Resumo: Este estudo apresenta uma proposta de categorização dos estágios de maturidade em capabilities direcionadoras da Criação de Valor Compartilhado (CVC) segundo Porter e Kramer (2006). A investigação e a modelagem resultante adotaram como campo as empresas brasileiras listadas entre as 100 Melhores e Maiores da Revista Exame, edição de julho/2016. Partindo de seleção por conveniência, foi adotado o parâmetro venda líquida para a escolha de empresa representante de cada 1 dos 16 segmentos econômicos listados. Foram levantados documentos nos sítios institucionais, e os dados foram tratados seguindo orientações do modelo CVC. A análise foi realizada a partir de Aferidor de Maturidade de Capabilities para a CVC, à semelhança das diversas aplicações do conceito Capability Maturity Model (CMM). A maior concentração de empresas foi registrada para o Nível 2 e para o Nível 3 da maturidade de capabilities CVC a partir de padrões característicos, como firme intenção em cumprir seu papel social e preocupação com os impactos sociais e ambientais gerados por seus modelos de negócio. Entretanto, tais empresas não apontam a criação de valor compartilhado como uma orientação estratégica. A caracterização das empresas enquadradas nos níveis 4 e 5 perpassa pela escolha de questões sociais para a intervenção estratégica alinhadas a seu core business, via envolvimento de stakeholders internos e externos no compartilhamento de valor e mensuração sistematizada da criação do valor compartilhado.
Palavras-chave: estratégia, criação de valor compartilhado, categorização, maturidade, capability maturity model.
Abstract: This study presents a proposal of categorization of stages of maturity in the driving capabilities of Shared Value Creation (SVC) according to Porter and Kramer (2006). The research and the resulting modeling adopted as a field the Brazilian companies listed among the 100 Best and Largest of the Exame Magazine, of July/2016 edition. From the selection for convenience, the parameter net sale was adopted to choose the company representative of each of the 16 economic segments listed. Documents were collected at the institutional sites and the data processed following guidelines of the SVC model. The analysis was carried out from Capabilities Maturity Checker for SVC, similar to the various applications of the Capability Maturity Model (CMM) concept. The highest concentration of companies was registered for Level 2 and Level 3 of the maturity of SVC capabilities from characteristic patterns, such as firm intention to fulfill their social role and concern with the social and environmental impacts generated by their business models. However, such companies do not point to the creation of shared value as a strategic orientation. The characterization of the companies classified in levels 4 and 5 runs through the choice of social issues for the strategic intervention aligned to its core business, the involvement of internal and external stakeholders in the sharing of value and through the systematic measurement of the creation of shared value.
Keywords: strategy, shared value creation, maturity, categorization, capability maturity model.
Evidenciação de níveis de maturidade na criação de valor compartilhado em empresas brasileiras a partir da abordagem de Porter e Kramer
Evidentiation of maturity levels on creating shared value in Brazilian companies from the Porter and Kramer approach
Recepción: 29 Mayo 2017
Aprobación: 12 Septiembre 2018
No modelo de Criação de Valor Compartilhado (CVC) defendido por Porter e Kramer (2006) está expressa a ideia de que oportunidades de criação de valor compartilhado devem estar intimamente ligadas às operações de negócios da empresa (Porter, 2007) e que podem trazer habilidades, recursos e novas práticas operacionais para melhorar a produtividade e ao mesmo tempo beneficiar a comunidade (Porter, 2010).
Este estudo assume que a criação de valor compartilhado está desta forma, atrelada ao desenvolvimento das capabilities organizacionais (Melo e Alcântara, 2015; Oliveira, 2009; Palácios e Porcell, 2012; Wang et al., 2015; Zhong et al., 2014). Tais capabilities podem ser definidas como atributos internos necessários para que as organizações coordenem seus recursos de forma efetiva (Barney, 2011) cujo processo evolutivo se apresenta de forma diferenciada entre as organizações na medida em que podemos encontrar organizações imaturas e maduras (Costa e Ramos, 2013; Oliveira, 2009; Zhong et al., 2014).
No campo organizacional os esforços em medir e acompanhar estágios evolutivos tais como ciclo de vida das organizações, padrões de crescimento das empresas e processos de mudança organizacional (Silveira et al., 2007) são usualmente conduzidos por modelos de maturidade, chamados também de modelos estruturados em estágios. Estes possibilitam uma maneira de apontar melhorias nos processos em níveis de maturidade distintos (Oliveira, 2009) como também de averiguar a plenitude ou perfeição de crescimento ou desenvolvimento organizacional (Rosemann e Bruin, 2005).
Assim, ao assumir a criação de valor compartilhado como produto das capabilities organizacionais orientadas para criação de valor (Barney, 2011; Ireland et al., 2013), este estudo se pauta na seguinte problemática: sob qual estágio de maturidade da criação de valor compartilhado podemos enquadrar grandes empresas brasileiras?
Para tanto, se propõe a demonstrar a partir do modelo CVC de Porter e Kramer (2006) em qual estágio de maturidade da criação de valor compartilhado encontram-se empresas listadas entre as 100 Melhores e Maiores da revista Exame, edição de julho/2016. A utilização de tal listagem como campo de investigação levou em conta o perfil societário das empresas brasileiras de grande complexidade e repercussão, muitas na condição de empresas de capital fechado, sem estarem sujeitas às normas de divulgação de informações impostas, por exemplo, pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Por meio de seleção por conveniência, foram pinçadas as 16 empresas de maior faturamento nos segmentos econômicos listados: das 100 Melhores e Maiores perfazendo em 2015 um faturamento de U$433 Bilhões, as 16 empresas escolhidas correspondem a U$170 bilhões (representatividade 39,02% na totalização do parâmetro adotado) — próximo a 10% do PIB brasileiro em 2015.
Também foi fundamental a construção de um instrumento aferidor de maturidade para enquadramento das empresas conforme seu nível de envolvimento na criação de valor compartilhado. Este instrumento foi adaptado do modelo Capability Maturity Model (Paulk et al.,1993) por meio do qual é possível agrupar os indicadores de capabilities e identificar padrões de caracterização de empresas em diferentes estágios evolutivos (Oliveira, 2009).
Num cenário de intensificação da busca por investimentos responsáveis (Rezende e Santos, 2006; Renneboog et al., 2008) e pela gestão focada no desenvolvimento sustentável (Guay et al., 2004), a identificação de padrões para tipificar a ênfase estratégica e operacional adotadas pelas organizações adotam para (co)criação (Frow e Payne, 2011; Saraceni, 2015) e compartilhamento (Ito et al., 2012) de valor passa pela criação de ferramentas de categorização que evidenciem capacidades e habilidades organizacionais específicas (Ulrich e Lake, 1991; Hart e Milstein, 2003).
Nesse sentido, partimos das proposições do modelo CVC (Porter e Kramer, 2006) para discutir maturidade e vinculação de tais proposições à dinâmica de organizações complexas e de grande repercussão na execução de estratégias socialmente responsáveis (Lepoutre, 2006), resultando em framework que foi aplicado para enquadramento das organizações selecionadas em diversas indústrias. A baixa evidenciação teórica-empírica de novos modelos de negócio visando à criação compartilhada de valor no Brasil, sinaliza para a pouca repercussão de estudos e proposições como os de Michelini e Fiorentino (2012), de Lüdeke-Freund et al. (2016) e de Haskell e Pålhed (2016).
Assim, é importante salientar que o presente estudo diz respeito a uma modelagem exploratória para descrever a realidade retratada pelas próprias organizações selecionadas pela via do discurso institucional: (i) a contribuição metodológica repousa no framework; (ii) a contribuição teórica, deriva do rebatimento dos CMM para uma competência estratégica contemporânea, qual seja a interação social; (iii) a contribuição para praticantes corresponde à possibilidade de aplicação de um referencial para aprimoramento de capacidades e habilidades; e (iv) a contribuição social reside na categorização das organizações e nos possíveis caminhos para estreitar gaps quanto a expectativas e resultados econômicos, sociais e ambientais esperados.
Ao justificar a premência da rediscussão do capitalismo a partir das proposições da criação de valor compartilhado, Porter e Kramer (2011a, 2011b) abordam conceitos econômicos como maximização de lucro e externalidades. Tais conceitos elucidam a relação antagônica entre sociedade e o mundo empresarial legitimada por um trade off entre sucesso econômico e benefício para a sociedade. Neste contexto, a legitimidade dos negócios é questionada na medida em que as empresas prosperem em detrimento do seu entorno (Kramer e Pfitzer, 2016).
Porter e Kramer (2011b) defendem que uma concepção estreita do capitalismo impediu que a atividade empresarial explorasse todo seu potencial para enfrentar os grandes desafios da sociedade. Neste sentido, afirmam que urge uma forma mais sofisticada de capitalismo, imbuída de um propósito social. “Não por caridade, mas por uma compreensão mais profunda da concorrência e criação de valor econômico” (Porter e Kramer, 2011b, p. 5). Kramer e Pfitzer (2016) vão além e sugerem a formação de coalizões multissetoriais que consigam mobilizar seus distintos recursos já que as empresas não têm como suportar sozinhas os enormes custos de transformação social.
As concepções sobre CVC emergiram de uma série de artigos da Harvard Business Review (Crane et al., 2014). No artigo Strategy and society: the link between competitive advantage and corporate social responsibility de 2006, Porter e Kramer já exploravam a ideia de valor compartilhado quando afirmam que uma organização de sucesso precisa de uma sociedade saudável e vice-versa. Portanto, a mútua dependência entre competitividade da firma e saúde das comunidades em torno dela (Morais et al., 2015b) é essencial no conceito da CVC.
O marco do modelo foi o lançamento do artigo The Big Idea em 2011 (Morais et al., 2012) que fundamentou o conceito da criação de valor compartilhado enquanto prática de gestão e política empresarial que aumenta a competitividade e aprimora as condições sociais e econômicas no entorno onde as empresas operam (Porter, 2013).
O modelo CVC é decomposto em três proposições elementares a partir das quais as empresas deveriam pautar a criação de valor compartilhado:
Reconcepção de produtos e mercados – o valor compartilhado em produtos e mercados: tangencia questões relativas à extensão em que o produto ou serviço oferecido pela empresa impacta positiva ou negativamente na vida do consumidor, à maneira pela qual a empresa pode redefinir a forma de produzir tal produto/serviço para que atinjam camadas sociais antes não atendidas e dessa forma abrir novos caminhos para inovação e ganhos ou, à identificação de quais benefícios sociais estão atrelados aos modelos de negócio (Porter e Kramer, 2011a, 2011b).
Redefinição de produtividade – o valor compartilhado na cadeia de valor: diz respeito à congruência entre progresso social e produtividade na cadeia de valor. Porter e Kramer (2011a, 2011b) identificam áreas nas quais as concepções do valor compartilhado podem transformar a cadeia de valor: (i) uso de energia e logística – o consumo de energia ao longo da cadeia de valor está sendo revisto, seja em processos, transportes, edificações, cadeias de suprimento, canais de distribuição ou serviços de apoio; (ii) uso de recursos - a utilização adequada de recursos viabilizada pelo avanço tecnológico pode ser estendida a toda cadeia de valor, atingindo inclusive, fornecedores; (iii) compras, distribuição - ao aumentar o acesso a insumos, partilhar tecnologias e conceder financiamento, uma empresa pode melhorar a qualidade e a produtividade de fornecedores; (iv) produtividade do trabalhador - a ênfase nos baixos salários, corte de benefícios começa a dar lugar à consciência do efeito positivo, sobre a produtividade, do salário digno, da segurança, do bem-estar, do treinamento e de oportunidades de progresso para o trabalhador; e (v) localização – em contraposição às propostas de globalização com transferência da produção para locais com a mão de obra mais barata e custos menores. Na verdade, as concorrentes internacionais mais fortes em geral serão as que criarem raízes mais profundas em comunidades importantes.
Promoção do desenvolvimento de clusters – o valor compartilhado no ambiente de negócios local e regional está entrelaçado no conjunto de indústrias ou entidades com características semelhantes cooperando entre si (Porter, 1998). Englobam fornecedores de insumos especializados e provedores de infraestrutura especializada como também instituições governamentais, universidades, associações comerciais que fornecem treinamento especializado, educação, informação, pesquisa e apoio técnico. Nesta dimensão, Porter e Kramer (2011b) apontam que sucesso de cada empresa é afetado pelos clusters de apoio. Organizações locais mais fortes em áreas como treinamento, serviços de transporte e indústrias relacionadas também aumentam a produtividade. Para apoiar o desenvolvimento de clusters nas comunidades onde operam, as empresas precisam identificar lacunas e deficiências em áreas como logística, fornecedores, canais de distribuição, treinamento, organização de mercado e instituições educacionais (Porter e Kramer, 2011a).
As três proposições para a geração de valor compartilhado interagem entre si, em uma dinâmica de realimentação e reforço mútuos. Como exemplo, fortalecer o cluster pode impulsionar compras locais; produtos e serviços novos, que atendam a necessidades sociais ou sirvam a mercados ignorados, vão exigir novas escolhas na cadeia de valor, e, novas configurações da cadeia de valor vão gerar demanda de equipamentos e tecnologia que poupem energia, conservem recursos e deem apoio a trabalhadores (Porter e Kramer, 2011b).
A criação de valor compartilhado também exige métricas concretas e customizadas em cada uma das três proposições para cada unidade de negócios da firma. Algumas empresas começam a monitorar impactos sociais, mas poucas já vincularam esses impactos a seus interesses econômicos no plano mercadológico (Porter e Kramer, 2011b). Sumarizando esta discussão, o Quadro 1 apresenta as três proposições, os critérios de avaliação e os exemplos relacionados às concepções do modelo CVC.
No Brasil, dado o caráter relativamente recente da abordagem de Porter e Kramer, as pesquisas relativas à abordagem CVC ainda são poucas e com o campo de cobertura limitado. Entre os estudos que se debruçaram sobre a evidenciação da criação de valor compartilhado em empresas brasileiras estão o de Morais et al. (2015b), o de Silva e Forte (2016) e o de Pereira et al. (2016).
O estudo de caso sobre a WEG (Morais et al., 2015b), indústria catarinense que atua no ramo de energia elétrica, teve como escopo verificar se a empresa estava promovendo CVC. Foi possível identificar que por meio de uma cultura organizacional facilitadora da prática CVC, a WEG direcionou esforços para atender a quatro variáveis sociais (eficiência energética, energias renováveis, produtos elétricos para o cuidado humano e ensino técnico) que possuem conexão com seu core business.
O estudo de Silva e Forte (2016) investigou a criação de valor compartilhado na indústria da construção civil no Ceará. Foi identificado que os gestores desta indústria já compreendem a importância e os possíveis benefícios da construção sustentável. Entretanto, a forte cultura da construção tradicional dissemina a concepção de que a construção sustentável requer grandes investimentos.
A investigação conduzida por Pereira et al. (2016) descreve como a empresa observada — Faber Castell — aplica práticas de gestão sustentável, faz uso de recursos social e ambientalmente responsáveis e desenvolve produtos benéficos aos consumidores e ao meio ambiente principalmente tendo por direcionador a proatividade da companhia.
Ainda que fora do contexto acadêmico, é notável a ação da Nestlé por meio de seu portal exclusivo dedicado à criação de valor compartilhado nas operações no Brasil (Nestlé, s.d.). A Nestlé é citada em diversos estudos enquanto empresa que cria e dissemina valor compartilhado (Bockstette e Stamp, 2011; Pftizer et al., 2013; Porter e Kramer, 2011b). Porter e Kramer iniciaram seu trabalho com a Nestlé através de sua consultoria FSG. Isso levou ao relatório de 2006 da Nestlé sobre a criação de valor compartilhado na América Latina e a partir de 2008, relatórios bianuais, globais e de toda a empresa sobre “Criação de Valor Compartilhado” (Crane et al., 2014, p. 131). Para a Nestlé, a criação de valor é parte de um processo que envolve a abordagem dos temas essenciais para seu negócio (nutrição, água e desenvolvimento rural) como também da conformidade ética e legal. A execução de projetos voltados ao cumprimento das metas é feita em nível local, por cada subsidiária, sob coordenação da Nestlé S.A., por meio de órgãos como Nestlé in Society Board e o Creating Shared Value Board.
Também é relevante evidenciar que críticas a este tipo de modelo não são raras. Faria et al. (2014) apontam que modelos de análise de estratégias sociais disseminam e fortalecem a lógica dominante da área da gestão. Tais modelos abraçaram temas antes alheios à área de estratégia como filantropia, responsabilidade social e transformação de pobre em consumidor como forma de manutenção e perpetuação do mainstream. O artigo de Crane et al. (2014) Contesting the Value of “Creating Shared Value” afirma que as proposições do modelo CVC se apresentam como uma proposta sedutora à medida em que explicitamente aborda a tarefa de recuperar a confiança nos negócios em uma época de crise prometendo relegitimar negócios e reformular o capitalismo. O Quadro 2 apresenta os principais contrapontos destacados por Crane et al. (2014).
Para Crane et al. (2014), o modelo CVC baseia-se em uma concepção superficial do papel da corporação na sociedade. E, parece ser mais uma reação do que uma resposta transformacional à crise do capitalismo ou, como comentado e criticado por Beschorner (2014), uma maneira de ver as organizações como um “pônei de um só truque”, capaz de operar unicamente sob os argumentos do capitalismo (ator econômico) em descompasso aos argumentos de responsabilidade corporativa (ator social). Medeiros et al. (2016b) relatam que, ao alcançarem a amplitude máxima da CVC, as organizações proporcionariam benefícios aos stakeholders ao invés de apenas proporcionar benefícios financeiros aos shareholders: diminuiriam externalidades, incrementariam qualidade dos produtos, ampliariam a eficiência produtiva e reduziriam custos decorrentes de penalidades pelo emprego de insumos prejudiciais ao meio ambiente.
As capabililities são determinantes na performance das empresas, pois são essenciais para promover a criação de valor (Barney, 2011; Ireland et al., 2013). São construídas ao longo do tempo e absorvidas pelas empresas em suas rotinas, tarefas e cultura a fim de manter a sustentabilidade organizacional (Silva e Moori, 2015). Seu processo evolutivo está atrelado à efetivação de melhores práticas (Barra et al., 2016) e se apresenta de forma diferenciada entre as organizações (Oliveira, 2009; Zhong et al., 2014) na medida em que podemos encontrar organizações imaturas e maduras (Costa e Ramos, 2013).
Os modelos de maturidade ou modelos estruturados em estágio permitem às organizações avaliarem sua evolução em determinado processo (Oliveira et al., 2011), formar grupos de indicadores de capabilities e identificar traços ou padrões que podem ser utilizados na caracterização de empresas em diferentes pontos de uma escala de evolução (Oliveira, 2009). Tais modelos, em geral, apresentam cinco níveis que tentam retratar qual o posicionamento organizacional e variam do estágio inicial de uma prática ao estágio otimizado, em que cada nível indica uma melhoria na padronização e organização internas (Morais et al., 2015a).
O Capability Maturity Model (CMM) é um modelo de processo normativo incialmente proposto para análise de processos de desenvolvimento e manutenção de softwares (Paulk et al., 1993; Oliveira, 2014; Morais et al., 2015a). Entretanto, tem sido aplicado com sucesso em diversas áreas do conhecimento como engenharia de sistemas (System Engineering Capability Model – SECMM), em gestão de pessoas (People Capability Maturity Model – PCMM), em na ciência forense (Digital Investigation Capability Maturity Model – DI-CMM), na gestão do turismo (Attraction Website Maturity Model - AWMM) e em gestão de processos (Capability Maturity Model of Integration for Service - CMMI-SVC).
Especificamente no tocante à Criação de Valor Compartilhado, a dinâmica de originação e de gestão de capabilities mantém laços com a mutualidade de benefícios da maior proximidade entre empresa e clientes (Day, 2003; Martelo Landroguez et al., 2011) e das trocas dinâmicas de conhecimento entre os diversos stakeholders (Martelo Landroguez, et al., 2011), mais notadamente os que integram as verticais de negócios.
O Apêndice A traz uma síntese dos estudos recentes sobre modelos de maturidade baseado no CMM. Além de demonstrar a diversidade de modelos e áreas impactadas, evidencia que estudos nacionais, em sua grande parte, estão voltados à proposta de criação de modelos que se adequem a realidade brasileira enquanto que os estudos internacionais se focam na aplicabilidade efetiva dos modelos de maturidade.
Este estudo possui caráter exploratório no tocante à criação de um modelo para enquadramento das organizações e, descritivo, no que tange a caracterizar achados derivados de dados secundários sobre estágios de maturidade organizacional das empresas investigadas conforme descrito por Vergara (2005). Como método de pesquisa foi aplicado o enfoque qualitativo da comparação dos discursos institucionais corroborado pela análise comparada e análise de dados da internet como relatado por Demo (2011). Quanto aos meios, caracteriza-se como estudo documental visto fazer uso de “fontes de papel” e de dados ainda por analisar (Gil, 2010).
Foram empregados dados secundários públicos presentes na forma de arquivos, documentos e relatórios (Roesch, 2005). Os dados das empresas, relativos ao ano de 2015 foram coletados na revista Exame Melhores e Maiores, publicada em julho de 2016. A população-alvo desta pesquisa está representada pelas 100 empresas listadas na revista Exame Melhores e Maiores classificadas por ordem de vendas líquidas. Na amostragem por conveniência foram escolhidas as 16 maiores empresas por venda líquida de cada segmento econômico.
Complementando o design da pesquisa, a abordagem utilizada para evidenciação da CVC fez uso dos critérios apresentados no Quadro 1 para coleta, tratamento e análise dos dados. Na coleta documental foram acessados os sítios institucionais das empresas pesquisadas. Os documentos pesquisados foram: relatórios anuais, relatórios de sustentabilidade, balanço sociais, códigos de conduta, relatórios de intenções e comprometimentos, relatórios de diretrizes, relatórios de análise de materialidade, plano de ação, informativos afins, relatórios de atividades das fundações assistenciais e guias de sustentabilidade para fornecedores.
O tipo de dados coletado delimita as possibilidades de análise (Roesch, 2005). Neste sentido, optou-se por um plano de tratamento de dados orientado pela metodologia do Modelo CVC conforme a estruturação apontada no Quadro 1. Foram contemplados os dados referentes à: core business da empresa, dimensões sociais escolhidas pela empresa, ações/iniciativas efetivadas, quantidade de pessoas impactadas, regiões atendidas, valores despendidos, avaliações sobre o retorno da criação de valor compartilhado, métodos utilizados para mensuração do valor compartilhado.
Quanto ao plano de análise de dados, optou-se pela análise de conteúdo conforme protocolo adotado por Moraes (1999). Desta forma, as proposições da metodologia CVC apresentadas no Quadro 1 foram elegidas como categorias de análise e os critérios de avaliação como subcategorias de análise. Em seguida, foram realizados os recortes das unidades de contexto definidas por parágrafos e das unidades de registro definidas por temas referenciais em cada categoria/subcategoria. Os dados de cada empresa foram tabelados individualmente e catalogados de acordo os critérios de cada proposição de criação de valor compartilhado. Um exemplo da codificação utilizada nesta investigação com as respectivas extrações das unidades de contexto e registro está apresentado no Quadro 3.
A adaptação do modelo Capability Maturity Model (Oliveira, 2014; Röglinger et al., 2012) possibilitou a evidenciação do estágio de maturidade em torno criação de valor compartilhado para cada empresa pesquisada. Neste sentido, a construção da escala de maturidade foi fundamentada em como a criação de valor compartilhado pôde ser gerada em empresas situadas em segmentos econômicos distintos. Neste sentido, foram escalonados desde níveis nos quais o estágio de maturidade em termos de criação de valor compartilhado não pôde se identificado até níveis nos quais o estágio de maturidade denotava a disseminação e reconhecimento da criação de valor compartilhado em toda a organização.
Esta escala de maturidade configurou-se como base para a elaboração do Aferidor de Maturidade de Capabilities para a Criação de Valor Compartilhado demonstrado no Apêndice C. Aderente à abordagem CVC e ao modelo de maturidade, o Aferidor de Maturidade de Capabilities para a Criação de Valor Compartilhado apresenta conforme Morais et al. (2015a): (a) o número de níveis ou escala de maturidade; (b) a caracterização de cada nível de maturidade; (c) os critérios de avaliação que correspondem às principais concepções de cada dimensão; (d) as dimensões que se cruzam com cada nível, e; (e) as descrições das atitudes comportamentais da empresa, que caracteriza o estágio de criação de valor compartilhado no qual se encontra. Importante ressaltar que tais descrições foram elaboradas concomitantemente ao levantamento e tratamento de dados. Desta forma, foi possível elaborar descrições mais ajustadas ao objetivo da pesquisa.
O enquadramento de cada empresa nos respectivos níveis do aferidor foi possível a partir da interpretação dos resultados dos recortes das unidades de contexto e de registro. Desta forma, ações organizacionais identificadas como geradoras de valor compartilhado no levantamento documental nortearam a análise dos níveis de maturidade.
A análise do Aferidor de Maturidade de Capabilities para a Criação de Valor Compartilhado resultou num score indicativo do nível de maturidade de cada empresa. A pontuação de 0 a 100 foi distribuída entre os cinco níveis de maturidade associado ao modelo conforme Apêndice B.
O score obtido a partir do Aferidor de Maturidade para a Criação de Valor Compartilhado permitiu classificar cada empresa por nível de maturidade de criação de valor compartilhado tendo como base as evidências levantadas na coleta de dados. Desta forma, obteve-se como resultado o Apêndice B no qual foram analisadas as 15 principais empresas de cada segmento lista nas Melhores e Maiores. Na análise, a FIAT (FCA) foi excluída haja vista que desde 2013, com a fusão com Chrysler, não disponibiliza em seu site institucional relatório de sustentabilidade no Brasil. Os relatórios anuais são emitidos pela FCA Group. Contudo, não foram encontrados dados suficientes sobre as operações brasileiras.
A partir da análise comparada das principais firmas de cada indústria, identificamos que todas apresentam indícios que permitem situá-las acima do Nível 1 de Maturidade de Capabilities para criação de valor compartilhado, ou seja, há evidenciação de proposição de valor para a criação de valor compartilhado.
Contribuímos com 2% da nossa receita bruta consolidada global para programas que fomentam a nutrição, saúde, educação e proteção do ambiente. No ano fiscal de 2015, a contribuição da Cargill para a caridade foi de 57,9 milhões de dólares em 57 países. Juntos, os nossos funcionários, negócios e parceiros operam melhorias consideráveis nas nossas comunidades (Annual Report Cargil, 2016).
Cinco empresas foram enquadradas como detentoras de capabilities CVC de Nível 2: Louis Dreyfuss, Cargill, Grupo Globo, ECT, Arcelor Mittal Brasil e a TAM (Latam) e, de um modo geral, apresentam as seguintes características: (a) dispendem altos investimentos notadamente em programas educacionais e ações ambientais, ainda que boa parcela por meio de leis de incentivo (Cargill, Arcellor Mittal); (b) cumprem o papel social proposto nos relatórios de intenções e diretrizes apresentados; (c) contribuem para a sociedade ainda com atribuição ou significado de doação e caridade (Cargill); (d) quantificam os programas e ações assim como os valores envolvidos e; (e) atuam em ações e programas desconectados do core business da empresa (ECT, Arcellor Mittal).
As empresas de capital fechado Grupo Globo e a ECT não colocam à disposição todos os reportes necessários. As análises ficaram restritas aos relatórios das fundações assistenciais e aos materiais disponibilizados nos sítios institucionais.
Do ponto de vista da criação de valor compartilhado, há uma forte intenção de cumprir seu papel social e uma firme percepção da importância do impacto das suas ações para a sociedade. Contudo, as evidências demonstram que não estão imbuídos ou orientados no conceito de valor compartilhado. E, tampouco de efetivamente se avaliar, mensurar o quanto isso pode gerar de benefícios econômicos e sociais para as empresas.
Os impactos socioambientais provocados por nossas atividades dificilmente serão zerados, mas podem ser mitigados ou compensados pelos benefícios que proporcionamos às localidades (Relatório de Sustentabilidade Suzano Celulose, 2015).
As sete empresas enquadradas no Nível 3 de maturidade de capabilities CVC – BR Distribuidora, Petrobrás, Vale, Suzano Celulose, Braskem, Telefônica e GPA – apresentaram as seguintes características: (i) investem altas quantias em ações ambientais (BR Distribuidora, Vale, Petrobras, Suzano Celulose, Braskem); (ii) articulam ações e programas pulverizados e que se distanciam do seu core business (BR Distribuidora, Petrobrás, Vale, Braskem); (iii) apresentam profundo envolvimento nas atividades de seu entorno provocado pelo tipo de produto/serviço oferecido (Petrobras, BR Distribuidora, Vale, Suzano, GPA); (iv) possuem visão clara sobre os impactos positivos e negativos das suas atividades no para a sociedade (Petrobrás, BR Distribuidora, Suzano Celulose, Vale, Telefônica); (v) realizam acompanhamento sistematizado desses impactos; (vi) disseminam a cultura empreendedora nas comunidades de seu entorno como também entre seus fornecedores (Braskem, Suzano, Telefônica) e; (vii) estão fortemente focados em atender às diretrizes de materialidades do relatório de sustentabilidade Global Reporting Initiative (GRI).
As evidências apontam uma forte preocupação com os impactos das suas atividades na sociedade (Crane et al., 2014). Assim, diversas ações são desenvolvidas no sentido de mitigação desses impactos. Verificou-se também que a pulverização de ações e programas reduz o potencial de criação de valor compartilhado, já que muitas se distanciam da atividade principal da empresa. O envolvimento em ações que possam criar valor compartilhado existe, de fato, mas ainda é incipiente.
O objetivo é identificar novos estilos de vida através de um novo comportamento, padrões ou práticas que podem prever as necessidades de futuros consumidores e isto acaba se refletindo na inovação de produtos [...] Estabeleceu centro de Pesquisa e Desenvolvimento em países em desenvolvimento... [...] opera sete centros de Pesquisa e Desenvolvimento em estilo de vida - Londres, San Jose, Delhi, Cingapura, Pequim, São Paulo e Seul (Sustainability Report Samsung, 2015).
A Samsung, única empresa enquadrada no Nível 4, e apresentou as seguintes características: (i) aporta altos investimentos em programas educacionais; (ii) apresenta, em grande parte, ações e programas com forte relação com o core business da empresa; (iii) demonstra forte interesse na disseminação e compartilhamento de conhecimento tecnológico; (iv) direciona as atividades em Pesquisa e Desenvolvimento para os mercados locais e visto como oportunidade de negócio e; (v) está fortemente focada em atender às diretrizes de materialidades do relatório de sustentabilidade Global Reporting Initiative (GRI).
Para a criação de valor compartilhado, a empresa se destaca com o forte apelo à disseminação e compartilhamento de conhecimento, seja internamente ou envolvendo as comunidades nas quais atua. Neste sentido, mantêm intensa relação com o segmento acadêmico. Este tipo de posicionamento permite a empresa o compartilhamento de valor ou Shared Growth (como disposto em seu relatório de sustentabilidade). Contudo, não há um indicativo de mensuração efetiva da criação de valor compartilhado.
A aplicação da metodologia S-ROI (Social Return in Investment) na unidade de Primavera, no Pará, demonstrou que para cada R$1,00 investido o valor gerado par a companhia é de R$4,54 (Relatório Anual Votorantim Cimentos, 2015).
A Votorantim Cimentos, única com maturidade CVC no Nível 5, se caracteriza por: (i) aporta alto investimento em projetos sociais; (ii) envolve os stakeholders internos e externos no compartilhamento de valor; (iii) possui visão clara sobre os impactos positivos e negativos das suas atividades para a sociedade; (iv) criação de modelo de gestão compartilhado; (v) atua na modernização da gestão pública das localidades onde estão inseridos e; (vii) apresenta uma mensuração sistematizada e padronizada da criação de valor compartilhado.
Para a criação de valor compartilhado, a empresa atribui foco à disseminação do compartilhamento de valor entre os stakeholders. A utilização de métricas na mensuração da criação de valor se apoia também em parcerias com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Desta forma, a metodologia adotada identificou a contribuição das externalidades positivas promovidas pelos investimentos sociais no fluxo de caixa do projeto da unidade de negócio.
Este artigo se propôs a demonstrar a partir do modelo CVC de Porter e Kramer (2006) em qual estágio de maturidade da criação de valor compartilhado encontram-se empresas listadas entre as 100 Melhores e Maiores da revista Exame, edição de julho/2016. Por meio do “aferidor de maturidade de capabilities para a criação de valor compartilhado”, baseado no modelo de maturidade CMM, foi possível enquadrar 15 das 16 empresas analisadas (excluída a Fiat) conforme demonstrado na Figura 1.
Em termos de maturidade na criação de valor compartilhado, as empresas do Nível 2 (Casuístico) apresentaram como padrão característico o tipo de capital de companhias fechadas, em sua maioria, e, portanto, com limitação à disponibilização dos dados secundários. Ainda que haja a firme intenção de cumprir seu papel social, não foi evidenciado para estas empresas orientação para a criação de valor compartilhado.
Quantos às empresas enquadradas no Nível 3 (Consciente) são caracterizadas pelo alto impacto social e ambiental de seus produtos/serviços. Parece haver uma visão clara sobre tais impactos para a sociedade, contudo, a orientação e disseminação da criação de valor compartilhado ainda são rudimentares. Tal fato pôde ser demonstrado, por exemplo, na pulverização questões sociais escolhidas para a intervenção estratégica que se distanciam do core business das empresas (Porter, 2007).
Para o Nível 4 (Efetivo), a caracterização principal aparece no forte apelo à disseminação e compartilhamento do conhecimento como forma de gerar valor compartilhado e conectando o core business da empresa às questões sociais escolhidas para a intervenção estratégica.
Em relação ao Nível 5 (Pervasivo) de maturidade, as principais características residem no envolvimento de stakeholders internos e externos no compartilhamento de valor, na criação de um modelo de gestão de compartilhamento e na mensuração sistematizada e padronizada dos ganhos em função da criação de valor compartilhado.
Portanto, em sua maior parte, as empresas estão em níveis intermediários de maturidade na criação de valor compartilhado. Portanto, o potencial do compartilhamento de valor ainda não foi totalmente explorado.
Este tipo de investigação contribui para evidenciar o que grandes empresas revelam por meio de dados secundários de acesso público (Irigaray et al., 2017) e, para esta investigação, o quanto estão dispostas a disseminarem a criação de valor compartilhado enquanto fonte de riqueza.
Este trabalho também apresenta limitações como a pequena ênfase à discussão do CVC/CSV no Brasil e o acesso a dados secundários que não puderam ser coletados de forma equitativa para todas as empresas observadas.
A heurística desenvolvida para o “aferidor de maturidade de capabilities para a criação de valor compartilhado” ainda está em fase final de refinamento via estudos já em curso e poderá ser solicitada aos autores para cooperação em novas aplicações.
Futuros estudos incluem a ampliação da amostra para cada um dos setores econômicos tratados na publicação já utilizada para compor o atual campo de investigação, a aplicação do mesmo modelo de CMM nas carteiras hipotéticas de níveis e governança de sustentabilidade empresarial organizadas pela BM&FBOVESPA, a realização de estudos longitudinais para acompanhar a evolução de empresas e setores, a discussão da CSV perante organizações estatais, e a aplicação de surveys para evidenciação de variáveis mais relevantes para a CVC segundo as empresas brasileiras de grande complexidade e repercussão.