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O conservadorismo condicional nas demonstrações financeiras das incorporações de capital aberto no Brasil
Francisco Martins Loenert; Ricardo Luiz Menezes da Silva
Francisco Martins Loenert; Ricardo Luiz Menezes da Silva
O conservadorismo condicional nas demonstrações financeiras das incorporações de capital aberto no Brasil
The conditional conservatism at publicly held real estate developers’ financial statements in Brazil
Revista Base (Administração e Contabilidade) da UNISINOS, vol. 17, núm. 1, pp. 100-124, 2020
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
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Resumo: Prezando pela qualidade da informação contábil, a Orientação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis - OCPC 04 deu nova compreensão à Interpretação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis - ICPC 02 (IFRIC 15), a qual harmonizou as normas internacionais com as características locais das incorporadoras brasileiras. Dado que a incerteza está presente no setor de construção civil, o presente trabalho tem como objetivo analisar o conservadorismo condicional das incorporadoras de capital aberto no Brasil. Devido à dimensão e persistência das apropriações contábeis, atreladas ao longo ciclo operacional deste setor, foi estabelecida a hipótese de um nível diferenciado de conservadorismo condicional dos resultados contábeis das incorporadoras. Desta forma, dois modelos foram utilizados: i) o Modelo Original de reconhecimento de perdas segundo Basu (1997); e ii) o Modelo Adaptado, derivado do Modelo Original, que evidencia apenas o conservadorismo das incorporadoras. Os resultados indicaram conservadorismo condicional superior para as incorporadoras, as quais reconhecem mais tempestivamente suas perdas futuras. Diversas particularidades do setor podem justificar este resultado, tais como suas características operacionais, o método de reconhecimento de receita, práticas de governança corporativa e as políticas de revisão de custos orçados. Por fim, esse resultado torna-se interessante para as possíveis alterações no reconhecimento de receita para os contratos de venda de imóveis no Brasil. O IASB se posicionou favorável ao reconhecimento da receita apenas na entrega das chaves, o que pode representar um retrocesso frente ao método atual nas demonstrações financeiras das incorporadoras.

Palavras-chave:Conservadorismo condicionalConservadorismo condicional,TempestividadeTempestividade,Qualidade informacionalQualidade informacional,Incorporação ImobiliáriaIncorporação Imobiliária.

Abstract: Assuring the quality of accounting information, the Orientação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis OCPC 04 gave a new interpretation to the Interpretação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis - ICPC 02 (IFRIC 15), which integrated the international standards according the local Brazilian real estate developers’ characteristics. This work aims to observe and analyze the conditional conservatism of publicly held real estate developers. Due to the dimension and persistency of accruals, linked to long operating cycle, was established the hypothesis of a differentiated level of conservatism of developers. Therefore, two models were used: i) according to Basu's (1997) Original Model of losses recognition; and ii) the Adapted Model, derived from the Original Model, which capturing only the real estate developers’ conservatism. The result of the applications these models showed superior conditional conservatism of real estate developers, which means that developers recognize timelier its losses-. Several features of the sector justify this result, as your operational characteristics, the method of revenue recognition, corporate governance practices, and the politics to review budgeted costs. Lastly, this result became interest to possible shifts in revenue recognition to real estate sell contracts in Brazil. The IASB pronounced itself favorable to revenue recognition only in keys delivery, that may represent a regression to current method at real estate developer’ financial statement.

Keywords: Conditional Conservatism, Timeliness, Information Quality, Real Estate Development.

Carátula del artículo

O conservadorismo condicional nas demonstrações financeiras das incorporações de capital aberto no Brasil

The conditional conservatism at publicly held real estate developers’ financial statements in Brazil

Francisco Martins Loenert
Universidade de São Paulo – USP, Brasil
Ricardo Luiz Menezes da Silva
Universidade de São Paulo – USP, Brasil
Revista Base (Administração e Contabilidade) da UNISINOS, vol. 17, núm. 1, pp. 100-124, 2020
Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Recepção: 25 Abril 2018

Aprovação: 19 Janeiro 2020

Introdução

A construção civil é uma atividade presente em diversas culturas e em diferentes épocas. Na ótica econômica, apresenta-se como uma atividade com amplo poder de geração de riqueza à sociedade e aos agentes produtivos. O setor é extremamente amplo, visto que as obras e os modelos de negócio são muito distintos, exemplos são as obras de rodovias, plataformas, aeroportos, obras de saneamento, linhas de transmissão, barragens, habitacionais e outras. Todavia, o longo ciclo operacional é uma característica comum entre elas, que se destaca de outros setores da economia, pois geralmente extrapola um ano.

A incorporação imobiliária é um segmento da construção civil que tem como objetivo construir e comercializar unidades imobiliárias para uso residencial ou comercial. No Brasil, teve crescimento considerável em meados dos anos 2000, com diversos Initial Public Offering - IPOs de incorporadoras em fase de expansão, devido a maior disponibilidade de crédito imobiliário, além dos incentivos públicos por meio de subsídios.

Nesta atividade, a venda dos imóveis no período “pré-chaves” (entre o lançamento e a entrega da obra) é uma característica nacional que dificultou o processo de aplicação de padrões internacionais nas normas contábeis brasileiras. O IFRIC 15 – Agreements for the Construction of Real Estate orienta as incorporadoras a reconhecer suas receitas ao término das obras. Contudo, as vendas relevantes no período “pré-chaves” não seriam bem representadas nas demonstrações contábeis de cada período de obras. Desta forma, orientado pela OCPC 04 - Aplicação da Interpretação Técnica ICPC 02 às Entidades de Incorporação Imobiliária Brasileiras, o segmento nacional reconhece suas receitas como outros segmentos da construção civil, por meio do método POC (percentage of completion), o qual registra as receitas de venda ao longo da obra, na proporção da evolução da construção, com base na realização dos custos orçados.

Apesar de todas as incorporadoras brasileiras de capital aberto utilizarem o método POC, não existe um consenso sobre a melhor forma de reconhecimento de receita. Além da comparabilidade internacional, a confiabilidade é outra característica da qualidade da informação contábil questionada quando utilizado ou não o método, visto que o reconhecimento apresenta subjetividades vulneráveis ao gerenciamento de resultados. Sendo assim, o setor de construção civil pode estar associado a elevado nível de incerteza para apropriar suas receitas e despesas, as quais são influenciadas pelas estimativas e julgamentos dos gestores. A subjetividade para contabilizar receitas e despesas reside no método POC, que requer a adoção de critérios baseados em proporção de custos, medição de trabalho e evolução física. Neste sentido, a realização do fluxo de caixa pode estar relacionada a algum grau de incerteza no longo prazo. Para assegurar que as demonstrações contábeis estejam apresentando adequadamente os eventos econômicos que elas deveriam refletir, a aplicação do POC necessita de um sistema orçamentário eficaz, com revisões periódicas dos custos orçados.

Contudo, a nova norma (CPC 47) traz modificações no reconhecimento de receita, pois condiciona o seu registro à satisfação da obrigação de desempenho, que pode acontecer ao longo do tempo ou em momento específico. Essa alteração coloca em dúvida o reconhecimento de receita pelo POC para os contratos de venda de imóveis no Brasil, o que pode resultar no reconhecimento da receita apenas na entrega das chaves. O IASB se posicionou favorável a esse tratamento, o que pode representar um retrocesso frente ao método atual nos balanços das incorporadoras.

Neste contexto, dado o modus operandi da construção civil, o reconhecimento da receita na entrega das chaves pode reduzir a utilidade das demonstrações contábeis. Se o registro de receitas e despesas pelo POC segue uma prática mais adequada para o setor, espera-se um reconhecimento assimétrico entre ganhos e perdas, no sentido de refletir mais rapidamente as más notícias do que as boas, coerente com o conceito de conservadorismo de Basu (1997). A existência do conservadorismo condicional nas demonstrações financeiras pode refletir uma melhor qualidade informacional (Coelho, 2007). Portanto, observar e analisar o conservadorismo condicional poderá gerar subsídios para enriquecer as discussões sobre a qualidade da informação contábil, considerando a introdução do CPC 47. Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo analisar o conservadorismo condicional das incorporadoras de capital aberto no Brasil.

Os incentivos para essa pesquisa repousam nas características operacionais das incorporadoras, juntamente com a prática contábil do setor, que desperta o interesse em avaliar o conservadorismo condicional dessas empresas. Primeiramente, do ponto de vista operacional, a venda pré-chave impõe particularidades como as apropriações contábeis entre lucro e fluxo de caixa, que merecem ser estudadas em termos de qualidade da informação contábil. Dependendo dos incentivos presentes nas decisões dos gestores podemos ter um reconhecimento assimétrico em termos de receitas e despesas, conferindo maior ou menor qualidade as demonstrações contábeis. Não sabemos ex ante qual o conservadorismo condicional das incorporadoras, mas há elementos do setor que nos motivam a investigar esses efeitos. Por exemplo, a revisão do orçamento dos custos da obra pode incluir novos custos que anteriormente não estavam previstos no projeto original, resultado em ajustes no reconhecimento de receita e despesa.

Em segundo lugar, o reconhecimento de receita nas entidades de incorporação imobiliária deve representar a essência econômica das transações, o que está coerente com a transferência do controle, dos riscos e benefícios ao longo da obra. Neste sentido, justifica-se a aplicação do método POC pelas incorporadoras brasileiras, resultando em melhor representação da situação patrimonial da empresa. Contudo, está presente alguma subjetividade na aplicação do método (Bonizio, 2001), o que nos leva a investigar o efeito dessa discricionariedade no reconhecimento dos resultados. Esses resultados serão excessivamente otimistas? Ou eles serão modestos devido a um mecanismo de controle em ambientes de assimetria informacional? Segundo LaFond e Watts (2008), os relatórios contábeis podem ser mais conservadores em função da maior assimetria informacional do ambiente, o que significa que o próprio conservadorismo pode operar como um mecanismo de controle para limitar conflitos de agência.

Os achados podem contribuir para a atual discussão a respeito das alterações no reconhecimento de receita para o setor de construção civil, em especial os contratos de venda de imóveis no Brasil. O CPC 47 pode alterar os critérios para o reconhecimento de receita, inviabilizando o uso do POC para as entidades que negociam esses contratos. Se isso ocorrer, as demonstrações contábeis podem deixar de apresentar adequadamente os eventos econômicos que elas deveriam refletir.

Além disso, as pesquisas sobre o reconhecimento de receita das incorporadoras brasileiras dedicaram-se principalmente em analisar a conformidade das demonstrações financeiras com as normas vigentes. Já as pesquisas sobre ao conservadorismo condicional não abordaram especificamente as incorporadoras, exceto Santiago, Cavalcante e Paulo (2015), que analisaram o setor de construção brasileiro. Porém, os autores não trabalharam com um grupo de controle, sendo que a amostra foi composta por empresas do setor de construção apenas. Portanto, o trabalho traz a essência dos diversos estudos do conservadorismo e aplica-os ao contexto das incorporadoras brasileiras, comparando-as com outros setores.

Revisão da Literatura
Normatização Contábil das Incorporadoras

Em 1973 foi emitido pelo International Accounting Standards Board (IASB) o pronunciamento IAS 11 – Construction Contracts, que estabelece o tratamento contábil das receitas e despesas dos contratos de construção. Estes são definidos como “um contrato especificamente negociado para a construção de um ativo ou de uma combinação de ativos que estejam diretamente interrelacionados ou interdependentes em função da sua concepção, tecnologia e função ou do seu propósito ou uso final” (CPC 17, item 3). Devidamente fundamentada no regime da competência, tal norma se baseia no método POC como forma de reconhecimento de receita, o qual utiliza o percentual de conclusão da obra (razão entre custo incorrido e custo orçado) para reconhecer a receita ao longo da construção.

Todavia, o IAS 11 não tinha uma clara distinção entre i) um contrato de construção, ii) um contrato de prestação de serviços, iii) ou uma venda de bens. Para melhor interpretação, o IASB emitiu em 2008 a instrução IFRIC 15 – Agreements for the Construction of Real Estate, a qual proporcionou melhor entendimento da norma. A instrução definiu um critério para identificar o enquadramento das atividades do setor de construção civil: indaga-se se “o comprador é capaz de especificar os principais elementos estruturais do projeto do imóvel antes de começar a construção e/ou especificar mudanças estruturais significativas após o início da construção (quer, ou não, o comprador exerça essa possibilidade)” (ICPC 02, item 11). Caso este critério seja atendido, a atividade se enquadra como um contrato de construção. Caso negativo, será uma prestação de serviços ou venda de bens, passando então a serem normatizados pelo pronunciamento IAS 18 – Revenue.

O IAS 18 já era aplicável em outros setores, contudo, quando utilizada pela construção civil, o método POC também poderia ser aplicado. No caso das prestações de serviços, se atendido os critérios de reconhecimento de receita do IAS 18, necessariamente aplica-se o POC nos termos do IAS 11. Já nos casos de venda de bens, o método só é aplicável quando a “entidade pode transferir ao comprador o controle, os riscos e os benefícios da propriedade do imóvel em construção em seu estágio atual de acordo com a evolução da obra” (ICPC 02, item 17), desde que “os critérios de reconhecimento de receita do IAS 18 forem continuamente atendidos à medida que a construção avança” (Ibidem).

No Brasil, com o processo de internacionalização das normas contábeis, as publicações IAS 11, IAS 18 e IFRIC 15 são aplicadas por meio do CPC 17, CPC 30 e ICPC 02, respectivamente.

Consequentemente, um dos segmentos afetados pela ICPC 02 (IFRIC 15) foi a incorporação imobiliária. Conforme esta interpretação, sua operação é caracterizada como venda de bens. Contudo, como os compradores não têm a posse do imóvel ao longo da construção, interpretava-se que não havia transferência do controle, dos riscos e dos benefícios ao longo da obra. Portanto, a receita desta atividade deveria ser reconhecida integralmente quando transferida a posse do imóvel ao comprador, isto é, na conclusão da obra, e não mais pelo método POC, conforme previsto pela Resolução do Conselho Federal de Contabilidade - CFC 963/03, normatização anterior à internacionalização.

Todavia, Santos, Domingues e Galdi (2010, p.214) observam que os impactos da ICPC 02 (IFRIC 15) às incorporadoras são decorrentes principalmente do modelo de negócios utilizado no Brasil, o qual não é adotado em outros países. Uma vez que os imóveis são vendidos principalmente “na planta” - ocorrendo antes mesmo do início das obras; num contexto de ciclos operacionais geralmente superiores a um ano - ciclo maior que o período contábil, torna-se um desafio quando se pretende reconhecer, mensurar e evidenciar os resultados de um determinado período (Bonizio, 2001).

A esse respeito, Iudícibus et al. (2010, p. 395) argumentam:

A justificativa do procedimento de reconhecer os resultados ao longo do período do contrato, alternativamente à hipótese de nada se alocar durante o desenvolvimento do contrato, para só se apropriar o resultado integral ao final, deve-se à preferência de se terem resultados intermediários, em cada exercício, de forma aproximadamente certa, em vez de resultados totalmente errados em todos os períodos. Quando se apropria tudo no final, cada resultado anterior terá ficado errado integralmente, e o último não é correto também, pois engloba todo o auferido e ganho nos anteriores; mas só agora é contabilmente reconhecido.

Portanto, o reconhecimento da receita integralmente no final da obra, como previsto pela ICPC 02 (IFRIC 15), traria impacto estrutural e relevante às incorporadoras brasileiras. O tema suscitou grande preocupação para os gestores das companhias (Suetugui, 2011).

Em resposta a estas particularidades, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis publicou em 2010 a orientação OCPC 04 – Aplicação da Interpretação Técnica ICPC 02 às Entidades de Incorporação Imobiliária Brasileiras, a qual orientou principalmente os critérios para o reconhecimento das receitas das incorporadoras no contexto nacional.

Tal orientação evidencia que os atos normativos contábeis devem ser lidos e interpretados considerando a essência econômica das transações que pretendam normatizar, independentemente da forma jurídica de que estejam revestidos, que demonstra uma visão justa e verdadeira (true and fair view) da situação patrimonial da empresa. Na orientação são observados diversos indícios que no contexto nacional permite-se transferir o controle, os riscos e benefícios aos compradores ao longo da obra. Por meio dela, justificou-se a aplicação do método POC pelas incorporadoras brasileiras.

Fundamentação da Hipótese de Pesquisa

Basu (1997) define o conservadorismo como o reconhecimento mais tempestivo das más notícias em relação às boas notícias. Este reconhecimento antecipado das más notícias gera assimetrias sistemáticas persistentes no resultado. Na incorporação imobiliária, o registro de receitas e despesas pelo POC reflete uma prática mais adequada para o setor, pois tende a apresentar resultados intermediários acerca da evolução das obras, ao invés de divulgar o resultado apenas na entrega das chaves. Sabe-se que a possibilidade de reconhecer as receitas apenas no momento da entrega das chaves pode realmente gerar uma assimetria maior entre receitas e despesas. Contudo, o reconhecimento da receita apenas na entrega das chaves não é uma prática usual para o setor, e está desalinhada com a normatização corrente. Complementarmente, o reconhecimento pelo método percentage of completion reflete um resultado mais adequado para as incorporadoras, por isso a Comissão de Valores Mobiliários emitiu o Ofício Circular / CVM / SNC / SEP / n° 01/2018, permitindo a utilização do POC.

Adicionalmente, o entendimento trazido pela OCPC 04 permite que as incorporadoras reconheçam receita ao longo da obra. Neste sentido, as diferenças entre regime competência e caixa geram apropriações contábeis a serem realizadas devido a ajustes temporais entre o fluxo de caixa e o lucro contábil das transações econômicas em andamento. Observando cada período isoladamente, temos a seguinte identidade:

Equação 1. Identidade do regime da competência (COELHO, 2007, p.65)

As apropriações contábeis tendem a se anular (Dechow & Dichev, 2002), pois são apenas ajustamentos temporários a fim de gerar informação aos usuários da contabilidade. Estas apropriações podem ser observadas nas vendas e compras de bens a prazo, bem como nos recebimentos e pagamentos adiantados. Nestes exemplos estão presentes o conceito de Capital de Giro, que apresenta ajustes temporais em curto prazo nas disponibilidades da entidade. Há também casos em que os ajustes temporais perpetuam por mais tempo, em longo prazo, por exemplo, as depreciações.

Os ajustes das apropriações contábeis vão além de um ajuste temporal, eles apresentam informações não relacionadas à operação, mas que afetam “o valor líquido da empresa como aproximação do valor de mercado dos componentes patrimoniais da firma” (Coelho, 2007, p.66). São exemplos: i) teste de impairment; ii) registro de goodwill; iii) reconhecimento de depreciação acelerada; iv) baixa do valor do estoque; v) reavaliação de ativos, e outros.

Contudo, os contadores podem lidar com elevado nível de incerteza para efetivar as apropriações dos ganhos e perdas econômicas, pois os valores dependem de estimativas de julgamentos subjetivos da gerência, e a realização do caixa possui elevado grau de incerteza por períodos indefinidos em longo prazo (Coelho, 2007).

No contexto normativo da incorporação imobiliária, as apropriações contábeis se apresentam de forma muito característica. As vendas no período denominado “pré-chaves” são uma realidade presente no Brasil, que geram impactos significativos no reconhecimento da receita. Para as vendas efetuadas neste período, de aproximadamente três anos, as incorporadoras cobram em média 25% do valor do imóvel a serem pagos durante a obra. (Sasaki, 2010).

Para exemplificar, a Figura 1 apresenta a diferença acumulada por período entre o valor efetivamente pago pelo cliente e a receita reconhecida pelo método POC.


Figura 1.
Exemplificação da diferença entre o regime de caixa e o regime da competência

Neste exemplo, como forma de simplificação, a venda ocorreu no lançamento do empreendimento concomitantemente ao início das obras e do período contábil. No término do primeiro período, a companhia recebeu (caixa) 55% da receita reconhecida; no término do segundo período, 20%; e no término das obras, 25%. Quando o empreendimento é finalizado, o cliente quita o saldo devedor, e neste momento o valor recebido se iguala a receita já reconhecida. Há incorporadoras que parcelam o imóvel além do período “pré-chaves”, nestes casos, as apropriações contábeis se estendem por diversos anos. Portanto, observa-se que a própria operação das incorporadoras apresenta apropriações contábeis relevantes e persistentes a longo prazo, as quais podem ser associadas com o reconhecimento assimétrico de receitas e despesas. Neste sentido, o reconhecimento da receita pelo POC e sua constante revisão podem contribuir para um resultado de maior qualidade, por exemplo, com um lucro mais ou menos conservador.

Posto isto, observa-se que o exercício do julgamento pela gestão está presente no reconhecimento de receitas, despesas e lucros, os quais devem representar adequadamente as apropriações contábeis, ou seja, espera-se que o resultado reflita os eventos econômicos do período. Contudo, o ambiente legal e institucional tem influência sobre a qualidade das demonstrações contábeis, devido à presença de incentivos que podem nortear as decisões da gerência. Acredita-se ainda que algumas características do setor justificam uma investigação acerca do assunto: i) apropriações contábeis particulares entre lucro e fluxo de caixa devido ao modus operandi da construção civil; ii) revisão periódica do orçamento de custos e ajustes no reconhecimento de receita; e iii) presença de alguma subjetividade na aplicação do POC, devido a critérios baseados em proporção de custos, medição de trabalho e evolução física.

Em adição, Moreira et al. (2010, p. 81) explicam que o conservadorismo “consiste na inclusão de certa dose de cautela na formulação dos julgamentos necessários na elaboração de estimativas nessas condições de incertezas, por isso é um atributo de qualidade informacional das demonstrações contábeis”. Por sua vez, Lafond e Watts (2008) afirmam que o próprio conservadorismo pode ser um mecanismo de governança corporativa, voltado para limitar o reconhecimento de resultados excessivamente otimistas, e, consequentemente, limitar os conflitos de agência.

Nesse sentido, um dos incentivos para a elaboração de relatórios conservadores é a redução dos custos de agência (Watts, 2003). Assim, o conservadorismo pode ser visto como um mecanismo de governança corporativa para reduzir o comportamento oportunista dos gestores (Collins et al., 2014). Por exemplo, Almeida et al. (2008) observaram maiores níveis de conservadorismo condicional nas empresas negociadas na B3 que possuíam algum grau de governança corporativa, conforme classificações da própria Bolsa. Destaca-se que as incorporadoras presentes neste estudo estão listadas no Novo Mercado[1], o mais elevado nível de governança corporativa da B3.

Em resumo, o registro de receitas e despesas pelo POC pode representar uma prática mais adequada, resultando em reconhecimento assimétrico entre ganhos e perdas, coerente com o conceito de conservadorismo condicional de Basu (1997). Espera-se que a aplicação do POC represente a essência econômica das transações, mas a presença de alguma subjetividade inerente ao setor pode levantar algumas dúvidas (Bonizio, 2001). Consequentemente, os estudos que abordam a existência do conservadorismo condicional nas demonstrações financeiras das incorporadoras são necessários, devido as particularidades do modelo de negócio desse conjunto de empresas, o que permite definir a seguinte hipótese de pesquisa:

O conservadorismo condicional está presente nas demonstrações financeiras das incorporadoras de capital aberto no Brasil.

Destaca-se que o conservadorismo é um dos princípios utilizados para tentar tornar as informações mais confiáveis (Basu, 1997), reduzindo os custos de agência (Watts, 2003). Que, portanto, pode ser visto como um mecanismo de governança corporativa para reduzir o comportamento oportunista dos gestores (Collins et al., 2014).

Método de Pesquisa

O modelo apoia-se nos métodos de regressão múltipla a partir de dados amostrais coletados do software Economatica®.

Especificação do Modelo Original de conservadorismo condicional

O primeiro modelo apresentado é baseado em Basu (1997) para a observância do conservadorismo condicional. Apresentando neste trabalho como Modelo Original, nele foram adicionadas dummies para controlar o efeito setor[2].

[Equação 2. Modelo Original]

Onde,

· Xit é o lucro por ação da empresa i no ano t;

· Pit-1 é o preço da ação da empresa i de 9 meses antes do final do ano-fiscal t.

· Rit é o retorno da empresa i de 9 meses antes do final do ano-fiscal t até 3 meses após o final do ano-fiscal t.

· DRit é uma variável dummy que assume valor 1 quando Rit é menor que 0, e 0 quando Rit assume outros valores;

· corresponde às dummies adicionadas para controlar o efeito setor.

O modelo pressupõe um mercado de ações eficiente (ou semiforte), pois espera-se que o preço da ação contenha todas as informações econômicas relevantes (Coelho, 2007).

Esta premissa contribui para a compreensão do modelo de Basu (1997). O preço da ação há 9 meses antes do fechamento do ano t precificou a companhia referente ao ano t-1, desta forma o lado esquerdo da igualdade (Xit / Pit-1) reflete o retorno da companhia em bases econômicas e contábeis, ou seja, é o lucro contábil do ano t sobre o valor da empresa (preço da ação) no ano t-1.

Já as variáveis do lado direito da igualdade estão representadas apenas em bases econômicas. O retorno é calculado pela variação da precificação da companhia pelo mercado de ações. Desta forma, pela significância das variáveis, é possível analisar se o resultado econômico incorpora o resultado contábil, além de demonstrar características de tempestividade.

Deste modo, o conservadorismo pode ser analisado, pois pode-se observar por meio da precificação das ações pelo mercado, as informações conservadoras contidas nas demonstrações financeiras. Ou seja, se o mercado reage tempestivamente a números conservadores após publicações desfavoráveis (Silva, 2013).

Dentre as variáveis da regressão, a dummy DR interage com o coeficiente β3, o qual mensura a sensibilidade do lucro para retornos positivos e negativos (Basu, 1997). A Figura 2 representa graficamente o modelo de Basu (1997) em duas dimensões. Percebe-se que para os valores negativos os retornos são sempre inferiores à reta de valores positivos. Portanto, a significância do β3leva a percepção de conservadorismo, o que gera o reconhecimento de perdas incrementais. Lopes e Walker (2008) consideram que um resultado com características de conservadorismo apresenta a soma de β2e β3com valor superior a β2.


Figura 2.
Efeito incremental do β3 do modelo de Basu (1997) da associação entre os lucros e retornos.

Especificação do Modelo Original de conservadorismo condicional

Este segundo modelo advém de uma adaptação ao Modelo Original de Basu (1997), que tem os mesmos princípios das adaptações de Lopes e Walker (2008), Santos et al. (2011) e Silva (2013).

Apresentado neste trabalho como Modelo Adaptado, tem os mesmos fundamentos de análise do modelo original, todavia, foi acrescida uma variável dummy que interage com outras variáveis, gerando informações segregadas das incorporadoras. A Equação 3 representa o Modelo Adaptado deste trabalho:

[Equação 3 - Modelo Adaptado]

Onde,

· Xit é o lucro por ação da empresa i no ano t;

· Pit-1 é o preço da ação da empresa i de 9 meses antes do final do ano-fiscal t.

· Rit é o retorno da empresa i de 9 meses antes do final do ano-fiscal t até 3 meses após o final do ano-fiscal t.

· DRit é uma variável dummy que assume valor 1 quando Rit é menor que 0, e 0 quando Rit assume outros valores;

· Inc é uma variável dummy que assume valor 1 quando a empresa é do setor de incorporação imobiliária, e 0 quando é de outro setor;

· corresponde as dummies adicionadas para controlar o efeito setor.

A dummy Inc distingue as incorporadoras brasileiras de empresas de outros setores da economia. Como as incorporadoras assumem o valor 1 nesta variável, o coeficiente β’3 apresentará o conservadorismo apenas das incorporadoras. Com a mesma lógica do Modelo Original, este coeficiente apresenta o reconhecimento de perdas incrementais.

Os resultados da aplicação dos dois modelos poderão validar a hipótese de pesquisa, a qual espera um nível superior de conservadorismo das incorporadoras em relação ao mercado. A aplicação do Modelo Original apresentará o conservadorismo geral do mercado, e por sua vez o Modelo Adaptado apresentará o conservadorismo apenas das incorporadoras. Deste modo é possível identificar, por meio destes coeficientes, a diferença entre os níveis de conservadorismo. Visto que quanto maior o coeficiente (em relação ao β2), maior o conservadorismo identificado.

Seleção de dados

Como a liquidez aumenta a eficiência de mercado (Forti et al., 2009), a amostra que atende a necessidade do trabalho é composta pela combinação das carteiras IBrX 100 e IMOB da BM&FBOVESPA.

Estipulado o critério para a escolha das companhias, a Tabela 1 demonstra o procedimento para a seleção final.

Tabela 1.
Procedimentos para seleção da amostra final

Uma vez selecionada as empresas, observa-se na Tabela 2, a composição da amostra por setores de atuação, conforme classificação do Economatica®.

Tabela 2.
Número de empresas por setor

Na Tabela 3 são apresentadas as nove incorporadoras que compreendem a amostra. Adicionalmente, estão relacionados os pronunciamentos utilizados para embasar os métodos de reconhecimento de receita, além de especificar o método utilizado, conforme as notas explicativas das demonstrações financeiras de 2014.

Tabela 3.
Listagem das empresas de incorporação imobiliária, pronunciamentos e métodos de reconhecimento de receita conforme demonstrações financeiras de 2014

Conforme características da amostragem Basu (1997), estre trabalho analogamente desenvolveu:

· Dados deflacionados;

· Dados em cross-section compreendendo os anos de 2010 a 2014;

· Aplicação do modelo de dados em painel POLS (pooled ordinary least squares).

Coleta de dados

Os dados coletados apresentam valores deflacionados, desta forma, os valores foram corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) assumindo a data base de 01/04/2015. Os dados compreendem os valores de fechamento das ações no dia 1º de abril dos anos de 2010 a 2015, e o lucro anual por ação de 2010 a 2014.

Resultados

Na Tabela 4 são apresentados as médias e os desvios-padrão de algumas variáveis dos anos de 2010 a 2014. Pode-se observar variações ao longo dos anos que refletem mudanças na conjuntura macroeconômica do país. Destaca-se uma tendência de queda nos retornos que atingiu o início da crise político-econômica de 2015.

A aplicação do método de dados em painel POLS, juntamente com a aplicação das variáveis de controle do efeito setor, podem mitigar os efeitos temporais e setoriais.

Tabela 4.
Dados estatísticos das variáveis X/P, R, DR*R, DR*R*Inc

NOTA: Xit/ Pit-1 é o retorno dado pela razão entre o lucro por ação da empresa i no ano t e o preço da ação da empresa i de 9 meses antes do final do ano-fiscal t; Rit é o retorno da empresa i de 9 meses antes do final do ano-fiscal t até 3 meses após o final do ano-fiscal t; DRit é uma variável dummy que assume valor 1 quando Rit é menor que 0, e 0 quando Rit assume outros valores; eInc é uma variável dummy que assume valor 1 quando a empresa é do setor de incorporação imobiliária, e 0 quando é de outro setor.

Na Tabela 5 são apresentadas as estimativas para o modelo de reconhecimento oportuno de perdas segundo Basu (1997) e o Modelo Adaptado.

Tabela 5.
Estimativas geradas para o modelo de reconhecimento oportuno de perdas segundo Modelo Original e Modelo Adaptado.

Nota: Coeficientes ***, **, * são significantes estatisticamente a níveis de 1%, 5% e 10% respectivamente.

Ao observar os resultados obtidos com a aplicação do Modelo Original, percebe-se que o valor de β3(0,218) é positivo. Este coeficiente apresenta um valor-p extremamente baixo, representando assim uma variável de significância estatística. Portanto, pode-se concluir que as empresas reconhecem as perdas econômicas oportunamente.

Ao adicionar a variável Inc conforme a proposta do Modelo Adaptado, a estimativa para “R*DR*Inc” apresenta-se estatisticamente relevante, pois o valor-p também é significativo. Sendo um coeficiente positivo (0,322) permite-se concluir que as incorporadoras também apresentam características de conservadorismo, isto é, as incorporadoras reconhecem tempestivamente as más notícias (bad news) em relação às boas notícias (good news).

Detendo-se ao Modelo Adaptado, tanto o β’2 e β’3 apresentaram significância estatística e sinais positivos, de tal forma se pode fazer dois destaques: i) o β’2 está em linha com os resultados obtidos com o Modelo Original, o que significa que o mercado apresenta conservadorismo condicional, e ii) sendo o β’3 positivo, este captura um conservadorismo condicional incremental apenas às incorporadoras, levando a entender que não só apresentam como também são superiores ao mercado (β’2).

O conservadorismo é um dos princípios utilizados para tentar tornar as informações mais confiáveis (Basu, 1997), reduzindo os custos de agência (Watts, 2003). Que, portanto, pode ser visto como um mecanismo de governança corporativa para reduzir o comportamento oportunista dos gestores. (Collins et al., 2014). É importante evidenciar que todas as incorporadoras listadas na amostra fazem parte do Novo Mercado. Pois dentro do contexto brasileiro, o estudo empírico de Almeida et al. (2008) identificou maior nível de conservadorismo condicional das companhias listadas na Bovespa que tinham algum nível de classificação de governança corporativa.

A subjetividade atrelada à dimensão e persistência das apropriações contábeis geram maiores incertezas para o reconhecimento da receita, uma vez que os contadores habitualmente já se deparam com elevado nível de incerteza para efetivar as apropriações dos ganhos e perdas econômicas (Coelho, 2007). Contudo, Santos, Oliveira e Filho (2010) observaram a aplicação do método POC necessita de um sistema orçamentário eficaz com revisões periódicas dos custos orçados. Desta forma, observou-se em diversas notas explicavas a frequência e a atenção que as incorporadoras se empenham na revisão destes orçamentos.

De acordo com Ball, Kothari e Nikolaev (2013) o reconhecimento oportuno das perdas pode ser maior em empresas com ciclos operacionais maiores, como é o caso do modelo de negócios das incorporadoras. Por exemplo, o ciclo operacional médio da MRV em 2018 e 2017 superou 900 dias. Neste sentido, as características operacionais e o longo ciclo operacional característico das incorporadoras imobiliárias requerem apropriações contábeis com revisões periódicas para o adequado reconhecimento de receita, conduzindo a um maior conservadorismo condicional. As apropriações contábeis persistentes em função da sistemática da incorporação imobiliária, exigem que, as receitas e despesas sejam atribuídas na proporção do trabalho realizado. Porém, sabe-se que algumas estimativas possuem um grau de subjetividade, o que exige uma revisão frequente dos custos orçados, o que normalmente é divulgado em notas explicativas das incorporadoras, contribuindo para números de maior qualidade, isto é, com reconhecimento assimétrico de ganhos e perdas. Por fim, a presença das incorporadoras imobiliárias no Novo Mercado é outro fator que deve ser levado em consideração, pois sabe-se que a governança corporativa pode reduzir o comportamento oportunista dos gestores, resultando em número contábeis de maior qualidade e, consequentemente, mais conservadores (LaFond & Watts, 2008).

Portanto, os resultados são favoráveis à manutenção do método POC para as incorporadoras brasileiras, dado que o conservadorismo condicional pode ser associado com reconhecimento assimétrico entre ganhos e perdas, ou receitas e despesas. Sabe-se que o método POC exige algum grau de julgamento, e somado aos diversos incentivos para gerenciar o resultado, este trabalho mostra que as incorporadoras tendem a reconhecer mais rapidamente as más notícias do que as boas. A existência do conservadorismo condicional nas demonstrações financeiras pode refletir uma melhor qualidade informacional (Coelho, 2007), o que permite aceitar hipótese de pesquisa, e concluir que o nível de conservadorismo condicional nas demonstrações financeiras das incorporadoras é superior em relação a outras empresas de capital aberto no Brasil. Particularmente, esse resultado torna-se interessante para as possíveis alterações no reconhecimento de receita para os contratos de venda de imóveis no Brasil. O IASB se posicionou favorável ao reconhecimento da receita apenas na entrega das chaves, o que pode representar um retrocesso frente ao método atual nos balanços das construtoras.

Objetivamente foi identificado um conservadorismo superior das incorporadoras, o que podem impactar positivamente a qualidade da informação. Contudo, não é possível afirmar que as incorporadoras possuem maior qualidade informacional em relação a outros setores, visto que outras variáveis devem ser analisadas.

Conclusão

Prezando pela qualidade da informação contábil, a OCPC 04 deu nova interpretação à ICPC 02 (IFRIC 15), a qual harmonizou as normas internacionais com as características locais das incorporadoras brasileiras. O método POC requer o exercício de algum julgamento para contabilizar receitas e despesas, sendo necessário um sistema orçamentário eficaz com revisões periódicas dos custos orçados. Todavia, o CPC 47 trouxe modificações no reconhecimento de receita para os contratos de venda de imóveis no Brasil, as quais podem levar ao reconhecimento de receita apenas na entrega das chaves. Se o registro de receitas e despesas pelo POC segue uma prática mais adequada para o setor, espera-se um reconhecimento assimétrico entre ganhos e perdas, no sentido de refletir mais rapidamente as más notícias do que as boas, coerente com o conceito de conservadorismo de Basu (1997). Assim, apesar da subjetividade presente no reconhecimento de receita pelo método POC, espera-se qualidade da informação contábil.

Neste contexto, o trabalho levantou a hipótese que há conservadorismo condicional nas demonstrações financeiras das incorporadoras de capital aberto no Brasil. Tal hipótese de pesquisa evidencia o conservadorismo condicional como princípio para tentar tornar as informações mais confiáveis, reduzindo os custos de agência (Watts, 2003). Além disso, o conservadorismo pode ser visto como um mecanismo de governança corporativa para reduzir o comportamento oportunista dos gestores (Collins et al., 2014). Segundo LaFond e Watts (2008), o conservadorismo também pode ser visto como um limitador do reconhecimento excessivamente otimista do resultado, o que pode limitar o conflito de agência. Destaca-se que as incorporadoras apresentaram o conservadorismo condicional e, ainda, estão presentes no Novo Mercado da B3, um dos segmentos de maior padrão de governança corporativa. Complementarmente, o conservadorismo e a tempestividade presentes nas demonstrações contábeis certamente impactam positivamente na qualidade da informação, mas não é possível afirmar que as incorporadoras possuem maior qualidade informacional em relação a outros setores, visto que diversas outras variáveis devem ser analisadas. Por fim, este estudo coloca em evidência que o método de reconhecimento de receita para os contratos de venda de imóveis no Brasil está adequado, o que contraria o posicionamento do IASB, que mostrou-se favorável ao reconhecimento da receita apenas na entrega das chaves.

Como sugestão para pesquisas futuras, faz-se oportuno a análise de outras variáveis das incorporadoras que impactam na qualidade informacional, além do aperfeiçoamento do Modelo Adaptado. Outra sugestão é a análise do conservadorismo condicional no novo contexto normativo que se iniciou com a IFRS 15 – “Revenue from Contracts with Customers”; esta substituiu a IAS 11 e a IAS 18 a partir de 2018.

Material suplementar
References
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Notas

Figura 1.
Exemplificação da diferença entre o regime de caixa e o regime da competência

Figura 2.
Efeito incremental do β3 do modelo de Basu (1997) da associação entre os lucros e retornos.
Tabela 1.
Procedimentos para seleção da amostra final

Tabela 2.
Número de empresas por setor

Tabela 3.
Listagem das empresas de incorporação imobiliária, pronunciamentos e métodos de reconhecimento de receita conforme demonstrações financeiras de 2014

Tabela 4.
Dados estatísticos das variáveis X/P, R, DR*R, DR*R*Inc

NOTA: Xit/ Pit-1 é o retorno dado pela razão entre o lucro por ação da empresa i no ano t e o preço da ação da empresa i de 9 meses antes do final do ano-fiscal t; Rit é o retorno da empresa i de 9 meses antes do final do ano-fiscal t até 3 meses após o final do ano-fiscal t; DRit é uma variável dummy que assume valor 1 quando Rit é menor que 0, e 0 quando Rit assume outros valores; eInc é uma variável dummy que assume valor 1 quando a empresa é do setor de incorporação imobiliária, e 0 quando é de outro setor.
Tabela 5.
Estimativas geradas para o modelo de reconhecimento oportuno de perdas segundo Modelo Original e Modelo Adaptado.

Nota: Coeficientes ***, **, * são significantes estatisticamente a níveis de 1%, 5% e 10% respectivamente.
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