Resumo: O objetivo desse estudo é compreender como ocorre o desenvolvimento das capacidades dinâmicas ao longo da história das organizações com as influências do contexto externo e da dependência da trajetória nesse processo. Para tanto, buscou-se articular a lente teórica das capacidades dinâmicas com foco na dependência de trajetória, bem como aliar o contexto externo à organização e o seu papel na articulação das capacidades dinâmicas. O estudo foi realizado por meio da análise da trajetória organizacional e do comportamento estratégico de duas empresas brasileiras de Tecnologia da Informação e da evolução e mudanças ocorridas no setor de Tecnologia da Informação. Realizou-se um estudo qualitativo, os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e documentos internos e externos, sendo analisados mediante a análise de conteúdo. Os resultados sustentam que o desenvolvimento e articulação das capacidades dinâmicas auxiliam na construção de um caminho com flexibilidade estratégica e alinhado com as mudanças ambientais. O estudo avança e complementa o conhecimento na lente teórica das capacidades dinâmicas, por meio da proposição de um modelo analítico. O modelo permite incrementar a precisão e definição nas análises de capacidades dinâmicas, contribuindo para melhorar a atual falta de consenso sobre a definição e medição dessas capacidades, bem como evidenciar como elas se manifestam na prática. O artigo colabora para ampliar a análise de capacidades dinâmicas para além do foco nos elementos internos das organizações, assim como demonstrar que a dependência da trajetória pode se configurar como uma propulsora para evolução e a vantagem competitiva organizacional.
Palavras-chave:Capacidades DinâmicasCapacidades Dinâmicas,Dependência de TrajetóriaDependência de Trajetória,Indústria Brasileira de Software e Serviços de TIIndústria Brasileira de Software e Serviços de TI.
Abstract: The aim of this study is to understand how the development of dynamic capabilities throughout the organizations' history occurs with the influences of the external context and the path dependence in this process. To this end, we sought to articulate the theoretical lens of dynamic capabilities with a focus on path dependence, as well as to combine the external context and its role in the articulation of dynamic capabilities. The study was conducted by analyzing the organizational trajectory and strategic behavior of two Brazilian Information Technology firms and the evolution and changes in the Information Technology sector. A qualitative study was performed; data were collected through semi-structured interviews and internal and external documents and analyzed through content analysis. The results support that the development and articulation of dynamic capabilities help in the construction of a path with strategic flexibility and aligned with the environmental changes. The study advances and complements knowledge in the theoretical lens of dynamic capabilities through the proposition of an analytical model. The model allows increasing the precision and definition in the analysis of dynamic capabilities, contributing to improving the current lack of consensus on the definition and measurement of these capabilities. Also, showing how they are manifested in practice.The article collaborates to expand the analysis of dynamic capabilities beyond the focus on the internal elements of organizations, as well as to show that the path dependence can be configured as a driver for evolution and the organizational competitive advantage.
Keywords: Dynamic Capabilities, Path Dependence, Brazilian Software Industry and IT Services.
O Desenvolvimento de Capacidades Dinâmicas à Luz do Ambiente Externo e da Dependência de Trajetória
The Development of Dynamic Capabilities in the Light of the External Environment and Path Dependence
Recepção: 11 Novembro 2019
Aprovação: 10 Janeiro 2020
O ambiente de negócios atual em que as organizações estão inseridas é marcado pela alta competitividade, incertezas, mudanças e pela premência de uma atuação eficaz. Neste cenário, as empresas necessitam desenvolver e articular ativos e recursos estratégicos ao longo do tempo para sobreviver e evoluir. Assim, um elemento essencial para compreender a economia moderna e o capitalismo é a compreensão de como algumas empresas constroem capacidades, crescem e desenvolvem uma vantagem competitiva que conduzem a maiores lucros acima de um nível competitivo (Teece, 2019a). A lente teórica das Capacidades Dinâmicas (CDs) é uma abordagem proeminente para a análise dos movimentos estratégicos organizacionais.
A abordagem das CDs é definida almeja propor um quadro abrangente que evidencia as capacidades críticas necessárias para sustentar a evolução da empresa e, no âmbito da gestão estratégica, é um tema de destaque (Vogel & Güttel, 2013). Esta linha de pesquisa enaltece que o sucesso organizacional em ambientes de mudança rápida requer habilidades superiores nos processos organizacionais, gerenciais e tecnológicos (Teece, Pisano, & Shuen, 1997). As CDs são definidas como “a capacidade da empresa de integrar, criar e reconfigurar competências internas e externas para abordar ambientes em rápida mudança ” (Teece et al., 1997, p. 510).
Com a articulação dessas capacidades, torna-se possível identificar e aproveitar oportunidades e manter a competitividade por meio do incremento, proteção e reconfiguração dos ativos tangíveis e intangíveis da empresa (Teece, 2007). A articulação dos pilares de CDs torna a organização ágil, permite desenvolver seus pontos fortes e moldar o ambiente de negócios a seu favor (Al-Aali & Teece, 2014). As CDs auxiliam as empresas a construírem e renovarem seus recursos de maneira lucrativa, realizando reconfigurações para inovar e responder às mudanças no mercado e no ambiente de negócios (Pisano & Teece, 2007). Esta perspectiva teórica contempla a compreensão da evolução das empresas constritas pelos seus caminhos e pelos aspectos positivos e negativos gerados em virtude da dependência da trajetória organizacional (Teece et al., 1997). A dependência de trajetória organizacional evidencia como os investimentos anteriores da empresa e seu repertório de rotinas (compreendido como a sua história) restringem e moldam o seu comportamento futuro (Teece et al., 1997). A dependência de trajetória é “onipresente na evolução e nos padrões de tomada de decisão das organizações”, explicando, assim, a persistência de escolhas organizacionais que enfatizam a importância que os eventos passados trazem para a orientação futura da empresa (Castaldi, Dosi, & Paraskevopoulou, 2018).
A dependência de trajetória é uma abordagem que busca identificar como ocorrem os processos de mudança e disposição das estruturas industriais, assumindo que esses processos são dependentes do caminho trilhado pela empresa ao longo do tempo, pelas estruturas e sociedades existentes (Dosi & Nelson, 1994). Essa dependência sustenta um padrão específico de práticas sociais que se auto reforçam durante o tempo e predominam sobre as demais alternativas disponíveis (Sydow, Schreyögg, & Koch, 2009). A abordagem das CDs contribui para explicar como as organizações lidam e gerenciam a dependência de trajetória e conseguem detectar e promover as mudanças necessárias para sua sobrevivência e crescimento. Foss (1997) argumenta que a noção da dependência de trajetória reconhece que “a história importa” e que, dentro desse âmbito, há possibilidades de evoluir teoricamente a fim de avançar os estudos acerca do desenvolvimento de novos recursos organizacionais.
Sendo assim, a compreensão do papel da dependência da trajetória para o comportamento estratégico organizacional e os episódios de mudanças realizadas nas empresas, apresenta-se intrínseco à perspectiva das CDs. Vergne e Durand (2011) recomendam o desenvolvimento de pesquisas que investiguem as propriedades das CDs de detecção, aproveitamento e reconfiguração, conforme proposto por Teece (2007) entre as quais a dependência de trajetória desempenha um papel proeminente. No entanto, os autores também argumentam que se faz necessário considerar as condições e mudanças do contexto externo à empresa, de modo que “(...) as características ambientais são essenciais para explicar o poder causal que reside em CDs, mas o trabalho acadêmico tende a enfatizar excessivamente a capacidade interna de uma empresa de sentir e aproveitar oportunidades ou para orientar a evolução organizacional” (Vergne & Durand, 2011, p. 369). Ademais, Schilke, Hu, & Helfat (2018) argumentam que as CDs dependem do contexto em relação à configuração (por exemplo, região, setor) e os estudos neste âmbito devem considerar as especificidades dessas capacidades e requerem precisão na definição de análise. Os autores apontam a necessidade de estudos que considerem tais elementos e apresentem uma construção concreta acerca do desenvolvimento de CDs. Por conseguinte, há pouca pesquisa sobre a renovação estratégica a longo prazo e que permita compreender a evolução organizacional (Teece, 2019b) e a pesquisa empírica necessita um guia mais forte para desenvolver a lente teórica das CDs, por meio da identificação da natureza, do papel e da localização dessas capacidades dentro da organização (Grant & Bakhru, 2016).
Desse modo, o presente estudo aborda a dependência de trajetória conexa às CDs, bem como a importância do contexto externo e suas influências para a realização de mudanças organizacionais, a fim de atender essas lacunas na perspectiva das CDs. A pesquisa abarca a compreensão de como as CDs se manifestam nas organizações, ao longo das trajetórias organizacionais e das mudanças ambientais. Para tanto, delineou-se um modelo analítico para compreender o papel e o desenvolvimento das CDs, considerando os processos, as posições e os caminhos das empresas, na dependência da trajetória e abordagem das mudanças no ambiente competitivo. O estudo se distingue de pesquisas anteriores (e.g. Vasconcellos, Garrido, Vieira, & Scheider, 2015; Vergne & Durand, 2011), apresentando uma visão integrada da perspectiva das CDs com a dependência de trajetória e o ambiente externo, evidenciando como as CDs podem auxiliar no desenvolvimento de um caminho com flexibilidade estratégica e alinhado com as mudanças ambientais. O modelo apresentado permite analisar e mapear de maneira completa a atual conjuntura organizacional e as possibilidades para o desenvolvimento das capacidades necessárias para sua evolução.
A análise empírica desse estudo foi realizada por meio da averiguação da história e dos episódios de mudanças estratégicas ocorridos em duas empresas brasileiras do setor de Tecnologia da Informação (TI), que atuam há mais de vinte anos no mercado. Além disso, foi realizado um mapeamento da história do setor de TI brasileiro, identificando as principais modificações sucedidas no setor que impactaram o contexto e os negócios. A partir disso, buscou-se analisar a relação entre as mudanças ocorridas no contexto externo e as alterações no comportamento estratégicos das empresas estudadas para averiguar as influências da dependência da trajetória e do contexto externo nos movimentos empreendidos pelas organizações. Conjuntamente, delineou-se de maneira as CDs são desenvolvidas e articuladas na conjuntura dessas organizações.
Os resultados evidenciaram que o contexto externo influencia os movimentos estratégicos empreendidos pelas empresas. A dinamicidade do ambiente exigiu e exige respostas rápidas e uma flexibilidade organizacional para abordar as mudanças. As empresas analisadas realizaram os movimentos necessários por meio do desenvolvimento e mobilização de CDs sustentadas pela trajetória construída ao longo do tempo. Assim, verificou-se que essas capacidades se mostram relevantes para a sobrevivência e para o sucesso organizacional, pois a construção e a manutenção de CDs enfatizam os recursos e ativos internos atrelados com as condições e mudanças do ambiente externo competitivo.
Para abordar o estudo proposto, na seção a seguir apresenta-se a perspectiva das CDs, seus elementos, sua relação com a dependência de trajetória e com o contexto ambiental externo. A terceira seção descreve a abordagem empírica da pesquisa e a quarta seção mostra o delineamento dos casos estudados e as análises e interpretações acerca dos mesmos. Na última seção constam as conclusões e direções para futuras pesquisas.
A abordagem das CDs, alicerçada no campo da gestão estratégica, fornece uma visão diferenciada para a compreensão das fontes de vantagem competitiva. Ela integra a literatura de inovação e estratégia, almeja propor um quadro abrangente que evidencia as capacidades críticas necessárias para sustentar a evolução da empresa. Por meio de uma gama de processos e rotinas, torna-se possível delinear os seus microfundamentos, compostos pela capacidade detectar e moldar oportunidades e ameaças (sense); aproveitar as oportunidades identificadas (seizing); proteger e reconfigurar os ativos tangíveis e intangíveis da empresa para manter a competividade (reconfiguring) (Teece, 2007).
O seu domínio é complexo e envolve diversos níveis de análise, que permeiam desde os processos de decisões do gestor até as interações competitivas, mudanças ambientais e rotinas organizacionais (Helfat et al., 2009). O artigo seminal de Teece et al. (1997, p. 516) moldou o conceito inicial de CDs, apresentando como definição “a habilidade da firma de integrar, construir e reconfigurar competências internas e externas para abordar ambientes de rápidas mudanças”. Assim, a abordagem busca explicar como a combinação de recursos e competências podem ser desenvolvidas, implementadas e protegidas.
A construção e manutenção de uma vantagem competitiva distintiva são constituídas por elementos estratégicos que fundamentam as CDs, os quais contemplam três categorias: processos, posições e caminhos (Teece et al., 1997). Os processos organizacionais e gerenciais abrangem as rotinas e a maneira como as atividades são desempenhadas na empresa refletindo padrões e prática. As posições traduzem as tecnologias específicas captadas pela empresa, a propriedade intelectual, os ativos complementares, a base de clientes e relação com fornecedores e agentes externos. Por fim, os caminhos são as alternativas estratégicas disponíveis, a dependência da sua trajetória e a presença ou ausência de retornos crescentes. Assim, os processos organizacionais moldam as posições atuais da empresa e, consequentemente, seus caminhos evolutivos, elucidando a essência das suas CDs e de sua vantagem competitiva (Teece et al., 1997).
Os caminhos evolutivos e, de forma mais destacada, o elemento da dependência de trajetória organizacional, têm sua importância enfatizada na pesquisa estratégica pois exercerem influências nas decisões da empresa de entrar em novos mercados, no fornecimento de novos serviços e na busca de novas tecnologias (Zahra & George, 2002). O histórico de investimentos realizados pela empresa pode carregar um valor econômico continuado no presente e no futuro, tendo em vista que esses investimentos auxiliam a organização no aprendizado e absorção de novos conhecimentos de forma mais eficiente (Kor & Mahoney, 2005). Assim, as CDs são caracterizadas como rotinas complexas que emergem de processos dependentes da trajetória, que podem ser descritos com maior precisão em termos de mecanismos de aprendizagem que orientam a evolução dessas capacidades (Eisenhardt & Martin, 2000).
A estratégia da empresa tem como um dos elementos centrais as escolhas referentes à quanto será investido em diferentes áreas, as quais são influenciadas por escolhas do passado e pelo caminho de desenvolvimento de competências (Teece et al., 1997). As CDs abarcam, frequentemente, o compromisso de longo prazo com recursos especializados, haja vista que o maior nível de detalhamento e penetração da atividade envolvida na empresa, maiores serão os custos dos compromissos envolvidos (Winter, 2002). Dessa forma, considerando determinados níveis de competência, as empresas assumem, em diversos momentos, compromissos de longo prazo quase irreversíveis (Teece et al., 1997).
As CDs podem ser interpretadas, de forma simultânea, tanto como dependentes da trajetória organizacional como um remédio para essa dependência (Vergne & Durand, 2010). A dependência de trajetória pode criar laços distintivos e se tornar fonte de vantagem competitiva e, concomitantemente, evidencia a dificuldade de lançar ou reconfigurar rapidamente os recursos (Jarzabkowski, 2002).
O dinamismo requerido para o gerenciamento dos recursos da empresa é influenciado pela dependência de trajetória, ou seja, a aprendizagem, o conjunto de rotinas que a empresa detém e os investimento do passado se constituem como elementos formadores do futuro e de promoção de percepções sobre o ambiente em transformação (Teece et al., 1997). A partir dessa visão, assume-se que as empresas são capacitadas para olharem para frente e reconhecerem oportunidades e riscos, porém, a sua experiência molda a sua previsão (Karim & Mitchell, 2000). A dependência de trajetória é um processo desencadeado por um evento crítico que conduz uma conjuntura crítica, o qual é dirigido por um feedback positivo e de auto reforço (Sydow et al., 2009). Esse feedback forma um padrão específico de práticas sociais predominantes e que conduz a um caminho de ação limitada por parte da organização. No entanto, a compreensão completa dos mecanismos sociais que conduzem a esse processo permite a redução da influência da dependência de trajetória e o desenvolvimento de intervenções inovadoras (Sydow et al., 2009). Desse modo, o entendimento da origem dos recursos existente na empresa determinados pelas decisões passadas auxilia no desenvolvimento de novas capacidades (Kor & Mahoney, 2005).
Além disso, a compreensão da dependência de trajetória perpassa o conhecimento do passado como também de que maneira os padrões de ação foram alterados por eventos que não estão pautados pela história sucedida (Mahoney, 2000). Diante de uma situação de contingência, os gestores efetuam uma análise, questionam a trajetória e a interrompem, tomando outro curso de ação e se opondo ao padrão da trajetória. A dependência de trajetória conecta o passado e o futuro de forma abstrata, porém, as pesquisas no âmbito da estratégia ainda não deixaram claro como essa dependência, algumas vezes, apresenta resultados eficientes e às vezes não, assim como em que momentos ela não é imperativa nas decisões tomadas pela empresa (Vergne & Durand, 2010). Desse modo, explora-se, na próxima seção, o papel do contexto externo à empresa na influência das decisões e como um caminho alternativo para a dependência de trajetória.
A realização das mudanças organizacionais necessárias é algo difícil, pois quando as empresas estabelecidas reconhecem a necessidade de mudar para responder ao seu ambiente externo, a resposta, muitas vezes, não consegue ser eficaz (Tripsas & Gavetti, 2000). Em situações em que as mudanças contextuais são fundamentais e descontínuas e o dinamismo ambiental é alto, exige-se soluções completamente novas, mais do que o conjunto atual de ações disponíveis (Schilke, 2014). Nesse aspecto, as CDs podem auxiliar no processo de mudança, melhorando a velocidade, eficácia e eficiência com que uma empresa realiza suas operações e responde às mudanças em seu ambiente (Drnevich & Kriauciunas, 2011). As CDs dependem do contexto em que são utilizadas e o desempenho deve ser mensurado pela aptidão evolutiva, ou seja, o quão bem uma capacidade dinâmica permite que a empresa se desenvolva, criando, ampliando e modificando sua base de recursos em consonância e alinhamento ao contexto externo em que a organização opera (Helfat et al., 2009). Assim, os benefícios das CDs dependem tanto da existência de rotinas organizacionais subjacentes, quanto do contexto em que são implantadas.
A variedade de ações passadas vivenciadas pela empresa permite criar um portfólio de ações para o futuro e o desenvolvimento de CDs para enfrentar novas situações e responder ao ambiente de mudança (Laaksonen & Peltoniemi, 2018). No entanto, a rentabilidade superior no nível da empresa depende da criação e exploração de ativos únicos e de difícil replicação (Teece, 2007). Sendo que, a força desses ativos irá variar de acordo com o contexto externo, que também afetam as respostas gerenciais que a empresa fornece (Teece, 2000). Nesse sentido, as empresas, em geral, não podem sustentar sua vantagem e atuação exclusivamente na dependência de sua trajetória, pois ela não poderá evitar o fracasso quando as condições externas se alteram, além de que se amplia o desajuste entre as capacidades internas e as condições ambientais (Vergne & Durand, 2011). As CDs têm seu valor dependentes do contexto, haja vista que à medida que as oportunidades ambientais mudam esse valor poderá ser alterado, pois uma vantagem derivada da implantação de uma capacidade se condiciona a necessidade de sua função no ambiente externo (Helfat et al., 2009).
A mudança organizacional é influenciada por eventos, pelo desenvolvimento no contexto externo da empresa e pelo grau de sua turbulência e incerteza gerada, bem como pelo panorama interno reforçado pela história organizacional e a receptividade à mudança (Buchanan et al., 2005). Assim, o contexto envolve interações mútuas e múltiplas entre os atributos internos e o cenário externo, evoluindo ao longo do tempo por meio do produto da ação conjunta (Fitzgerald et al., 2002). O paradoxo das CDs vinculado à dependência de trajetória pode ser abordado se distinguindo o ambiente interno e externo da organização (Vergne & Durand, 2011). No âmbito interno, os gestores escolhem seguir com rotinas enraizadas ou implementar novas e, externamente, há questões relativas às oportunidades do mercado, o nível de competitividade da empresa, além de algumas CDs se mostrarem mais adequadas para determinadas atividades (Vergne & Durand, 2011). Esse panorama é consistente com a pesquisa de Zott (2003), em que se evidencia que apenas algumas CDs são dependentes da trajetória.
O entendimento do processo de mudança organizacional perpassa os seguintes pontos: a) a contemplação da conjuntura passada, presente e futura de funcionamento da empresa; b) os fatores internos e externos; c) questões que envolvem tempo, sequência, atividades e decisões; e d) a composição da mudança e interação entre essa gama de elementos (Dawson, 2003). A perspectiva de olhar o contexto para compreender as mudanças organizacionais representa um foco útil para a análise. Ela contempla a estrutura organizacional e a cultura que influenciam as atitudes perante à mudança (contexto interno); e as demandas de clientes, condições econômicas e o comportamento competitivo (contexto externo), que sucitam oportunidades e ameaças a serem exploradas e abordadas (Buchanan et al., 2005; Pettigrew, Ferlie, & McKee, 1992).
Sendo assim, este estudo concatena os elementos essenciais de CDs (processos, posições e caminhos) (Teece et al., 1997), e seus pilares (identificação de oportunidades - sense, apreensão de oportunidades - seize e reconfiguração - reconfiguring) (Teece, 2007) com a avaliação constante do ambiente externo, conforme demonstrado na Figura 1. O modelo proposto apresenta um mapeamento para analisar o desenvolvimento de CDs organizacionais nos três pilares, considerando, dentro de cada um deles, a reflexão da atual conjuntura ou da necessidade de alteração dos processos, das posições e dos caminhos da empresa. A articulação dos pilares de CDs por parte da empresa deve considerar a reflexão acerca dos processos implementados pela empresa, que são delineados por suas posições e são dependentes da trajetória percorrida ao longo do tempo, no âmbito interno.
Conjuntamente, o mapeamento contempla a análise das modificações ocorridas no contexto externo para cruzar com a avaliação do ambiente interno, a fim de averiguar e implementar as modificações requeridas. Na estrutura das CDs, o contexto competitivo não deve tratar a estratégia da empresa como analiticamente distante do ambiente em que ela compete, pois essa estratégia se adapta e cria novos contextos para a concorrência (Wadhwani & Jones, 2017). As CDs propiciam maior benefício quando são implementados como parte de uma configuração positiva com as dinâmicas externas à empresa (Jung, Foege, & Nüesch, 2018). Os processos desenvolvidos pelas empresas ao longo do tempo, que moldam o desenvolvimento das CDs, são compreendidos por meio das atividades complexas, que incluem o desenvolvimento interno de capacidades e suas interações com os contextos sociais (Wadhwani & Jones, 2017). Assim, as CDs podem ser moldadas pelo desenvolvimento histórico interno da empresa e pela interação com diferentes atores externos ao longo do tempo (Teece, 2007).
A partir deste modelo, torna-se possível analisar, de maneira sistematizada, o desenvolvimento e a articulação das CDs, ao longo da trajetória organizacional e dos movimentos ocorridos no ambiente externo. O modelo permite acompanhar a história das empresas e atua como um guia para avaliar as possibilidades de atuação no presente e no futuro. As empresas tomam como base a sua história para detectar e aproveitar as oportunidades, haja vista que as interpretações do passado fornecem uma referência para se averiguar a plausibilidade de novos modelos de negócios, tecnologias, mercados e para comprender as ações necessárias para implementá-los (Wadhwani & Jones, 2017). Além disso, as diferentes condições ambientais requerem a utilização de distintos processo de DCs, capacidades operacionais e cultura para sobreviver no ambiente em que atua, influenciando a estrutura e o design organizacional (Wilden, Devinney, & Dowling, 2016). Neste cenário, a empresa que se envolve continuamente em detectar oportunidades, apreender oportunidades e reconfigurar seus ativos e recursos permanece adaptada a um negócio em um ambiente de mudança (Teece, 2019a).
O desenvolvimento de capacidades depende do caminho trilhado pela empresa, enraizado em seus eventos históricos e que o sucesso (em termos de desempenho e vantagem competitiva) se atrela à análise e à adequação dessas capacidades com mudanças no ambiente externo. Desse modo, compreende-se que o modelo análitico proposto reúne os elementos essenciais para o desenvolvimento de CDs, sendo os pilares (sense, seize e reconfiguring), que contemplam os microfundamentos, e os elementos dos processos, posições e caminhos com a averiguação no ambiente externo, permitindo visualizar e analisar todos tópicos, conjuntamente.
O modelo pode atuar como uma ferramenta analítica prática, no gerenciamento das empresas; e para análise acadêmica, em pesquisas empíricas, permitindo analisar a trajetória organizacional conjuntamente com os movimentos empreendidos no contexto externo. Assim, a utilização desta estrutura pode auxiliar no desenvolvimento de pesquisas, tal como sugere Schilke et al. (2018), que incentivam estudos sobre CDs em uma perspectiva de processo, permitindo estudar a evolução dessas capacidades e o papel do tempo na trajetória organizacional.
Para atender os objetivos do estudo, adotou-se uma abordagem qualitativa, realizando-se um estudo de caso múltiplo. As duas empresas selecionadas para o estudo atuam no setor de TI brasileiro e foram selecionadas a partir de alguns critérios estabelecidos. Primeiramente, seguiu-se a amostragem teórica (Glaser & Strauss, 1967; Flick, 2008) em que a decisão relativa à amostragem é realizada considerando os insights que podem trazer para a teoria e seguindo critérios que contribuam teoricamente. Desse modo, escolheu-se empresas que foram fundadas no Brasil; que atuam na indústria de software e serviços; com atuação nacional e internacional; que apresentam um longo histórico de atuação e que registaram mudanças estratégicas relevantes. Tais mudanças se referem às alterações na realização das atividades, nos modelos de negócios e no gerenciamento de recursos e ativos, por exemplo, a descontinuidade de atuação no segmento de hardware para trabalhar com softwares, que conduz à reestruturação organizacional. As empresas do setor de TI operam em ambientes altamente mutáveis na regulação, tecnologia e demandas, concorrência intensa para o lançamento de novos produtos, maiores incertezas e necessidade de investir ativamente em Pesquisa e Desenvolvimento (Kobrin, 1991; Qian & Li, 2003). Além disso, trata-se de um setor que sofreu diversas alterações relevantes ao longo do tempo no contexto brasileiro, impactando na gestão e competitividade das empresas.
Sendo assim, foram escolhidas duas empresas que contemplavam os critérios estabelecidos e que permitiram a análise aprofundada do histórico de atuação e mudanças. O Grupo Beta, fundado em 1987, atua no mercado latino-americano e é constituído por empresas que implementam soluções e serviços de TI. O Grupo possui unidades de atendimento em Porto Alegre, Curitiba, Londrina, Rio de Janeiro, São Paulo, Chile, Argentina e Estados Unidos. O Grupo Alfa, por sua vez, tem unidades de atendimento em São Paulo, São Leopoldo, Curitiba, Salvador e Belo Horizonte, além de um escritório nos Estados Unidos e uma Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento na Região de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. O Grupo atua nos serviços de consultoria em TI, de gerenciamento de aplicações, na tecnologia SAP, outsourcing e fábrica de software, voltando-se para o atendimento de médias e grandes empresas, desde 1990.
O processo de coleta de dados foi realizado por meio de entrevistas semiestruturadas. No Grupo Beta, realizou-se sete entrevistas e, no Grupo Alfa, oito entrevistas. As entrevistas foram gravadas e transcritas, gerando um total de 233 páginas de transcrições (103 páginas referentes às entrevistas realizadas no Grupo Beta e 130 páginas referentes às entrevistas realizadas no Grupo Alfa) e um tempo total de 14 horas de duração (seis horas e dez minutos na empresa Beta e sete horas e cinquenta minutos na empresa Alfa). Na Tabela 1, constam as descrições dos respondentes e o tempo de duração de cada entrevista, preservando a identificação dos entrevistados e das empresas. O roteiro de entrevistas utilizado foi constituído na primeira fase de questões relacionadas à identificação das características da empresa e dos entrevistados. Na sequência, foram abordadas questões relativas à compreensão da história da empresa e à identificação de mudanças estratégicas ocorridas ao longo da trajetória organizacional para delineamento das análises posteriores. As mudanças estratégicas foram assumidas como alterações organizacionais que modificaram modelos de negócio; realinharam recursos e ativos; e alteraram as formas de desempenhar as atividades.
Além dos dados das entrevistas, foram utilizados documentos internos (relatórios e documentos institucionais) disponibilizados pelas empresas e documentos (reportagens) para complementar a pesquisa realizada. Para o mapeamento e descrição da história do setor de TI foram utilizados livros, artigos, reportagens, leis e relatórios setoriais que apresentam descrições detalhadas das mudanças ocorridas e estatísticas de que delineiam o panorama do setor.
Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo e categorizados da seguinte forma: (1) mudanças estratégicas (mudanças e alterações que modificaram a dinâmica e o cenário competitivo) ocorridos no setor de TI e nas empresas estudadas; e (2) as CDs desenvolvidas, decompostas em seus três pilares (detecção, apreensão e transformação), em consonância à ótica de Teece (2007). Além disso, utilizou-se uma visão evolutiva para compreender as histórias organizacionais e o contexto externo que promoveram as mudanças estratégicas e o desenvolvimento de CDs. Para tanto, na apresentação dos resultados utilizou-se uma linha do tempo que identifica as mudanças estratégicas ocorridas nas empresas ao longo de sua história e as alterações no âmbito externo. A partir desse mapeamento, desenvolveu-se a análise da articulação das dimensões de CDs ao longo das trajetórias organizacionais.
As duas empresas estudadas tiveram sua fundação em períodos próximos e em uma época marcada por mudanças e questões peculiares no setor de TI brasileiro. A Beta foi criada em 1987, tendo como foco o desenvolvimento de sistemas administrativos, processamento de dados e venda de hardware. Nesse período, ainda vigorava a Política de Reserva de Mercado no Brasil, que proibia a importação de produtos que tivessem similares nacionais, em especial hardware, garantindo certa exclusividade na comercialização de produtos no mercado interno (Duarte, 2012). O fundador da Beta relatou que percebeu uma oportunidade neste período inicial, com o advento da microinformática e da crescente necessidade de prestação de serviços e comercialização de software, para atender o mercado em expansão.
A Alfa, por sua vez, foi fundada em 1990, em meio a um ambiente político e econômico turbulento no país e ainda sob a reserva de mercado. Tal cenário se configurou como uma oportunidade vislumbrada pelo fundador de abrir uma empresa adquirindo os contratos de serviços de TI de uma organização que iria encerrar suas atividades diante da crise econômica. No período entre o final da década de 1980 e meados da década de 1990, foram introduzidas novas tecnologias na região de atuação da empresa, que passou por uma reestruturação produtiva. Assim, os novos profissionais recém-formados nos cursos de Análises de Sistemas passaram a investir em suas próprias empresas de informática, como os casos dos fundadores das empresas Alfa e Beta (Knebel, 2010).
Em 1991, entrou em vigor a Lei da Informática (Lei Federal 8248), reduzindo a alíquota do imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre a manufatura de bens de Tecnologia de Informação e Comunicação (TICs) para as empresas que investissem 5% ou mais de sua receita operacional em atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Essa exigência permitiu a criação de programas de investimento no país e de entidades públicas e privadas para apoiar o setor como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Associação das Empresas de Software e Serviços (ASSESPRO) (Duarte, 2012). O período então entre 1991 e 1999 foi um momento de transição no setor de TI brasileiro, abrindo espaço para as importações, ampliando o acesso do mercado corporativo à fornecedores, às novas tecnologias e à automação de seus negócios. Além disso, a indústria de software passou a ter um crescimento expressivo no país, impulsionado também pelas mudanças tecnológicas (Ferraz, 2010). No início dos anos 90, o mundo de hardware dominado pela IBM foi deslocado para o mundo de software da Microsoft e da Intel (Evans, 2005).
A conjuntura de mudanças ocorridas no Brasil e no mundo influenciaram algumas transformações fundamentais nas empresas estudadas. Em 1992, a empresa Beta iniciou sua parceria com a Microsoft, a qual foi ao longo do tempo intensificada e perdura até os dias atuais, sendo que grande parte do seu negócio é derivado dessa parceria. Além disso, em 1997, a Beta passou a ser o maior player de software em seu local de fundação. Na Alfa, os reflexos das mudanças do contexto ambiental se apresentaram em 1993, quando passou a ser a primeira empresa brasileira a desenvolver software na plataforma Windows; realizou a mudança da linguagem de programação de Clipper para Progress em 1997; e a criação da primeira Fábrica de Software remota desenvolvida em 1998. A Fábrica de Software também representa um marco das mudanças no setor, tendo sido popularizada nos anos 90, com a finalidade de aumentar a produtividade, reduzir prazos e criar produtos sob medida aos clientes usuários.
No período entre a segunda metade da década de 90 até a o período de 2010, outras mudanças ocorreram no contexto externo relativas ao setor de TI. Primeiramente, a tecnologia de ERP (Enterprise Resource Planning) – Sistemas de Gestão Empresarial passou a ser incrementada no Brasil com a chegada de multinacionais, como a empresa SAP, que iniciou suas atividades no Brasil em 1994, gerando oportunidades de consultorias e prestadoras de serviços de TI (Stefanini, 2017). A SAP foi fundada em 1972 na Alemanha por um grupo de ex-engenheiros da IBM, que passaram a desenvolver um software que integrasse e combinasse muitas funções de um negócio (Bottazini & Calado, 2011). Os investimentos em EPRs foram motivados pelo bug do milênio na virada do ano 2000 e fortaleceram o papel dos executivos de TI, na medida em que aproximaram esses executivos com as áreas de negócio das empresas. Assim, gerou-se as bases para E-Business (negócios eletrônicos motivados pelo crescimento da internet comercial) e uma nova geração de empresários (Stefanini, 2017).
Analisando a história das duas empresas estudadas, verificou-se algumas mudanças importantes ocorridas durante o período supramencionado. A empresa Beta passou a operar no mercado de E-business no ano 2000, ampliou seu foco em terceirização e outsourcing e criou uma unidade de P&D no Parque Tecnológico Tecnopuc entre os anos de 2004 e 2005. A Alfa iniciou a relação com as tecnologias SAP e que, ao longo dos anos foi intensificada, tornando-se o principal negócio de atendimento da empresa até os dias atuais. Essa parceria motivou inclusive a criação da unidade de serviços SAP em 2006 e a aquisição de uma empresa especializada em SAP em 2008.
Este período também é marcado pela abertura de unidades internacionais pela empresa Beta e pela realização de projetos internacionais pela empresa Alfa. A ampliação da atuação para mercados internacionais das empresas também refletiu em mudanças no contexto externo organizacional. Primeiramente, a partir de 2004, com a criação da marca Brazil IT e em 2009 com a marca Brazil IT+, desenvolvida pela Apex-Brasil – Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, o governo brasileiro buscou promover e fortalecer a imagem dos serviços e produtos brasileiros de TI fora do Brasil, principalmente nos Estados Unidos (Brasil IT+, 2017). Esse movimento auxiliou na ampliação da visibilidade das empresas exportadoras brasileiras de serviços e produtos. Além disso, os clientes corporativos da Alfa e da Beta também iniciaram seus processos de internacionalização para lidar com o acirramento da competitividade global e para ampliar seus negócios, o que exigiu a necessidade de um parceiro na área de TI para acompanha-los nessa expansão.
Por fim, no período mais recente, a partir de 2010, a conjuntura tecnológica e o contexto competitivo brasileiro e global passaram a presenciar a expansão da mobilidade, das redes sociais e do cloud computing (computação em nuvem). As consultorias IDC e Gartner desenvolveram os termos Terceira Plataforma e Força de Nexos, respectivamente, para designar a criação de um ambiente de TI atual e futuro moderno, flexível e sustentado nas novas tendências tecnológicas, sendo elas: mobilidade, computação em nuvem, mídias sociais, big data e Internet das Coisas (Gartner, 2014; IDC, 2017). Além disso, o relatório do World Economic Forum (2015) aponta que algumas das tecnologias disruptivas que irão impactar a economia até 2027 são: a diminuição do tamanho e custos dos dispositivos e a disseminação da computação em nuvem; e a popularização da Internet das Coisas com a queda de preços de sensores inteligentes em roupas, acessórios, casas, cidades, transportes, redes de energia e processos de fabricação. Assim, essa transformação digital e sua inerente complexidade, exige das empresas a adequação as novas demandas e a busca por parceiros que os auxiliem nesses processos (Stefanini, 2017).
As mudanças mais recentes estão sendo desenvolvida pelos casos estudados na presente pesquisa. A Beta iniciou suas atividades em marketing digital e computação em nuvem, posicionando-se como uma empresa pioneira no Brasil no contexto de cloud computing, ingressou no mercado de Internet das Coisas no ano de 2016 e, no ano de 2019, passou a se posicionar e atuar na área de transformação digital. Já a Alfa, foi a primeira brasileira a passar a operar na nova plataforma SAP S/4Hana em 2016, baseada em novos conceitos tecnológicos e, principalmente, na computação em nuvem, e em 2019 firmou uma parceria com a empresa Gartner para desenvolver atividades ligadas à transformação digital e novas tendências tecnológicas.
Na Figura 2, apresenta-se a representação visual das mudanças estratégicas realizadas pelas empresas ao longo do tempo e as modificações ocorridas no ambiente externo ao longo do tempo, conforme descrito. A partir, deste mapeamento, pode-se perceber que o ambiente em que se inserem as empresas estudadas apresenta um elevado dinamismo. O dinamismo ambiental é influenciado por sua volatilidade (taxa e quantidade) das mudanças e pelas incertezas existentes (Schilke, 2014). O ambiente de TI no âmbito nacional e global é caracterizado por diversas modificações que exigem das organizações a capacidade de respostas contínuas. Nesse sentido, as empresas estudadas foram capazes de abordar as alterações no contexto externo ao longo de suas trajetórias por meio do desenvolvimento e articulação de CDs. Essas capacidades permitiram a evolução contínua ajustada com o ambiente interno e com as especificidades das histórias das organizações.
A análise da trajetória das empresas analisadas e das suas mudanças estratégicas em resposta ao ambiente externo possibilita a identificação de que as empresas desenvolveram e articularam CDs para sustentar esses comportamentos estratégicos ao longo do tempo. Os esforços de mudança sistemáticos e as rápidas alterações nas rotinas operacionais são requeridas quando se atua em contextos expostos às mudanças rápidas nas condições tecnológicas, regulatórias e concorrenciais (Zollo & Winter, 2002). Assim, apresenta-se o delineamento das CDs das empresas Beta e Alfa, considerando o papel da dependência de trajetória e as influências das alterações do contexto externo.
Na empresa Beta, o fundador da empresa apresenta grande relevância no desenvolvimento e crescimento da empresa, bem como na identificação de oportunidades. Além disso, esse gestor promove internamente um comportamento de alerta para mudanças constantes, sendo que o dinamismo evidencia a forma de atuação da empresa e enaltece a sua preocupação com a volatilidade e competitividade do mercado externo. O fundador e os gestores estão, constantemente, pensando em mudanças e de que maneira a empresa irá se transformar para atender às demandas tecnológicas que se remodelam rapidamente. Esse panorama simboliza a presença e articulação de CDs, principalmente relacionadas à identificação de oportunidades, sendo também consoante aos argumentos de Zahra, Sapienza e Davidsson (2006), os quais sustentam que a criação e o uso das CDs correspondem ao empreendedor e a percepção da gerência sênior da empresa de oportunidades que mudam configurações de recursos existentes, bem como a sua disposição e capacidade de realizar e implementar tais mudanças.
As mudanças estratégicas vivenciadas ao longo da história da Beta foram sustentadas por essa visão do fundador e dos gestores da necessidade de estar constantemente mudando, impulsionando as alterações e mobilizando os ativos para aproveitar oportunidades e empreender os movimentos necessários. Assim, as idiossincrasias das CDs de uma empresa se moldam justamente pelo papel da equipe de alta gestão, que é capaz de persuadir outros a empreenderem diferentes cursos de ação e adotar diferentes estados mentais (Teece, 2014b).
O transcurso do aproveitamento de oportunidades é alicerçado no entendimento dos colaboradores sobre a importância e o valor do novo momento para que haja aderência a causa. A empresa estruturou um centro de treinamento denominado Academia Beta, um programa de coaching constante para sustentar e promover essas mudanças. Além disso, ela investiu em um MBA in company, em parceria com a Fundação Dom Cabral destinado a toda diretoria e aos principais líderes estratégicos, com a finalidade de obter um crescimento na gestão e na percepção do mercado. No âmbito das CDs, o desenvolvimento de uma competência coletiva, por meio da articulação de conhecimentos, discussões em conjunto e avaliação de desempenho, torna-se necessário para acompanhar as mudanças ambientais (Zollo & Winter, 2002). No momento em que a empresa identifica e seleciona mudanças de rotinas ou o estabelecimento de uma nova rotina, faz-se necessário criar um manual ou uma ferramenta para facilitar sua difusão e replicação (Zollo & Winter, 2002). A Academia Beta e o MBA realizado na empresa, configuram-se como um ferramental importante para esse processo de disseminar os conhecimentos e mudanças, de modo que prepare os colaboradores.
Em relação à dimensão da reconfiguração das CDs, onde residem o realinhamento de atividades e a reestruturação de modelos de negócio, que também incluem redistribuição ou expansão geográfica (Teece, 2007), a Beta apresenta alguns elementos relevantes. A empresa ampliou sua atuação geograficamente, abrindo escritórios comerciais em diversos estados brasileiros e desenvolveu novos negócios por meio da aquisição de empresas com atividades correlatas e complementares à Beta. Além disso, posicionou-se como uma empresa especializada em computação em nuvem, o que vem modificando as rotinas, a estrutura organizacional, a forma de realizar os negócios e motivou a criação de uma nova sede física que materializa a proposta de valor de cloud computing. Esse posicionamento como uma empresa especializada em nuvem também expõe a característica empreendedora da Beta e sua capacidade de ler movimentos de mercados, mesmo que em possibilidade de circunstâncias futuras e fazer as mudanças necessárias para se antecipar. As empresas empreendedoras têm por característica criar, definir, descobrir e explorar mercados bem à frente de seus rivais (Zahra et al., 2006). Essas organizações não apenas se defendem da concorrência, elas moldam o mercado por meio da orquestração semicontínua de ativos, reconfiguração de negócios, empreendedorismo e inovação (Teece, 2007).
Finalmente, a questão da internacionalização da Beta, por meio de sua filial e seus escritórios internacionais, também foi iniciada para acompanhar seus clientes atendidos no Brasil que se internacionalizaram. Por meio desse movimento, a empresa garantiu sua continuidade nos clientes, além de aumentar o volume de contratos com empresas que tinham essa demanda internacional. A empresa Beta obteve uma aceitação maior no mercado internacional em virtude de ter sua imagem associada com a empresa Microsoft, além de possuir uma estrutura adequada e ser competitiva nacionalmente. Dentro de setores de alta tecnologia, o sucesso das operações internacionais empresariais está pautado na descoberta e desenvolvimento de oportunidades, uma combinação eficaz de recursos e modernização dos processos e modelos de negócio (Teece, 2007).
Desse modo, percebe-se nos movimentos estratégico empreendidos ao longo da trajetória vivida pela Beta, que elementos tácitos, criativos e empreendedores dos gestores da empresa se vinculam com informações de mercado provenientes de parceiros, clientes e concorrência para moldar as decisões e movimentos efetuados. O esforço da empresa em estar sempre se modificando de forma antecipada, validando novos modelos de negócio e buscando compreender qual a nova onda tecnológica que será lançada reflete a presença de fortes CDs e o perfil inovador da Beta. A empresa evidencia a ideia central de que as capacidades emergem de uma série de experiências dependentes da trajetória organizacional (Helfat et al., 2009).
A dependência de trajetória da empresa Beta influencia positivamente o desenvolvimento de CDs e as modificações estratégicas realizadas. Nesse sentido, o panorama histórico da empresa corrobora com o argumento de Teece (2014b) de que para algumas empresas, o legado passado pode fornecer uma base e o apoio necessário para o crescimento futuro. O caminho percorrido pela empresa evidencia o foco da empresa para transformações e mudanças constantes para abordar as modificações ambientais. Esse cenário contribui para a flexibilidade da empresa e nas suas decisões em explorar novos mercados e ampliar seus serviços e tecnologias adotadas. Tal histórico também vem contribuindo para o aprendizado e absorção de novos conhecimentos, corroborando assim, a perspectiva de que o desenvolvimento e articulação de CDs contribui para a estruturação de uma dependência de trajetória que influência positivamente as decisões tomadas pela empresa.
Na tabela 2, apresenta-se a articulação dos pilares das CDs nos movimentos estratégicos realizados pela empresa Beta. As mudanças estratégias realizadas mostram a evolução da empresa atrelada e sintonizada ao contexto externo. Este aspecto corrobora a ideia de que a presença de CDs, que permitem a adaptação contínua da organização, é um fator relevante para o sucesso em indústrias turbulentas, impedindo a rigidez e a inércia (Jung et al., 2018). A empresa Beta, ao longo de sua história, mostra uma trajetória de dinamismo e flexibilidade propiciada pelo desenvolvimento e orquestração de CDs. No âmbito da identificação de oportunidades, a empresa gerencia um conjunto de recursos que permite explorar oportunidades tecnológicas, investigar mercados, ouvir clientes e compreender os elementos do ecossistema de negócios (Teece, 2019a). Alguns exemplos, os investimentos em P&D; as parcerias com clientes, fornecedores e empresas especializadas e o acompanhamento das necessidades dos clientes. Já no âmbito da apreensão das oportunidades, verifica-se na empresa elementos relevantes que envolvem este pilar de CDs, como a manutenção de competências tecnológicas e ativos complementares para ser possível aproveitar as oportunidades e investir em projetos e tecnologias específicas para o mercado (Teece, 2007). Alguns exemplos são os investimentos em treinamentos, a aquisição de empresas, as parcerias e a manutenção dos recursos financeiros e a ampliação das áreas de atuação geográfica. Além disso, a flexibilidade organizacional e a cultura voltada para adaptação, presentes na empresa Beta, que também evidenciam parte das capacidades de alto nível de apreensão de oportunidades (Teece, 2019b). Por fim, na esfera da reconfiguração de recursos e gerenciamento de ameaças, os elementos da trajetória organizacional, como o perfil visionário do fundador e foco nas alterações do setor, se configuram como a base para a transformação necessária. Conforme sustenta Teece (2019a), as capacidades de reconfiguração organizacional se baseiam nas habilidades de liderança da administração e na manutenção do alinhamento estratégico da empresa com o seu ecossistema de negócio.
Ao longo da trajetória da empresa Alfa, a identificação de oportunidades vem sendo caracterizada pelas decisões estratégicas tomadas pelos seus gestores, pelo papel dos clientes de ponta e pela avaliação constante das mudanças no cenário externo. Por meio da análise realizada na organização, verificou-se a presença de uma relevante orientação para o mercado e o estabelecimento de parcerias com seus clientes, que permitem o mapeamento de novas oportunidades. Os entrevistados relataram que a empresa tem muita flexibilidade e se adapta rapidamente às situações de mudanças.
A empresa investe continuamente em treinamentos, na estruturação organizacional descentralizada e especializada nas áreas de atuação e em parceiras para ampliar seus conhecimentos e acesso a mercados. Na averiguação dos movimentos estratégicos efetuados pela empresa, tornou-se possível verificar um constante redesenho dos modelos de negócio, desenvolvimento de tecnologias e de mão-de-obra para sustenta-los, evidenciando as maneiras de apreensão das oportunidades. A Alfa vem desenvolvendo o redesenho de suas atividades, tomando decisões estratégicas para aproveitar as oportunidades e se reconfigurando para abordar o ambiente externo mutável. Alguns exemplos são o pioneirismo no desenvolvimento de software na plataforma Windows; as mudanças na linguagem de programação; a criação da fábrica de software; e a especialização em serviços SAP. Assim, tais movimentos corroboram a visão de que nos setores de alta tecnologia o desenvolvimento de novos modelos de negócio e oportunidades se apresentam como pilares importantes do sucesso (Teece, 2007).
Outro aspecto relevante do desenvolvimento de CDs e adequação ao contexto externo são os projetos internacionais realizados pela empresa, os quais foram desenvolvidos a partir da sua base de clientes que iniciaram sua internacionalização. A atuação em mercados internacionais pela Alfa se configura como resultado de sua trajetória e dos movimentos estratégicos que reestruturam o negócio e modificaram sua estrutura. Adicionalmente, seus clientes reconheceram que a Alfa possuía os elementos requeridos para acompanha-los na sua expansão internacional. Assim, evidencia-se que as capacidades da empresa, quando alinhadas com as necessidades dos mercados externos, facilitam a sua expansão internacional (Teece, 2014a).
Esse panorama demonstra a presença e orquestração das dimensões de CDs da empresa, na medida em que ela se mostra capaz de alterar e alinhar suas capacidades comuns, rotinas subjacentes e sua estratégia de acordo com as mudanças do tecnológicas e de mercado (Teece, 2014b). Aliado a isso, a cultura da empresa e o papel dos gestores também exercem uma expressiva influência, os sócios gestores apresentam um envolvimento muito forte dentro do negócio e que, consequentemente, deixam suas características impressas na organização. Helfat et al. (2009) argumentam que, as CDs se apresentam de diversas formas, uma delas se revela pela capacidade dos gestores responsáveis de liderar mudanças que conduzem ao crescimento e à modificação rentável na empresa.
Assim, as competências para desenvolver conjunturas, efetuar sua validação ou rejeição e realinhar os ativos quando emergem as necessidades são forjadas por meio da presença dessas CDs (Teece, 2012). O panorama da empresa Alfa visualizado ao longo do tempo e retratado pelos entrevistados salienta diversos aspectos da presença e articulação dessas capacidades, o que vem elevando continuamente seu nível de competitividade e sua capacidade de adaptar e responder as necessidades do mercado. Além disso, analisando a trajetória da empresa, percebe-se elementos da dependência da trajetória que influenciaram positivamente seus movimentos estratégicos. As escolhas da empresa Alfa, em seus anos iniciais, relativas aos investimentos em mudanças na linguagem de programação, utilização da plataforma Windows e investimentos em tecnologia SAP permitiram o posicionamento da empresa em um patamar de destaque e alinhado com as necessidades do ambiente externo. Nesse sentido, verifica-se na Alfa o dinamismo necessário para gerenciar seus recursos, conforme postula Teece et al. (1997), no qual a aprendizagem, os investimentos passados e o conjunto de rotinas da empresa formam, ao longo do tempo, o seu futuro e a percepção do ambiente em transformação.
Na Tabela 3, consta a sumarização das mudanças estratégicas ocorridas na empresa e de que maneira as CDs foram desenvolvidas e articuladas. A flexibilidade e propensão para mudança presente na organização e sedimentada, principalmente, nas demandas dos seus clientes e nas mudanças ambientais estruturaram um caminho para a construção de fortes CDs. A empresa mostrou ser o que Teece (2019a) postula como uma empresa dinamicamente capaz, à qual é estrategicamente ágil, ou seja, a equipe de alta gerência consegue identificar oportunidades e reconhecer as necessidades de recursos para abordá-las e para gerenciar as ameaças, antes de ocorrerem problemas sérios. Neste aspecto, verifica-se que, durante as mudanças estratégicas realizadas pela empresa, a identificação de oportunidades estava pautada na atuação dos gestores, com uma cultura voltada para a mudança, com flexibilidade organizacional e uma orientação para o mercado. Esses elementos evidenciam a presença de CDs fortes, requerendo a definição de uma visão e cultura gerais que sirvam como ambiente interno para rotinas organizacionais, com valores que permeiem uma cultura corporativa dinâmica aberta para novas ideias e com vontade de mudar (Teece, 2019b). Esses valores necessitam em todos os níveis da organização (Teece, 2019b) e foi possível verificar no caso da empresa Alfa. Na apreensão das oportunidades, a empresa fez escolhas de modelos de negócios, investimentos em tecnologias e o estabelecimento de parcerias que impulsionaram as suas ações e moldaram as suas escolhas para realizar as mudanças estratégicas. Tais decisões também revelam a flexibilidade da empresa, a presença e a articulação das CDs, que geram a agilidade organizacional necessária e a aplicação das capacidades para fortalecer os recursos comuns e focar nas prioridades corretas de investimentos (Teece, 2019a, 2019b). Por fim, na reconfiguração e gerenciamento de ameaças, a empresa realizou diversos movimentos que auxiliaram na evolução organizacional sintonizada com o contexto externo. A ampliação das áreas de atuação, a descentralização de atividade, o gerenciamento do conhecimento e da aprendizagem e a receptividade para mudança foram proeminentes para a sua reconfiguração. Nesse sentido, a atuação da empresa corrobora os argumentos de Teece (2007, p. 1335) de que “uma chave para crescimento sustentado e rentável é a capacidade de recombinar e reconfigurar ativos e estruturas organizacionais à medida que a empresa cresce, e à medida que os mercados e as tecnologias mudam”. Desse modo, conforme postula Teece (2007) a respeito de que as CDs surgem do aprendizado, dos recursos e das histórias organizacionais, verifica-se que empresa Alfa desenvolveu CDs que auxiliaram no delineamento de uma dependência de trajetória com flexibilidade e com a agilidade necessária para abordar o ambiente competitivo mutável.
Este estudo teve o objetivo de compreender o desenvolvimento de CDs ao longo das trajetórias organizacionais, considerando as influências do ambiente externo e da dependência de trajetória das empresas. Esses dois elementos são proeminentes para a evolução da empresa e para a orquestração de CDs. As empresas dificilmente conseguirão articular CDs e desenvolver uma vantagem competitiva sem abordar a conjuntura externa e, concomitantemente, a trajetória trilhada pela empresa apresenta um papel proeminente na construção de capacidades (Vergne & Durand, 2011). Apesar da importância desses elementos para a perspectiva teórica das CDs, as pesquisas, em geral, tende a focar no âmbito interno da organização e não avaliam a interação entre a trajetória interna e as modificações no ambiente competitivo. A pesquisa enaltece a importância da dependência do contexto externo nos episódios de mudanças estratégicas realizados pela empresa, evidenciando que os gestores não conseguem desenvolver CDs e uma posição competitiva tendo um olhar apenas para o ambiente interno da empresa, como postulam diversos estudos na perspectiva das CDs.
Assim, o presente estudo colabora para a lente teórica das CDs, por meio da análise da do desenvolvimento e manutenção de CDs nas empresas, considerando, conjuntamente, o papel que a dependência de trajetória e das alterações ocorridas ao longo do tempo no contexto ambiental externo. Nesse sentido, a pesquisa contribui para a compreensão da evolução organizacional, a partir do entendimento de como as empresas se renovam estrategicamente e articulam as CDs. O modelo analítico proposto fornece complementos para a perspectiva das CDs, concatenando seus elementos fundamentais e atrelando com a análise do ambiente externo. Assim, torna-se possível fazer um diagnóstico completo da conjuntura atual e das perspectivas futuras das organizações para sua evolução e desenvolvimento de CDs. O modelo permite incrementar a precisão e definição nas análises de CDs, o que contribui para melhorar a atual falta de consenso sobre a definição e medição das CDs, bem como acerca de como estas capacidades se manifestam na prática.
O estudo avança na compreensão da orquestração de CDs, mediante o mapeamento histórico externo às organizações e dos movimentos estratégicos realizados pelas empresas em resposta à estas alterações no ambiente competitivo. Os casos estudados apresentam resultados convergentes em relação às análises realizadas no estudo. As duas empresas apresentam uma trajetória bem-sucedida, com o desenvolvimento de CDs e o alinhamento constante com o ambiente externo. Os elementos que permitiram a aptidão evolutiva das empresas são semelhantes entre elas e evidenciam também a dinamicidade requerida para atuar no setor de TI. A identificação de oportunidades, nos dois casos estudados, apresenta uma forte ligação com as demandas externas e com as mudanças do ambiente em que essas empresas estão inseridas. O papel dos gestores também se revelou muito presente nesse contexto de gerenciar ameaças e perceber novas oportunidades, corroborando os argumentos de Teece (2007, 2012) sobre a importância desses elementos para construção das CDs dentro da empresa. A apreensão de oportunidades, igualmente, apresentou semelhanças entre as empresas, com destaque para o papel do treinamento e conscientização dos colaboradores a respeito da importância de realizar mudanças estratégicas essenciais para o mercado de atuação. A disseminação dos conhecimentos, o investimento em novas tecnologias e os desenhos de rotinas e atividades, também se mostraram essenciais para concretizar a absorção de novas oportunidades e realizar movimentos necessários.
Além disso, outro microfundamento de CDs presente nos casos foi o constante ajuste, aprimoramento e substituição dos modelos de negócios. Por fim, no que se refere a reconfiguração de ativos tangíveis e intangíveis, a transformação e o gerenciamento de ameaças, pode-se perceber que as empresas apresentam características importantes que sustentam essa capacidade. A flexibilidade; a capacidade de resposta rápida; a descentralização de atividades, as decisões e a capacidade de integrar e compartilhar ativos estão no cerne dessas características. Em ambas as empresas, essa capacidade de se reconfigurar habilitou a sequência de mudanças estratégias, ou seja, há um processo de retroalimentação entre a identificação e aproveitamento de oportunidades e o contínuo alinhamento e realinhamento de recursos.
No contexto gerencial, o presente estudo fornece um quadro com os elementos e atributos necessários para aqueles gestores que buscam alinhar a empresa com o cenário externo e abordar a rigidez da dependência de trajetória. O modelo proposto no estudo pode ser utilizado pelos gestores e tomadores de decisão como uma ferramenta analítica para mapear os atuais processos, as posições da empresa e os caminhos possíveis para abordar as mudanças necessárias e desenvolver CDs ao longo do tempo. Ademais, o modelo pode ser utilizado pelos gestores para a análise histórica da empresa e a averiguação da aptidão da organização em desenvolver capacidades e evoluir continuamente. A lente teórica das CDs apresenta diversos microfundamentos que podem ser gerenciados para subsidiar as mudanças e alterações estratégicas organizacionais. O seu entendimento aliado a profunda compreensão do contexto macro interno e externo pode propiciar o incremento da gestão empresarial para coordenar seus recursos, ativos tangíveis e intangíveis e aliar a uma boa estratégia para obter uma vantagem competitiva.
A despeito das contribuições apresentadas, há algumas limitações do estudo em virtude da utilização da abordagem de estudo de caso em somente duas empresas. Embora seja possível trazer algumas contribuições para a lente teórica das CDs, não se pode generalizar para a população das organizações. Além disso, as entrevistas realizadas foram retrospectivas a longo prazo, de modo que está sujeito a críticas em relação à perda de memória dos entrevistados. Sendo assim, sugere-se algumas possibilidades de futuros estudos para ampliar os achados e a compreensão acerca das CDs. Análises mais aprofundadas do desenvolvimento das CDs podem utilizar de uma abordagem quantitativa em complemento com uma pesquisa qualitativa, de modo que apresente outros elementos e olhares para a compreensão da articulação das CDs em relação a conjuntura ambiental externa. A análise de empresas brasileiras de diferentes portes e/ou segmentos pode incrementar ou contrapor os achados que foram apresentados no presente estudo. Pode-se realizar também pesquisas comparativas entre empresas de diferentes segmentos e países, por exemplo, entre economias desenvolvidos e em desenvolvimento. Por fim, a possibilidade de realizar pesquisas longitudinais proporcionará, igualmente, a averiguação mais profunda da articulação estratégica das empresas em relação a sua trajetória e ao contexto externo.
Portanto, percebe-se que há amplas oportunidades de pesquisa dentro do escopo das CDs e sua relação com a trajetória organizacional e ambiente externo. Essas possibilidades lidam com questões complexas e estratégicas que devem ser contempladas para permitir a competitividade organizacional. Tratam-se de temas emergentes e em desenvolvimento que considera o atual contexto econômico e social complexo, dinâmico e competitivo que exige crescentemente das empresas um comportamento organizacional estratégico e eficaz para garantir a perpetuidade dos seus negócios.