Editorial
EDITORIAL
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Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 8, núm. 3, pp. 421-425, 2016
Universidade Federal Fluminense

No fascículo 3, volume 8, de Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica (setembro-dezembro de 2016), solicitamos respeitosamente que os autores articulistas cedam, em parte, esse espaço à justa homenagem que prestamos a dois ícones das ciências humanas no Brasil, recém falecidos. Referimo-nos a Manoel Tosta Berlinck (1937-2016) e Evaristo de Moraes Filho (1914-20160), dois expoentes das ciências humanas no Brasil. Cada um deles foi professor de um de nossos editores, respectivamente de Teoria Política (IUPERJ, mestrado,1971) e Sociologia do Trabalho (Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, graduação,1968).
Manoel T. Berlinck era sociólogo e psicanalista, Presidente da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (AUPPF), membro do Conselho Editorial de Passagens. A ele devemos o aporte experiente de editor da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental e membro da WAME - World Association of Medical Editors.
Atuou principalmente nos temas sobre método clínico, psicopatologia fundamental, psicanálise, melancolia, neurose histérica, política & subjetividade. Foi o primeiro bolsista do CNPq a realizar doutorado no exterior na área de ciências sociais e foi diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (1972-1976). Fundador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Berlinck bacharelou-se em Ciências Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1958-1961). Mestre em Ciências Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Ph.D. pela Cornell University, realizou o pós-doutorado na mesma Cornell University (1975). Lecionou Sociologia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e atualmente dirigia o Laboratório de Psicopatologia Fundamental (área de Psicologia Clínica) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi professor visitante de Teoria Política no IUPERJ.
Dele assim falou a eminente psicanalista e historiadora Elisabeth Roudinesco: “auteur des nombreux livres et articles, grande figure de la psychalyse brésilienne, proche en France de Pierre Fédida et de Roland Gori, il a joué um rolê fondamental dans la diffusion universitaire du savoir freudien et a formée des nombreux élèves”.
Evaristo de Moraes Filho, sociólogo, advogado, jurista, professor, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), foi e permanece uma legenda no campo da Sociologia do Trabalho no Brasil. Doutor em Direito e Ciências Sociais, foi professor na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Procurador regional da Justiça do Trabalho, em Salvador, recebeu os títulos de Professor Emérito (UFRJ) e Doutor Honoris Causa (UFF). Publicou vasta obra sobre no campo do Direito e da Sociologia, do Pensamento Social no Brasil, Filosofia e Sociologia do Direito, sempre tendo em vista relações trabalhistas mais justas e democráticas. De grande sensibilidade para com os direitos trabalhistas, costumava designar os procuradores da Justiça do Trabalho como “magistrados de pé”, expressão de origem francesa para designar a atenção e vigilância permanentes para com os direitos inscritos na justiça do trabalho. Teve papel singular, ativo, progressista e mudancista nas lutas sociais dos trabalhadores, tanto no Ministério do Trabalho quanto no Ministério Público do Trabalho. Como sociólogo foi pesquisador no campo das ciências sociais e do direito do trabalho, mas sempre professor e disposto a aprender com seus alunos.
Todavia, em 27 de julho p. p. Passagens juntou-se solidária ao Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) para comemorar o centenário in memorian de Daniel Aarão Reis, patrono da Biblioteca do IAB, e de sua esposa Lucia Penna Aarão Reis.
Eduardo Seabra Fagundes, ex-presidente do IAB (1976-1978) e presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), bem como Técio Lins e Silva, atual presidente do IAB, saudaram a memória do casal, enfatizando a luta indômita de ambos, com quatro filhos presos pelo regime militar, a favor do estado democrático de direito e pelas liberdades democráticas. Técio Lins e Silva leu com emoção continuada e voz embargada cartas pessoais de Daniel Aarão Reis que passaram ao acervo da Casa de Montezuma, como é conhecido o IAB. Esta foi, de fato, uma sessão de reconhecimento e gratidão; uma noite amorável e memorável.
E justamente quando fechávamos esse número, faleceu, em 18 de agosto, o médico, psiquiatra e psicanalista Carlos Alberto Barreto. Também Mestre em Comunicação Social pela ECO-UFRJ, tendo sido orientado pelo Prof. Dr. Muniz Sodré de Araújo Cabral. Barreto liderou o “Fórum de Debates”, criado num momento de aguda crise da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ). Naquela ocasião era uma das duas associações reconhecidas pela International Psichoanalytical Association (IPA), fundada pelo próprio Sigmund Freud. O Fórum foi a “praça política” da Psicanálise no Rio de Janeiro e Carlos Alberto Barreto, liderou movimento que não recalcou os aspectos histórico-sociais no laço formado pelas questões: científica (teoria psicanalítica), técnica (a clínica propriamente dita) e política (a ideologia). Esteve permanentemente acompanhado do companheiro, também psicanalista, Hélio Pellegrino. No início dos anos oitenta do século passado foi lançado o livro Crise na Psicanálise[1] no Solar Grandjean de Montigny (PUC-RIO), obra de referência para a Psicanálise naquele instante político eletrizante. Carlos Alberto Barreto foi nosso parceiro desde os seminários sobre "Ideologia e Psicanálise", realizados no fim dos anos 1970, e na construção das linhas de pesquisa sobre "Política e Subjetividade" nos Departamentos de Sociologia e Política (PUC-RIO) e Ciência Política (UFF). Também nos campos da Psicopatologia Fundamental e Psicossomática e no Laboratório Cidade e Poder (LCP).
Com relação a esse número de Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica ressaltamos a excelência que vai se tornando tradição, mas celebramos também a abrangência latino-americana e a forte diversidade da representatividade regional das unidades da federação brasileira. Os nossos agradecimentos a todos os autores que dão brilho acadêmico à revista.
A homenagem que prestamos aos quatro brasileiros ilustres e apaixonados pelo trabalho intelectual é uma oportunidade ímpar para renovarmos nossos vínculos com o instante político que vivemos e também com nossos leitores, atuais e potenciais. Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica chama atenção para o instante político que vivemos na hora presente: a fase final do julgamento do processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff no Senado Federal. Dada a configuração histórica dos episódios que envolvem a questão, o julgamento é mais acerca do futuro que desejamos para o Brasil. Em meio ao impacto, e certamente não apenas esportivo, promovido pela realização dos Jogos Olímpicos, os de 2016, no Brasil e especialmente no Rio de Janeiro, os senhores senadores deliberam sobre qual Brasil nós queremos: se um Brasil nascido de um amplo debate político no marco de eleições gerais e democráticas, previstas por princípio constitucional para outubro de 2018 ou se um Brasil pré-programado por um projeto de gabinete que busca capturar por antecipação eleitoral no interior do Senado Federal, os resultados de dois anos adiante sob argumentos casuísticos, manhosos, fugidios, capciosos, enganosos; enfim, de ocasião.
A sentença foi pronunciada em 31 de agosto de 2016. A vitória do impedimento da presidenta Dilma Rousseff ocorreu por 61 votos contra 20, no total de 61 senadores, com a derrota da pena de inabilitação do exercício de funções públicas de qualquer natureza, por não ter obtido os 2/3 de votos do total de votos do Senado Federal. Tal resultado dá a dimensão do quanto o presidencialismo brasileiro foi ferido por um golpe de indução parlamentarista, consubstanciado num semblante jurídico e através da traição política. Não será esquecida a máxima popular “de que a política ama a traição, mas abomina o traidor”...
A ver o que acontece... e o quanto o futuro do Brasil ficará aprisionado numa “jaula de ferro”. Mas o sonho da grandeza democrática do Brasil será sempre uma esperança.
Conforme o Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO) se pronunciou: hoy es um dia de luto para Brasil y toda América Latina. Mañana será um dia de “luta”. Defenderemos la democracia como sea y donde quiera que sea. E pelo Twitter, assim observou o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa: “It’s so embarassing! All of a sudden highlly conservative political forces took over Brazil”.
Os Editores
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