O racismo em Monteiro Lobato, segundo leituras de afogadilho
El racismo en Monteiro Lobato según lecturas a la apurada
Racism in Monteiro Lobato according to superficial readings
Le racisme chez Monteiro Lobato selon des lectures en diagonale
蒙太罗﹒洛巴托的种族主义思想
O racismo em Monteiro Lobato, segundo leituras de afogadilho
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 8, núm. 2, pp. 355-407, 2016
Universidade Federal Fluminense

Recepção: 10 Outubro 2015
Aprovação: 21 Janeiro 2016
Resumo: O artigo enfoca o recente debate sobre a obra de Monteiro Lobato analisando os argumentos de que se valem três textos de diferentes publicações veiculadas na década de 2010: um em revista acadêmica (Dados) e dois em semanários vendidos em banca de jornal (Carta Capital e Bravo). Os argumentos sustentados desconstroem a produção literária de Monteiro Lobato, retirando-o do panteão dos grandes nomes nacionais e reduzindo-o a eugenista/racista. O artigo ressalta a diferenças qualitativas que existem entre tomar a obra, a contribuição e o pensamento de um autor como objeto sistemático de estudo e o abordar tais questões às pressas por motivações conjunturais, realizando o que é definido como leitura de afogadilho. Metodologicamente a análise se baseia em instrumental de pesquisa de natureza histórico-sociológica.
Palavras-chave: Racismo, Monteiro Lobato, censura, ideias sociais e políticas.
Resumen: El artículo trata del reciente debate sobre la obra de Monteiro Lobato, analizando los argumentos usados en tres textos de diferentes publicaciones vehiculadas en la década del 2010: uno en revista académica (Dados) y dos en semanarios vendidos en quioscos (Carta Capital y Bravo). Los argumentos sustentados deconstruyen la producción literaria de Monteiro Lobato, retiran el autor del panteón de los grandes nombres nacionales y lo reducen a un eugenista/racista. El artículo subraya las diferencias cualitativas que existen entre considerar la obra, la contribución y el pensamiento de un autor como objeto sistemático de estudio y abordar esas cuestiones de forma apresurada por razones coyunturales, en lo que definimos como una lectura a la apurada. A nivel metodológico el análisis se basa en material de investigación de naturaleza histórico-sociológica.
Palabras clave: Racismo, Monteiro Lobato, ideales sociales y políticos.
Abstract: This article is focused on recent debate on the works of Monteiro Lobato, analyzing the arguments outlined in three texts to have appeared in related publications as of 2010, with one article published in an academic journal (Dados) and two published in weekly publications sold at newspaper kiosks (Carta Capital and Bravo). The arguments sustained deconstruct Monteiro Lobato’s literary production, removing it from the pantheon of national names and reducing it to the label of ‘eugenist/racist’. The article highlights the qualitative differences between taking the work, contribution and thoughts of an author as a systematic object of study and the approaching of such questions in haste due to circumstantial pressures, conducting what in effect are superficial readings. In terms of methodology, the analysis is based on research instruments of a historical-sociological nature.
Keywords: Racism, Monteiro Lobato, censureship, social and political ideas.
Résumé: Cet article s’intéresse aux récents débats sur l’œuvre de Monteiro Lobato et analyse les arguments mis en avant par trois textes publiés dans trois différentes publications dans les années 2010 : le premier dans une revue universitaire (Dados) et les deux autres dans des hebdomadaires disponibles en kiosque (Carta Capital et Bravo). Les arguments en œuvre déconstruisent la production littéraire de Monteiro Lobato pour l’exclure du Panthéon des grands écrivains nationaux et le réduire à un eugéniste/raciste. Ce texte soulignera les différences qualitatives qui existent entre le fait de prendre l’œuvre, la contribution et la pensée d’un auteur en tant qu’objet systématique d’étude, et le traitement de ces questions à la va-vite pour des raisons conjoncturelles, après une lecture en diagonale. Du point de vue méthodologique, notre analyse se base sur des outils de recherche de nature historico-sociologique.
Mots clés: Racisme, Monteiro Lobato, censure, idées sociales et politiques.
摘要: 本文讨论巴西儿童作家蒙太罗﹒洛巴托的三篇文章里所反映的种族主义思想。这三篇文章在2010年被重新刊登在三种不同的期刊上,一篇在学术杂志(DADOS)上,另外两篇在普通型周刊上(Carta Capital, Bravo) 。有些评论认为,从他的作品来看,蒙太罗﹒洛巴托算不上巴西的伟大作家,充其量只是一个种族主义者,优生主义者。本文通过分析这三篇文章写作的原因和最初发表的时代背景,认为应该对作家的文学作品,社会贡献,和政治思想做总体性,系统性研究,不应该只看作家的因为局势所限和某些一时需求而发表的一两篇文章。本文的研究方法是历史和社会学分析法
關鍵詞: 种族主义, 蒙太罗, 洛巴托, 言论审查, 社会政治思想。.
Considerações sobre “evidências suficientes para afirmar que Monteiro Lobato era de fato racista”
No pequeno texto de Mauricio Dias publicado na Carta Capital (N. 749), o autor após forte ataque a Monteiro Lobato, fazendo coro, mesmo que de forma velada com os que defendem a censura estatal em obras de arte, como ocorreu durante as duas ditaduras que empestearam o Brasil durante o século XX, conclui incisivo: “Vetar a publicação? Nunca. Os pais têm o direito de comprar obras do autor e, com elas, presentear os filhos. Pelo aniversário ou por qualquer outra razão [...] mas o poder público não pode propagar a visão racista de Monteiro Lobato".[2]
Portanto, segundo o articulista compete aos pais, se concordarem com as monstruosas ideias de Lobato, comprarem seus livros para presentear os filhos (quer dizer, serem coniventes com o racismo), mas assevera que o Estado não pode de forma alguma dar assentimento e propagar tais ideias. Fica subentendido que para o autor o que o Estado deve fazer é incentivar, financiar e propagar publicações científicas que apresentem pesquisas bem fundamentadas denunciando racistas empedernidos como Monteiro Lobato. No início do artigo comentado o autor nomeou a fonte acadêmica de onde extraiu as informações que afiançam não deixar dúvida sobre o caráter nefasto da obra de Monteiro Lobato, escrevendo:
A revista Dados, publicação acadêmica editada pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IESP-Uerj), resgata na edição 56, a polêmica de 2010, em torno das obras infantis do escritor Monteiro Lobato. Artigo assinado pelos professores João Ferres Junior, Leonardo Fernandes Nascimento e Zena Winora Eisenberg não deixa dúvidas: os contos escritos por ele disseminam preconceitos [...] Lobato, um influente autor brasileiro do século XX, era racista de perigosa influência nos bancos escolares, consumindo com avidez pelas crianças.[3]
Em seguida, cita a seguinte passagem do artigo sobre Monteiro Lobato escrito a 6 mãos e publicada na Dados 56: “Há evidências suficientes para afirmar que Monteiro Lobato era de fato racista [...] foi membro da Sociedade Eugênica da São Paulo e amigo pessoal de expoentes da eugenia no Brasil como os médicos Renato Kehl (1889-1974) e Arthur Neiva (1880-1943).
Quem passa os olhos rapidamente por tais linhas sem ter uma leitura acurada da obra de Lobato e sobre o pensamento social brasileiro na primeira metade do século XX, e não souber operar com a ferramenta campo intelectual[4] é fácil presa, e de imediato levado a crer na veracidade das afirmações que o texto contém: ou seja que há “evidências suficientes para afirmar que Lobato” era de fato um racista empedernido. Isto sem necessidade alguma de fazer indagações. A certeza advém do fato do último trecho citado referir-se a duas“ evidências” que ditas “suficientes”, não necessitam de qualquer exame para serem axiomaticamente entendidas como verdades absolutas. Além do mais as “evidências suficientes” tem por fonte um artigo com chancela acadêmica de revista altamente conceituada no “rigoroso” ranking do Centro de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes), não deixado, portanto, margem para qualquer contestação. Está provado: Monteiro Lobato não passa de um racista empedernido cuja obra deve ser execrada e ponto final. Mas, um momento, atenção! Não aceitemos prima facie, sem nenhuma análise as tais duas evidências que fundamentam a afirmação. Examinem-nas, pois julgamos que a respeito é necessário fazer muitas considerações e objeções. As afirmações são as que se seguem.
A primeira á a mais peremptória. Considera-se evidência inquestionável do racismo de Lobato o fato dele ter sido “membro da Sociedade Eugênica de São Paulo”.
A segunda evidência funda-se na crença que pelo fato de Lobato ser apresentado como “amigo pessoal” de dois médicos que – segundo a afirmativa – eram “expoentes da eugenia”: Renato Kehl e Arthur Neiva, constitui prova irrefutável que o eugenismo era a bússola que guiava as suas ações.
Exame da “primeira evidência”
A primeira “evidência” afirma que Monteiro Lobato foi membro da Sociedade Eugênica de São Paulo considerando isto uma prova cabal por tratar-se de um racista empedernido. Examinemos tal “evidência”.
A Sociedade Eugênica de São Paulo se originou a partir da importação de ideias nascidas e crescidas na Inglaterra e nos Estados Unidos, países que costumam ser saudados como modelos de liberdade e da democracia, e foi fundada pelo médico Renato Kehl em 25 de janeiro de 1918 tendo deixado de existir no ano seguinte quando mudou-se de São Paulo passando a residir no Rio de Janeiro.[5] A primeira questão que se coloca é se teria sido Monteiro Lobato membro desta sociedade, conforme a afirmativa em questão. Provavelmente não. Consultei diversas fontes merecedoras de crédito e em nenhuma há referência segura ao fato de Lobato ter sido membro da Sociedade Eugênica de São Paulo. Também não encontrei em texto escrito pelo próprio qualquer referência a ter pertencido aos quadros de tal instituição. O mesmo pode ser dito em relação aos muitos textos de natureza biográficos que já foram escritos sobre Lobato. Conheço um bom número deles e nunca encontrei quem o dissesse pertencente de tal instituição. De onde saiu essa certeza de que Lobato foi membro da Sociedade Eugênica de São Paulo? Sei lá. Gostaria que os que asseguram isso informassem a fonte. Concretamente não há notícias da participação de Lobato na fundação da associação presidido por Kehl nem adesão formal posterior a ela. Também não encontrei menção a trabalhos que tenha apresentado nas reuniões do grupamento que contava com cerca de 140 membros (a quase totalidade médicos) e que realizava reuniões regulares no salão da Santa Casa da Misericórdia, em São Paulo.[6]
A única relação que comprovadamente existiu entre Monteiro Lobato e a Sociedade Eugênica de São Paulo foi que a primeira edição de seu livro intitulado Problema Vital (1918a) contou com o apoio da referida instituição. Isso é claro, pois na capa da edição pioneira desse livro, após o nome do leitor e o título, está impresso o seguinte: “Artigos publicados no ´O Estado de São Paulo´, e enfeixados em volume por decisão da Sociedade Eugênica de São Paulo e da Liga Pro-Saneamento do Brasil”. Portanto, vale notar que além da instituição fundada por Kehl, um conjunto de artigos de Lobato publicados no grande jornal paulista de Júlio de Mesquita foram enfeixados em livro não apenas por decisão de uma sociedade eugênica mais também, e igualmente, por uma sociedade brasileira de sanitaristas. Sociedade também fundada em 1918 e presidida pelo médico Belisário Penna.

Capa da 1ª. edição do Problema Vital, onde constam o nome das duasinstituições que patrocinaram a publicação do livro.
Bem, conforme argumentamos, ao que ao que tudo indica, Lobato não participou de nenhuma reunião nem foi membro da Sociedade Eugênica de São Paulo, fato dado por seus críticos como evidência do que seria prova inquestionável de seu “racismo empedernido”. Mas será que o teor do único escrito que publicou sob a chancela da citada instituição - o livro Problema Vital - serve para provar de maneira peremptória e definitiva o racismo do criador do Sítio do Picapau Amarelo? Após ler e reler diversas vezes e atentamente o livro em questão afirmamos com convicção absoluta que não. Ao contrário, o livro nada tem a ver com ideias racistas, sendo exatamente o inverso disso. O livro é de ponta a ponta antirracista por excelência. Examinemos a questão. Comecemos pela análise do título: Problema Vital. Entre as definições que o Novo Aurélio dá para o adjetivo vital está: “de importância capital, essencial”.[7] Portanto, a simples leitura do título desse livro de Lobato permite entender que o seu propósito é o de apontar, identificar o que considerava como problema capital, essencial (vital) de alguma realidade, no caso da formação social brasileira. Será então que neste livro publicado por decisão da Sociedade Eugênica de São Paulo e da Liga Pró-Saneamento do Brasil, Lobato em alguma linha dá a entender que considera a raça como o problema vital do país? De forma alguma. As passagens abaixo reproduzidas do Problema Vital que podem ser acrescidas de muitas outras, bem ilustram o que estamos afirmando.
O pobre caipira é positivamente um homem como o italiano, o português, o espanhol. Mas é um homem em estado latente. Possui dentro de si grande riqueza de forças. Mas forças em estado de possibilidade. E é assim porque está amarrado pela ignorância e falta de assistência as terríveis endemias que lhe depauperam o sangue, catequizam o corpo e atrofiam o espírito. O caipira não é assim. Está assim. Curado, recuperará o lugar a que faz jus no concerto etnológico.[8]
Na passagem citada Lobato não se refere ao caipira como sendo um tipo inferior ao branco (italiano ou seja lá de onde for), ao contrário, refere-se ao caipira como possuidor dentro de si de “grandes riquezas e forças”, considerando que estava condenado a miséria “pela falta de assistência as terríveis endemias que lhe depauperam o sangue, catequizam o corpo e atrofiam o espírito” e denunciava o governo de um estado classista a serviço dos interesses dos grupos dominantes como responsável pela situação de penúria que se encontrava a população rural, composta por negros e mestiços em praticamente a sua totalidade, da qual os caipiras são parte substantiva.

Fotografia de um “Jeca autêntico” publicada na página 320 da Revista do Brasil n. 67, 1921. Monteiro Lobato estavaenvolvido na ocasião na luta pelo saneamento rural, defendendo como poucos e com veemência que o problema do Jeca derivava dasituação de miséria em que se encontrava por ausência total de políticas públicas e não de pretensa inferioridade racial.
Em outra passagem do Problema Vital, Lobato poucas linhas após observar que a palavra patriota “está desviada do seu verdadeiro sentido”, escreve:
A esta hora milhões de verdadeiros patriotas lá estão no eito, porejantes de suor, na faina da limpa e do plantio. Febrentos de maleita, exaustos pelo amarelão, espezinhados pelo ácaro político, lá estão cavando a terra como podem, desajudados de tudo, sem instrução, sem saúde, sem gozo da mais elementar justiça. Estão fazendo patriotismo embora desconheçam a palavra pátria. Deles sai o café, pedra básica do nosso alicerce econômico, deles saem as manadas de gado, deles saem a borracha, o fumo, o cacau e tudo mais que, exportado, transfeito em ouro, vai encher o bolso e regalar a vida dos que falam em patriotismo.[9]
Lobato prossegue:
Seminus, mal nutridos, na grande maioria doentes de males que só aos seus espoliadores compete prevenir, eles são os pólipo humilde que fez o que aí está. Se o que aí está não é melhor, nem maior, nem mais sério e decente do que deveria ser, culpa cabe somente a quem lhes carunchou o banco de coral com a parlapatice retórica de mão dadas na velhacaria política. (Idem. Ibidem: p. 270 e 171).[10]
E conclui incisivo:
Mal, porém vibra no ar a voz do higienista denunciando a doença do pólipo, a legião de patriotas entra a zumbir, e corre de peneirinha em punho a tapar a luz do sol. E gritam. ´É falta de patriotismo fazer diagnósticos claros. Nem todas as verdades se dizem. O que pensará de nós o estrangeiro? Cretinos! A eterna mania da opinião europeia.[11]
A denúncia de que os mandachuvas e os abastados são os únicos responsáveis pela situação de abandono em que se encontram os membros das classes dominadas e não de uma pretensa inferioridade racial, atravessa de ponta a ponta a obra de Lobato. As únicas maneiras de não compreender isso é não a ler ou a escamotear caçando frases e generalizando a partir delas. Isto implica em anular a produção do sentido do discurso produzido pelo autor ao longo de décadas, substituindo tal sentido por versão apriorística, preconceituosa e estereotipada.
No ano seguinte à publicação pioneira do Problema Vital, na “Explicação Desnecessária”, uma espécie de prefácio que Lobato escreveu para a 4ª. edição de Urupês (1919), volta a denunciar que é a criminosa conivência do poder público com as classes abastadas que mantém o “jeca” na miserabilidade, e não a pretensa inferioridade racial, como querem fazer crer as leituras de afogadilho. Tal denúncia é feita com tal virulência e clareza que nem mesmo o mais contumaz dos sofistas seria capaz de distorcer o sentido. Reproduzimo-la na íntegra.
Entra neste livro de contos uma caricatura que não o é, Urupês. A intrusa veio solver o tremendo problema batismal. E saiu-se bem. Cumpre-me, todavia, implorar perdão ao pobre Jeca. Eu ignorava que eras assim, meu caro Tatu, por motivo de doenças tremendas. Está provada que tens no sangue e nas tripas um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molengo, inerte. Tens culpa disso? Claro que não. Assim, é com piedade infinita que te encara hoje o ignorantão que outrora só via em ti mamparra e ruindade. Perdo-a, pois, pobre opilado, e crê no que te digo ao ouvido: és tu isso sem tirar uma vírgula, mas ainda és a melhor coisa que há no país. Os outros, que falam francês, dançam o tango, pitam havanas, e, senhores de tudo, te mantêm nessa gema infernal para que possam a seu salvo viver vida folgada á custa do teu dolorido trabalho, esses Jeca, tem n´álma todas as verminoses que tens no corpo. Doente por doente, antes como tu, doente só no corpo [...][12]
Necessário acrescentar algumas informações para melhor contextualizar a Explicação Desnecessária. Lobato pretendia dar o título de “10 histórias trágicas” ao livro que estreou como contista com sucesso retumbante. Foi Arthur Neiva que demonstrando arguta visão publicitária, numa época em que a chamada ciência da propaganda[13] não havia surgido, que sugeriu a Lobato o título Urupês para o livro, como de fato ocorreu. A sugestão de Neiva derivava do fato de Lobato ter saído do anonimato e se tornado nacionalmente conhecido a partir da repercussão obtida por dois artigos que, girando em torno do caipira publicou em O Estado de São Paulo, a saber: “Velha praga” (11/11/1914) e “Urupês “(23/12/1914). Estes artigos provocaram um verdadeiro rebuliço ao mexerem com a opinião pública nacional uma vez que, na ocasião, foram reproduzidos em algumas dúzias de jornais. Comentando esse acontecimento Lobato escreveu em 16/01/1915 a Godofredo Rangel, seu principal correspondente: “A Velha Praga não cessa a peregrinação. Já foi transcrita em setenta jornais, conforme me informa o Sinésio Passos, redator de um jornal de Guaratinguetá”.[14]
Um pouco antes de estrear em livro como contista, Lobato reuniu colaborações de uma pesquisa que organizara sobre o saci pedindo aos seus leitores do Estadinho, suplemento literário que dirigia no jornal O Estado de São Paulo, que enviassem depoimentos a respeito e com o material recebido organizou e publicou o livro O sacy-Pererê - resultado de um inquérito (1918b), do qual há uma edição fac-similar mais contemporânea (Fundação Banco do Brasil e Odebrecht, 1998). Com este livro Lobato sistematizou o folclore do saci, o primeiro folclore negro que se tornou conhecido no país. A respeito, comentou um pesquisador contemporâneo:
As páginas d’O Estado de São Paulo foram veículo de seu pensamento [Lobato]. No artigo ‘A criação do estilo’ publicado em 6 de janeiro de 1917, sugere a incorporação dos elementos do nosso folclore nos cursos de arte, especialmente no Liceu de Artes e Ofícios. Conclama que se realize o 7 de setembro estético, tendo como paradigma o saci.[15]
Apesar de Lobato ser um crítico do modernismo foi chamado por Oswald de Andrade de “marco zero” de tal movimento literário e o saci foi adotado como símbolo da Semana de Arte Moderna (1922). Em página não numerada do pré-texto da obra em questão, Lobato escreveu uma dedicatória que deve deixar sem saber o que dizer os que dele leem pedacinhos e valendo-se de deduções e generalizações tiram afobadas conclusões. A dedicatória é a seguinte:
A memória da saudosa Tia Esmeria, e de quanta preta velha que nos pôs em criança, de cabelos arrepiados com histórias de seus cucas, sacys e lobisomens, tão mais interessantes que as larachas contadas hoje aos nossos nobres filhos por nossas lambisgoias de toucas brancas, n’uma algaravia teuto-italo-niponica que o diabo entenda. Vieram estas corujas civilizar-nos; mas que saudades da tia velha que em vez de civilização requentava a 70$000 réis por mês, afora bicos, nos apavorava de graça.[16]
Mas retomando o fio da meada, ou seja, a questão central que está na base das observações feitas nas páginas imediatamente anteriores sobre o pretenso argumento de que Lobato teria sido membro da Sociedade Eugênica de São Paulo e que essa filiação seria uma prova inequívoca de seu racismo. Sobre a questão argumentamos que:
a) A afirmação que Lobato pertenceu ao corpo da referida instituição, ao que saibamos não passa de especulação sem nenhuma base em pesquisa ou referencial confiável.
b) A relação de Lobato com a sociedade eugênica presidida pelo médico Renato Kehl se limitou a publicação, a convite desta instituição e da sociedade sanitarista do Rio de Janeiro, do livro Problema Vital. Livro não apenas antirracista, mas que isso, crítico de propostas racistas como dos que defendiam a imigração de brancos (italianos), por acreditar tratar-se de mão de obra racialmente superior à disponível na nação, composta em grande maioria por negros, índios e mestiços.
É fundamental ainda observar que mesmo que Lobato tivesse sido membro da Sociedade Eugênica de São Paulo e com larga militância nela, isto estaria longe de poder ser dado como evidência, como prova de tratar-se de um racista empedernido. Quem se baseia em tal argumento para classificar Lobato de forma tão pejorativa não tem nenhuma ideia, nem procurou ter, sobre os propósitos que nortearam a ação da sociedade eugênica fundada por Kehl em 1918 e encerrada no mesmo ano. Tais propósitos centravam-se em melhorar a raça (palavra usada com o sentido de nacionalidade - raça brasileira - e não significando cor) pela adoção de políticas públicas de higiene, sanitarismo e da defesa da introdução de educação física nos currículos escolares. O ideário da construção de uma raça pura (branca, anglo saxã, ariana), está longe de ser a pedra de toque do eugenismo brasileiro nascido em fins da década de 10. Entretanto, o eugenismo racista já estava presente no alvorecer do século XX nos países centrais e dominantes do modo de produção capitalista - Estados Unidos e Inglaterra - e a partir da década de 30 alastrou-se pela Alemanha, com a ascensão do nazismo.
Análise da “segunda evidência”
A segunda “evidência suficiente” é a que assegura que pelo simples fato de Lobato ser dado como “amigo pessoal” e correspondente dos médicos Renato Kehl (1889-1974) e Arthur Neiva (1880-1943), apresentados como expoentes da eugenia no Brasil, prova que ele era um ferrenho defensor das mesmas ideias
Preliminarmente, precedendo o exame dos fundamentos e o valor heurístico da aludida prova, vale ter em mente que antes de ser apresentada por pesquisadores acadêmicos na revista Dados, editada por conceituado centro de investigação científica nas áreas das ciências sociais, foi publicada em Bravo, revista mensal editada pela editora Abril, voltada para público consumidor de generalidades. No texto publicado em Bravo, o autor induz seus leitores a crerem que a razão que levou Lobato a manter correspondência com Kehl e com Neiva fundava-se no fato dos três terem uma preocupação em comum – o eugenismo – que seria o tema dominante e a própria razão de ser das correspondências.
“Eram adeptos de um conceito esdrúxulo de eugenia. A ideia surgida na França na metade do século 19 e sistematizada pelo médico François Galton, e definida pelo próprio como ´estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer qualidades raciais das futuras gerações, física ou mentalmente´ – e na prática representava entre outras coisas, uma exaltação da raça branca em relações a outras”.[17]
Bem, penso que alguns cuidados devem ser tomados ao se analisar correspondências. Entre tais cuidados estão: investigar como a correspondência nasceu, seus objetivos, o tempo de duração, a quantidade de cartas trocadas, o intervalo entre elas e os assuntos que são tratados, bem como a constância e a permanência destes. Assim entendendo, pelo menos duas questões pontuais devem ser examinadas para situar a natureza da correspondência entre Lobato e Neiva e entre Lobato e Kehl. A primeira é se realmente seriam tanto Neiva quanto Kehl expoentes do eugenismo – afirmação comum tanto aos artigos de Bravo, Carta Capital . Dados. Em relação a Kehl há consenso entre especialistas a esse respeito. Em relação a Neiva de forma alguma, como demonstraremos. A segunda é se eugenismo é um assunto discutido com profundidade e o tema dominante, determinante ou pelo menos importante na correspondência tanto entre Lobato e Neiva, quanto entre Lobato e Kehl.
Observamos que para não extrapolar muito o limite máximo de laudas recomendadas nas normas que regem publicações de artigos em revistas acadêmicas tivemos que explanar as questões pontuais propostas em apenas um autor e não nos dois. Optamos por fazê-lo em Arthur Neiva, com quem Lobato manteve correspondência frequente trocando grande número de cartas. A correspondência entre Lobato e Neiva foi iniciada em 1918 e só encerrada em 1943, ano em que o médico baiano faleceu. Por outro lado, as cartas que Lobato trocou com Kehl são parcas e esporádicas, quase formais e não tipificando existência de grande amizade entre os dois.[18]
Arthur Neiva: alguns dados biográficos
Quem é apresentado a Arthur Neiva através da informação de tratar-se de um expoente do eugenismo, de um racista convicto, é levado a sentir de imediato repulsa e desprezo por um ser tão abjeto. Sentimento similar é igualmente levado a nutrir sobre quem é apresentado como seu amigo íntimo e induzido a crer que se corresponde com ele por partilhar da mesma nefasta visão de mundo. Mas devemos indagar: é plausível, justo e minimamente viável esta forma de definir Arthur Neiva? Afinal, quem foi Arthur Neiva? Um boçal, um despreparado, um idiota capaz de se encantar com uma teoria esdrúxula qualquer? Coligindo dados de sua biografia dizemos com veemência que não. O conceituado Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro publicado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas define Arthur Neiva de maneira radicalmente diversa, ou seja, não como um idiota, um expoente do eugenismo, mas como: “cientista internacionalmente conhecido”.
Com base em informações disponíveis e de maneira muito panorâmica, no afã de situar a trajetória Arthur Neiva, nascido em Salvador na Bahia em 1880 e falecido no Rio de Janeiro em 1943, montamos o seguinte quadro referencial, destacando suas participações e contribuições no campo científico.
Arthur Neiva iniciou seus estudos universitários na Faculdade de Medicina da Bahia e concluiu-os na Faculdade de Medicina do Rio de janeiro, em 1903. Como acadêmico começou a trabalhar na Inspetoria de Profilaxia da Febre Amarela, tendo participado ativamente da campanha de erradicação do aedes aegypti, mosquito transmissor da referida febre. Entre 1906 e 1908 trabalhou no Instituto Soroterápico realizando pesquisas na área entomológica.
Sua cultura geral, seus conhecimentos especializados e seu amor à pesquisa fizeram-no notado, e Oswaldo Cruz removeu-o para trabalhar em Manguinhos. Data desta época seu primeiro trabalho científico, a descrição de um mosquito desconhecido para a ciência, e também sua primeira comissão, designado foi por Oswaldo Cruz para realizar a campanha de profilaxia do impaludismo no serviço de captação de águas para a cidade do Rio de L. Em Xerém, Mantiqueira, João Pinto e Registro. Aí permaneceu de dezembro de 1906 a fevereiro de 1908 e transformou as bases da profilaxia no Brasil.[19]
Ao longo das décadas de 10 e 20, na qualidade de pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, e após ter feitos descobertas científicas notáveis pesquisando e classificando “barbeiros”, transmissores da doença de Chagas,[20] visitou centros médicos nos Estados Unidos e em outros países. Em 1912, juntamente com o médico Belisário Penna e financiados pela Inspetoria de obras contra às secas comandou a mais importante expedição científica até então realizada no país. Pioneiramente, durante nove meses, a expedição adentrou e percorreu cerca de 10 mil quilômetros de regiões da hinterlândia nos estados da Bahia, Pernambuco, Piauí e Goiás, mapeando doenças, medicando, fazendo levantamento sobre as condições de saúde da população assim como sobre o meio geográfico, a flora e a fauna. Passo audacioso e forte para o estabelecimento da saúde pública no Brasil, tão carente e relegada a segundo plano por sucessão de governos e mais governos ao longo de séculos e até os dias correntes.
O trecho que abaixo reproduzimos extraído de publicação da Fiocruzdeixa cristalino o papel profícuo desta expedição científica e o impacto que tem sobre o país:
A expedição chefiada por Neiva e Penna destaca-se entre as demais realizadas na época como a mais rica contundente em observações de caráter sociológico. Quatro anos depois da partida, em 1916, os pesquisadores publicaram um amplo e bem documentado relatório de viagem, no qual denunciam as más condições de saúde e da vida da população rural do país. Na liderança do movimento em prol do saneamento no Brasil, Neiva e Penna defendiam a tese de que a redenção econômica, social e moral da nação dependia necessariamente do compromisso dos poderes públicos com a melhoria das condições de saúde da população rural. A publicação do relatório teve forte impacto sobre as elites intelectuais brasileiras. A descrição minuciosa dos locais percorridos mostrava a situação do interior do Brasil a um público distante daquele contexto, estimulando discussões e debates. A viagem de Neiva e Penna estimulou a realização de campanhas a favor do saneamento do Brasil, sob grande influência dos artigos publicados por Belisário Penna, entre novembro de 1916 e janeiro de 1917, no jornal Correio da Manhã[21].
Além das citadas, algumas entre muitas outras das contribuições de Neiva ao mundo da ciência, assim como a sua participação na vida pública do país, podem ser sintetizadas da seguinte maneira:
1913. Livre docente de parasitologia pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Título obtido com a defesa da tese Revisão do gênero Triatoma lap.
1913. Catedrático em História Natural e Parasitologia da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de São Paulo.
1915. Estada na Argentina, a convite do governo do país vizinho para lá instalar a Seção de Zoologia Médica do Instituto Bacteriológico da capital portenha. Este convite e outros que na mesma ocasião recebeu, vindos do país e do exterior, são indicativos do reconhecimento que havia atingido como cientista.
1916/1918. Diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo.
Sua atuação aí foi notória e a primeira, de caráter administrativo, de grande envergadura: remodelou totalmente os serviços de higiene; implantou a vacina obrigatória; recomeçou a campanha contra a tracoma, de há muito extinta; iniciou as grandes campanhas contra as maiores endemias nacionais, malária e ancilostomose [...] Elabora o Código Sanitário , o primeiro com esse título existente no país, no qual aproveitando toda a legislação já existente, tratou pela primeira vez de assuntos novos, como a proibição do trabalho de menores de 12 anos nas fábricas e nos serviços noturnos; cuidou do trabalho das mulheres nos estabelecimentos, amparando-as quando grávidas; implantou medidas de segurança contra os acidentes de trabalho [...] Instalou no Brasil pela primeira vez, postos de profilaxia contra a sífilis”.[22]
1918 - Pesquisador do Instituto Butantã. Onde foi um dos responsáveis para que este renomado centro de produção de conhecimentos fundamentais para a preservação da vida viesse a ser produtor de medicamentos.
1920/1921 – A convite do Instituto Kitasato, o mais importante centro de pesquisas do Japão viaja ao país asiático para lá introduzir princípios de que se vale a medicina, o higienismo e o sanitarismo brasileiro. Na ocasião, o governo de São Paulo o designou para estudar as organizações sanitárias do Japão e dos Estados Unidos e outras questões relacionadas à área médica relativa as suas especialidades na Noruega, Filipinas e em outros países.
1923/1927. Diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Em 1925 criou uma das mais importantes publicações científicas do país: o Boletim do Museu Nacional e editou quatro volumes dos arquivos da instituição, tornando públicas as pesquisas no campo das ciências naturais lá realizadas.
1927/1931– Diretor Superintendente do Instituto Biológico de São Paulo. Na sua gestão organizou a biblioteca da instituição, criou o regime de tempo integral para pesquisadores (pela primeira vez no Brasil) e fundou a revista Arquivos do Instituto Biológico, o que significou a criação de espaço para divulgação dos trabalhos científicos produzidos na casa.
1931 – Interventor no Estado da Bahia. Triunfante a Revolução de 1930, indicado por líderes do tenentismo, Getúlio Vargas, nomeou-o interventor em sua terra natal. Neiva permaneceu no cargo pouco mais de um ano, regressando à direção do Instituto Biológico do Estado de São Paulo. Seu primeiro ato como interventor foi mandar soltar todos os presos políticos do Estado, inclusive o chefe de polícia do governo que o antecedeu. Fundou o Instituto do Cacau, principal fonte de riqueza da Bahia. E pautou sua gestão por preocupações sociais como manter as cidades limpas, forma de diminuir o número de pessoas doentes.
1934/1937 – Deputado na Assembleia Nacional Constituinte (1934). Deputado Federal (1935-1937). Foi eleito para o exercício do mandato eletivo concorrendo pelo Partido Democrático (sessão da Bahia). Exerceu-o até o golpe de Estado de 10 de novembro que implantou o Estado Novo (1937-1945). Avesso a regime ditatorial, retirou-se da linha de frente da vida pública regressando ao Instituto Oswaldo Cruz.
Apesar de meramente resenhados consideramos que os fatos destacados são fundamentais para a compreensão da trajetória de Arthur Neiva e suficientes para deixar claro tratar-se de um brasileiro que legou à posteridade quer seja como cientista, administrador ou homem público contribuições que fazem dele uma glória nacional.
Sobre Arthur Neiva escreveu o médico Joffre Marcondes Rezende, cientista renomado, professor Emérito da Universidade Federal de Goiás e professor Honoris Causa da Universidade de Brasília:
Arthur Neiva foi a um só tempo médico, pesquisador, educador, escritor, sanitarista e homem público. Sua vasta cultura, sua inteligência, seu amor ao trabalho e seu patriotismo permitiram que ele se afirmasse como líder em todos os setores onde atuou. Seu legado científico é um patrimônio no acervo da ciência e da cultura nacionais. Além da extensa bibliografia científica, escreveu vários ensaios e um livro intitulado Estudos da Língua Nacional, que faz parte da coleção Brasiliana da Cia. Editora Nacional (Neiva, 1940); como educador, formou toda uma geração de novos pesquisadores que seguiram o seu exemplo; como sanitarista, indicou os caminhos a serem trilhados para o saneamento urbano e rural; como homem público, esteve sempre pronto a servir o país, quando convocado. O Instituto Oswaldo Cruz o homenageou, dando o seu nome a um dos pavilhões do instituto.[23]
Entretanto, em artigos publicados em semanário comercializado em bancas de jornal e em publicação acadêmica, Arthur Neiva não passa de um reles expoente do eugenismo que, por tal razão, manteve longo e frequente correspondência com Monteiro Lobato, um pernicioso literato racista.
Arthur Neiva: Publicações
Quem se dispuser a analisar e classificar os 187 trabalhos que Lent arrola como tendo sido publicados por Neiva entre 1905 e 1943[24] tentando encontrar elementos capazes de “provar” tratar-se de um expoente do eugenismo vai se frustrar porque constatará que tal tema não tem relevância nem importância alguma no conjunto da obra do autor.
Mais de dois terços dos trabalhos de Neiva foram publicados em revistas ou boletins da área médica, nacionais ou estrangeiras. A maior parte são estudos sobre questões relativas à parasitologia, área de sua especialização. Examinando o título desses trabalhos não encontramos nada referente ao eugenismo. Sem dúvida estamos diante de um grotesco paradoxo: de um lado, um eminente cientista brasileiro taxado em publicações comerciais assim como em acadêmicas como sendo um expoente do eugenismo e de outro, a nossa constatação, que em suas pesquisas dirigidas à comunidade científica Neiva ao menos se ocupa da questão que é dado como expoente.
Entre os textos de Neiva originalmente publicados em canais da área médica chamamos particularmente a atenção para o relatório intitulado Viagem científica pelo norte da Bahia, sudeste de Pernambuco, sul do Piauí e de Norte a sul de Goiás que juntamente com Belisário Penna, redigiu. O relatório é referente à já citada expedição científica da qual ambos foram os principais protagonistas. Deste relatório, tendo em vista a importância, há uma edição fac-similar do Senado Federal (1999).[25]
Tirante publicações científicas estrito senso, há textos de Neiva em outros canais de comunicação entre os quais a Revista do Brasil, o Estado de São Paulo e o Jornal do Commercio.Neste, publicou um conjunto de artigos entre 1935 e 1939, que tinham por tema a influência do tupi no falar brasileiro. Em 1940, esse material proveniente de eruditas e meticulosas pesquisas foi enfeixado em Estudos da Língua Nacional. Livro com 370 páginas que faz parte da Brasiliana, famosa coleção dirigida por Fernando Azevedo e publicada pela Companhia Editora Nacional, cujo fundador e presidente era Octacílio Morales, genro de Monteiro Lobato. A coleção completa da Brasiliana é composta por 387 títulos que, consensualmente, estão entre os mais fecundos estudos sobre o nosso país que se publicou entre as décadas de 30 e 40 do século passado.
A leitura de Estudos da Língua Nacional nos leva a afirmar que, seu autor além das contribuições quantitativas e qualitativas teóricas e práticas que legou como profissional da área médica deve ter o seu nome inscrito no seleto grupo dos grandes filólogos nacionais. Ilustramos a nossa afirmação ao reproduzimos uma passagem de À Guisa de Prefácio que Neiva escreveu para o livro em questão:
Interessante é o adagiário que Baissac registra a exemplo do que existe entre nós já assinalado por vários autores, inclusive Afrânio Peixoto, mas nunca estudados convenientemente quanto aos elementos que entraram na sua formulação[...] Durante muito tempo disso me ocupei e reúno grande material em que figurasse o elemento tupi. Provérbios que ascendem a muito mais de uma centena, inteiramente intraduzíveis para qualquer língua, pois o vocábulo que serve de eixo ao rifão, representa planta, árvore, ou coisa nossa, de denominação tupi [...]. Comecei a estudar o significado das palavras tupi e vários aspectos que os rifões, adágios, provérbios e frases feitas em que entrassem elementos desse idioma. E como sempre acontece com tudo que se investiga e revê, tanto se avolumou o material que estudei que poderia suscitar perfeitamente uma larga contribuição. Não pude porém, terminar, não fui além da letra ´g’. Guardo, entretanto a lista que organizei desse nosso adagiário para futuras pesquisas.[26]
Daqui e de Longe – crônicas nacionais e de viagem (1927) é o título de outro livro de Neiva. O volume, basicamente, reúne textos do autor que originalmente vieram a lume na Revista do Brasil ou no Estado de São Paulo, entre 1921 e 1923. São crônicas nacionais e de viagem, páginas escritas em linguagem coloquial onde pontos de vista que nortearam o pensar e o agir de Neiva estão bem aflorados. Trata-se de leitura imprescindível para quem se propuser a estudar de maneira acurada as formas de pensar do ilustre cientista brasileiro.
Sobre “eugenismo” os únicos argumentos que encontramos em Daqui e de Longe são referentes à defesa que Neiva faz da necessidade de colocar a educação física no currículo escolar assim como a necessidade de se incentivar a prática de esportes. Dentre outros cita a ginástica sueca, o atletismo, o remo e a natação. Em uma passagem, referindo-se aos dois últimos esportes citados, considera: “Foi na Praia Vermelha que surgiram os primeiros botes a disputar com estrangeiros; e em seguida os nadadores que procuravam demonstrar ao alienígena que no Brasil também tem gente forte, ágil e sadia”.[27] Em outra, com sentido elogioso comenta que na Argentina “jardins públicos já possuem aparelhos de ginástica”.[28]
Entre as páginas 59 e 91 de Daqui e de Longe há seis artigos de Neiva com o mesmo título: “Do Esporte”, diferenciados apenas pela numeração I, II, II, IV, V e VI, indicando tratar-se de continuação temática. Em todos esses artigos o autor defende a prática do esporte como fator fundamental para o desenvolvimento da raça, termo que sempre utiliza no sentido de nacionalidade, como era usual nas primeiras décadas do século. Ao exposto é importante acrescer que, conforme já argumentamos alhures, o que no Brasil se entendia por eugenismo na ocasião em que Neiva escreveu os artigos que compõe Daqui e de Longe implicava em defender a adoção de políticas públicas que entre entres suas prioridades colocava o investimento em saúde pública (higiene e sanitarismo) e esporte. É essa matriz “eugênica” que está nas páginas do texto de Neiva, e não os horrores do chamado eugenismo negativo, presente nos Estados Unidos e na Alemanha nazista.
Quanto a questões referentes a racismo, em Daqui e de Longe, abundam. Do livro em questão destacamos os textos reproduzidos a seguir por julgá-los representativas do pensamento de Neiva a respeito. Vamos a eles:
Dizem que os japoneses têm prevenção contra o branco; isso é possível e perfeitamente justificável. O que eles sofreram das grandes potências, até há pouco tempo, quando ainda não eram fortes, em humilhações sem nome, exportações e usurpações, é verdadeiramente inominável e pouco conhecido entre nós [...][29] Quando os Estados Unidos, pela força, obrigaram a abertura dos portos japoneses, estes compreenderam que somente se aparelhando como os violentos ocidentais poderiam salvaguardar sua independência, o que conquistaram [...][30] Cansado das espoliações, como a do tratado de Portsmouth, que lhe arrancou os frutos da vitória contra a Rússia, não lhes permitindo que recebesse indenizações, obra de Roosevelt. [...][31] O yankee, o desgeneroso fomentador do ódio de raças na família humana.[32]
[...]
Fui encontrar nos Estados Unidos tudo o que se negava por aqui: ciência, idealistas, filantropia, arte, literatura, e, sobretudo, uma capacidade de organização verdadeiramente assombrosa [...][33] Ao lado, porém, das coisas pitorescas e interessantes, e do muito que aprendi, pude observar também o rancor profundo que separa, nas menores coisas, os americanos brancos dos seus compatriotas de cor. E com profundo espanto verifiquei que o forasteiro, quando não contaminado pela mesma ordem de ideais, pelo menos rapidamente a elas se acostuma, achando tudo profundamente natural. Nos Estados Unidos o ódio de raças está acima de tudo [...]. Não seria o tempo deles iniciarem a propaganda contra o ódio de raças?[34]
O que há de comum nos textos acima reproduzidos? Textos que frisamos, são representativos das formas de pensar do autor, encontrando-se similares em várias outras passagens do livro onde Neiva relata impressões de viagens ao exterior a trabalho, como médico, como cientista. O primeiro ponto em comum é que ele condena totalmente o racismo. O que joga por terra a afirmação de tratar-se de alguém encantado com um esdrúxulo conceito de eugenismo o que induz a entendê-lo como um racistóide neonazista. O segundo ponto em comum é que Neiva vê nos Estados Unidos, a fonte do racismo que se espalha pelo mundo. Repete estas duas ideias de diversas maneiras ao longo do livro que só mesmo não o lendo, ou manipulando grosseiramente o sentido do discurso produzido pelo autor é que é possível entendê-lo de outra forma.
Sobre a correspondência entre Arthur Neiva e Monteiro Lobato.
Nos itens anteriores destacamos aspectos centrais da trajetória profissional de Arthur Neiva (2.1) e das diretrizes dos trabalhos científicos e de demais trabalhos que publicou (2.2) e não nos deparamos com nada que justifique considerá-lo “expoente do eugenismo”, como querem alguns. Ao contrário, o que constatamos foi tratar-se de um crítico do racismo e de um cientista brasileiro de alta projeção e respeitabilidade nacional e internacional. Mas, pelo sim ou pelo não, apesar das evidências em contrário, será que eugenismo e racismo foram os fios condutores da amizade e da correspondência entre Neiva e Lobato?
A grande quantidade de cartas trocadas entre Neiva e Monteiro Lobato, estudada por Cassiano Nunes em O Patriotismo Difícil, foi iniciada em 1918 e só encerrada em 1943, quando o médico baiano faleceu. A primeira carta foi a enviada por Lobato em 21 de junho de 1918 que em reconhecimento à importância da gestão do médico, então à frente do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, oferecia sua voluntária colaboração: ”Dr. Neiva. Se precisar de mim para alguma coisa, mande, mobilize-me”.[35] A simples menção do título do citado livro de Nunes é indicativo de que o leitmotiv dominante e determinante da enxurrada de cartas trocadas entre Neiva e Lobato ao longo de um quarto de século não tinha por fulcro questões relativas a eugenismo e racismo, conforme imaginam críticos de afogadilhos, e sim o amor pelo país, o “nacionalismo difícil” no dizer de Nunes. Nacionalismo que os engajou em lutas em prol da saúde pública, da educação, da siderurgia e do petróleo, uma vez que ambos consideravam caminhos que tornariam possível a prosperidade nacional, com inclusão de todos os grupos étnicos, e não a sua segregação. Lobato e Neiva sempre defenderam a utilização da mão de obra nacional – brancos, índios, mestiços e negros - contra o reacionarismo do discurso dominante que propunha que a mão de obra nacional fosse preterida por julgá-la inferior à mão de obra de imigrantes europeus. Nunes também informa que quando deputado entre 1933 e 1937 Neiva debruçou-se sobre a questão da exploração econômica do Amazonas e que “seu projeto de colonização deste vasto território, com elementos brasileiros não conseguiu interessar Juarez Távora”.[36]
Como no livro O Patriotismo Difícil de Cassiano Nunes, também em informação constante no Guia de Arquivos do CPDOC, onde está depositado boa parte do epistolário em questão, não é o racismo/eugenismo que é dado como fio condutor da “farta correspondência de Arthur Neiva e Monteiro Lobato” e sim a “questão do petróleo”. Frisamos, segundo informação do arquivo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil/ Fundação Getúlio Vargas, o que é farto na correspondência do pai do Jeca com o cientista de Manguinhos é a questão do petróleo. Nas cartas trocadas a dominância de questões relativas a petróleo e siderurgia vai do céu ao inferno, uma vez que são temperadas com momentos de otimismo e de pessimismo. A temática é frequentemente quebrada por inserções de diversos tipos como críticas à imprensa nacional, ao governo do país, à burocracia estatal, à ditadura, à censura e à falta de liberdade.
Um dos argumentos mais utilizados na vã tentativa de sustentar a afirmação que Neiva e Lobato se carteavam movidos pelo propósito de trocarem informações a respeito de .[…]um conceito esdrúxulo de eugenia”,[37] é pinçado em passagem de carta que o segundo enviou para o primeiro em 1938. A seguir reproduzimos o fragmento desta carta que foi estampada em letras garrafais na capa da Bravo 165. Reportando-se ao Brasil, Lobato escreve: “país de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Ku Klux Klan, é país perdido”.
A questão é extremamente complexa e merece análise acurada, pois para bem situá-la há um conjunto de mediações, contextualizações e indagações preliminares que é necessário fazer, o que deixaremos para outra oportunidade, pois aqui não é o espaço propício para enveredar por tal senda, uma vez que extrapola o propósito central do presente texto. Mas julgamos procedente ressalvar que na matéria publicada em Bravo, referindo-se ao exame da correspondência, entre outras, a de Lobato e Neiva, seu autor observa que garimpou “cerca de 20 cartas inéditas. E o seu conteúdo é estarrecedor”. Ora, as cartas entre Lobato e Neiva garimpadas por Nigri não são inéditas, como de forma sensacionalista assegura. Só quem fez leitura de afogadilho (ocasional e afobada) não reservando tempo de pesquisa para realizar um levantamento sobre estudos publicados a respeito de correspondências mantidas por Lobato é capaz de “intuir” isso. Esta correspondência foi objeto do já citado estudo de Nunes,[38] onde inclusive após fazer referência a trecho da carta apresentada por Nigri como garimpada em pesquisa inédita, demonstrando grande perspicácia e capacidade analítica escreve palavras que dão o que pensar. Ei-las:
E num parágrafo feroz ataca a miscigenação brasileira. A mestiçagem, sugere, destrói a capacidade criativa, Este é o trecho mais desabusado de Lobato. A sua correspondência inédita, tantas vezes escrita em linguagem desabrida, cheia de explosões de desabafo e de patriotismo impaciente, quando for publicada vai provocar – eu, com melancolia o prevejo – um reação desagradável da parte de uma certa imprensa que explora o sensacionalismo e até mesmo de alguns cientistas que julgam as personalidades destacadas do seu contexto, e a base de um presente perene... Não considero Lobato propriamente um racista mas um brasileiro típico do seu tempo, com alguns preconceitos da época e do lugar”.[39]
Questão derivada da “segunda evidência”
É plausível entender o sistema de valores de uma pessoa reduzindo-o e identificando ao que é atribuído a alguns poucos de seus correspondentes? Esta questão nos ocorreu por estar implícita na segunda “evidência suficiente” que acabamos de demonstrar estar alicerçada em areia movediça. É obvio que tal redução e identificação não é minimamente plausível. O argumento não vale um único caraminguá, ou seja: não vale nada. Usado contra Lobato, dado como racista por ter amigos considerados assim, tem a serventia de levar pessoas pouco familiarizadas com sua obra literária, trajetória e com questões em voga no campo intelectual na primeira metade do século XX, a acreditar na versão que assegura ser o autor do Escândalo do Petróleo e do Ferro, pelo simples fato de ser amigo pessoal” e se corresponder com Arthur Neiva, a ser tão racista e expoente do eugenismo quanto esta posição é de maneira absurda atribuída a Neiva, na verdade um expoente da ciência no Brasil.
Pesquisando o arquivo de Monteiro Lobato, Edgard Cavalheiro, que foi seu amigo e biógrafo, e é o criador do “Jabuti”, o mais importante prêmio literário brasileiro, deparou-se com um imenso epistolário composto por cartas sobre os mais variados assuntos que ao longo da vida Lobato enviou ou recebeu de pessoas famosas ou desconhecidas. O biógrafo cita o nome de cada um, são 87 correspondentes.[40]
A citada biografia de Lobato escrita por Cavalheiro em dois tomos que totalizam 668 páginas continua sendo uma referência fundamental para quem quiser estudar o papel e a importância do autor de Urupês na vida cultural, empresarial e política brasileira. Quanto ao número de pessoas que Cavalheiro relacionou como tendo se correspondido com Lobato foi muito ampliada por pesquisas realizadas posteriormente ao seu livro, cuja primeira edição é de 1955. Cassiano Nunes foi o pesquisador que mais contribuiu para que se tornasse publicamente conhecido muitos outros dos correspondentes de Lobato. Referindo-se a este fato, Mariza Lajolo[41] observou que “o trabalho de Cassiano Nunes se reveste de fundamental importância, na medida em que inclui um paciente levantamento de cartas inéditas de Lobato”.[42]
O que pode se dizer ao certo é que um levantamento “pente fino” que fosse realizado hoje, com base em informações atualmente disponíveis sobre correspondentes de Lobato, seria aumentada muitas e muitas vezes em relação a nominata de 87 missivistas que Edgard Cavalheiro arrolou há mais de meio século. Nos dias presentes há referências, alusões ou estão total, ou parcialmente publicadas grande quantidade de cartas recebidas ou enviadas por Lobato para muitos interlocutores que não faziam parte da relação original organizada por Cavalheiro. Os correspondentes de Lobato pertencem aos mais diversos estratos sociais possuindo, entre outras, significativas variáveis entre si quanto à faixa etária, profissão, estado civil, religião, posição política, ideologia e escolaridade. Tendo em vista um tão complexo quadro de referências epistolares não podemos concordar com argumentos de quem em meio a um chorrilho de cartas que ao longo de décadas o autor de Urupêstrocou com pluralidade de atores sociais de visões de mundo largamente diferenciadas e sobre assuntos equidistantes entre si, escolhe ao seu bel-prazer dois correspondentes de Lobato, no caso Neiva e Kehl. E mais, assevera tratar-se de “eugenistas”, e afirma que a razão que levava a cartear-se com eles era por partilhar desta mesma visão de mundo. É o que faz Nigri, no citado artigo da revista Bravo.[43] A mesma lengalenga é acriticamente repetida nos considerados textos de Dados e no de Carta capital
Enfim, as correspondências do autor Urupês com Neiva e a com Kehl foram escolhidas a dedo entre dúzias e dúzias de correspondências que manteve com os mais diversos atores sociais pelos que querem “provar”, omitindo dados e aspectos significativos e manipulando informações que induzem a conclusão de que o racismo era o norte de Lobato.
No caso, o “método” utilizado é o seguinte: Neiva e Kehl, sem mais delongas, são assegurados como eugenistas notórios e o simples fato de Lobato ter se correspondido com ambos é interpretado como prova conclusiva de que formavam uma espécie de confraria racista/eugenista que, com certeza, se carteavam para trocar comentários a respeito. Segundo creem os que postulam isso, a partir da axiomática aceitação de tal verdade basta catar nas correspondências de Lobato com Neiva e de Lobato com Kehl passagens e frases que sirvam ou possam ser interpretadas e adequadas para comprovar o seu racismo, na verdade, coisa que já “sabiam” antes de iniciar a pesquisa. Com base em material garimpado nas referidas correspondências enfiam a camisa de força de “racista empedernido” em Lobato, exorcizam a sua literatura, silenciam sobre ou caricaturam seus projetos sociais e desqualificam o trabalho de todos que ao longo de décadas, produziram estudos onde aspectos relevantes de suas inúmeras contribuições como escritor, editor, tradutor, empresário e cidadão são evidenciados. O paradoxo é que no Brasil pouco se lê e perto de setenta anos após o falecimento de Monteiro Lobato, que teve entre os seus projetos “entupir o país com uma chuva de livros”, os livros que escreveu obtendo retumbante e invulgar sucesso, estão seriamente ameaçados de serem novamente censurados e proibidos.
É óbvio ser manipulativo o método utilizado pelos que se propõem a revelar aspectos definidores das concepções teóricas, intenções e propósitos que nortearam a ação de Lobato através do exame de sua correspondência e para realizar tal tarefa propõem-se a examiná-la somente em dois dos de seus correspondentes escolhidos a livre arbítrio entre mais de centena de possíveis. Checando a fundo tal método, vale indagar, mesmo que a correspondência de Lobato com Neiva e Kehl tivesse por fio condutor raça e eugenismo, na forma que querem seus críticos de afogadilho, será que estes temas têm presença substantiva e tratamento similar a dada nestas em diversas outras correspondências de Lobato?
Por exemplo, se optarmos por investigar a correspondência de Lobato não com Neiva e com Kehl e sim a com Lima Barreto e a com Anísio Teixeira, será que encontraremos as mesmas temáticas e os respectivos enfoques que tipificam, ou dizem tipificar, as duas primeiras? Se sim, pode ser um bom indicativo de que o eugenismo negativo e o racismo eram presenças constantes, traços típicos do pensamento de Lobato. Em caso contrário é sintomático que o método em questão é pouco expressivo e deve ser abandonado no monturo das hipóteses ineptas.
Há dois relevantes estudos sobre a correspondência que Lobato manteve com Anísio Teixeira, o grande paladino, entre nós, em defesa da educação pública, laica e gratuita para todos. Um destes estudos é de autoria de Cassiano Nunes que tendo por cerne as missivas trocadas entre os dois, tem por título Monteiro Lobato e Anísio Teixeira: o sonho da educação no Brasil (1986). O outro, publicado no mesmo ano é Conversa Entre Amigos – correspondência escolhida entre Anísio Teixeira e Monteiro Lobato.[44] Quanto as missivas trocadas entre o autor de Negrinha (1920) e o autor de Clara dos Anjos (1948).[45] Edgar Cavalheiro escreveu um ensaio em que medeia a transcrição de cartas trocadas entre Lobato e Barreto onde faz fecundos comentários pontuais, o título é: A correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto (1955). Embora seja bem sabido, nunca é demais destacar a importância deste correspondente de Lobato não só para a literatura nacional e para a história das lutas do povo brasileiro, mas também lembrar que ele foi o primeiro escritor negro a, em obra literária, desnudar, denunciando, o preconceito racial como mazela nacional.
Objetivando não tornar o nosso texto mais extenso do que, para um artigo, já está, passamos a tecer considerações sobre a correspondência Lobato/Barreto, deixando para entre outra ocasião proceder da mesma forma em relação a correspondência Lobato/Teixeira.
Sobre a correspondência de Monteiro Lobato e Lima Barreto
A mais antiga referência que encontramos de José Bento Monteiro Lobato a Afonso Henriques de Lima Barreto foi em carta que enviou a Godofredo Rangel datada de 1 de outubro de 1916. Esta carta está publicada no livro A barca de Gleyre (1944).[46] Nesta, Lobato pergunta ao amigo “Conheces Lima Barreto?”. Informa que “li dele, na Águia Dois Contos”, comenta sobre o “triunfo do Policarpo Quaresma” e informa que vai, se encontrar, enviar-lhe um exemplar do livro de presente para o amigo e arrisca um prognóstico sobre Lima Barreto: “Bacoreja-me que temos pela proa o romancista que faltava”.[47]
Entre esta referência inicial que Lobato faz de Lima Barreto em carta a Godofredo Ragel e a primeira correspondência que lhe remeteu transcorreu pouco mais de dois anos. Foi postado em 2 de setembro de 1918 e dizia o seguinte:
Prezadíssimo Lima Barreto, a Revista do Brasil deseja ardentemente vê-lo entre os seus colaboradores. Ninhos de medalhões e pérolas, ela clama por gente interessante, que dê coisas que caiam no gosto do público. E Lima Barreto, mais do que nenhum outro, possui o segredo de bem ver e melhor dizer, sem nenhuma dessas preocupaçõeszinhas de gramática que inutiliza metade dos nossos autores. Queremos contos, romances, o diabo, mas a moda “Policarpo Quaresma”, da “Bruzundangas”, etc. A confiaria é pobre, mas paga, por isso não há razão para Lima Barreto deixar de acudir ao nosso apelo. Aguardamos, pois, ansiosos a resposta, uma resposta favorável. Do confrade Monteiro Lobato. P.S. – Pelo amor de Deus leia e rasgue isto.[48]
No estudo que realizou sobre a correspondência Lobato/Barreto, Cavalheiro esclarece: “Não temos a primeira carta do romancista, mas pela resposta de Lobato sabemos que trazia a data de 9 de novembro, e que levava a oferta de um original o Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá”.[49] Esclarece também que Lobato respondeu-a no dia 15 do mesmo mês começando a carta com as seguintes palavras: “Prezadíssimo confrade e amigo; Recebi sua carta a 9 do corrente e com ela os originais, que não li, nem é preciso, visto como estão assinados por Lima Barreto”. A seguir observa: “A revista do Brasil tem muito gosto de editar essa obra” e solicita que Lima Barreto, caso concorde em firmar o contrato com a editora para a publicação do livro em questão, faça opção por uma das duas propostas que apresenta. Ambas são de encher os olhos de qualquer autor contemporâneo. Na primeira, Lobato propunha fazer uma edição de 3000 exemplares cabendo “50% dos lucros líquidos ao autor, pagáveis à medida que se forem realizando” e na segunda, por igual tiragem propunha, antes de tudo, um adiantamento de “800$000 no ato da entrega dos originais”. As propostas não implicavam na venda dos direitos autorais sendo apenas referentes a contrato válido para a primeira edição. Encerrando a missiva, Lobato escreve: “Se lhe servem estas condições, poderemos firmar contrato imediatamente. Sem mais disponha do amigo com probabilidade de se tornar também seu editor (a) J. B. Monteiro Lobato”.[50]
Sobre esta carta, em “A vida de Lima Barreto (1881-1922)”, Francisco de Assis Barbosa comenta:
Era a primeira vez que Lima Barreto recebia uma proposta dessas. Até então, nenhum editor o havia procurado, com semelhante oferecimento. Todos os seus romances tinham sido publicados por sua própria iniciativa, pedindo, oferecendo, ou pagando ele mesmo a edição. Ainda há pouco, vendera os direitos autorais definitivos para todo e sempre, de um livro, os Bruzundangas, por 70 mil-réis. Quanto recebera pela publicação em folhetins de Numa e a Ninfa? Uma miséria, e assim mesmo aos bocados.[51]
A correspondência de Lobato e Lima Barreto iniciada em setembro de 1918 se estende até 1922, ano em que faleceu o romancista carioca. Durante um período de quatro anos trocaram mais de cinquenta cartas em linguagem coloquial onde a amizade. o respeito e a recíproca admiração literária saltam aos olhos de quem as lê. Em uma delas Lima Barreto escreve: “Creia-me sempre seu amigo grato, confrade esquisito e admirador”.[52] E em outra: “li os livros que me mandaste e outros que havia recebido. Custa-me a dizer o que sinto sobre o teu, porque tenho vexame de parecer lisonjear-te”.[53] Das cartas que Lobato enviou ao primeiro romancista negro a denunciar em seus livros o racismo sempre presente na sociedade nacional, extraímos: “Será nos teus livros e nalguns de Machado de Assis, mas sobretudo nos seus, que os pósteros poderão sentir todas as suas mazelas de salão por cima e Sapucaia por Baixo”.[54] Extraímos também: “Quando ouço te criticarem a vida desordenada – leio por outro lado os teus livros, firma-me a ideia supra. E cá comigo: ‘ se o ordenam’, em vez de ‘Policarpos’, o Lima engorda e emudece, etc., etc.[55]
Nas cartas, os dois amigos trocam confidências e desabafos. Lima escreva a Lobato: “Matriculei-me com menos de 16 anos na escola politécnica e não sou doutor em coisa alguma – graças a Deus!”.[56] Referindo-se a Revista do Brasil Lobato escreve a Lima: “Seja sempre amigo dela que ela muito merece, porque é uma mocinha séria, honesta, trabalhadeira, que não se aluga a governos nem engrossa poderosos”.[57] Na época que se correspondem Lobato é o coração e a locomotiva literária do país e seus livros esgotam edições sucessivas. Quanto aos livros de Lima Barreto, em que pese o seu grande valor literário como Lobato bem percebeu antes de qualquer outra pessoa, vendiam muito pouco. Em algumas cartas o escritor carioca deixa transparecer apreensão a respeito. Tendo esta questão como centro Lobato faz a seguinte comentário que mantem atualidade para quem pretende enveredar como autor pelo mundo das letras: “O teu livro sai pouco, sabe por quê? O título não é psicologicamente comercial. Um bom título é metade do negócio. Ao ler o título do teu romance [Vida e morte de M.J. Gonzaga de Sá] toda gente supõe que é a biografia de... um desconhecido”.[58]
A denúncia e a condenação ao preconceito racial existente no Brasil não é estranha a correspondência Lima Barreto/Monteiro Lobato.[59] Onde esta questão aflora de maneira mais contundente é no seguinte comentário que o primeiro, referindo-se a João do Rio faz ao segundo:
Eu tenho notícias de que ele não se tem mais na conta de homem de letras, senão para arranjar propinas com os ministros e presidentes de Estado ou senão para receber sorrisos das moças brancas botafogonas daqui – muitas das quais, como ele, escondem a mãe ou o pai. É por causa dessa covardia idiota que ‘essa coisa’ não acaba...”.[60]
Em 24 de fevereiro de 1918 o romancista carioca informa ao amigo sobre conteúdo de matéria que acabara de publicar na revista Contemporânea. “Eu ligeiramente fiz algumas considerações sobre o ‘Urupês’ e ‘Problema Vital’. Leste? Pedi aos empresários que te mandassem um exemplar. Vou verificar. Até breve e sem mais”.[61]
Vale atentar para o ano em que foi enviada a citada correspondência, pois documenta que Lima Barreto leu Problema Vital em 1918, ou seja, leu a primeira e única edição do livro até então existente. Edição onde está impresso na capa logo abaixo do título, conforme já destacamos: “Artigos publicados no ‘Estado de São Paulo’ e enfeixados em volume por decisão da Sociedade Eugênica de São Paulo e da Liga de Saneamento do Brasil”. Vale indagar, porque um espírito arguto como Lima Barreto não manifesta nenhuma reação de horror, espanto ou hostilidade ao ver livro do amigo ser publicado por tal sociedade, que segundo críticos de afogadilho de Lobato era uma prova irrefutável de seu racismo, pelo simples fato de pertencer a tal instituição? Bem, Lima Barreto não a entendia desta forma e nem poderia entender pela simples razão da sociedade eugênica que publicou Problema Vital, em 1918, não ser norteado pelo ideal eugênico racista que os tais críticos lhe atribuem ao embaralhando contextos, problemas e questões totalmente diferentes, enfiando tudo no mesmo saco.
Ora, não tendo os propósitos “nazistas” que os tão afobados críticos contemporâneos atribuem à Sociedade Eugênica de São Paulo, o fato desta instituição juntamente com a Liga Pró-Saneamento do Brasil ter publicado o livro de Lobato passou incólume aos olhos atentos de Lima Barreto como, por razões óbvias, não poderia deixar de passar. Argúcia invulgar que o levou a produzir uma literatura pioneira antirracista e a entender antes que qualquer outro literato a importância da revolução “maximalista” – como se dizia na ocasião -em curso no leste europeu em 1917. Argúcia invulgar da qual também é um bom exemplo a seguinte crítica que fez ao Problema Vital no texto que a respeito publicou na revista Contemporânea que solicitou ao editor enviar para Lobato.
Em suma, para não me alongar. O problema, conquanto não se possa desprezar a parte médica propriamente dita, é de natureza econômica e social. Precisamos combater o regime capitalista na agricultura, dividir a propriedade agrícola, dar "a propriedade da terra ao que efetivamente cava a terra e planta e não ao doutor vagabundo e parasita, que vive na “Casa Grande" ou no Rio ou em São Paulo. Já é tempo de fazermos isto e é isto que eu chamaria o “Problema Vital".[62]
Sobre o politicamente correto e o campo intelectual brasileiro das primeiras décadas do século XX
No artigo publicado em Dados intitulado Monteiro Lobato e o Politicamente Correto, seus autores após observarem que “é da natureza do debate público que ele seja centrado em questões e controvérsias”[63] organizam a exposição que batendo forte na tecla do racismo do criador do Sítio do Picapau Amarelo farão. Estabelecendo uma contraposição entre os que qualificam como “politicamente corretos” e os avessos a tal postura. No caso, a classificação “politicamente correto” tem por alvo os muitos que saíram na mídia em defesa de Lobato juntando argumentos para negar tratar-se de um eugenista/racista de alta periculosidade. Os avessos a tal postura – como os autores do artigo em questão se colocam – crendo dispor de provas definitivas e, portanto, inquestionáveis, escreveram: “há evidências suficientes para afirmar de maneira qualificada que, ao contrário de opinião de alguns especialistas retratada na mídia, Monteiro Lobato era de fato racista”.[64] Ora, julgamos que o exame que até aqui fizemos e depois de apresentamos de tais provas, deixam patente que ao contrário de “evidências suficientes”, são argumentos mal ajambrados e que tombam ao mais leve questionamento, tal a debilidade de sua fundamentação, desabam como um castelo de cartas.
Associar Monteiro Lobato ao “politicamente correto” é um bom indicativo de que quem pensa assim não deve conhecer bem a trajetória que orientou a ação pública e as vigas mestras da obra literária lobatiana, nitidamente voltadas para a defesa do nacional, e dos “jecas” contra os seus espoliadores. Não vem ao caso e faltaria espaço para aqui retomar e detalhar grande parte do que já foi dito e discutido por tantos sobre a presença e papel vanguardista desempenhado por Lobato nas lutas do seu tempo, sempre na contramão do “politicamente correto”. Julgamos, entretanto, que mesmo que suscintamente vale recordar pelo menos alguns significativos episódios, entre os muitos possíveis de serem destacados, que são indicativos seguros dos caminhos seguidos e percorridos na vida e obra de Monteiro Lobato. Vamos a eles:
Década de 1910 (início) - Valendo-se de recursos próprios, obtidos com a venda de propriedade rural que herdara em Taubaté, Lobato fundou a primeira editora de expressão do país (Monteiro Lobato & Cia Ltda.) e adquiriu a Revista do Brasil, que estava à beira da falência transformando-a num sólido veículo de divulgação e de debate dos problemas nacionais. Revista inteiramente aberta a pensadores de diferentes formações profissionais e tendências, muitos, hoje, nomes consagrados. Revista bem diferente das publicações de “panelinhas”, típicas dos dias correntes.
Lobato foi a mais potente voz de apoio na imprensa a Manguinhos na luta pela saúde pública no Brasil (vergonhosamente precarizada até os dias correntes). Sua obra de contista – iniciada com Urupês (1918) revolucionou a literatura brasileira. Sua literatura infantil, construída com tipos nacionais, não encontra paralelo no gênero cerca de um século após ter sida produzida.
Preocupado em encontrar caminho para o desenvolvimento do país, Lobato abraçou a causa do petróleo, fundou empresas para procurá-lo em solo brasileiro, escreveu e publicou O Escândalo do Petróleo (1936) denunciou sabotagens praticadas por truste petrolífero norte-americano para se apropriar do produto acabando sendo, por tal razão, preso e apenado durante o Estado Novo.[65] Lobato via no petróleo um caminho fecundo para a modernização e enriquecimento que beneficiaria e poderia tirar da miséria os amplos setores marginalizados e pobres da população do país. Combateu a ditadura Vargas, posicionou-se publicamente contra o fechamento do Partido Comunista Brasileiro em 1947 (governo Dutra) pelo arbítrio que tal medida representava contra a ordem democrática que havia sido restabelecida em 1945, após a queda do Estado Novo.
Não consigo atinar como é possível relacionar ao “politicamente correto”, um dos aspectos mais nefastos do neoliberalismo em voga, com figuras públicas do porte de Ziraldo, Ruy Castro e outros que na verdade são a antítese do politicamente correto e se destacaram na luta contra a famigerada ditadura empresarial-militar que se apoderou do país (1964 – 1995) e são sabidamente defensores das causas populares e agora posicionaram-se contra o massacre que a obra e a memória do cidadão Monteiro Lobato passou a sofrer por parte de alguns na segunda década do século XXI, quase 70 anos após o seu falecimento, ocorrido em 1948.
Em um trecho do artigo Monteiro Lobato e o politicamente correto, seus autores observam:
Mas, como dissemos, não nos ocuparemos agora do exame detalhado do discurso racial de Lobato em seu contexto histórico. É importante salientar, contudo, alguns pontos de sua biografia pessoal e intelectual. Lobato esposa um tipo de determinismo que é altamente pessimista quanto a condição do negro e do mestiço.[66]
Penso que se os autores tivessem o propósito de proceder “o exame detalhado do discurso racial de Lobato em seu contexto” e meticulosamente o fizessem, tomariam um baita susto; pois tal exame deixaria patente que o discurso político-social produzido por Lobato não esposa o aludido determinismo pessimista em relação ao negro e ao mestiço, estando mesmo, quando visto no quadro político do contexto em que viveu, na contramão do racismo. Referimo-nos ao discurso e não a letra. A análise do sentido produzido em tal discurso revela tratar-se de obra voltada para a defesa do nacional e das populações pobres e marginalizadas no país. Por exemplo, na contramão do pensamento dominante, como vimos alhures, nas primeiras décadas do século Lobato defendeu com veemência nas páginas do Estado de São Paulo, o jornal mais lido do país, a utilização da mão de obra nacional, composta em esmagadora maioria por negros e mestiços, contra a reacionária tese da migração de brancos (italianos), dados como pertencentes a raça superior. Levando em conta o dito, como podem seus citados críticos deixar “esquecido" este fato tão notório e, tranquilamente, sem dizer uma palavra a respeito, afiançar que Lobato esposava um tipo de determinismo altamente pessimista quanto a condição do negro e do mestiço? Ora, onde está o tal determinismo pessimista se como política pública com enorme repercussão pelo país o que Lobato propõe logo no alvorecer da sua consagrada trajetória literária aponta exatamente para o inverso disso? Lobato propõe e repete em distintas décadas de diferentes maneiras a ideia estrutural que em 1918 criou e utilizou como epígrafe do Problema Vital: “o Jeca não é assim, está assim”. Não o apresenta como racialmente inferior ao branco, mas entende que o Jeca está assim por ser vítima da situação de marginalidade, espoliação e abandono em função da ausência de políticas públicas de escolaridade, habitação e saúde, assim como pela ausência de oportunidades dignas de trabalho.
Lobato construiu a identidade do brasileiro não como a de um branco aburguesado com raízes europeias, como são a maior parte das identidades brasileiras que ao longo do tempo foram sendo construídas, mas em torno de um tipo mestiço: o Jeca Tatu. Identidade de matriz literária que permeia as preocupações políticas, sociais e literárias do referido autor, surgindo e ressurgindo em seus escritos de diferentes maneiras, entre as quais: vítima de descaso público, de preconceitos e como mão de obra explorada por espertalhões nacionais ou internacionais, mas não surge em nenhuma das soluções que Lobato apresenta para o Brasil como causa do atraso do país. O Jeca é sempre vítima e razão de ser da necessidade de mudança.
O personagem Jeca Tatu nasceu em Velha Praga, matéria de Lobato publicada na edição de 11/11/1914 do jornal O Estado de São Paulo e aparece pela última vez no ano em que faleceu, no panfleto Zé Brasil (1948), ilustrado por Cândido Portinari. (ver figura 3) Panfleto imediatamente proibido pelo governo e apreendido pela polícia por defender Luís Carlos Prestes e apresentar Jeca Tatu, explicitamente metamorfoseado no Zé Brasil, como explorado pelo Coronel Tatuira e começando a ganhar consciência que seus interesses objetivos estão em radical oposição aos de quem o explora. Anterior a esta, outra aparição forte e expressiva do personagem que faz a identidade do brasileiro em Monteiro Lobato, se deu em 1924 no panfleto Jeca-Tatuzinho, matéria propagandística que escreveu para laboratório do empresário nacionalista Cândido Fontoura (ver figura 4).

Capa da edição de Zé Brasil (1948) de Monteiro Lobatoilustrada por Cândido Portinari e apreendida pela polícia por determinação do governo federal.

Capa do panfleto de maior circulação nacional em todos os tempos.
Em Jeca-Tatuzinho Lobato conta a história de um “Jeca” cuja preguiça era a causa que as más línguas apontavam para explicar e condená-lo pela sua improdutividade. Um dia, “um doutor portou lá por causa da chuva e espantou-se com tamanha miséria”.[67] O doutor descobriu a verdadeira causa das mazelas do Jeca eram as verminoses que habitavam o seu corpo e receitou remédios apropriados para curá-lo. Lobato dá conta que o resultado da cura foi excepcional. Ao fazê-lo, em passagem abaixo reproduzida, destaca que curado o Jeca tornou-se tão (ou mais) produtivo que o italiano (simbolizando o homem branco) assim colocando novamente em pauta tese que com brilhantismo e paixão poucos anos antes defendera nas páginas de O Estado de São Paulo em apoio a campanha de Manguinhos.
A preguiça desapareceu. Quando ele agarrava no machado, as árvores tremiam de pavor. Era pã, pã, pã,pã... horas seguidas, e os maiores paus não tinham remédio senão cair. E Jeca cheio de coragem, botou abaixo um capeirão, para fazer uma roça de três alqueires. E plantou eucaliptos nas terras que não se prestavam para cultura. E consertou todos os buracos da casa. E fez um chiqueiro para os porcos. E um galinheiro para as aves. O homem não parava, vivia a trabalhar com fúria que espantou até o seu vizinho italiano. Descanse um pouco, homem! Assim você arrebenta...diziam os passantes... Quero ganhar o tempo perdido, respondia ele sem largar seu machado. Quero tirar a prosa do “italiano”.[68]
Em forma de história em quadrinhos ilustrada por K. Wiese, o Jeca-Tatuzinho de Monteiro Lobato foi durante décadas, a partir de 1924, distribuído gratuitamente pelo Biotônico Fontoura, acompanhando cada unidade vendida do produto. Em 1966, Jeca-Tatuzinho já estava na 33ª edição e atingira a fantástica marca de 35 milhões de exemplares, conforme informação constante na capa da referida edição. Até hoje é comum se encontrar esse genial panfleto de Lobato em moradias pobres pela hinterlândia do país, muitas vezes como único “livrinho” existente nelas. Panfleto nacionalista, antirracista e chamando a atenção para cuidados básicos com higiene e saúde. Mas o quê fazer? Há os que são capazes de olhar com uma lupa as correspondências privadas de Lobato no afã de encontrar algo que possa ser utilizado com objetivos estratégicos e sensacionalistas de enodoar a sua memória, mas não conseguem enxergar um único exemplar do Jeca-Tatuzinho entre os milhões que o Biotônico Fontoura espalhou pelos quatro cantos do país.
Na continuidade da última passagem reproduzida do artigo Monteiro Lobato e o Politicamente Correto, seus autores escreveram:
Tal determinismo [racial] em sua época já era muito contestado, por exemplo, por figuras como o escritor Graça Aranha, o médico João Batista de Lacerda, e mesmo expoentes do sanitarismo como Belisário Penna, além do antropólogo Edgard Roquete Pinto, do escritor Manuel Bomfim e de Alberto Torres.[69]
Ao ler as linhas acima reproduzidas, apesar de levarmos em consideração a reconhecida competência dos autores do artigo em questão, dúvidas nos assaltaram sobre qual seria o real conhecimento que ao escrevê-las tinham a respeito de quais eram as questões em voga e sobre quem defendia o que no campo intelectual da época em que Lobato produziu a sua obra.
Tais dúvidas nos assaltaram não só porque a posição de Lobato conforme amiúde argumentamos, apresentando as razões nada tem a ver com “determinismo racial”, mas também por que não julgamos ser minimamente viável simplesmente relacionar grandes nomes entre os seus pares e meramente assegurar, sem nenhum exame, serem opositores radicais do tal determinismo atribuído a Lobato. Teriam realmente os listados - Graça Aranha, João Batista de Lacerda, Belisário Penna, Edgard Roquete Pinto, Manuel Bomfim e Alberto Torres- posições diametralmente contrapostas a de Lobato sobretudo no que tange a questão racial? Não conheço nenhuma linha escrita por nenhum deles que contenha crítica à qualquer das posições defendidas pelo autor de Problema Vital. Uma série de mediações deve ser feita a respeito para que se possa compreender a natureza dos debates que existia na ocasião, assim como pontos consensuais e divergentes. Mas antes de dizer algumas palavras sobre tal afirmação, é preciso tecer algumas breves considerações que, pensamos, permitem bem situar a questão.
Por gosto, opção e dever de ofício, uma vez que lecionei durante muitos anos disciplinas da área de “Pensamento Social e Político Brasileiro”, li um conjunto de obras relevantes produzidas por pensadores sociais e literatos nacionais que produziram nas primeiras décadas do século XX. Li e refleti o suficiente para constatar e compreender que eugenismo, sanitarismo, racismo, antirracismo, higienismo, organização, sistema político, identidade nacional e nacionalismo eram questões bem recorrentes no campo intelectual brasileiro da época considerada.
Entre as ideias amadurecidas como produto de muitos anos de reflexões sobre os problemas construídos e discutidos no universo letrado entre as décadas de 10 e 40 está considerar que estudos a respeito realizados nos dias em curso estão fadados a cometer sérios equívocos interpretativos ao tratar a questão sanitarista e eugenista de forma binária através da simples demarcação de uma linha divisória que se limita a colocar de um lado os considerados no primeiro grupo (entendendo-os como necessariamente opostos aos eugenistas e antirracistas) e de outro, os considerados do segundo grupo (pensando-os como indiferentes aos sanitaristas e necessariamente racistas), como se fossem dois grupos que tenazmente se opusessem. Ora, tais posições eram intercambiáveis, eugenismo e sanitarismo, assim como racismo e antirracismo eram posições mais complementares que excludentes e comumente argumentos pertencentes a este par de duas posturas são encontráveis na fala dos mesmos autores, não sendo plausível separá-las opondo-as de forma tão certeira como faz quem separa o joio do trigo.
Em Monteiro Lobato e o Politicamente Correto seus autores valem-se desta classificação binária, por exemplo, ao apresentar o médico Belisário Penna como expoente do sanitarismo (antirracista), após poucas laudas antes ter classificado o médico Arthur Neiva de forma inversa, ou seja, como expoente do eugenismo (racista). Sobre o assunto, basta evocar alguns fatos bem conhecidos que a fragilidade da argumentação repousada neste sistema de classificação salta aos olhos. Os dois médicos eram amigos, produziram textos a quatro mãos e, juntos, como já vimos, chefiaram a mais importante expedição científica com finalidades sanitárias que até a segunda década do século passado fora realizada no Brasil. Expedição que alicerçada pelos panfletários textos de Lobato em sua coluna no Estado de São Paulo, reunidos em Problema Vital, transformou-se num marco (que vale recuperar, pois está sendo silenciado e “esquecido") da luta pela saúde pública em nosso país. Importante acrescer que tanto Neiva quanto Penna tem trabalhos publicados na Revista do Brasil e que ambos se corresponderam com Lobato, e não só Arthur Neiva. Acrescentamos ainda que Penna pertenceu à Comissão Central da Eugenia, antes de fundar e presidir a Liga Pró-Saneamento do Brasil e que esta liga, juntamente com a Sociedade Eugênica de São Paulo, como já visto, publicou o livro Problema Vital, de Lobato.
Consultando trabalhos sobre sanitarismo e eugenismo referentes às primeiras décadas do século XX, constatamos que Neiva e Penna, de maneira correta ou não, são frequentemente alinhados tanto sob uma dessas designações quanto da outra, o que nos ajudou a compreender que sanitarismo e eugenismo, em regra, não eram pontos de vistas antípodas, separados por rígidas fronteiras. Auxiliou-nos também a compreender porque afobados críticos de Monteiro Lobato, produto de um precário entendimento sobre as posições defendidas na época em questão, supõem que sanitarismo e eugenismo eram categorias de oposição e desconhecendo ou omitindo até as relações profissionais ente os dois médicos, fazem de Neiva expoente do eugenismo e de Penna expoente do sanitarismo, alinhando-o entre os que se opunham tenazmente ao determinismo racista de Lobato. Que grossa confusão...
Em suma, os articulistas de Monteiro Lobato e o Politicamente Correto além de suporem a existência de uma radical linha divisória que colocava em tenaz oposição eugenistas (igualados a racistas) e sanitaristas (igualados a antirracistas), o que não é correto, destacam Belisário Penna, Graça Aranha, João Batista de Lacerda, Edgar Roquette Pinto, Manoel Bomfim e Alberto Torres como contestadores do determinismo racial, que dizem presente em Lobato, contrapondo-os a ele. À exceção de Penna e Aranha, faremos observações pontuais sobre os demais relacionados. A exclusão do primeiro decorre dos extensos comentários anteriormente foram realizados a seu respeito e a do segundo ocorre por não o entendermos como autor cuja obra esteja voltada para a questão racial, embora certos aspectos dela sejam tratados no romance Canaã (1902). O propósito dos comentários que se seguem é ascender um feixe de luz sobre algumas contradições e ambiguidades existentes em posições defendidas ou debatidas sobre a questão racial envolvendo os que serão objeto de considerações pontuais. Feixe de luz que ajude a entender impropriedades presentes na postura que quer colocar Lobato no paredão dos malditos (acusado e condenado por defender o “determinismo racial”, o que está longe de fazer) e de outro lado, alguns dos mais ilustres pensadores seus coetâneos.
As notas principiam no parágrafo a seguir, sendo que os comentários feitos, seja qual for o teor, não devem ser compreendidos como demérito para nenhum dos autores em questão, todos com contribuições notáveis e fundamentais para o estudo e entendimento da formação social brasileira num momento dado do processo histórico nacional e em suas múltiplas contradições e peculiaridades.
Ao alinhar este autor entre os que radicalmente se opunham ao dito “determinismo racial”, os autores de Monteiro Lobato e o Politicamente Correto, parecem desconhecer que Lacerda é constantemente citado por estudiosos não por ser opositor do determinismo racial e sim por ser um dos formuladores da ideologia do embranquecimento, uma ideologia marcantemente racista.[70]
O médico João Batista de Lacerda, membro da Academia Brasileira de Medicina e na ocasião diretor do Museu Nacional, na qualidade de representante oficial do governo brasileiro compareceu ao 1º Congresso Universal de das Raças (Londres - 1911) e apresentou a comunicação Le metis ao Brasil. Nesta, com base em especulações feitas tendo por referência dados de estatísticas disponíveis, deduzia que a raça negra estaria extinta no Brasil no espaço de um século, o que acreditava ser algo de positivo. “L’imigration croissante dês peuples de race blanche, la selection sexualle, ladisparition despréjugés de race, coopèrent à l’exrintion à bref délai desmétis au Brésil”.[71]
O Brasil teve outro representante oficial que ao lado de Lacerda esteve presente no citado Congresso: Roquete-Pinto. Importante atentar para o seguinte comentário que a respeito fez um luminar da antropologia:
Foi Roquette-Pinto que preparou o primeiro diagrama da constituição antropológica da população do Brasil, organizada segundo as estatísticas oficiais de 1872 a 1890. Para Lacerda, os dados desse quadro permitiam concluir que dentro de um século o negro teria desaparecido da população. O embranquecimento do brasileiro passou a ser considerado não apenas um ideal, mas uma verdade científica; portanto, além de altamente apreciada, incontestável. [72]
Roquette-Pinto, por sua vez é considerado o pai da radiodifusão no país e o pioneirismo marca sua presença no campo científico no campo e intelectual de seu tempo como antropólogo, etnólogo, indianista, arqueólogo e radialista. Roquette-Pinto participou da Missão Rondon em 1912 tendo realizado na ocasião pesquisa de campo com os índios nambiquaras valendo-se do material que colheu para produzir o livro Rondônia – antropologia e etnográfica (1917), tido por especialistas com um marco nos estudos sobre populações primitivas. Fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (1923) e a Rádio Escola Municipal do Rio de Janeiro (1934), da qual é sucedânea a atual Rádio Roquette-Pinto. Entre os cargos públicos mais importantes que ocupou estão o de diretor do Instituto de Cinema Educativo, para o qual foi nomeado por Getúlio Vargas em 1936 e o de diretor do Museu Nacional (1926 – 1935), tendo sucedido Arthur Neiva.
Roquette-Pinto foi basicamente um pesquisador das sociedades primitivas. Uma consulta a relação de suas obras completas não indica tratar-se de pesquisador voltado para o exame sistemático de relações raciais.[73] Assim sendo ficamos um pouco perdidos, sem compreender quais foram as razões que levaram os articulistas do citado artigo de Dados 56[74] a relacionar Roquette-Pinto entre os que contestavam o determinismo racial que acreditam presente em Lobato. Além do já dito sobre Roquette-Pinto vale acrescentar que ao lado de Renato Kehl, presidiu o 1º Congresso Brasileiro de Eugenia.
Em relação a Manoel Bomfim, o artigo de Dados 56 alinha Manoel Bomfim entre os típicos antirracistas das primeiras décadas do século XX. E o alinha com razão, o livro A América Latina Males de Origem (Bomfim, 1905) é um marco nas lutas antirracistas no Brasil, como chamei a atenção em estudo que vem sendo citado como pioneiro e que há décadas publiquei sobre o autor sergipano.[75], [76] Mas para o que nos interessa aqui caracterizar é importante assinalar que Sylvio Romero, autor de obra densa, volumosa e consagrada, professor da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, membro fundador da Academia Brasileira de Letras e, em um dos mais influentes e respeitados avaliadores do campo intelectual do seu tempo, publicou um livro de 361 páginas para refutar A América Latina, de Bomfim (Romero, 1906). Para tal vale-se de argumentação fortemente racista, não sendo do nosso conhecimento a existência de nenhum texto publicado na época em defesa e apoio de Bomfim. Situação que pode ser tomada como um bom indício de que a questão do racismo tem uma complexidade bem maior do que o artigo Monteiro Lobato e o Politicamente Correto permite supor, não sendo tarefa simples separar racistas e não racistas empurrando Lobato de qualquer maneira para o inferno dos racistas empedernidos.
Outro autor mencionado é Alberto Torres. Abolicionista e republicano de primeira hora, entre outros importantes cargos que ocupou, foi presidente do Estado do Rio de Janeiro (1897 – 1900) e ministro do Supremo Tribunal Federal (1901 – 1909). Os dois livros mais importantes que publicou foram A Organização Nacional (1914a) e O problema Nacional Brasileiro (1914b). Os temas que trata nesses livros e a maneira de enfocá-los, mormente a proposta de revisão constitucional e a contradição que aponta existir e entravar o país, contradição entre o país legal e o país real – o primeiro burocraticamente fabricado com fundamentos filosóficos e jurídicos importados e o segundo produto de uma realidade que urgia estudar para conhecer e poder planejar o país de acordo com era – levou a que Torres viesse a ser colocado no Panteão dos pioneiros da sociologia no Brasil. Outro tema que Torres, com propriedade tratou foi a questão racial, combatendo e colaborando para a desmistificação das teorias racistas. Desta forma, além de pioneiro da sociologia inscreveu seu nome entre os pioneiros do antirracismo no Brasil. Entretanto, como a dicotomia racismo X antirracismo tem nuances de alta complexidade e de maneira alguma estava resolvida nas primeiras décadas do século que se foi, e nem está resolvida nos dias correntes, assim sendo Torres apesar de marchar na vanguarda democrática, nacionalista e antirracista depois de dar tantos passos à frente, dá passos atrás, cai em esparrelas racistas, avivadas no campo intelectual de sua época. A seguir reproduzimos uma delas onde eivado de biologismo condena a miscigenação (inclusive qualificando-a como “cruzamento”). O texto é o seguinte:
No estado atual da ciência da hereditariedade, é erro sustentar que o cruzamento produz progresso étnico. Este prejuízo, sustentado por aí, ad instar de velhas noções de zootecnia, é contrário aos princípios das duas escolas de herodologistas contemporâneos: para os que admitem uma superioridade irredutível, em certas raças, o cruzamento não produz senão mestiços, semelhantes aos híbridos, cujos elementos genéticos, em conflito, destroem o equilíbrio orgânico; para os que não admitem esta superioridade, o cruzamento é indiferente. Sem admitir-se juízo de superioridade ou inferioridade definitiva, basta que se reconheça as distinções e diferenças étnicas, para concluir-se que é preferível, bem do aperfeiçoamento dos diversos tipos, evitar o cruzamento.[77]
Comentando esta passagem de A organização nacional, Barbosa Lima Sobrinho, escreveu;
Alberto Torres evitou alguns preconceitos, mas não pode chegar senão a conclusões incompletas. Por que seria preferível evitar o cruzamento? Do ponto de vista da raça que atingiu nível cultural mais elevado? Ou da que ficou em nível mais baixo? Qual o objetivo de uma política racial? Como entender o aperfeiçoamento das raças, se se parte da premissa que não há superioridade de raças, mas tão somente a presença, ou a influência de condições sociais diferentes e desiguais?[78]
No que pontualmente nos interessa considerar, tendo em vista o exposto, é que a contradição entre o reconhecido antirracismo que estruturalmente habita os escritos de Torres e a recomendação que faz ser preferível “evitar o cruzamento” é um típico exemplo., entre muitos que podem ser evocados, que o debate sobre a questão racial nas primeiras décadas do século XX estavam tão multifacetadas e cheias de ambiguidades e contradições – a miscigenação era uma delas – que só por simplismo ou arbítrio é possível rotular Lobato de determinista racista opondo-o a intelectuais dele contemporâneos que defendiam posição inteiramente antagônica.
Concluindo, à exceção de Manoel Bomfim, que antes de qualquer outro soube equacionar o problema vivido pelas antigas colônias ibéricas no novo mundo ao, com sabedoria, relacionar imperialismo, racismo e classe social, nenhum dos outros autores que compõe a lista proposta em Dados 56[79] como oposta ao dito determinismo racial de Lobato se diferencia de forma substantiva dele. Na verdade, Monteiro Lobato, quando colocado em sua época e confrontado com o defendido, feito e produzido por seus pares fica claro que marcha na vanguarda do nacional e na defesa do povo brasileiro.
Sobre leituras de afogadilho (à guisa de conclusão)
Há uma questão que perpassa de ponta a ponta as preocupações manifestas no presente artigo e que inclusive é parte do seu título, necessitando agora ser respondida de maneira mais estruturada, pois dela apenas fizemos ao longo da exposição rápidos comentários. Referimo-nos ao que queremos entender com a expressão “leituras de afogadilho”. Antes de responder a questão faz-se necessário frisar que o nosso propósito, claramente explicitado, não foi discutir a fundo a questão racial em Monteiro Lobato e sim examinar o valor das mesmas duas únicas provas que citam e se valem, as revistas Dados 56, Bravo, XX e Carta capital 749, para assegurar que o cidadão José Bento Monteiro Lobato era um racista convicto e, intencionalmente, autor de obra nefasta.
A conclusão geral a que chegamos ao examinar as duas mesmas provas apresentadas pelas três citadas publicações como sendo inquestionáveis e definitivas do racismo de Lobato é que estão alicerçadas em areia movediça. Consideramos que parecem refletir mais informações quebradiças que os autores dos três textos considerados tem sobre vida e obra de Monteiro Lobato, assim como sobre o contexto histórico as respectivas questões e os debates em curso no campo intelectual brasileiro no período que o chamado “pai do Jeca” viveu e produziu a sua consagrada obra do que, concretamente, produto de estudo constante, bem fundamentado e consequente.
No artigo sobre Monteiro Lobato em Dados 56, seus autores desqualificam rotulando de “politicamente corretos” os que recentemente manifestaram-se na mídia questionando o massacre que vem sofrendo a memória e a obra de um dos intelectuais reconhecidamente mais combativos e atuante nas lutas sociais do seu tempo. A desqualificação encontra-se fundamentada nas duas ditas “evidências suficientes” que apresentam dando-as as como capazes de colocar ponto final na questão, provando “de maneira qualificada” que o ideário racista foi o norte que orientou Lobato em seus caminhos pelas estradas da vida. Ledo engano. As campanhas que mais do que sabidamente Lobato participou na linha de frente apontam para direções inteiramente opostas à indicada. Campanhas, entre outras, de combate à endemias rurais, do livro, da educação, do combate à ditadura, pela democracia (liberdade de organização e de opinião), em defesa da mão de obra nacional – composta em grande parte por negros e mestiços - contra a vinda de migrantes brancos, e em defesa do petróleo e de outras riquezas nacionais contra a pirataria imperialista. Além disso, contos e crônicas antirracistas pululam nas páginas deixadas por Lobato.
Os autores do artigo considerado estruturam uma das vigas mestras da sua reflexão em torno de uma classificação binária que contrapõe os politicamente corretos e os avessos a tal postura. No presente texto também nos valemos de uma classificação binária, só claramente explicitada agora. Colocamos de um lado os que se dedicam sistematicamente ao estudo da obra de um autor, de uma escola de pensamento ou de um tema, e de outro os que só eventualmente se aproximam de tais questões, fazendo delas o que denominamos no título deste artigo de “ leituras de afogadilho”.
Os primeiros procuram ao longo de tempo substantivo juntar o maior número de dados e informações sobre o tema que é objeto da sua atenção, sendo um autor, leem e ficham a sua obra, comparam abordagem a respeito organizando o material obtido sem pressa com o propósito de, valendo-se de instrumental metodológico apropriado, elaborar conhecimentos, sabendo-os sempre provisórios, inacabados e sujeitos a acréscimos, revisões e retificações. Os segundos, só eventualmente se aproximam de um tema ou do estudo de um autor determinado e o fazem por razões conjunturais.
Entre as razões conjunturais que levam a que surjam leituras de afogadilho está a passagem de data canônica como centenário de acontecimento histórico, de obra ou de nascimento ou morte de figura pública. Em tais ocasiões costumam surgir muitos trabalhos produzidos com leituras de afogadilho sobre a questão colocada na ordem do dia. Trata-se de textos contendo dados e informações levantadas às pressas e conclusões inusitadas ou que se limitam a repetir o que já foi mil vezes dito sendo que, em ambos os casos o propósito maior é aproveitar o ensejo para ocupar espaço e engordar o currículo. Outra razão conjuntural que possibilita o aparecimento de chorrilho de textos que irrompem de leituras de afogadilho é quando tais leituras tem o propósito de desacreditar a qualquer custo , obra de autor consagrado fazendo coro e respaldando-se em acusações recentemente surgidas por tratar-se de obra de autor que intencionalmente defende princípios contrários a moral, aos costumes, aos direitos humanos e a ordem democrática, tendo ganho, em função disto manchetes sensacionalistas na mídia tornando-se tema de repentinos e superficiais debates. É o caso do ocorreu com a obra de Monteiro Lobato.
Entre as características mais marcantes e definidoras dos textos respaldados por leituras de afogadilho versando sobre obra e formas de pensar de autor determinado, tendo por propósito desqualificá-la, estão:
1. Ausência de preocupação de concretamente contextualizá-la.
2. Referir-se a ela de forma estereotipada e a partir de imprecisas generalidades tomadas em fontes de segunda mão deixando de lado as questões que estavam na ordem do dia no campo político e no campo intelectual da época que foi produzida
3. Manter pré-noções sobre o autor o pensamento e a obra que se propôs a examinar, ao invés de afastá-las - como recomendou Durkheim[80] - e desta forma concluir pelo que já “sabia” à priori.
4. Uso e abuso do achismo e do dedutivismo.
5. Catar nos escritos do autor que é objeto da leitura de afogadilho palavras e frases, que interpretadas ao bel prazer de quem faz a “catação” servir como ilustração da tese que se quer provar a seu respeito e, por outro lado, silenciar e omitir palavras, frases e raciocínios presentes nos escritos do autor que se oponham, contradigam ou desmistifiquem o que assegura a leitura de afogadilho.
Os mecanismos presentes em leituras de afogadilho – que tanto podem ter caráter elogioso quanto depreciativo – são a mistificação biográfica do autor que é objeto de tal leitura em conjuntura dada, sua satanização do tipo “malhação de Judas” assim como de pessoas apresentadas como pertencentes ao seu círculo de amizade pessoal.
Vale ressalvar que nos escritos de Lobato, evidentemente, existem estereótipos raciais, mormente ligados a fenotipia. Diga-se de passagem, tratar-se de estereótipos que faziam parte das ideias dominantes, do linguajar corrente e em uso inclusive nos campos jornalístico, científico, intelectual, político e jurídico da época em que Lobato viveu. São estereótipos facilmente encontrados inclusive em obras de seus ilustres contemporâneos, entre outros: Caio Prado Junior, Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freire, Jorge Amado e Oliveira Vianna – para não alongar muito a lista.
Para finalizar reiteramos que o propósito que permeou o nosso texto foi a intenção de examinar a fundo o valor das duas provas apresentadas, e não discutir o papel da questão racial na obra de Monteiro, o que consideramos não poder ser solucionada – como nos parece vem sendo feito – de forma binária, ou seja: com um sim ou com um não. Tal questão supõe o exame muito detalhado e meticuloso que não cabe no espaço de um artigo. Ficaria bem numa pesquisa de maior dimensão, trabalho que pretendemos futuramente realizar.
Adendo
Motivos e razões que me levaram a escrever este texto
Desde que tomei conhecimento em 2010 pelo noticiário de jornais que o Conselho Federal de Educação havia aprovado por unanimidade um parecer da conselheira Nilma Lino Gomes solicitando a retirada do livro “As caçadas de Pedrinho” de Monteiro Lobato da lista dos recomendados pelo MEC até os desdobramentos recentes onde a questão foi parar no Supremo Tribunal Federal, venho me interessando por tudo que a essa demanda diz respeito, pelo muito que me afeta e preocupa.
Afeta e preocupa-me porque tendo abraçado o magistério por vocação e, estando perto de meio século dentro de sala de aula tendo passado por todos os níveis de ensino – do elementar à pós-graduação – lecionando disciplinas e matérias da área de ciências humanas, posso dizer que durante esse largo período de tempo, nem em anterior, estive do lado da chibata. A respeito evoco o testemunho de todos que bem me conhecem e, por isso, sabem que sempre me opus e publicamente combati privilégios, bem como preconceitos sejam classistas, raciais ou de qualquer outro tipo. Um exame de consciência permite-me dizer que jamais fiquei embevecido com o canto das sereias quer fosse capitaneado pelos magnatas, quer pelo mandarinato acadêmico ou pelos mandachuvas de plantão, recebendo, em troca da minha independência, diferentes tipos de discriminações e perseguições, vindas de quem maneja o relho.
A questão em tela me afeta porque em muitos cursos que em mais de uma instituição de ensino ministrei sobre Pensamento Social Brasileiro diversas vezes coloquei textos de Monteiro Lobato na bibliografia, sinceramente apresentando-o como autor de uma fecunda literatura de combate voltada para a defesa do povo brasileiro. Jamais me passou pela cabeça que um dia surgiria uma versão que vem ganhando corpo e que garante possuir provas definitivas e irrefutáveis que Lobato era um empedernido racista. Um monstro eugenista adepto das teorias nazistas que visavam a construção de uma raça pura (ariana) e a destruição das raças que tais monstros consideravam inferiores.
Igualmente me afeta porque há pouco mais de década publiquei um livro sobre o criador do Sitio do Picapau Amarelo.[81] Livro que me custou anos, com horas e horas de pesquisa, leituras, releituras e reflexões. Considero que naquele texto trago contribuições originais para o entendimento da obra de Lobato e do papel profícuo e ímpar que ele desempenhou e ocupou nas lutas do seu tempo, quer seja no cenário político ou no cenário cultural brasileiro. De repente, percebo que a versão em curso, e que vem se tornando dominante, a de que Lobato era um monstro racista, vem sendo imposta de forma simplória por leituras de afogadilho que entre os expedientes que se vale, pratica a manipulação biográfica, o silenciar, o caricaturar e o não examinar fatos importantes, assim como o omitir e o fazer tábula rasa de número robustamente expressivos de trabalhos produzidos por tantos e há cerca de século sobre diferentes facetas da vida e obra de Monteiro Lobato, para então valendo-se de argumentos pífios e mal-ajambrados – como pretendemos demonstrar – apresentar ineficazes provas, dando-as com certas, para com elas fabricar o monstro Lobato.
Além das razões alinhadas, outra que me levou a escrever este texto é que frequentemente pessoas que fazem parte do meu círculo de relações primárias assim como admiradores de Monteiro Lobato e leitores do meu livro tem me indagando o que penso a respeito da questão racial na obra do pai do Jeca, levando em conta as atuais acusações de tratar-se de um perigoso e pernicioso racista. Muitos me incentivaram a escrever sobre o tema, julgando que sou portador de conhecimento sobre o assunto sendo, portanto, capaz de contribuir para melhor entendimento do problema.
Desde que a questão racial em Monteiro Lobato virou notícia em destaque na mídia que senti vontade de escrever sobre o assunto. Confesso que hesitei, numa certa acomodação. Minha carreira no magistério está nas portas do fim. Pensava nos problemas que poderiam me trazer remar contra a maré me contrapondo a um discurso que está sendo imposto de forma totalitária como verdade absoluta e inquestionável. Foi numa noite do mês de maio de 2013 em momentos que antecediam o início de um evento realizado no Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon) que atravessei o rubicão – “legenda jacta est”- decidindo mesmo escrever a respeito.
O Modecon é uma combativa e prestigiosa instituição sediada no Rio de Janeiro, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e que foi fundada em 1989 pelo jornalista Barbosa Lima Sobrinho e atualmente presidida pelo historiador Lincoln de Abreu Penna. O palestrante da noite era Marcio Malta, professor universitário e premiado cartunista que assina seus artísticos trabalhos com o pseudônimo de “Nico”. Ele faria uma apresentação do livro Monteiro Lobato no mundo das tintas[82] que acabara de lançar. Eu, a convite do palestrante, fazia parte da mesa. O evento estava prestes a começar quando uma pessoa presente ao evento me mostrou uma pequena matéria publicada no semanário Carta Capital (1023, p. 16) intitulada “Monteiro Lobato racista empedernido”, de autoria de Mauricio Dias.[83] Passei rapidamente os olhos naquilo. Monteiro Lobato era detonado de cima a baixo. O escrito não continha nenhuma novidade. O núcleo central dos argumentos que ali estavam são chulos e já conhecia todos, mas fiquei aturdido. Não silenciei e na minha vez de falar, após a bela exposição do palestrante comecei comentando a publicação da Carta Capital, criticando-a pelo dogmatismo da conclusão centrada na superficialidade das ideias que a fundamentavam, destacando, entretanto, ser menos culpa do autor de um tão breve artigo (uma única página da publicação) e mais das fontes que consultara que, crédulo, citava. Na minha exposição, comprometi-me a escrever a respeito, o que faço no presente texto. Friso que não tenho nenhuma intenção de ser a última palavra na questão, mas sim de chamar a atenção para uma série de grosseiros equívocos que envolvendo jornalistas e acadêmicos vem sendo dito e reproduzidos a respeito da questão racial em Monteiro Lobato. Não sou nem quero ser o dono da verdade e quanto aos pontos que me demonstrarem que estou errado, com humildade, darei a mão à palmatória.
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