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A Regulação Global para Combate à COVID-19: Riscos de captura, ruptura e adaptação*
La regulación global para combatir la COVID-19: riesgo de captura, ruptura y adaptación
Global regulation for combating COVID-19: risks of capture, rupture, and adaptation
La régulation mondiale à l’épreuve de la COVID-19 : Risques de capture, rupture et adaptation
抗击COVID-19的全球协调:失败、破裂和适应的风险
A Regulação Global para Combate à COVID-19: Riscos de captura, ruptura e adaptação*
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 12, núm. 2, pp. 221-242, 2020
Universidade Federal Fluminense
Recepção: 11 Março 2020
Aprovação: 08 Abril 2020
Resumo: O presente artigo examina os desafios contemporâneos da política da regulação global a partir do estudo de caso do combate à COVID-19 e da existência de riscos de captura, ruptura e adaptação dos standards normativos para o contexto institucional e as circunstâncias locais. O ponto de partida para a discussão teórica consiste em uma revisão, atualização e problematização da análise feita por Mattli e Woods com ênfase no risco da captura regulatória, sendo necessário transcender o debate clássico entre as teorias publicistas e privatistas da regulação a partir de uma análise do espaço regulatório. As transformações políticas da regulação global incluem o desenvolvimento da rede regulatória global, de novos instrumentos de participação e mecanismos de controle, bem como a emergência do direito administrativo global. O estudo de caso da regulação global de combate à COVID-19 indica que a efetiva aplicação do paradigma humanitário e da proteção do direito à saúde e à vida deve considerar ainda a plasticidade, fricção e modulação das medidas locais para a contenção da epidemia.
Palavras-chave: Regulação, COVID-19, saúde, captura, ruptura, adaptação.
Resumen: El presente artículo examina los desafíos contemporáneos de la política de regulación internacional a partir del estudio de caso del combate a la COVID-19 y de la existencia de riesgos de captura, ruptura y adaptación de los estándares normativos al contexto institucional y las circunstancias locales. El punto de partida para el debate teórico consiste en una revisión, actualización y problematización del análisis realizado por Mattli y Woods que hace hincapié en el riesgo de la captura del regulador, siendo necesario transcender el debate clásico entre las teorías publicistas y privatistas de la regulación a partir de un análisis del ámbito regulatorio. Las transformaciones políticas de la regulación global incluyen el desarrollo de la red regulatoria global, de nuevos instrumentos de participación y de mecanismos de control, así como la emergencia del derecho administrativo global. El estudio de caso de la regulación global de combate a la COVID-19 indica que la efectiva aplicación del paradigma humanitario y de la protección del derecho a la salud y a la vida debe considerar también la plasticidad, fricción y modulación de las medidas locales para la contención de la epidemia.
Palabras clave: Regulación, COVID-19, salud, captura, rupture, adaptación.
Abstract: The present article examines the contemporary challenges facing global regulation based on a study of the fight against COVID-19 and the risks of capturing (hijacking), rupturing, and adapting normative standards to institutional contexts and local circumstances. The point of departure for the theoretical discussion is a review, update, and problematization of the analysis made by Mattli and Woods with an emphasis on the risk of regulatory capture, requiring a transcendence of the classic debate between theories of regulation representing public or private interests based on an analysis of the regulatory space. Political transformations to global regulation include the development of the global regulatory network, the new instruments of participation and mechanisms of control, as well as the emergence of global administrative law. The case study on the global regulation of the fight against COVID-19 suggests that the effective application of the humanitarian paradigm and the upholding of the right to health and life must also consider the plasticity, friction, and shifting of local measures to contain the epidemic.
Keywords: regulation, COVID-19, health, capture, rupture, adaptation.
Résumé: Le présent article analyse les défis contemporains de la politique de régulation mondiale à partir de l’étude de cas de la lutte contre la COVID-19 et de l’existence de risques de capture, rupture et adaptation des standards normatifs au bénéfice du contexte institutionnel et des circonstances locales. Le point de départ de notre discussion théorique se base sur la mise à jour et en perspective de l’analyse portée par Mattli et Woods, en insistant sur le risque de capture régulatrice, ce pour quoi il s’avère indispensable de transcender le débat classique entre les théories publicistes et privatistes de la régulation à partir d’une analyse de l’espace régulateur. Les transformations politiques de la régulation mondiale incluent le développement du réseau régulateur mondial et de nouveaux instruments de participation et mécanismes de contrôle, ainsi que l’émergence d’un droit administratif international. L’étude de cas de la régulation mondiale de la lutte contre la COVID-19 indique que l’application effective du paradigme humanitaire et de protection du droit à la santé et à la vie doit encore composer avec la plasticité, les frictions et la modulation des mesures locales visant à contenir l’épidémie.
Mots clés: Régulation, COVID-19, santé, capture, rupture, adaptation.
摘要: 本文从全球政策协调对抗COVID-19的案例研究出发,分析全球行为规范在各地区的具体执行中所面临的失败、破裂和适应的风险。全球协调对抗新冠疫情,是当前全世界面临的挑战。围绕Mattli 和Woods所做的分析,我们反思、更新并且质疑现有的理论,重点关注全球协调行动失败的风险。我们超越公共协调与私人协调之间的争论,进而探讨全球监管,全球治理机制的发展和参与的问题,以及全球法规定的制定问题。有关抗击COVID-19的全球协调行动的案例研究表明,在有效应用人道主义范式和保护健康与生命权的同时,还必须考虑到控制流行病的地方措施的可塑性,矛盾性和模块性。
關鍵詞: 协调, COVID-19, 健康, 失败, 破裂、适应.
Introdução
O presente artigo surgiu a partir de uma reflexão teórica sobre a política da regulação global feita a partir do gentil convite formulado pelo Perelman Centre para que eu proferisse a palestra de abertura da Semana de Direito Global de Bruxelas no dia 20 de maio de 2019.1 Naquela ocasião, revisitei o tema do processo regulatório internacional e a dinâmica da construção de autoridade a partir de organismos definidores de políticas e normas que se disseminam ao redor do globo através de redes formadas pela interação coordenada e reiterada entre atores públicos e privados, a partir de uma revisão crítica do trabalho dos professores Walter Mattli e Ngaire Woods (2009), da Universidade de Oxford, sobre a política da regulação global. No presente estudo, articulo novamente a mesma abordagem teórica desenvolvida para aquela palestra, mas com uma diferença significativa com relação ao estudo de caso. É que não existe estudo de caso mais relevante para a reflexão contemporânea do que a regulação sanitária global a partir das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) por conta da pandemia do novo Coronavírus (tecnicamente denominado de SARS-CoV-2) para combate à doença COVID-19. Portanto, preferi substituir os exemplos apresentados na Universidade Livre de Bruxelas – sobre a regulação da indústria automobilística (FORTES; OLIVEIRA, 2019), do futebol profissional (FORTES, 2013, 2014) e da internet (FORTES; MARTINS; OLIVEIRA, 2019) – por uma discussão sobre a disseminação de standards normativos globais para o tratamento da doença COVID-19.
A questão-problema principal diz respeito aos desafios para se estabelecer um regime regulatório global coerente com a adoção de padrões normativos capazes de definir as regras institucionais e de promover o desenvolvimento humano. Nesse aspecto, meu argumento apresenta um contraponto à tese de que a regulação global se encontra altamente suscetível de captura pelos atores privados (MATTLI; WOODS, 2009). Diante da existência de um espaço regulatório complexo e fragmentado, de organismos internacionais profissionalizados conforme as regras do direito administrativo global e de uma sociedade dotada de instrumentos e de processos para a proteção jurídica de standards normativos globais, a probabilidade de dominação do poder regulatório parece inferior. Assim, no caso da pandemia do Coronavírus SARS-CoV-2, padrões normativos para a preservação de vidas diante do grave risco decorrente da COVID 19 foram adotados pela OMS e disseminados ao redor do globo. Contudo, por ocasião da recepção das recomendações provenientes dos organismos internacionais, houve evidente risco de ruptura política por parte dos destinatários da regulação global. Tal risco se caracterizou pela probabilidade de certos atores da rede regulatória global virem a romper com a cooperação internacional de combate à pandemia, ao se recusar a aplicar os standards normativos e políticas públicas preconizados pela OMS para proteção à saúde e à vida humana. Além disso, houve riscos inerentes à adaptação das recomendações globais genéricas para as medidas contextualizadas adotadas no nível nacional, regional e local, na medida em que a plasticidade das instituições, a fricção causada pela realidade e a modulação do tipo e grau de aplicação influenciam o processo regulatório e a sua coerência.
O presente texto está organizado da seguinte maneira. Além dessa introdução, a segunda parte irá sumarizar o entendimento de que a política da regulação global estaria vulnerável ao risco de captura e de privatização indevida e abusiva. A terceira parte apresenta um contraponto à tese da captura da regulação global pelos interesses privados, a partir de argumentos teóricos relativos à fragmentação e complexidade do espaço regulatório, à difusão de novos instrumentos e processos regulatórios e ao desenvolvimento do direito administrativo global. A quarta parte apresenta o estudo de caso da regulação sanitária global, apresentando reflexões sobre os riscos de captura, de ruptura e de adaptação dos standards regulatórios globais. A quinta parte apresentará as considerações finais.
A Tese da Captura Política da Regulação Global
Cientistas políticos salientam que a regulação global possui riscos de ser suscetível de captura política (MATTLI; WOODS, 2009, p. 43). Seu ponto de partida é a ideia de que a regulação consiste na organização e no controle das atividades sociais, políticas e econômicas por meio da produção, implementação, monitoramento e aplicação de regras (MATTLI; WOODS, 2009, p. 1). Existe uma peculiar divisão de funções, na medida em que a produção das regras é definida em negociações de âmbito transnacional, mas a sua aplicação ocorre no âmbito nacional (MATTLI; WOODS, 2009, p. 3). Além disso, existe uma peculiaridade formal, na medida em que a maior parte da regulação global não é formada por regras de direito positivo formal, mas por normas decorrentes de soft law, ou seja, standards voluntários, protocolos técnicos, códigos de conduta, recomendações de melhores práticas, dentre outras (MATTLI; WOODS, 2009, p. 3). Tais instrumentos, não raro, são constituídos através de redes público-privadas ou mesmo exclusivamente privadas para a qual não houve delegação expressa de autoridade normativa, sendo que alguns desses organismos são pequenos, fechados e opacos, enquanto outros são grandes, inclusivos e transparentes (MATTLI; WOODS, 2009, p. 3). Mattli e Woods (2009, p. 4) se referem ao contexto institucional como um fator decisivo, de modo a que agências internacionais que proporcionam mecanismos de participação mais transparentes, justos acessíveis e abertos tenderiam a produzir uma regulação global mais alinhada com a defesa do interesse comum. Contudo, o diagnóstico deles é mais cético quanto à possibilidade de transformações decorrentes da política de regulação global, eis que a mudança depende de uma batalha sustentada com o apoio de empreendedores que se aproveitam de uma crise ou falha para oferecer conhecimento técnico, recursos financeiros e uma estrutura organizacional para o seu sucesso (MATTLI; WOODS, 2009, p. 4). Um fator relevante para o ceticismo consiste no fato de que a globalização da regulação tem sido marcada por posições hegemônicas de dominação a partir das grandes empresas dos Estados Unidos e da União Europeia (MATTLI; WOODS, 2009, p. 6).
Mattli e Woods (2009, p. 9), assim, investigam as condições em que costuma ocorrer a captura na regulação global. Os cientistas políticos da Universidade de Oxford definem a captura como sendo o controle do processo regulatório pelos regulados ou afetados pela regulação em seu benefício próprio e com prejuízo social (MATTLI; WOODS, 2009, p. 12). Em sua perspectiva, assimetrias acentuadas de informação, recursos financeiros e de conhecimento técnico entre grupos criam condições para captura regulatória mesmo em um contexto institucional acessível e dotado de devido processo legal (MATTLI; WOODS, 2009, p. 16). A mudança exigiria uma situação de demanda social abrangente em função da difusão de informação sobre os custos sociais da conservação do padrão regulatório e da habilidade dos reformistas de forjar alianças poderosas e duradouras pelas mudanças (MATTLI; WOODS, 2009, p. 16-17). Importante, contudo, ressalvar que as estruturas organizacionais das agências internacionais se assemelham a um clube, com ambiente fechado, secreto e caráter de exclusividade, até mesmo porque as redes regulatórias formadas por seus membros se baseiam em relações recíprocas entre atores com perfil e mentalidade muito parecida em diversas jurisdições (MATTLI; WOODS, 2009, p. 19). Nesse cenário, as reformas promovidas pelos principais reguladores globais no sentido de adotar princípios fundamentais de direito administrativo não significam que a oferta de mecanismos institucionais de devido processo legal automaticamente resulta no aumento da demanda pelo uso desses mecanismos (MATTLI; WOODS, 2009, p. 20).
A explicação advém dos altos custos para a ativação institucional desses mecanismos por conta das assimetrias de informação, conhecimento técnico e recursos organizacionais (MATTLI; WOODS, 2009, p. 21). O detentor da informação possui a “vantagem do primeiro movimento”, que pode conferir grande influência em períodos de conjuntura crítica do processo regulatório (MATTLI; WOODS, 2009, p. 21). Igualmente, a desigualdade na distribuição de conhecimento técnico, recursos técnicos e capacidade organizacional entre os diversos atores transnacionais estatais e não-estatais dificulta a participação consistente, sustentável e equilibrada de todos os potencialmente afetados pela regulação global (MATTLI; WOODS, 2009, p. 21). Nesse sentido, Mattli e Woods (2009, p. 21) consideram que os grupos precisam de uma motivação forte para agir pela mudança, dependendo da difusão de informação sobre os custos sociais da captura política da regulação global e da construção de alianças amplas sob a liderança de empreendedores públicos ou privados. Assim, a força dos “efeitos de demonstração” – o grau em que as consequências negativas da captura são reveladas ao público em sentido amplo – seria um primeiro fator para o reposicionamento da regulação global na direção do interesse comum (MATTLI; WOODS, 2009, p. 25). Além disso, o segundo fator consiste no apoio dado pela aliança de grupos com recursos, poder e conhecimento para efetivar a mudança regulatória, sob a liderança de empreendedores capazes de mobilizar a atenção e o sentimento do público através do fornecimento de informação nos períodos decisivos do processo regulatório (MATTLI; WOODS, 2009, p. 28).
Contudo, a necessidade de pressão política contínua para constranger os agentes responsáveis pela captura política também evidencia a vulnerabilidade da regulação global, eis que na medida em que o público deixa de ser mobilizado e se enfraquecem os efeitos de demonstração, a situação retornaria ao cenário anterior ao da conjuntura crítica (MATTLI; WOODS, 2009, p. 36). Por outro lado, o apoio dado pelos atores a um novo conjunto de ideias os impulsiona na direção de uma nova política repleta de novas direções e restrições, tornando mais difícil o retorno às justificativas anteriores e criando o escopo para a ampliação e o aprofundamento de uma coalizão de apoio à mudança (MATTLI; WOODS, 2009, p. 37). No cenário transnacional, o contexto institucional é mais complexo, na medida em que não existe um único regulador unitário com poder coercitivo, mas uma verdadeira “colcha de retalhos” de diferentes contextos (MATTLI; WOODS, 2009, p. 39). Ademais, a escassez de empreendedores, fraqueza da sociedade civil e a motivação baseada no próprio interesse do grande público acabam por enfraquecer as coalizões pela mudança (MATTLI; WOODS, 2009, p. 41). Mattli e Woods (2009, p. 43) concluem que a regulação global sofre o risco de captura, por conta de limitações institucionais e fraqueza na demanda por uma regulação global robusta.
Transformações Políticas da Regulação Global
Refletindo sobre a tese de captura política da regulação global após uma década desde a publicação do estudo, o diagnóstico dos cientistas políticos da Universidade de Oxford merece um contraponto. As transformações políticas da segunda década do século XXI sugerem que a regulação global não é tão suscetível de controle hegemônico. Em primeiro lugar, o espaço regulatório internacional é constituído por múltiplos atores públicos e privados, que se encontram em uma contínua interação dinâmica e que se reposicionam constantemente, de maneira a que não existe somente uma relação monopolística de dominação e de controle hegemônico do mais forte sobre o mais fraco (SCOTT, 2001; VIBERT, 2014). A regulação é formada através de dinâmicas de cooperação, competição, coalizão, deferência, moderação e de neutralidade (FORTES, 2019), sendo caracterizada no plano global pelo multilateralismo típico das relações internacionais. Em termos de teoria regulatória, o conceito de captura foi desenvolvido em resposta à teoria clássica do interesse público, apresentando-se como uma crítica aos supostos efeitos positivos da regulação diante da possibilidade de que prevaleçam os interesses privados de certos grupos e indivíduos em prejuízo do interesse social (BALDWIN; CAVE; LODGE, 2012, p. 40-46). Contudo, o debate sobre a prevalência do interesse privado ou do interesse público se tornou mais sofisticado com o surgimento de novas teorias regulatórias relativas ao poder das ideias, das instituições e do espaço regulatório (BALDWIN; CAVE; LODGE, 2012, p. 49-67).
Particularmente, no caso da regulação global, parece ser mais adequado refletir sobre o regime regulatório formado a partir de políticas, regras do jogo e múltiplos players do que uma análise com foco no regulador (SCOTT, 2011, p. 563). Como as estruturas de governança transnacional possuem um caráter fragmentado (TEUBNER, 2012), não se deve supor a existência de poderosas agências reguladoras públicas para produzir e fiscalizar o cumprimento das regras no âmbito da regulação global (SCOTT, 2011, p. 563). Assim, existe uma variedade de organizações no exercício de diversos requerimentos para viabilizar o funcionamento do regime regulatório e um conjunto difuso de instrumentos e mecanismos através do qual as normas do regime são criadas e tornadas efetivas (SCOTT, 2011, p. 563). Logo, a governança global contemporânea deixa de ser centrada em modelos hierárquicos e centralizados no Estado para serem modelos heterárquicos constituídos por uma rede regulatória formada por uma variedade de atores estatais e não-estatais (SCOTT, 2011, p. 563; OST; VAN DE KERCHOVE, 2018; GUERRA, 2012). Ora, diante da ausência de uma única poderosa agência e da necessária interdependência entre atores governamentais e não-governamentais no estabelecimento da capacidade para ação efetiva (SCOTT, 2011, p. 564), torna-se difícil imaginar que um ator seja tão poderoso a ponto de exercer controle hegemônico sobre a política regulatória. Tal circunstância se tornou ainda maior com o crescimento entre os cidadãos – destinatários finais da regulação global – por uma valorização dos processos (SCOTT, 2011, p. 567), o que facilita a mobilização de indivíduos através de redes digitais para a formulação de demandas políticas junto aos atores relevantes da regulação global sempre que um determinado processo regulatório possa vir a afetar suas vidas de maneira significativa.
Aliás, outra transformação política significativa da regulação global consistiu justamente no desenvolvimento de novos instrumentos. Não apenas ocorreu um fenômeno de crescimento de regras de conduta não-positivadas no plano internacional (SCOTT, 2011, p. 567), mas normas decorrentes de soft law – standards voluntários, protocolos técnicos, códigos de conduta, recomendações de melhores práticas – são cada vez mais incorporados ao direito positivo como normas de conduta no âmbito de sistemas jurídicos internos. Importante decorrência dessa forma de difusão normativa é que os organismos internacionais definidores das regras normalmente não possuem os mecanismos para monitoramento e fiscalização do seu cumprimento (SCOTT, 2011, p. 568). Contudo, a questão mais importante é se tais normas são seguidas, sendo que sua natureza e conteúdo normativo são, em tese, os fatores relevantes para se estimar seu potencial para cumprimento (SCOTT, 2011, p. 568). Por outro lado, não existe dúvida de que a institucionalização de monitoramento e de fiscalização podem ser decisivos para o efetivo cumprimento das regras (SCOTT, 2011, p. 569). A experiência revela uma difusão não coordenada de mecanismos ao redor do globo em função da ausência de um sistema jurídico global formalmente unificado, sendo desenvolvida uma pluralidade normativa de regimes normativos conforme os contextos particulares e as perspectivas dos atores jurídicos envolvidos na produção de instrumentos no nível nacional, regional e local (SCOTT, 2011, p. 570). Nesse cenário, merece destaque, inclusive, o papel regulatório da tutela coletiva de direitos a partir da globalização da class action estadunidense ao redor do globo e do aumento do papel do Poder Judiciário na definição das regras do jogo a partir do julgamento de ações coletivas (FORTES, 2019).
Também merece ser ressaltado o desenvolvimento do direito administrativo global em decorrência dessa estrutura regulatória. Paul Craig (2015, p. 569) reconhece as redes regulatórias como um fator relevante para transformação da ordem política global e para a fundação do direito administrativo global. A difusão de normas de conduta é transmitida através de unidades governamentais e não-governamentais de caráter transnacional e doméstico, tendo a função de disseminar meios de controle, de comunicação e de harmonização da regulação global (CRAIG, 2015, p. 570). A justificativa inicial para a regulação global também decorre da defesa do interesse público no combate às falhas de mercado típicas – monopólios naturais, atividades criadoras de externalidades para terceiros e assimetrias de informação e poder (CRAIG, 2015, p. 580-582). Também no debate sobre a justificativa para fundação do direito administrativo global, surge a discussão sobre como os grupos de interesse podem se beneficiar das medidas prescritas, mas Paul Craig (2015, p. 584) enfatiza que o risco de captura se encontra normalmente junto aos políticos que possuem o poder para apresentar uma resposta para a medida proposta e entregar tal medida em termos concretos. Uma perspectiva realista das relações internacionais identifica que os Estados mais poderosos têm meios de obter o apoio dos Estados menos poderosos para as medidas de seu interesse na definição dos standards normativos de caráter público dentre organismos internacionais (CRAIG, 2015, p. 588). A teoria da complementaridade institucional explica que a influência dos atores no processo regulatório global também depende da capacidade de suas empresas e órgãos domésticos de interagir com as organizações internacionais em termos de conhecimento técnico e recursos econômicos (CRAIG, 2015, p. 589-590). Um aspecto importante que merece ser considerado é o papel do Poder Judiciário também na fundação do direito administrativo global, tanto pela expansão da adjudicação nesse terreno, quanto pela expansão dos tribunais administrativos internacionais, do controle judicial dos standards e da arbitragem (CRAIG, 2015, p. 592-622).
Em síntese, existe uma pluralidade não somente de regras de conduta e de instrumentos jurídicos, mas também de órgãos administrativos e judiciais, de modo que o espaço regulatório é moldado pela interação dinâmica entre eles (CRAIG, 2015, p. 663). Essa dimensão pluralista resulta no nível do direito administrativo nacional em um conjunto misto de técnicas jurídicas e políticas que deve ser otimizado de maneira a se assegurar a proteção dos interesses jurídicos daquele povo em particular (CRAIG, 2015, p. 665). Nesse sentido, o principal desafio para se estabelecer um regime regulatório global coerente com a adoção de padrões normativos capazes de definir as regras institucionais e de promover o desenvolvimento humano não se encontra no estágio de produção da regulação global, mas principalmente no estágio de aplicação concreta dos standards normativos.
Portanto, a tese da captura política da regulação global de Mattli e Woods deve ser reexaminada, eis que a rede regulatória não está tão suscetível ao controle hegemônico de um único player poderoso, sendo constituída pela interação multilateral e dinâmica de múltiplos atores públicos e privados. Ademais, o espaço regulatório global está dotado de instrumentos e processos regulatórios para a difusão das regras de conduta decorrentes da regulação global. Além disso, o desenvolvimento do direito administrativo global estabeleceu uma série de mecanismos de participação, controle e de devido processo legal, de modo a ampliar a profissionalização dos organismos internacionais e a institucionalização da própria regulação global. Embora a análise dos regimes de incentivos e benefícios dos indivíduos responsáveis pela produção normativa e o tema da captura sejam relevantes, outros desafios para a regulação global advêm dos riscos da ruptura e da adaptação na aplicação concreta dos standards normativos. Tais aspectos são evidenciados pelo estudo de caso da regulação global para combate à COVID-19.
A regulação global para combate à COVID-19 e os riscos de Captura, Ruptura e Adaptação.
A análise empírica da política da regulação global demonstra que o desafio para a regulação global não decorre somente do risco de captura, mas também do risco de ruptura e da adaptação na aplicação concreta dos standards normativos. Etimologicamente, a ruptura consiste no ato de ato de romper, isto é, em uma quebra de continuidade (PERRONE, 2016), o que pode importar em rompimento na estrutura da rede regulatória, pela recusa na adoção dos standards normativos por algum dos atores relevantes. No cenário atual da regulação global, existem diversos exemplos pródigos de ruptura. No controle de emissão de poluição ambiental por parte da indústria automobilística internacional, certos atores privados optaram pela prática de atos ilícitos de alcance global através da instalação de artifícios fraudulentos nos veículos a diesel e na emissão de grande volume de óxido de nitrogênio na atmosfera (EWING, 2017; DI RATTALMA, 2017; KOLBA, 2017). Na governança global do futebol internacional, o organismo internacional realizou uma ampla reforma institucional e adotou regras de conduta e de reorganização institucional do esporte cuja aplicação não foi contudo compulsoriamente estendida às federações regionais, nacionais e locais (PIETH, 2014). O controle normativo dos algoritmos também enfrenta resistência por parte dos principais atores da economia digital em realizar auditorias e corrigir os efeitos discriminatórios, redistributivos e disruptivos decorrentes da normatividade embutida nos códigos, fórmulas e comandos decorrentes da tecnologia de informação global (LESSIG, 2003; O’NEIL, 2016). O estudo de caso da regulação global para prevenção de mortes por COVID-19 também demonstra o risco de ruptura e da adaptação na aplicação dos standards normativos a partir da decisão de atores relevantes de recusa na adoção de regras de conduta preconizadas para a proteção do interesse comum.
O ponto de partida para a presente análise deve ser necessariamente o Relatório da Missão Conjunta OMS-China sobre a Doença Coronavírus 2019 (COVID-19). O objetivo geral da missão conjunta foi a coleta de informações para o planejamento e preparação das respostas e dos próximos passos da comunidade internacional para a prevenção e o combate da nova doença COVID-19 (WHO; CHINA, 2020, p. 3). Por sua vez, os objetivos mais específicos consistiam em: (a) aumento do conhecimento sobre a evolução do surto de COVID-19 na China e da natureza e impacto das medidas de contenção; (b) o compartilhamento de informação sobre a resposta ao COVID-19 e a preparação das medidas a serem implementadas nos países infectados e com risco de infecção futura; (c) a elaboração de recomendações de medidas de contenção e resposta ao COVID-19 adaptáveis internacionalmente; (d) o estabelecimento de prioridades para um programa colaborativo de trabalho, pesquisa e desenvolvimento para cobrir as lacunas críticas em conhecimento, respostas, atividades e instrumentos (WHO; CHINA, 2020, p. 3). O trabalho da missão foi realizado entre os dias 16 e 24 de fevereiro de 2020 na China, tendo sido realizadas sessões de seminário de introdução e de conclusão, visitas de campo e encontros para discussão, consulta e entrevista com uma série de governadores, prefeitos, cientistas, médicos, equipes de atendimento de emergência, assistentes sociais e administradores locais (WHO; CHINA, 2020, p. 3-4). A missão foi constituída por 25 especialistas de países como China, Alemanha, Japão, Coréia do Sul, Nigéria, Rússia, Singapura e dos Estados Unidos da América (WHO; CHINA, 2020, p. 3).
Com relação ao novo vírus, o relatório aponta que as primeiras amostras foram coletadas no dia 30 de dezembro de 2019 de um paciente com pneumonia viral de etiologia desconhecida no Hospital de Wuhan (WHO; CHINA, 2020, p. 4). O sequenciamento do genoma desse novo Coronavírus SARS-CoV-2 evidenciou a existência de uma relação com um vírus encontrado em morcegos – uma identidade de 96% com o BatCov RaTG13. (WHO; CHINA, 2020, p. 3). Amostras retiradas do cadáver de um homem de 50 anos de Wuhan apresentaram danos alveolares difusos bilaterais, indicando Síndrome Aguda de Insuficiência Respiratória (WHO; CHINA, 2020, p. 5). O surto epidemiológico teve crescimento exponencial de casos de contágio e de morte, sendo que a curva epidemiológica atingiu o seu pico no dia 01 de fevereiro de 2020, iniciando um declínio consistente a partir dessa data (WHO; CHINA, 2020, p. 6-7). A COVID-19 é transmitida através de gotículas ou de materiais contaminados durante contato próximo e desprotegido entre o infectante e o infectado, sendo que o principal foco de transmissão na China foi no interior das famílias (WHO; CHINA, 2020, p. 8).
O país desenvolveu uma política meticulosa de identificação dos casos e dos contactantes, além de uma política abrangente de vigilância sanitária e de controle por meio de testagem de febre e de doenças respiratórias assemelhadas ao COVID-19 (WHO; CHINA, 2020, p. 8-9). Por se tratar de uma patogenia nova, todos os organismos humanos estão destituídos de imunidade pré-existente e suscetíveis à infecção, mas fatores de risco podem aumentar a suscetibilidade para a doença (WHO; CHINA, 2020, p. 9-10). Com base na experiência de Wuhan, uma série abrangente de intervenções foi adotada, incluindo a identificação agressiva de casos e de contactantes, controle do isolamento e de distanciamento social extremo para interrupção das cadeias de transmissão no país (WHO; CHINA, 2020, p. 10). Com relação à severidade da COVID-19, cerca de um quinto dos contaminados se torna doente de maneira severa ou crítica – especialmente pessoas acima de 60 (sessenta) anos ou com comorbidades como hipertensão, diabetes, doença cardiovascular, doença respiratória crônica ou câncer (WHO; CHINA, 2020, p. 12).
O relatório dividiu as respostas adotadas pela China em três estágios distintos. Na primeira etapa, a estratégia principal foi de impedir a exportação de casos para outras províncias através do controle da fonte da infecção, do bloqueio da transmissão e da prevenção de maior contaminação (WHO; CHINA, 2020, p. 14). Foram desenvolvidos os protocolos para diagnose e tratamento de COVID-19, vigilância sanitária, investigação epidemiológica, gerenciamento de contatos próximos e testagens de laboratório (WHO; CHINA, 2020, p. 14-15). Na segunda etapa, a principal estratégia consistiu na redução da intensidade da epidemia e do aumento do número de casos, sendo que em Wuhan o foco foi no tratamento dos doentes, redução do número de mortes e contenção da disseminação da doença (WHO; CHINA, 2020, p. 15). Além das medidas adotadas para que todos os casos forem tratados e que todos os contactantes próximos fossem identificados, isolados e colocados sob observação médica, medidas complementares incluíram a extensão de feriados, o controle do tráfego, o controle da capacidade do sistema de transportes e o cancelamento de atividades com aglomeração em massa de pessoas (WHO; CHINA, 2020, p. 15). A terceira etapa se concentrou na redução dos focos de contágio, através de um controle epidêmico e da busca de um equilíbrio entre o controle epidêmico, o desenvolvimento sustentável e a implementação de uma política pública de prevenção e combate ao vírus com base no conhecimento científico (WHO; CHINA, 2020, p. 15). Em Wuhan, o foco no tratamento dos pacientes e na interrupção do contágio resultou na adoção de medidas concretas para a testagem, acolhimento e tratamento de todos os doentes, ao passo que foi adotada uma estratégia de prevenção e controle baseada em risco para as medidas diferenciadas aplicadas no resto do país (WHO; CHINA, 2020, p. 15).
Por ocasião da elaboração do relatório, a avaliação da missão conjunta foi no sentido de que a resposta chinesa tinha sido bem-sucedida, baseada em procedimentos científicos, apoiada por solidariedade social e ação política coordenada, tendo sido bem sucedida na contenção da disseminação e na redução real de casos do novo Coronavírus SARS-CoV-2, o que permitiria que a China retornasse às suas atividades econômicas e sociais regulares em breve (WHO; CHINA, 2020, p. 16-18). Ao final do relatório, foi feito o diagnóstico de um cenário severo para a comunidade internacional de que a doença COVID-19 é um novo patogênico diferente de SARS e de influenza, altamente contagioso, capaz de se espalhar rapidamente e de causar enorme impacto para a saúde, a economia e a sociedade (WHO; CHINA, 2020, p. 18). Apesar de a comunidade internacional ainda não estar preparada mentalmente e materialmente para implementar a resposta adotada pela China, tais medidas foram bem sucedidas na eliminação e redução do contágio, sendo fundamental a detecção imediata de casos, a vigilância proativa, o diagnóstico muito rápido seguido do isolamento dos doentes, o rigoroso monitoramento e quarentena dos contactantes próximos, bem como um alto grau de compreensão e de aceitação pela população dessas medidas (WHO; CHINA, 2020, p. 19). Tais medidas devem proporcionar ganho de tempo para se preparar uma resposta global urgente com o desenvolvimento de instrumentos específicos necessários para parar a ação desse novo vírus (WHO; CHINA, 2020, p. 20).
As recomendações para os países afetados pelo COVID-19 foram as seguintes: (1) ativar imediatamente o mais alto nível de resposta e assegurar que todo o governo e toda a sociedade adotem medidas de saúde pública não farmacêuticas para contenção do COVID-19; (2) priorizar ativa e exaustivamente o diagnóstico, testagem e isolamento de casos, bem como localizar e colocar em quarentena os contactantes próximos; (3) educar amplamente o público em geral sobre a seriedade da COVID-19 e sobre o seu papel na prevenção da disseminação da doença; (4) expandir imediatamente a vigilância para detectar cadeias de transmissão de COVID-19, através da testagem de pacientes com pneumonias atípicas, da realização de exames de imagem nos pacientes com doenças respiratórias e/ou exposição ao COVID-19, além de testagem adicional para o vírus COVID-19 nos sistemas de vigilância existentes (para SARS e Influenza); e (5) conduzir planejamento e simulação multissetorial de cenários para o eventual emprego de medidas mais rigorosas de interrupção da cadeia de transmissão caso necessário, com, por exemplo, suspensão de locais de grande aglomeração e o fechamento de escolas e de locais de trabalho (WHO; CHINA, 2020, p. 21-22).
Além das recomendações voltadas para os Estados, foram feitas recomendações dirigidas especificamente aos indivíduos que foram o público destinatário da regulação global, no sentido de (1) reconhecer a COVID-19 como uma nova e preocupante doença, mas cujos surtos podem ser controlados e que a maioria das pessoas infectadas deverá se recuperar; (2) adotar imediatamente a prática preventiva de frequentemente lavar as mãos e sempre cobrir a boca e o nariz ao espirrar e tossir; (3) atualizar-se continuamente sobre os sintomas de COVID-19, eis que estratégias e respostas serão aprimoradas na medida em que o conhecimento seja diariamente acumulado sobre a nova doença; (4) estar preparado para apoiar ativamente a resposta ao COVID-19 de uma série de maneiras, inclusive através da adoção de medidas mais rigorosas de distanciamento social e da ajuda à população idosa de mais alto risco (WHO; CHINA, 2020, p. 22).
Finalmente, foram feitas ainda recomendações para a comunidade internacional: (1) reconhecer que a colaboração e solidariedade verdadeira entre as nações é essencial para superar os desafios trazidos pela COVID-19; (2) rapidamente compartilhar informação tal como requerido pelas Regulações Internacionais da Saúde, incluindo informação detalhada sobre os casos importados para facilitar o monitoramento de contactantes e informar as medidas de contenção de contágio nos vários países; (3) reconhecer o perfil altamente dinâmico do risco do COVID-19 de afetar países, monitorar continuamente tendências de surto e reavaliar qualquer medida sanitária adicional que possa significativamente interferir com viagens e o comércio internacional (WHO; CHINA, 2020, p. 23).
Importante, a OMS se trata de um organismo internacional que possui a missão de coordenação da atuação integrada dos 194 países membros na regulação sanitária global. Originalmente, seu escopo de atuação era limitado ao controle e combate de um número relativamente reduzido de doenças contagiosas. Contudo, após a epidemia de SARS em 2002-2003, a então Diretora-Geral e ex-Primeira-Ministra da Noruega, Dra. Gro Harlem Brundtland mobilizou a comunidade internacional para que fosse aprovada uma reforma na Regulação Internacional da Saúde em 2005, de maneira a ampliar o escopo de atuação da OMS em caso de surgimento de novas emergências sanitárias de caráter internacional (BURANYI, 2020). Assim, a OMS possui poder de emitir recomendações, de identificar casos de Emergência de Saúde Pública de Preocupação Internacional e de declarar uma situação de pandemia, mas não possui o poder de exigir o cumprimento de suas normas regulatórias dos Estados e depende do seu potencial persuasivo (BURANYI, 2020; HERNÁNDEZ, 2020).
Particularmente no caso das recomendações relativas à contenção de COVID-19, por exemplo, a OMS lutou fortemente para transmitir uma mensagem clara e direta da gravidade da emergência, mas as respostas de certos países-membros – especialmente dos Estados Unidos e do Reino Unido – foi frustrante, tendo as autoridades ignorado largamente os alarmes soados (BURANYI, 2020). Não por acaso, por ocasião da declaração oficial de que havia uma pandemia de COVID-19, no dia 11 de março de 2020, a OMS declarou que ainda havia níveis alarmantes de inércia e de inação por parte de vários países, recusando-se, contudo, a nominar os países que vinham descumprindo as regulações por não ter a praxe de criticar seus Estados-Membros em público (BURANYI, 2020). Parte da explicação para essa situação decorre da falta de poder punitivo, eis que a OMS não pode sancionar ou multar aqueles que violam suas recomendações, dependendo de que suas normas regulatórias sejam internalizadas pelos Estados-Membros e que sua aplicação e efetivo cumprimento sejam fiscalizados no âmbito nacional, regional e local pelas autoridades ao longo da rede regulatória sanitária global.
O estudo de caso da regulação global no combate à pandemia e na prevenção da disseminação da doença COVID-19 é um exemplo prodigioso para reflexão sobre os riscos de captura, ruptura e adaptação regulatória. Em primeiro lugar, não há dúvida do risco de captura política na regulação global merece ser investigada. Embora haja indícios de que teria ocorrido demora de algumas semanas para que a OMS fosse oficialmente informada do surto de COVID-19 em Wuhan e que a República Popular da China tivesse se recusado a receber a visita de uma missão oficial em janeiro de 2020, a OMS não fez ressalvas oficiais à resposta chinesa ao COVID-19 (BURANYI, 2020; HERNÁNDEZ, 2020). A explicação para o silêncio seria decorrente da necessidade de a OMS contar com a cooperação das autoridades chinesas para coletar informações sobre o surto, o que foi possível somente no mês de fevereiro de 2020, mas tal estratégia poderia comprometer a sua credibilidade e gerar desconfiança sobre uma possível influência chinesa sobre a OMS (BURANYI, 2020; HERNÁNDEZ, 2020). Eventual falha regulatória decorrente de atraso das autoridades locais chinesas na comunicação de COVID-19 merece ser objeto de apuração, reflexão e análise crítica, existindo inclusive vozes que já defendem a responsabilidade internacional da República Popular da China pela falha na contenção da epidemia (MAZZUOLI, 2020). Além disso, o governo dos Estados Unidos também determinou a realização de uma investigação interna sobre a atuação da OMS e sua proximidade com o governo chinês, inclusive suspendendo o repasse de fundos para o seu custeio orçamentário, iniciativa contudo criticada e interpretada como tentativa de transferência de responsabilidade política (SHEAR; McNEIL JR., 2020). Caso tenha ocorrido, de fato, influência indevida do interesse privado em detrimento do interesse público, a demonstração empírica da captura regulatória deverá ser feita (CARPENTER; MOSS, 2014).
Ademais, o risco político da regulação global não reside somente na captura do organismo responsável pela produção normativa global, mas também na possibilidade do risco de ruptura da rede regulatória nos locais de implementação e aplicação efetiva das medidas concretas. No caso da regulação sanitária global para combate à COVID-19, por exemplo, a recomendação do organismo internacional foi clara no sentido da necessidade de reorientação dos Estados, dos indivíduos e da comunidade internacional no sentido de adotar novos padrões de comportamento para que sejam salvas as vidas dos doentes infectados. Contudo, a emergência do paradigma humanitário de esforço prioritário para a proteção da saúde e da vida humana encontrou reações econômicas, resistências políticas, críticas filosóficas, desmobilizações sociais e ceticismos empíricos. Apesar da evidente contundência do discurso de severidade do COVID-19 e de que a pandemia poderia causar milhões de mortes em inúmeros países, as reações imediatas de declínio financeiro e de expectativa de recessão econômica provocaram entre economistas e empresários algumas reações contrárias às recomendações sanitárias (LIPTON et al., 2020). Consequentemente, diante do peso político do empresariado, alguns governantes se mantiveram inertes ao invés de adotar imediatamente as medidas de suspensão de atividades econômicas e sociais que poderiam reduzir a aglomeração de pessoas (LIPTON et al., 2020). Logo, houve risco de ruptura da rede regulatória global, na medida em que destinatários da regulação sanitária global ignoraram as recomendações efetuadas pela OMS, minimizando a seriedade da situação de emergência sanitária e deixando de adotar as providências recomendadas para combate à COVID-19 (LIPTON et al., 2020).
Também é importante salientar que a regulação sanitária global foi formulada através de recomendações genéricas, sendo que existe necessariamente um exercício de adaptação específica dos standards normativos para as circunstâncias locais e o contexto institucional especial dos destinatários da regulação global. Nesse sentido, existe o desafio de traduzir a estratégia bem-sucedida de contenção do COVID-19 em Wuhan para as possibilidades e limites concretos encontrados em Milão, Heinsberg, Nova Iorque e Rio de Janeiro. Cada um desses locais possui organizações, autoridades e sociedade civil politicamente institucionalizadas de maneira diferente, o que influencia a recepção das normas e standards provenientes da regulação global. Além da existência de fatores institucionais relativos à forma de Estado, regime político, sistema partidário, modelo de separação de poderes, a aplicação concreta da regulação sanitária global é influenciada por outros aspectos relativos à cultura jurídico-política, ideologia, economia, sociedade, ciência e tecnologia existentes.
A própria OMS reconhece a importância de que cada Estado adote estratégias adaptativas com base em análises de risco, capacidade e vulnerabilidade (WHO, 2020, p. 09-10). Um aspecto importante da construção institucional para enfrentamento de crises decorre da “plasticidade” do desenho de soluções institucionais sob medida para os problemas enfrentados e que possuem um conteúdo inovador e que podem ser recombinados conforme as capacidades práticas e modos de reorganização do trabalho, governo e economia (UNGER, 2004). Além disso, o conceito de “fricção” – originado na física e adaptado por Clausewitz (1982, p. 164-167) para a teoria da guerra – deve ser ajustado para a análise teórica da regulação sanitária global, na medida em que existe uma diferença entre o planejamento ideal e as intenções da OMS nessa guerra epidemiológica e a experiência real a partir da conduta concreta de autoridades, público e comunidade internacional. Aliás, a diferença entre a recomendação do regulador global e a experiência prática no âmbito da regulação local equivale justamente a essa fricção. Contudo, com relação às consequências práticas da política pública adotada, existe uma “modulação” representada pelas curvas de dados estatísticos na saúde e na economia, que estão correlacionados com o tipo e o grau de medidas regulatórias adotadas com base no efeito potencial com relação às consequências esperadas.
Particularmente no caso da regulação global de COVID-19, existe ainda debate sobre os efeitos humanitários e econômicos das medidas recomendadas de isolamento social e como a modulação da regulação influenciaria o número de vítimas fatais e a produção interna bruta. Contudo, mesmo o Professor da Harvard Law School, Cass Sunstein (2018, 2020), conhecido crítico do princípio da precaução e adepto da análise de custo e benefício, considerou recomendável a adoção de medidas de fechamento de atividades econômicas e de quarentena, salientando que os efeitos nocivos da pandemia teriam custo econômico enorme. Por outro lado, o repertório de estratégicas para contenção de COVID-19 inclui uma tipologia de padrões com gradação diferenciada, incluindo a eliminação (elimination), o trancamento (lockdown), o isolamento social (social distancing), sendo que no Brasil já se discute as espécies horizontal, vertical e diagonal dessa estratégia. Em meados de abril de 2020, também surgiram diferentes posturas e estratégicas políticas para a retomada de atividades sociais e econômicas que mereceram atenção da OMS. Além de recomendar que tais decisões devem se basear sobretudo na saúde humana e guiadas pela informação sobre o vírus, a OMS emitiu uma série de coordenadas para os países levantarem as medidas de contenção da COVID-19: 1) a transmissão de COVID-19 foi controlada; 2) capacidades suficientes de saúde pública e do sistema de saúde estão disponíveis; 3) os riscos de surtos em ambientes altamente vulneráveis foram minimizados; 4) medidas preventivas nos locais de trabalho foram estabelecidas; 5) o risco de importação de casos foi administrado; 6) a sociedade e as comunidades estão totalmente engajadas (WHO, 2020, p. 10-11). Por ocasião da conclusão desse estudo, Áustria, Itália, Noruega e Espanha iniciavam o processo de levantamento das medidas restritivas e outros países também estavam preparando suas estratégias de atuação nesse sentido (HENLEY, 2020). À medida em que cada Estado nacional for adotando sua estratégia política de levantamento de medidas de contenção, estaremos diante de uma conjuntura histórica crítica da regulação global, de um teste de resiliência do Estado Democrático de Direito e de uma experiência social de necessária cooperação diante dos desafios apresentados para governantes, sociedades e comunidade internacional quanto à aplicação mais adequada de medidas de combate à COVID-19 (JENKINS, 2020).
Conclusões
O presente trabalho consiste em uma reflexão sobre os desafios contemporâneos da regulação global, com o objetivo de expandir a discussão sobre seus riscos a partir da análise do espaço regulatório complexo e fragmentado e de uma estrutura formada por uma rede regulatória em que os standards normativos são difundidos através de pontos focais em que são traduzidos em regras de conduta localizadas para os seus destinatários finais. A partir dessa perspectiva, o debate teórico transcende a discussão clássica entre teorias regulatórias publicistas e privatistas, vindo a incorporar outros elementos conceituais adequados para a análise da interação dinâmica entre os atores institucionais relevantes para o processo regulatório. No estudo de caso da regulação global de combate à COVID-19, por exemplo, foram discutidos também os riscos de ruptura e da adaptação, indicando-se a plasticidade, a fricção e a modulação como aspectos conceituais relevantes para o aprofundamento da discussão sobre a difusão dos standards normativos da regulação global e sua aplicação concreta através de medidas adotadas conforme circunstâncias locais e o contexto institucional.
Por conta da forma reduzida de um artigo e por explorar um estudo de caso ainda em estágio inicial, o presente trabalho possui limites de escopo e de detalhamento. Por outro lado, possui relevância pela reflexão original do ponto de vista teórico e empírico para subsidiar futuros trabalhos sobre o tema da regulação global de combate à COVID-19. Pesquisas complementares devem aprofundar o mapeamento empírico dos riscos de captura, ruptura e de adaptação, analisando, por exemplo, escolhas regulatórias acolhedoras de interesses privados da indústria, posturas isolacionistas de rompimento com a OMS e eventual recorrência de surtos epidêmicos de COVID-19 devido a falhas regulatórias. Além disso, outros temas relevantes não foram abordados no presente estudo, mas certamente devem ser incluídos na agenda de pesquisa e investigação sobre a COVID-19, tais como o papel do Direito e Políticas Públicas (BUCCI, 2019), do Direito e Desenvolvimento Econômico (COUTINHO, 2016) e do paradigma humanitário sobre a cultura jurídica, o direito constitucional, o direito civil e os demais ramos do direito positivo.
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Notas
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