||
Variância | 0,2198 | 0,1948 | 0,1737 | 2,5620 | 0,1421 | |||||||
Margem Líquida | Média | 0,0079 | 0,0407 | 0,0546 | 0,0716 | 0,0755 | ||||||
Mediana | 0,0067 | 0,0260 | 0,0417 | 0,0545 | 0,0673 | |||||||
Variância | 0,0018 | 0,0022 | 0,0020 | 0,0052 | 0,0063 | |||||||
Rentabilidade do Ativo Operacional | Média | 0,0191 | 0,0700 | 0,0860 | 0,1041 | 0,1110 | ||||||
Mediana | 0,0199 | 0,0554 | 0,0780 | 0,0912 | 0,1068 | |||||||
Variância | 0,0093 | 0,0030 | 0,0016 | 0,0034 | 0,0063 | |||||||
Rentabilidade do PL | Média | -0,0053 | 0,1195 | 0,1580 | 0,1905 | 0,2130 | ||||||
Mediana | 0,0147 | 0,0931 | 0,1455 | 0,1796 | 0,2052 | |||||||
Variância | 0,0450 | 0,0116 | 0,0055 | 0,0162 | 0,0204 | |||||||
Custo da Dívida | Média | 0,0614 | 0,0529 | 0,0654 | 0,0642 | 0,0468 | ||||||
Mediana | 0,0349 | 0,0355 | 0,0526 | 0,0485 | 0,0307 | |||||||
Variância | 0,0135 | 0,0048 | 0,0050 | 0,0074 | 0,0042 | |||||||
Os índices de endividamento, assim como esperado, apresentaram redução quando os valores foram mensurados a custo histórico corrigido. Isso ocorre porque o numerador desses índices é o capital de terceiros, que não sofre o impacto da correção, já que seu valor está devidamente atualizado na data do balanço. Vale ressaltar que somente foram corrigidos o imobilizado, sua depreciação e o patrimônio líquido. No entanto, como os denominadores dos indicadores são, respectivamente, capital próprio e ativo total, há um aumento desses valores devido aos acréscimos ocorridos em cada lado do Balanço Patrimonial em decorrência da correção monetária.
A média, mediana e variância do índice de imobilização do patrimônio líquido também foram reduzidas ao longo dos períodos analisados. No entanto, a variação entre os valores a custo histórico e custo histórico corrigido desse indicador tende a ser menor do que nos índices de endividamento, já que, assim como o denominador é composto pelo patrimônio líquido, o numerador sofre um acréscimo de valor devido à correção monetária atrelada ao imobilizado líquido. Porém, como os investimentos e o intangível não são corrigidos e também fazem parte do numerador, há diferenças nos índices quando alterado o método de mensuração.
Os índices vinculados à rentabilidade apresentaram um comportamento contrário ao esperado durante os anos de 2011 e 2014. Acreditou-se que os índices de rentabilidade calculados a custo histórico estariam superestimados em comparação aos calculados a custo histórico corrigido, entretanto, essa crença só foi confirmada no primeiro ano de análise.
As cooperativas da amostra apresentam como particularidade uma dependência do capital de terceiros, como demonstrado na estatística descritiva apresentada na Tabela 2. Ademais, ao longo do período analisado o patrimônio líquido apresentou crescimento, porém não expressivo como o do capital de terceiros. Este foi utilizado pelas cooperativas, principalmente, para a expansão e renovação dos ativos imobilizados. Assim, o crescimento do ativo imobilizado no horizonte temporal verificado foi superior ao crescimento do patrimônio líquido, o que gerou impacto no resultado final das cooperativas. Tal situação pode ser analisada na Figura 1.
No ano de 2010, o imobilizado é inferior ao patrimônio líquido, o que consequentemente gera uma correção monetária do imobilizado menor do que a correção monetária do patrimônio líquido. Essa situação ocorre porque a correção do imobilizado líquido é transferida para o resultado com sinal positivo, enquanto a correção do patrimônio líquido é transferida para o resultado com o sinal negativo. Logo, o lucro líquido corrigido nesse período será menor do que o lucro líquido a custo histórico.
Nos anos posteriores, percebeu-se uma alteração dessa condição, pois o imobilizado cresceu significativamente, enquanto o patrimônio líquido aumentou de forma discreta. Com isso, a correção monetária do imobilizado passa a ser superior à correção monetária do patrimônio líquido, resultando em um lucro líquido corrigido superior ao lucro líquido a custo histórico. Assim, os indicadores vinculados ao lucro líquido apresentaram um comportamento similar ao próprio lucro líquido com a correção monetária.
O índice do custo da dívida apresentou uma queda significativa em seu valor quando a inflação foi considerada. Assim, a percepção do custo da dívida está sendo superestimada durante o período de análise quando considerada em valores nominais para a tomada de decisão de seus usuários. Inclusive, ao se analisar a relação entre a rentabilidade do ativo operacional e o custo da dívida, observa-se que quando a inflação é desconsiderada, o custo da dívida é expressivamente superior à capacidade dos ativos operacionais de cobrirem os custos do passivo. Porém, a valores corrigidos, há uma alteração nesse comportamento a partir de 2011, quando o custo da dívida revela-se inferior à rentabilidade do ativo operacional, o que pode ser observado na Figura 2.
O fato exibido na Figura 2 exemplifica um dos equívocos que podem ser cometidos ao se considerar os valores nominais e não aqueles que consideram o valor do dinheiro no tempo, tido como valores reais. Quando os valores nominais são utilizados, os usuários da informação podem equivocar-se em suas conclusões, ao assumir que a dívida esteja consumindo parte da riqueza gerada pelos ativos. No entanto, considerando o impacto da inflação sobre os números contábeis, percebe-se que a dívida pode estar, na verdade, alavancando a cooperativa, como observado na amostra entre os anos de 2011 a 2014.
Após a constatação das diferenças entre os índices calculados pelas distintas formas de mensuração discutidas, procurou-se verificar seu nível de significância. Na Tabela 6 evidencia-se a comparação de média dos índices selecionados, calculados a custo histórico e custo histórico corrigido, bem como o nível de significância da diferença entre as médias de cada ano e do intervalo analisado.
Índices | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2010-2014 | |
Endividamento I | Média CH | 1,9773 | 2,0511 | 2,2171 | 2,4247 | 2,2632 | ,000*** |
Média CHC | 1,8793 | 1,8253 | 1,8839 | 2,0482 | 1,7321 | ||
Nível de Sig | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | ||
Endividamento II | Média CH | 0,5945 | 0,6178 | 0,6164 | 0,6139 | 0,6505 | ,000*** |
Média CHC | 0,5842 | 0,5943 | 0,5810 | 0,5680 | 0,5897 | ||
Nível de Sig | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | ||
Imobilização do Patrimônio Líquido | Média CH | 0,9165 | 0,9104 | 0,9556 | 1,1895 | 1,0061 | ,388 |
Média CHC | 0,9096 | 0,8974 | 0,9340 | 1,1727 | 0,9794 | ||
Nível de Sig | 0,7540 | 0,6870 | 0,8000 | 0,4830 | 0,2630 | ||
Margem Líquida | Média CH | 0,0113 | 0,0236 | 0,0177 | 0,0197 | 0,0118 | ,000*** |
Média CHC | 0,0079 | 0,0407 | 0,0546 | 0,0716 | 0,0755 | ||
Nível de Sig | 0,074 | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | ||
Rentabilidade do Ativo Operacional | Média CH | 0,0430 | 0,0732 | 0,0659 | 0,0677 | 0,0559 | ,000*** |
Média CHC | 0,0191 | 0,0700 | 0,0860 | 0,1041 | 0,1110 | ||
Nível de Sig | 0,000*** | 0,1940 | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | ||
Rentabilidade do Patrimônio Líquido | Média CH | 0,0039 | 0,0763 | 0,0623 | 0,0683 | 0,0380 | ,000*** |
Média CHC | -0,0053 | 0,1195 | 0,1580 | 0,1905 | 0,2130 | ||
Nível de Sig | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | ||
Custo da Dívida | Média CH | 0,1241 | 0,1214 | 0,1276 | 0,1271 | 0,1139 | ,000*** |
Média CHC | 0,0614 | 0,0529 | 0,0654 | 0,0642 | 0,0468 | ||
Nível de Sig | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** |
Os índices de endividamento foram os que apresentaram diferenças significativas a 1% entre os anos de 2010 a 2014, o que pode ser explicado pela correção única do denominador, já que o numerador não é corrigido, o que eleva as diferenças entre os índices calculados a custo histórico e custo histórico corrigido. O índice de imobilização do patrimônio líquido não retratou diferença significativa em nenhum dos períodos analisados.
Os índices de margem líquida e rentabilidade do patrimônio líquido denotaram um menor nível de significância no ano de 2010, o ano considerado atípico na comparação entre os métodos de mensuração, já que é o único período analisado que apresentou redução no lucro líquido corrigido. Mesmo com a queda da margem líquida, tal diminuição não foi significativa e, quanto à rentabilidade do patrimônio líquido, mesmo passando a ter valores negativos, o nível de confiança de sua diferença caiu para 95%. No caso da rentabilidade dos ativos operacionais, não foi possível encontrar diferença significativa no ano de 2011, em que o panorama do volume dos imobilizados e patrimônio líquido começou a mostrar inversão. Nos anos posteriores, os índices de rentabilidade apresentaram uma diferença relevante, com nível de significância de 1%, o que corrobora os achados de Gabriel et al. (2005) sobre a rentabilidade do patrimônio líquido dos 50 maiores bancos brasileiros para o período entre 1996 e 2001.
Já o custo da dívida, assim como os índices de endividamento, apresentou diferença significativa a 1% em suas médias, comparando o custo histórico e custo histórico corrigido, em todos os anos analisados.
Por meio de uma análise comparativa entre os índices mensurados a custo histórico e custo histórico corrigido entre os anos de 2010 a 2014, observou-se diferenças significativas a 1% nos índices de endividamento, margem líquida, rentabilidade do ativo operacional, rentabilidade do patrimônio líquido e custo da dívida. Assim, torna-se relevante, na consideração de tais índices, a utilização da correção monetária.
Procurou-se verificar, também, se dentre os SAGs poderia haver evidências adicionais de impactos do método de mensuração nos indicadores econômico-financeiros devido às características de cada atividade. A Tabela 7 contém o nível de significância das diferenças entre as médias para cada SAG no período estudado.
2010-2014 | |||||
Indicadores/Produto | Cereais | Pecuárias | Industrializados | Outros | |
Endividamento I | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | |
Endividamento II | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | |
Imobilização do Patrimônio Líquido | 0,5760 | 0,4115 | 0,000*** | 0,000*** | |
Margem Líquida | 0,000*** | 0,002*** | 0,000*** | 0,7545 | |
Rentabilidade do Ativo Operacional | 0,000*** | 0,9108 | 0,000*** | 0,2945 | |
Rentabilidade do Patrimônio Líq. | 0,000*** | 0,012** | 0,000*** | 0,5665 | |
Custo da Dívida | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | 0,000*** | |
As cooperativas agropecuárias que atuam no sistema de cereais apresentaram os mesmos resultados encontrados na análise geral das cooperativas, ou seja, os índices de endividamento e rentabilidade são relevantes para análise com um nível de significância de 1%, sendo que esse resultado pode ser justificado pela representatividade do SAG de cereais na amostra. Já quanto às cooperativas pecuárias, estas não indicaram relevância quanto à consideração da inflação nos índices de imobilização do patrimônio líquido e rentabilidade do ativo operacional.
As cooperativas que industrializam produtos apresentam médias e medianas dos ativos imobilizados e patrimônio líquido superiores às demais cooperativas, tendo em vista que o processo de industrialização de seus produtos exige maiores investimentos. Assim, essas organizações tendem a apresentar um valor de imobilizado superior às demais, fazendo com que as cooperativas do SAG de industrializados apresentem maiores saldos de correção monetária, ocasionando uma maior diferença entre os índices calculados a custo histórico e custo histórico corrigido. Vale ressaltar que essa diferença é mais acentuada no caso dessas cooperativas devido ao imobilizado ser financiado, na maioria das vezes, com recursos de terceiros. Para esse grupo de cooperativas todos os índices analisados se mostraram relevantes a 1%.
As cooperativas que atuam nos SAGs de insumos agropecuários, bens de fornecimento, hortifruticultura e serviços, foram agrupadas em “outros”. Essas entidades apresentam como característica valores de patrimônio líquido superiores aos valores do imobilizado líquido.
Tendo em vista que as correções do patrimônio líquido são consideradas como redução do lucro nominal e a correção do imobilizado é transferida para o resultado com o sinal positivo, o lucro obtido pela mensuração a custo histórico corrigido tende a ser inferior ao lucro a custo histórico. Os índices vinculados à estrutura de capital e custo da dívida dessas cooperativas são significantes a 1%. Já os índices vinculados à rentabilidade dessas cooperativas não apresentaram nível de significância, o que era esperado visto que o volume de imobilizado e patrimônio líquido é inferior aos demais SAGs. Assim, mesmo com lucros corrigidos pela inflação inferiores aos valores nominais, a expressividade dessa alteração não é relevante para as cooperativas que atuam nas atividades de SAGs de insumos agropecuários, bens de fornecimento, hortifruticultura e serviços. Todavia, cabe lembrar que essa conclusão para o bloco pode nada ter a ver com a situação particular de cada uma das cooperativas.
Considerações finais
A desconsideração da inflação nas demonstrações contábeis afeta a precisão e a utilidade da informação contábil, culminando na diminuição de sua relevância para a tomada de decisão, independentemente do tipo de organização econômica. Por meio da análise das 49 cooperativas do estado do Paraná, pôde-se verificar que a aplicação da correção monetária fez com que os índices de endividamento, margem líquida, rentabilidade do ativo operacional, rentabilidade do patrimônio líquido e custo da dívida apresentassem diferenças relevantes em relação aos valores históricos.
Ademais, as demonstrações a custo histórico corrigido apresentaram um aumento significativo no “lucro líquido”, sobras no caso das cooperativas, nos períodos de 2011 a 2014. Assim, no caso da amostra estudada, os índices de estrutura de capital e custo da dívida mostraram-se superestimados, enquanto que os índices de rentabilidade foram subestimados, ocultando a real estrutura de capital das cooperativas e a sua capacidade de produzir retornos, e prejudicando, assim, a tomada de decisão dos usuários internos e externos.
Na comparação entre o custo da dívida e o retorno do ativo operacional, verificou-se algo também relevante: a valores nominais, os ativos não produziram retorno suficiente para cobrir o custo das dívidas; mas isso é ilusório: os ativos produziram, sim, taxa de retorno superior ao custo das dívidas quando a mensuração considerou os efeitos da inflação.
As características de cada SAG são aspectos relevantes para os níveis de significância das diferenças entre as médias dos índices calculados a custo histórico e custo histórico corrigido. Tal resultado pode ser explicado pelo fato de que, dependendo do SAG ao qual pertence, a cooperativa apresenta maior ou menor volume de imobilizado e patrimônio líquido. Entretanto, destaca-se que, independentemente da atividade principal da cooperativa, há índices que apresentam diferenças significativas quando os valores a custo histórico são comparados ao custo histórico corrigido.
Tais diferenças encontradas nos resultados dos índices calculados a valores nominais e valores corrigidos não devem ser atribuídos à administração da cooperativa, já que são causadas em função da desconsideração da inflação pela legislação existente.
Ressalta-se, ainda, que a utilização do indexador acumulado somente para o período de 2010 pode acarretar subestimação ou superestimação dos índices, tendo em vista que é apropriado que o ativo imobilizado seja corrigido desde seu início. Ainda assim, concluiu-se que a correção baseada somente no IPCA acumulado de 2010 para o primeiro ano de análise já provoca resultados expressivos que demonstram que a diferença entre os valores dos índices de avaliação de desempenho calculados a custo histórico e custo histórico corrigido é relevante, e que o impacto da não consideração da inflação poderia ser ainda maior, caso a informação sobre a idade dos imobilizados tivesse sido obtida. Ademais, acrescenta-se que é provável que os resultados encontrados no estado do Paraná possam ser generalizados para as demais cooperativas do Brasil, contudo, para pesquisas futuras sugere-se uma análise com cooperativas de diferentes ramos de atividades e regiões do Brasil.
Por fim, concluiu-se que, assim como previsto nas pesquisas realizadas por Gabriel et al. (2005), Hoffmann e Nossa (2005), Salotti et al. (2006) e Santos e Ribeiro (2014), o fim da obrigatoriedade da correção monetária trouxe prejuízos às informações contábeis, independente do tipo de organização econômica analisada. A desconsideração do valor do dinheiro no tempo pode levar a tomada de decisão equivocada, já que valores de índices são reportados superestimados ou subestimados com diferença significativa das informações a custo histórico e custo histórico corrigido.
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Apêndice
Apêndice
2010 | 2011 | 2012 | |
Taxa anual de inflação | 5,91% | 6,50% | 5,84% |
Imobilizado e Depreciação | |||
Imobilizado bruto inicial | R$ 1.173.269 | R$ 1.242.598 | R$ 1.470.491 |
Correção do imobilizado bruto inicial | R$ 69.329 | R$ 80.807 | R$ 85.855 |
Variação (Acréscimo-Baixa) | R$ - | R$ 138.103 | R$ 323.410 |
Correção da variação | R$ - | R$ 8.981 | R$ 18.882 |
Imobilizado bruto final | R$ 1.242.598 | R$ 1.470.491 | R$ 1.898.639 |
Depreciação acumulada sem a do período | R$ 400.261 | R$ 435.256 | R$ 529.207 |
Correção monetária | R$ 23.651 | R$ 28.305 | R$ 30.898 |
Depreciação do período | R$ 42.956 | R$ 55.687 | R$ 62.424 |
CM da depreciação do período | R$ 2.538 | R$ 3.621 | R$ 3.644 |
Depreciação acumulada final | R$ 469.408 | R$ 522.870 | R$ 626.174 |
Imobilizado Líquido a custo histórico | R$ 730.051 | R$ 820.429 | R$ 1.043.151 |
Imobilizado Líquido a custo corrigido | R$ 773.190 | R$ 947.620 | R$ 1.272.464 |
Correção do Imobilizado | R$ 43.139 | R$ 127.191 | R$ 229.313 |
Patrimônio Líquido | |||
Patrimônio Líquido sem Lucro Líq. | R$ 1.968.660 | R$ 2.189.201 | R$ 2.428.592 |
Correção do PL (sem o Lucro Líquido) | R$ 116.329 | R$ 142.366 | R$ 141.795 |
Lucro Líquido Corrigido | R$ 30.145 | R$ 146.441 | R$ 282.576 |
PL Final Corrigido | R$ 2.115.135 | R$ 2.478.009 | R$ 2.852.964 |
Correção do Patrimônio Líquido | R$ 43.139 | R$ 127.191 | R$ 229.313 |
Lucro Líquido | |||
Lucro Antes da Depreciação | R$ 190.942 | R$ 276.424 | R$ 303.345 |
Depreciação Corrigida | -R$ 45.494 | -R$ 59.309 | -R$ 66.069 |
Correção Monetária do Imobilizado Líq. | R$ 45.677 | R$ 130.812 | R$ 232.957 |
Lucro Nominal do Patrimônio | R$ 191.125 | R$ 347.927 | R$ 470.233 |
Correção Monetária do Patrimônio Líq. | -R$ 116.329 | -R$ 142.366 | -R$ 141.795 |
Lucro Corrigido Antes Tributos | R$ 74.796 | R$ 205.561 | R$ 328.438 |
Tributos | -R$ 44.650 | -R$ 59.119 | -R$ 45.861 |
Lucro Líquido Corrigido | R$ 30.145 | R$ 146.441 | R$ 282.576 |
Índices a valores nominais | Kolmogorov-Smirnova | Índices corrigidos | Kolmogorov-Smirnova | |||||
Estatíst. | N | Sig. | Estatíst. | N | Sig. | |||
Endividamento I | 0,187 | 245 | 0,000 | Endividamento I | 0,216 | 245 | 0,000 | |
Endividamento II | 0,085 | 245 | 0,000 | Endividamento II | 0,072 | 245 | 0,003 | |
Imobilização do PL | 0,162 | 245 | 0,000 | Imobilização do PL | 0,188 | 245 | 0,000 | |
Margem Líquida | 0,284 | 245 | 0,000 | Margem Líquida | 0,159 | 245 | 0,000 | |
Rentab. do At. Op. Custo da Dívida | 0,138 0,200 | 245 225 | 0,000 0,000 | Rentab. do At. Op. Custo da Dívida | 0,083 0,191 | 245 225 | 0,001 0,000 | |
Rentabilidade do PL | 0,319 | 245 | 0,000 | Rentabilidade do PL | 0,132 | 245 | 0,000 | |
a. Lilliefors Significance Correction | ||||||||
Notas de autor